Artigo Ayres

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UNICEUB – CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA MESTRADO EM DIREITO PÚBLICO DISCIPLINA: TEORIA E REALIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PROFESSOR DOUTOR: MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO ALUNO: ANDRÉ LUIS BRANCO LOPES MATRÍCULA: 61350101 O DIREITO DE IGUALDADE E O SISTEMA DE COTAS Uma breve reflexão acerca da igualdade no Sistema de Cotas Brasileiro sob a ótica do modelo proposto por Robert Alexy

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UNICEUB CENTRO UNIVERSITRIO DE BRASLIAMESTRADO EM DIREITO PBLICODISCIPLINA: TEORIA E REALIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAISPROFESSOR DOUTOR: MINISTRO CARLOS AYRES BRITTOALUNO: ANDR LUIS BRANCO LOPESMATRCULA: 61350101

O DIREITO DE IGUALDADE E O SISTEMA DE COTASUma breve reflexo acerca da igualdade no Sistema de Cotas Brasileiro sob a tica do modelo proposto por Robert Alexy

Fevereiro - 2015UNICEUB CENTRO UNIVERSITRIO DE BRASLIAMESTRADO EM DIREITO PBLICODISCIPLINA: TEORIA E REALIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAISPROFESSOR DOUTOR: MINISTRO CARLOS AYRES BRITTOALUNO: ANDR LUIS BRANCO LOPESMATRCULA: 61350101

O DIREITO DE IGUALDADE E O SISTEMA DE COTASUma breve reflexo acerca da igualdade no Sistema de Cotas Brasileiro sob a tica do modelo proposto por Robert Alexy

O presente trabalho destina-se a compor o cabedal de elementos avaliativos da disciplina Teoria e Realidade dos Direitos Fundamentais, ministrada pelo Professor Doutor Ministro Carlos Ayres Britto durante o segundo semestre do ano de 2014.

Fevereiro - 2015O DIREITO DE IGUALDADE E O SISTEMA DE COTASUma breve reflexo acerca da igualdade no Sistema de Cotas Brasileiro sob a tica do modelo proposto por Robert Alexy

Existiria a verdadeVerdade que ningum vSe todos fossem no mundo iguais a vocTom Jobim e Vincius de Moraes Se todos fossem iguais a voc

Ao observarmos a Constituio Brasileira, nos deparamos com um refinado sistema de distribuio de direito fundamentais cuja concretizao exige a participao dos mais diversos atores sociais, em especial dos que labutam na esfera jurdica. Especificamente no que se circunscreve ao direito de igualdade, reconhecemos sua presena em diversos momentos do texto. Uma busca eletrnica realizada por intermdio de editor de textos, evidencia os seguintes trechos: PREAMBULONs, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrtico, destinado a assegurar o exerccio dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurana, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justia como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a soluo pacfica das controvrsias, promulgamos, sob a proteo de Deus, a seguinte CONSTITUIO DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Art. 3 Constituem objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil:III - erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

Art. 4 A Repblica Federativa do Brasil rege-se nas suas relaes internacionais pelos seguintes princpios:V - igualdade entre os Estados;

Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres so iguais em direitos e obrigaes, nos termos desta Constituio;

XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vnculo empregatcio permanente e o trabalhador avulso.

Art. 14. A soberania popular ser exercida pelo sufrgio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

Art. 37. A administrao pblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios obedecer aos princpios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia e, tambm, ao seguinte:XXI - ressalvados os casos especificados na legislao, as obras, servios, compras e alienaes sero contratados mediante processo de licitao pblica que assegure igualdade de condies a todos os concorrentes, com clusulas que estabeleam obrigaes de pagamento, mantidas as condies efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitir as exigncias de qualificao tcnica e econmica indispensveis garantia do cumprimento das obrigaes.

Art. 43. Para efeitos administrativos, a Unio poder articular sua ao em um mesmo complexo geoeconmico e social, visando a seu desenvolvimento e reduo das desigualdades regionais.Art. 104. O Superior Tribunal de Justia compe-se de, no mnimo, trinta e trs Ministros.II - um tero, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministrio Pblico Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territrios, alternadamente, indicados na forma do art. 94.

Art. 121. Lei complementar dispor sobre a organizao e competncia dos tribunais, dos juzes de direito e das juntas eleitorais. 2 - Os juzes dos tribunais eleitorais, salvo motivo justificado, serviro por dois anos, no mnimo, e nunca por mais de dois binios consecutivos, sendo os substitutos escolhidos na mesma ocasio e pelo mesmo processo, em nmero igual para cada categoria.

