Artigo Comportamento Transito

download Artigo Comportamento Transito

of 7

Transcript of Artigo Comportamento Transito

  • 8/8/2019 Artigo Comportamento Transito

    1/7

    Fone/Fax: (41) 3353-2871www.qualitapsi.com.br [email protected]

    R. Constantino Marochi, 438 - lj. 02 - Alto da Glria - Curitiba - Cep: 80.030-360

    COMPORTAMENTO E TRNSITO

    Adriane Picchetto Machado

    O quadro geral do nosso trnsito um quadro de caos, de tragdias, de calamidades, onde amaioria das pessoas que fazem parte desse quadro no tm conscincia de sua seriedade e gravidade.

    Os nmeros j no sensibilizam. As pessoas correm o risco de se acostumarem com eles, debanalizarem a dor, a desgraa e a tragdia que perder uma vida s, que seja, por um problema que

    poderia ser completamente evitvel.Como pesquisadores comportamentais precisamos analisar as causas do comportamentoagressivo, irresponsvel, ignorante, at mesmo violento do motorista brasileiro. No podemosesquecer tambm dos demais envolvidos no trnsito, como o pedestre, o ciclista, o carroceiro, aqueleque empurra um carrinho de lixo, etc., mas que tm condies menores de causar danos aos outros, emcomparao aos danos que os motoristas, seja de automvel, caminho, ou nibus, podem causar.

    consenso hoje, que trnsito , basicamente, uma questo de comportamento correto ouerrneo. notrio tambm que o trnsito uma questo de comportamento social, j que envolvegrupos, diversas classes sociais e mata indiscriminadamente; poderamos dizer at que a mortalidadeno trnsito democrtica, atingindo todas as pessoa, sem diferenciao social, educacional, religiosaou poltica.

    Uma outra mxima, mais aceita atualmente, a de que as pessoas dirigem como so e comovivem. Experimentos mostram que os bons motoristas so pessoas ajustadas socialmente,responsveis, dignos de confiana, sbrios e cautelosos. Por outro lado, as personalidades ditas anti-sociais tendem a se envolver mais em acidentes de trnsito, principalmente por no respeitarem as leise as regras de convivncia e apresentarem dificuldades no que tange ao respeito ao outro e aos seusdireitos.

    Desta forma, a questo do trnsito est intimamente ligada aos homens, j que so eles quecomandam as mquinas, que, por sua vez, s obedecem s vontades manifestas, E o homem, sob oponto de vista psicolgico, um ser extremamente complexo, j que suas reaes so dependentes desua personalidade, de seu intelecto, ao lado de sua cultura, (refiro-me ao conjunto de leis, normas,regras de comportamento herdadas em uma determinada sociedade) e da sua viso de mundo, que ainternalizao desta cultura.

    Todas essas variveis fazem com que o homem se torne um ser imprevisvel, porque suaresposta a determinadas situaes vai depender de todos esses aspectos, mais as condies domomento e da pessoa naquele dia. Assim, se voc levanta com o p esquerdo, sai atrasado, seu carrono pega, depois de trocar a bateria voc est no trnsito, preocupado com o compromisso que j deveestar acontecendo sem que voc esteja presente, o seu comportamento, muito provavelmente, ser abusca da velocidade, desprezo pelos outros e pelas leis e assuno maior de riscos. Por outro lado, sevoc levanta de bom humor, sem grandes preocupaes, seu comportamento tende a ser maiscooperativo e gentil no trnsito.

    A partir desta pequena anlise do indivduo, faamos uma pequena anlise do nosso trnsito,local onde esse indivduo vai atuar.

    Eduardo Vasconcelos (1985), no livro "O que Trnsito?", traz uma definio muito interessante:

    "o trnsito uma disputa pelo espao fsico, que reflete uma disputa pelo tempo e peloacesso aos equipamentos urbanos,- uma negociao permanente do espao, coletiva econflituosa. E essa negociao, dadas as caractersticas de nossa sociedade, no se dentre pessoas iguais: a disputa pelo espao tem uma base ideolgica e poltica; depende decomo as pessoas se vem na sociedade e de seu acesso real ao poder. " (Vasconcelos,1985)

  • 8/8/2019 Artigo Comportamento Transito

    2/7

    Fone/Fax: (41) 3353-2871www.qualitapsi.com.br [email protected]

    R. Constantino Marochi, 438 - lj. 02 - Alto da Glria - Curitiba - Cep: 80.030-360

    Assim, a luta que se estabelece no trnsito acirrada, mais ou menos previsvel, conforme aspessoas sintam-se ou no iguais perante seus direitos circulao do trnsito.- ao invs de cederespao a quem no tem este privilgio, como os pedestres, ele exige prioridade, fora a passagem,ignora os demais, pra em cima das caladas, etc.