Art. 150. Sem prejuzo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, vedado Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios:II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situao equivalente, proibida qualquer distino em razo de ocupao profissional ou funo por eles exercida, independentemente da denominao jurdica dos rendimentos, ttulos ou direitos;

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecero: 7 - Os oramentos previstos no 5, I e II, deste artigo, compatibilizados com o plano plurianual, tero entre suas funes a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critrio populacional.

Art. 170. A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados os seguintes princpios:VII - reduo das desigualdades regionais e sociais;

Art. 196. A sade direito de todos e dever do Estado, garantido mediante polticas sociais e econmicas que visem reduo do risco de doena e de outros agravos e ao acesso universal e igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo e recuperao.Art. 206. O ensino ser ministrado com base nos seguintes princpios:I - igualdade de condies para o acesso e permanncia na escola;

Art. 226. A famlia, base da sociedade, tem especial proteo do Estado. 5 - Os direitos e deveres referentes sociedade conjugal so exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

Art. 227. dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso.(Redao dada Pela Emenda Constitucional n 65, de 2010) 3 - O direito a proteo especial abranger os seguintes aspectos:IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuio de ato infracional, igualdade na relao processual e defesa tcnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislao tutelar especfica;

Neste contexto constitucional, e diante da proposta lanada na Disciplina Teoria e Realidade dos Direitos Fundamentais do curso de mestrado do UNICEUB, ministrada pelo Professor Doutor Ministro Carlos Ayres Britto, passamos a debater a perspectiva da doutrina de Robert Alexy ao tratar da Igualdade e test-la empiricamente na analise do caso das cotas raciais em universidades pblicas no Brasil.Em sua obra Teoria dos Direito Fundamentais, Robert Alexy reflete sobre o principio geral de igualdade, prescrito no art. 3, I da Constituio alem: todos so iguais perante a lei, e essa literalidade normativa define um dever de igualdade na aplicao do direito, devendo ser desconsideradas as questes de natureza pessoal.Essa regra geral revela-se complexa quando aplicada com o caso concreto, diante da necessidade de regramento para determinao de conceitos vagos, ambguos e valorativamente abertos.As normas jurdicas devem ser cumpridas, e esse dever de obedecer s normas jurdicas j algo que elas mesmas j afirmam, expressando um dever-ser, bastando, para a aplicao do dever de igualdade apenas aquilo que j de qualquer forma aplicvel se as normas jurdicas so vlidas.A doutrina brasileiro afina-se com essa reflexo. Celso Antnio Bandeira de Melo, sem seu livro denominado O contedo Jurdico do Princpio da Igualdade, leciona que:o preceito magno da igualdade, como j tem sido assinalado, norma voltada quer para o aplicador da lei quer para o prprio legislador. Deveras, no s perante a norma posta se nivelam os indivduos, mas, a prpria edio dela assujeita-se ao dever de dispensar tratamento equnime s pessoas[footnoteRef:1] [1: Mello, Celso Antonio Bandeira, O Contedo Jurdico do Princpio da Igualdade, SP, Ed. Saraiva, 3a Ed., 2000, pg. 12-13]

Na dico de Celso Ribeiro Bastos:desde priscas eras tem o homem se atormentado com o problemas das desigualdades inerentes ao seu ser e estrutura social em que se insere. Da ter surgido a noo de igualdade que os doutrinadores comumente denominam igualdade substancial. Entende-se por esta, a equiparao de todos os homens no que diz respeito ao gozo e fruio de direitos, assim com sujeio a deveres.[footnoteRef:2] [2: BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional, SP, Ed. Saraiva, 18 ed., 1997, pg. 179]

Nessa ordem de ideias, o doutrinador alemo afirma que no possvel a exigncia de que todos sejam tratados da mesma maneira ou que sejam considerados idnticos em todos os aspectos, mas sim os legisladores e aplicadores do direito no podem permitir que seja utilizada qualquer diferenciao ou distino, formulando o questionamento aristotlico acerca da eventual possibilidade de se encontrar um encontrar um meio-termo entre esses dois extremos. Neste ponto, o pensamento alexyano coincide com a jurisprudncia do Tribunal Constitucional Federal, que fixa como termo mdio a seguinte expresso: O igual deve ser tratado igualmente, o desigual, desigualmente.Novamente, no direito brasileiro h um brocardo diretor das interpretaes jurdicas acerca do tema igualdade que guarda pertinncia com o entendimento do Tribunal Constitucional Alemo e com Robert Alexy. Trata-se da clebre frase de Rui Barbosa em seu texto denominado Orao aos Moos, vejamos: A regra da igualdade no consiste seno em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada desigualdade natural, que se acha a verdadeira lei da igualdade.[footnoteRef:3] [3: Link da internet: http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/rui_barbosa/FCRB_RuiBarbosa_Oracao_aos_mocos.pdf, acessado em 20/02/2015.]

Para a concretizao deste pensamento, faz-se necessrio definir quem so os iguais e os desiguais, parametrizando os critrios de distino entre as pessoas e as situaes que exigiro tratamento jurdico ora igual ora desigual.Na percepo de Alexy, existem duas possibilidades hermenuticas para a frmula: o igual deve ser tratado igualmente, o desigual, desigualmente. A primeira possibilidade a que lana olhar de igualdade para todos os indivduos, com normas universais e de concretizao idntica para dos os iguais, sem qualquer outra modalidade de distino a no ser a prevista na norma.A segunda pugna por um enfoque de igualdade material. Para se alcanar a plena igualdade material prescrita na norma, esta deve ser interpretada de modo a transcender a pura lgica normativa, e objetivando uma igualdade material (dever material de igualdade).Vejamos o que nos ensina Alexy:Portanto, na frmula o igual deve ser tratado igualmente; o desigual, desigualmente, necessrio compreender igual e desigual como algo que no seja uma igualdade ou uma desigualdade ftica parcial em relao a algum aspecto qualquer. Como no existem dois indivduos, ou duas situaes, entre os quais no exista tanto uma igualdade ftica parcial quanto uma desigualdade ftica parcial, todo teria que ser tratado ao mesmo tempo como igual e como desigual, caso a frmula se relacionasse a uma igualdade ou a uma desigualdade ftica parcial em relao a algum aspecto qualquer.[footnoteRef:4] [4: ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Captulo I. Traduo de Virglio Afonso da Silva. 2 ed. So Paulo: Malheiros, 2014]

Neste prisma, os denominados juzos sobre a igualdade ftica parcial caracterizados pela considerao de algumas caractersticas do que venha a ser comparado no exigem obrigatoriamente um tratamento igual ou desigual.Aps essa perquirio, Alexy conclui que essas duas possibilidades hermenuticas, em razo da inexistncia da uma igualdade/desigualdade ftica universal, so inadequadas, pois a utilizao da igualdade/desigualdade ftica parcial insuficiente para plenificao da mxima: o igual deve ser tratado igualmente, o desigual, desigualmente.O pensamento alexyano converge para um olhar axiolgico sobre a ordem jurdica acerca da igualdade e da desigualdade, o que conduz para duas modalidade de relativizao, consideradas como condies de possibilidade de um tratamento diferenciado. Nas palavras do doutrinador: Ela tem que ser uma igualdade valorativa em relao s igualdades (desigualdades) fticas parciais, pois, se ela se esgotasse em uma igualdade valorativa dos indivduos, pura e simplesmente, ela em nada poderia contribuir para a fundamentao de tratamentos diferenciados. Alm disso, ela tem que ser uma igualdade valorativa em relao a determinados tratamentos, pois, se no fosse assim, no seria possvel explicar por que duas pessoas que, em um aspecto, devem ser tratadas de forma igual no so assim tratadas sob todos os aspectos. [footnoteRef:5] [5: ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Captulo I. Traduo de Virglio Afonso da Silva. 2 ed. So Paulo: Malheiros, 2014]

Associada a essas duas relativizaes, o autor germnico apresenta um critrio de valorao capaz de estabelecer distino axiolgica entre o que igual e desigual. Surgem, neste momento da reflexo, duas indagaes: Se e em que medida os necessrios juzos de valor no mbito do enunciado de igualdade so passveis de fundamentao racional? No sistema jurdico, a quem compete ao legislador ou ao juiz constitucional decidir de forma vinculante em ltima instncia acerca desses juzos de valor.