    O pedestre, definido como cidado de segunda classe por este mesmo autor, vulnervel, comincapacidade de defesa frente ao poder de morte manifesto pelos motoristas.

    Entre os prprios motoristas h uma diferenciao de poder, de afirmao de domnio. Porexemplo, os caminhes e nibus, por serem maiores e por terem motoristas profissionais, mandam e

    desmandam em nossas ruas e estradas, j que o prprio lugar que ocupam o mais alto e seencontram vendo as pessoas de cima, e se sentem mais protegidos pelo aparato de lataria e mecnicaque os cercam. No raro ouvir deles que seus direitos a circular so maiores porque se encontramtrabalhando enquanto os carros esto circulando a passeio.

    Outro exemplo de disputa de poder entre os motoristas a diferenciao que se faz questo demarcar entre um motorista de carro importado, que obviamente reflete um poder aquisitivo maior, e omotorista de um velho fusquinha. Assim como a competio que acontece entre dois ou mais carrospossantes, espontaneamente, quando parados em um sinaleiro e um dos dois comea a acelerar (svezes s com a inteno de assustar um pobre pedestre). Quando o sinaleiro abre, o tempo de reaopode ser comparado ao dos grandes pilotos de Frmula 1, e a acelerao para assustar.

    O que mais interessante de tudo isso que tais comportamentos s acontecem quando o

    homem est dentro de uma mquina. Agente no v um pedestre desafiara outro para ver quem chegaantes em tal lugar ou dirigir olhares ameaadores aos companheiros que aguardam o sinal verde emum sinaleiro. H poucos estudos que analisam este fenmeno, mas possvel pensar em umaidentificao do homem com a maquina, seno vejamos: o motorista inexperiente tem dificuldadesbvias iniciais por no ter representado, simbolicamente, em seu consciente, o tamanho do seu carro.Assim, fcil reconhec-lo: quando vai passar por um carro parado, quase atravessa a mo de direopara desvi-lo. No h ainda uma representao mental de sua mquina, o que vai se construindo como passar dos tempos e com a prtica. O motorista inexperiente dirige sua ateno para imediatamenteaps o cap de seu carro, olhando para o cho; medida que sua experincia aumenta, seu olhar sedistancia, olhando cada vez mais para longe e para os espelhos, e sua postura vai relaxando, Assim, fcil reconhecer um motorista inexperiente anda pelo meio da rua, grudado ao volante, a 20 km porhora, sem olhar nos espelhos.

    medida em que o tempo passa, os limites do carro vo se confundindo com os limites doprprio motorista, sendo que o bom motorista sabe, com bastante antecedncia, se seu carro passa ouno em determinado local, mais estreito ou mais baixo que o normal, o que vem a gerar um processo deconfiana na mquina pode ser exemplificada quando, por exemplo, o motorista passa por um buracosem ver, e ouve a batida das rodas, fazendo imediatamente uma expresso de dor, como quem setivesse "machucado" fosse ele e no o carro. Isto sem falar nos acessos de dio quando algum riscaou bate de leve no carro, o que, j foi motivo para homicdios.

    Com tais informaes podemos analisar que o automvel no somente um instrumentoutilitrio, que serve para nos levar aonde queremos ir somente, e sim, um instrumento que tem autilidade de demostrar poder, status, favorecer conquistas amorosas (haja vista as Marias Gasolinas,to comuns atualmente, que no se interessam pelo homem que est dentro do carro e sim pelo carroque tem), um instrumento que tambm serve para demonstrar raiva e dio: uma arma e uma armadura.No podemos analisar tais fatos isoladamente, seno nossa anlise seria unilateral e inverdica.Temos que admitir que no existem homens isolados, que o homem se desenvolve e se forma em umasociedade, que lhe transmite valores, lhe cobra deveres e lhe d direitos.

    Atualmente estamos, neste pas, no centro de vrias crises: econmica, tica, moral, social,educacional, de valores, de violncia, de fome. E o trnsito um desembocadouro de todas asangstias que estes conflitos causam ao ser humano.

  • 8/8/2019 Artigo Comportamento Transito

    3/7

    Fone/Fax: (41) 3353-2871www.qualitapsi.com.br [email protected]

    R. Constantino Marochi, 438 - lj. 02 - Alto da Glria - Curitiba - Cep: 80.030-360

    Um dos principais problemas atuais a violncia, que pode ser a dos grandes centros emetrpoles, ou mesmo a violncia rural: somos sabedores da quantidade de assaltos, seqestros,assassinatos, linchamentos, atropelamentos, desastres, to veiculados pelos nossos meios decomunicao.