Postas as questes, passa a discorrer sobre as formulas do Tribunal Constitucional Federal Alem, apontando que este procura resolver o problema da valorao, inerente ao enunciado material geral da igualdade com a ajuda do conceito de arbitrariedade, que por seu turno, possui duas linhas de interpretao na jurisprudncia, uma fiel ideia de que na aplicao do enunciado geral de igualdade sempre tem que haver um par de comparao, e, a outra (para a qual tende a segunda turma do tribunal) que reduz o enunciado geral de liberdade a uma proibio geral de arbitrariedade, cuja aplicao os pares de comparao no desempenham nenhum papel necessrio.Segundo o autor, o Tribunal Constitucional Federal associa o exame de arbitrariedade em parte diretamente formula clssica o igual deve ser tratado igualmente; o desigual, desigualmente, mas sobretudo as duas outras frmulas, que derivam dessa formula clssica a partir da introduo do termo substancialmente ou dos termos substancialmente e arbitrariamente. O poder legislativo no pode tratar o igual desigualmente; o substancialmente igual desigualmente, nem o substancialmente igual arbitrariamente de forma desigual.Mas qual das interpretaes a mais adequada?

Partindo da premissa de que a leso ao enunciado de igualdade condicionada a arbitrariedade do tratamento, ainda que no se considere o termo arbitrariamente, Alexy afirma que:A jurisprudncia do tribunal sobre igualdade tem como fio condutor o seguinte enunciado: O enunciado da igualdade violado se no possvel encontrar um fundamento razovel, que decorra da natureza das coisas, ou uma razo objetivamente evidente para a diferenciao ou para o tratamento igual feitos pela lei; em resumo, se a disposio examinada tiver que ser classificada como arbitrria. [footnoteRef:6] [6: ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Captulo I. Traduo de Virglio Afonso da Silva. 2 ed. So Paulo: Malheiros, 2014]

Seguindo o raciocnio, retorna premissa da igualdade valorativa em um sentido ideal, afirmando que no tribunal federal germnico existe uma ideia ampla liberdade de conformao, ou seja: a anlise dos limites extremos e no de justia ou convenincia. Tal premissa restringe a competncia de controle do Tribunal nas questes relativas igualdade. Surge aqui a distino entre uma concepo forte e uma concepo fraca do enunciado da igualdade. Na dico de Alexy:

a concepo forte refere-se soluo ideal, isto soluo mais justa e mais adequada. Nos termos dessa concepo, dois casos seriam sempre substancialmente iguais e, por conseguinte, deveriam ser tratados igualmente se esse tratamento igual satisfazer postulados como os da justia ou da adequao em maior medida que um tratamento desigual. Se o Tribunal Constitucional Federal partisse dessa concepo forte, o legislador ficaria privado de toda e qualquer liberdade de conformao. Como no h uma cognio segura acerca da norma mais justa ou mais adequada, a tarefa do legislador se resumiria a aceitar o que o Tribunal Constitucional Federal entende como o mais justo ou o mais adequado. Praticamente no necessria fundamentao alguma para demonstrar que esse no pode ser o sentido do enunciado da igualdade. Por isso, possvel apenas uma concepo fraca do enunciado da igualdade, cujo objetivo a manuteno dos limites da liberdade de conformao do legislador, definidos por meio do conceito de arbtrio; ela no diz respeito, portanto, a uma igualdade valorativa em um sentido ideal, mas uma igualdade em um sentido restrito. [footnoteRef:7] [7: ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Captulo I. Traduo de Virglio Afonso da Silva. 2 ed. So Paulo: Malheiros, 2014]

Torna-se imprescindvel a existncia de uma razo suficiente que justifique uma diferenciao, caso contrrio, obrigatrio um tratamento igual. O denominado enunciado geral de igualdade impe um nus argumentativo para o tratamento desigual, sendo arbitrria a distino legal sem fundamento qualificado.No que tange ao aspecto da desigualdade de se observar a existncia de um dever de tratamento desigual, nos moldes do dever de tratamento igual. Sob a tica alexyana, o tratamento desigual se explicita na premissa de que se no houver razo suficiente para a permissibilidade de um tratamento igual, ento, obrigatrio um tratamento desigual[footnoteRef:8]. [8: ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Captulo I. Traduo de Virglio Afonso da Silva. 2 ed. So Paulo: Malheiros, 2014]

Observa-se contudo, que isso traria consequncias gravssimas, que demandaria uma nus argumentativo tanto para o tratamento igual como para o desigual, o que eliminaria qualquer benefcio em favor do tratamento igual. Nas palavra de Alexy:o enunciado da igualdade tornar-se-ia, assim, uma simples exigncia de fundamentao de normas. Por isso, Podlech sugere que se abandone a segunda parte da frmula e que se atribua ao art. 3, 1, da Constituio alem apenas uma norma de tratamento igual, e no tambm uma norma de tratamento desigual. (...)A assimetria entre a norma de tratamento igual e a norma de tratamento desigual tem como consequncia a possibilidade de compreender o enunciado geral da igualdade como um princpio da igualdade, que prima facie exige um tratamento desigual apenas se isso for justificado por princpios contrapostos. [footnoteRef:9] [9: ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Captulo I. Traduo de Virglio Afonso da Silva. 2 ed. So Paulo: Malheiros, 2014]

A anlise da interpretao do enunciado de igualdade como regra de nus argumentativo apta a estruturar a questo da valorao, no entanto incapaz de solucion-la. A suficincia de uma razo para que uma discriminao seja permitida ou obrigatria no encontra resposta no enunciado da igualdade, necessitando, para tanto, consideraes de espectro valorativo.Robert Alexy esclarece que: Se h casos nos quais estejam presentes razes suficientes para a admissibilidade mas no para a obrigatoriedade de um tratamento desigual, ento, h tambm casos nos quais o enunciado geral da igualdade no exige nem um tratamento igual, nem um tratamento desigual, mas permite tanto um quanto o outro. Isso significa que ao legislador conferida uma discricionariedade. (...) A existncia de casos nos quais estejam presentes razes suficientes para a permissibilidade mas no para a obrigatoriedade de um tratamento desigual proporcionada pela interpretao do conceito de razo de razo suficiente por meio do conceito de arbtrio. Uma razo uma razo suficiente para a permissibilidade de um tratamento desigual se essa tratamento, em virtude dessa razo, deixa de ser arbitrrio. [footnoteRef:10] [10: ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Captulo I. Traduo de Virglio Afonso da Silva. 2 ed. So Paulo: Malheiros, 2014]

A proposta do doutrinador alemo para o enfrentamento da questo acerca do tratamento igual e desigual firma-se na anlise da diferenciao entre a igualdade jurdica e igualdade ftica. Alexy indaga se na mxima os iguais devem ser tratados igualmente; os desiguais, desigualmente conduz obrigao do Estado de gerar igualdade ftica.Essa indagao encontra resposta na jurisprudncia do Tribunal constitucional Federal quando trata do tema assistncia judiciria gratuita. So identificadas duas categorias: os necessitados e os no-necessitados. Ambos so tratados de forma juridicamente igual, no entanto, no aspecto das consequncias, so tratados de forma desigual, pois a ausncia de garantia de assistncia judiciria gratuita impede o necessitado acesse o poder judicirio.

Logo, promover: determinados grupos j significa tratar os outros de forma desigual. Quem quer promover a igualdade ftica tem que estar disposto a aceitar a desigualdade jurdica. De outro lado, tambm verdade que, em razo da diversidade ftica entre as pessoas, a igualdade jurdica sempre faz com que algumas desigualdades fticas sejam mantidas e, frequentemente, acentuadas. Se se atribuem ao art. 3, 1, tanto um princpio da igualdade jurdica quanto um princpio da igualdade ftica, produz-se j no mbito do enunciado da igualdade uma coliso fundamental: aquilo que segundo um princpio um tratamento igual segundo o outro um tratamento desigual, e vice-versa. [footnoteRef:11] [11: ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Captulo I. Traduo de Virglio Afonso da Silva. 2 ed. So Paulo: Malheiros, 2014]

Seguindo em sua argumentao, Alexy identifica trs espcies de direitos derivados do enunciado geral de igualdade: os direitos de igualdade definitivos abstratos; os direitos de igualdade definitivos concretos; e os direitos de igualdade prima facie abstratos.