    Jurandir Freire Costa, psicanalista pernambucano, num artigo, exemplifica o que trataremos aseguir:

    "No Rio de Janeiro, uma senhora dirigia o automvel com o filho ao lado. De repente foiassaltada por um adolescente que a roubou, ameaando cortar a garganta do garoto. Diasdepois, a mesma senhora reconhece o assaltante na rua. Acelera o carro, atropelado emata-o, com aprovao dos que presenciaram a cena." (Costa, 1993)

    Tal relato ilustra o que a cultura da violncia, sendo que as pessoas em questo seguem regrasprprias, com a idia de que s a fora resolve conflitos. Segundo este mesmo autor, estamos nosfamiliarizando com a violncia, tornando-a nosso cotidiano. Estamos anestesiados, insensibilizadospara o que destri a qualidade de vida nossa volta, entre eles, o trnsito.

    A cultura da violncia constri uma nova hierarquia moral, sendo que o universo socialsimplificasse monstruosamente entre fracos e fortes. Quem ocupa a posio de agressor objeto detemor e dio por parte da vtima, e quem ocupa a posio de vtima objeto de desprezo e indiferenapor parte do agressor. Termos como compaixo, considerao, culpa ou responsabilidade diante dosemelhante desaparecem do vocabulrio, Todos se sentem vulnerveis, todos tentam atacar primeiro;todos vivem sob o temor da represlia, e da que nasce o medo social, o pnico com caractersticasfbicas.

    A raiz desta questo se encontra em nossa prpria histria, j que as sociedades capitalistas,individualistas, competitivas, abertas mobilidade social e que giram em torno do dinheiro e daostentao de classe, a violncia pode tornar-se um meio de obter o que se deseja, se com integridade,honestidade e trabalho isso se revelar impossvel.

    E qual a correspondncia desses fatores com o trnsito? O trnsito no uma entidadeindependente, que paira sobre a nossa sociedade; fruto dessa mesma sociedade, onde a violncia e omedo imperam, onde os homens se dividem entre fortes e fracos, onde a sensibilidade e o respeito aooutro, seja pedestre, ciclista, carroceiro, quase inexistente. Sentimo-nos amedrontados porquesabemos que grande parte das pessoas ao volante se transformam, com freqncia, em exemplospouco ou nada racionais de ousadia e violncia.

    Assim, fica claro que o medo po cotidiano dos cidados e da vida nas cidades est setornando um jogo muito perigoso; jogo porque o elemento azar est muito presente nas angstias docidado. E isso salta aos olhos quando uma pequena cidade, que cortada por uma rodovia, apelidauma rua de Rua das Vivas, porque famlias so despedaadas por motoristas apressados eimprudentes; quando moradores de um bairro de So Paulo apelidaram uma rua de Pista de Boliche, jque o excesso de velocidade nesta avenida no permite que nada pare em p; quando os moradores deum determinado local no podem dormir porque o jovens, muitos menores de idade, fazem "rachas",desafiando as leis dos homens e as leis da natureza, com malabarismos e demonstraes de fora epotncia que terminam muitas vezes, em tragdias televisadas e divulgadas para todo o pas.

    Tais situaes so agravadas pela condio geral e ampla de impunidade que assola o pas: aspessoas podem fazer suas regras porque sabem que no havero conseqncias para os seus atos.Principalmente no que tange questo do trnsito, por exemplo, em So Paulo, no ano de 1993, nohavia nenhum criminoso do trnsito cumprindo pena.

    uma questo cultural que se coloca aqui: a questo dos sujeitos e dos indivduos. H umditado que diz: "Aos amigos tudo, aos inimigos, a lei", que perfeito para exemplificar a situao demarginalidade generalizada, na qual a lei s pode aparecer como a expresso de uma violncia, que

  • 8/8/2019 Artigo Comportamento Transito

    4/7

    Fone/Fax: (41) 3353-2871www.qualitapsi.com.br [email protected]

    R. Constantino Marochi, 438 - lj. 02 - Alto da Glria - Curitiba - Cep: 80.030-360

    escraviza e explora os indivduos. frente a este quadro, de no-reconhecirnento de leis e regras, que o brasileiro recorre ao amigo

    do amigo do parente para evitar a fila do INAMPS, que tenta subornar o policial ou influenciar o mdicodo DETRAN atravs de seus relacionamentos para que aprove seus exames; fazendo uso daconhecida "Lei de Grson" ou, traduzindo, do "jeitinho" onde a pessoa tenta, desesperadamente, sairdo anonimato e ser "algum", demonstrando poder e influncia.

    Segundo DaMatta (1991):

    No fundo, vivemos em uma sociedade que existe uma espcie de combate entre o mundopblico, das leis universais e do mercado, e o universo privado da famlia, dos compadres,parentes e amigos. Assim, se sou um cidado na festa cvica e no comcio poltico, noquero de modo algum ser apenas um cidado quando estou s voltas com a polcia numcaso de roubo. Aqui, a primeira ,providncia que tomo no sentido de ser logo reconhecido,mas no como cidado. Espero ser tratado com a mxima ateno, considerao etolerncia. Num caso, o que conta o indivduo e o cidado; noutro, o que vale a relao.

    Quando, por exemplo, um motorista estaciona em local proibido, frente interveno policial, bastante comum que ele faa a pergunta, geralmente de modo agressivo: - "Voc sabe com quem estfalando?", como uma tentativa de algum que espera ser tratado com direitos imaginrios, especiais,

    em detrimento de uma lei universal.O resultado que todas as instituies sociais brasileiras esto sujeitas a dois tipos de presso:a presso universalista, que vem das normas burocrticas e legais; a outra determinada pela rede derelaes pessoais a que todos esto submetidos e aos recursos sociais que essas redes mobilizam edistribuem.

    Voltando questo da violncia e da impunidade, o psicanalista Contardo Calligaris (1991), emseu livro "Hello Brasil", faz uma comparao do delinqente brasileiro e do europeu. O autorsurpreendeu-se com o fato de que os ladres de carro pudessem correr o risco de um assalto a moarmada para se apoderarem das chaves de um carro, antes de abrir, facilmente a porta com umcanivete o estabelecer contato unindo os fios. Assim como surpreende-se com o fato de que, num pascom tanta criminalidade, as portas das casas e apartamentos nunca fossem blindadas, com fechadurassimples o sonho de qualquer ladro europeu. E aprendeu que a preferncia no era para oarrombamento dos apartamentos e casas vazias, mas sim de residncias ocupadas, e que o assaltopadro era tocando o campainha, arma na mo, mais do que abrindo a porta com um p-de-cabra.

    Assim, analisa que o delinqente europeu no esquece a lei. De regra, ele aplica uma proporoentre o ganho esperado e as conseqncias possveis do ato. Por exemplo, se assalto a mo armadacusta dez anos de presdio, s vale a pena para a arrecadao que pode prometer um banco ou umagrande loja.

    Tal feito pode ser atribudo ao subdesenvolvimento cultural dos nossos criminosos, mas,principalmente certeza da impunidade, atitude de desafio, de desprezo a leis e normas impostaspela' sociedade, pensando-se que as mesmas foram criadas a partir de um processo poltico eeconmico, muitas vezes contra a vontade e sem o consentimento da sociedade como um todo.

    Voltando ao trnsito, como isso se reflete? O infrator de trnsito, em geral, aprova as mesmasregras que transgrediu, desde que as penas no lhe sejam impostas. O grau em que um ato sertratado como transgresso por nossa sociedade depende de quem comete o ato e de quem sente quefoi prejudicado por ele e, sem a menor sombra de dvida, as regras tendem a ser aplicadas mais aalgumas pessoas do que a outras.

    Dentro dessas abordagem cultural mais ampla, podemos fixar o foco de nossa ateno sobre acultura de trnsito em nosso pas, conseqncia, sem dvida, das questes sociais o polticasdiretamente ligadas s caractersticas de nossa sociedade capitalista e determinada historicamente.

  • 8/8/2019 Artigo Comportamento Transito

    5/7

    Fone/Fax: (41) 3353-2871www.qualitapsi.com.br [email protected]

    R. Constantino Marochi, 438 - lj. 02 - Alto da Glria - Curitiba - Cep: 80.030-360

    "O dono de um veculo julga-se com muito mais direito circulao do que os demaisparticipantes do trnsito, o que est Ligado s caractersticas autoritrias da nossasociedade e da falta de conscientizao sobre os direitos do cidado, que faz com que osmotoristas ocupem o espao virio com violncia. O pedestre, por sua vez, assume o papelde cidado de segunda classe, numa cidade que cada vez mais o hbtat do veculo e oantihbitat do homem:" (Vasconcelos, 1985).