No que se refere aos direitos de igualdade definitivos abstratos se desdobra em dois aspectos: o direito de ser tratado igualmente, se no houver razo suficiente para a permissibilidade de um tratamento desigual e o direito de ser tratado desigualmente, se houver uma razo suficiente para o dever de tratamento desigual. No que tange aos direitos de igualdade definitivos concretos constituem-se como um direito no realizao de um tratamento desigual.Os direitos de igualdade prima facie abstratos subdividem-se em duas espcies: a que corresponde ao princpio da igualdade jurdica e a que corresponde ao princpio da igualdade ftica.Feito este breve levantamento acerca do pensamento alexyano no que tange a igualdade, destacamos que, quando do enfrentamento das questes que surgem para o debate na esfera jurdica brasileira, sob nossa tica, exsurge a preocupao levantada pelo doutrinador acerca dos critrios de suficincia para a permissividade ou obrigatoriedade de uma discriminao. Outra questo que nos incomoda firma-se nos critrios de escolha dos grupos de iguais ou de desiguais, como, por exemplo, no caso do sistema de cotas para afrodescendentes. Refletindo sobre este caso em especial, que doravante tomamos como foco de nossa perquirio, surgem algumas indagaes: Quais seriam as razes que permitiram a discriminao? Seriam estas razes suficientes? O nus argumentativo realizou-se adequadamente? Seria um critrio arbitrrio?Por certo, este singelo texto incapaz de responder a estas questes, no entanto, no nos furtamos ao debate e reflexo.Nossa leitura indica que para se alcanar uma determinada configurao no mundo dos fatos (igualdade ftica) acesso universal ao ensino superior operou-se uma desigualdade jurdica, com o estabelecimento de um fator de discriminao, qual seja, a afrodescendncia. Observemos o preceito constitucional brasileiro:Art. 206. O ensino ser ministrado com base nos seguintes princpios:I - igualdade de condies para o acesso e permanncia na escola;

Dentre as inmeras possibilidades de escolha de um parmetro que proporcionasse igualdade de condies para o acesso ao ensino, no caso ensino superior, optou-se pelo critrio racial como razo suficiente para a permissibilidade do tratamento desigual.O sistema de cotas raciais confere aos participantes de um processo de seleo para ingresso em universidades pblicas tratamento desigual (desigualdade jurdica), enquadrando-os em modalidades diferenciados de acesso ao ensino, modalidades estas que sofrem variao em razo do critrio da raa a que pertencem.A questo : o critrio raa razo suficiente para permitir o tratamento desigual?Para se estabelecer uma razo suficiente que permita ou obrigue um tratamento desigual, deve-se pagar o devido nus argumentativo que garanta suficincia razo exposta.No que tange ao sistema de cotas, existem trs argumentos fundamentais que o sustentam, quais sejam: o da reparao histrica, o da incluso social e o da diversidade. O argumento da reparao histrica firma-se na assertiva de que existe a necessidade de reparar os malefcios causados pelo perodo escravista brasileiro. O da incluso social ampara-se na pouca ocupao dos espaos sociais pelos indivduos afrodescendentes. E o da diversidade almeja um amplo espectro de diversidade nos bancos acadmicos.Seriam estes trs argumentos capazes de garantir suficincia razo que permite o tratamento desigual?Nossa reflexo conduz concluso de que, os argumentos que preenchem a razo do discrmen, so argumentos que, quando plenamente realizada a desigualao jurdica, com a consequente igualao ftica, tentem a no se sustentar mais, uma vez que so estes argumentos o motor do tratamento desigual. Logo, plenamente realizado o acesso dos afrodescendentes ao ensino superior, os argumentos fundantes do discrmen deveriam esvaziar-se. No nos parece crvel que, o pleno funcionamento do sistema de cotas, haja uma reparao histrica pela conduta escravista brasileira, nem um incremento da incluso dos afrodescendentes nos processos sociais, sequer uma ampliao no espectro da diversidade acadmica. Esses argumentos permaneceram ainda que o sistema de cotas alcance a perfeio.Conclumos, portanto, que, ao confrontarmos a doutrina de Robert Alexy sobre direitos fundamentais, em especial sobre o direito de igualdade, com o elemento emprico denominado acesso de afrodescendentes ao ensino superior em universidades pblicas, o sistema de cotas brasileiro configura-se como uma discriminao arbitrria, amparada em razes insuficientes e em dbito com o devido nus argumentativo.

BIBLIOGRAFIA

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Captulo I. Traduo de Virglio Afonso da Silva. 2 ed. So Paulo: Malheiros, 2014BARBOSA, Rui. http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/rui_barbosa/FCRB_RuiBarbosa_Oracao_aos_mocos.pdf, acessado em 20/02/2015.BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional, SP, Ed. Saraiva, 18 ed., 1997MELLO, Celso Antonio Bandeira, O Contedo Jurdico do Princpio da Igualdade, SP, Ed. Saraiva, 3a Ed., 2000