    Quanto aos motoristas, possvel observar um sistema de crenas estruturado, entre elas:

    1. H uma crena de que todas as pessoas tm habilidades e condies para dirigir, e que tal ato simples, at mesmo banal, sem levar-se em considerao as diferenas individuais, osobstculos de ordem cognitiva, afetiva, social e funcional que impedem algumas pessoas deexecutarem bem esta tarefa. H a idia de que se pode dirigir cansado, tomando remdios,alcoolizado, etc.

    2. A crena de que a Carteira Nacional de Habilitao apenas um documento e, assim, direito dequem a busca. Tal crena faz com que as pessoas no compreendam porque tantos testes eavaliaes, comparando a CNH com a Carteira de Identidade, onde eles no existem. Assim,no h o entendimento de que as avaliaes objetivam checar as condies e o conhecimento

    daqueles que pretendem vir a ser motoristas, e aqueles que demonstrarem serem portadores decondies timas, sero habilitados.

    3. A crena na incompetncia e na corrupo das instituies que administram o trnsito, nohavendo reconhecimento por parte da populao da seriedade e legalidade de seus problemas eexigncias, sendo que h o entendimento de que as avaliaes so meras formalidades e seprestam somente arrecadao de fundos para o Estado.

    4. A crena na invulnerabilidade: o acidente s acontece com o outro, isto , as pessoas tendem anegar a possibilidade de que coisas negativas aconteam com elas prprias e com os seus.Esse um fator muito importante para no usar cinto de segurana.

    5. A crena da impunidade, j os delitos de trnsito so considerados crimes culposos e, quandoimpostas penas, as mesmas so brandas e sujeitas a diversos atenuantes.

    E dentro dessa cultura se encontram os indivduos, com as questes e condies diversificadas,sujeitos portadores de problemas de sade e emocionais que afetam com seriedade o ato de direo.Um fator importante, predisponente a acidentes a inexperincia do motorista, sendo que um grandenmero deles no foi treinado a reagir em situaes de emergncia e, quando acontecem, o motoristano sabe o que fazer, Nesta questo, h grande responsabilidade das Auto-Escolas, que deveriamtreinar os candidatos at que se estabelecesse o automatismo motor, deixando sua ateno livre paraos estmulos externos do automvel.

    Infelizmente os motoristas brasileiros so o que podemos chamar de "onipotentes": no sepreocupam em escolher caminhos alternativos se so ainda inexperientes para enfrentar um trnsitomais pesado, andando em qualquer via ou rodovia, seja de dia ou noite, nas mais diferentes condiesclimticas, inconscientes dos perigos a que esto sujeitos.

    Uma outra varivel importante se refere s condies emocionais de quem dirige. Com certezah motoristas ansiosos; depressivos, agressivos, com controle precrio e a situao de trnsito faz comestas tendncias se exacerbem, tornando a pessoa um verdadeiro descontrolado, j que apersonalidade se manifesta na interao social, na interao com o outro.

  • 8/8/2019 Artigo Comportamento Transito

    6/7

    Fone/Fax: (41) 3353-2871www.qualitapsi.com.br [email protected]

    R. Constantino Marochi, 438 - lj. 02 - Alto da Glria - Curitiba - Cep: 80.030-360

    No trabalho do Exame Psicotcnico deparamo-nos, eu e minha equipe, com indivduos que notm capacidade de relacionamento desenvolvida, que desprezam qualquer limite e se tornamagressivos frente a qualquer frustrao. Isto em uma situao controlada, que a situao deavaliao, com poucas variveis intervenientes, pode ser indicativo de uma patologia emocional que,com certeza, no trnsito, seria fortemente exacerbada, j que o indivduo em questo estaria dentro deum aparato que o protege, em um ambiente no controlado, sujeito a diversas variveis, num campoem movimento, e possvel prever que ser comportamento seria bastante inadequado, seno violentoe desadaptado.

    No difcil observar estes motoristas em nosso cotidiano, que vemos fazendo manobrassuicidas e pensamos: "Que louco", e muitas vezes ele pode ser louco mesmo.

    Tentei traar um panorama geral, talvez um pouco pessimista, sobre a situao do trnsitocomo se apresenta atualmente.

    Partimos de uma breve anlise do comportamento humano no trnsito e dos determinantesdeste (intelecto, personalidade, disputa de poder, identificao do homem com a mquina, etc.).Posteriormente analisamos rapidamente a sociedade e a cultura de nosso pas, e falamos de crises,violncias, influncias e impunidade. Passamos, ento aos aspectos individuais dos participantes dotrnsito, ressaltando crenas, condies de sade, condies emocionais, experincia, conhecimentoe conscientizao.

    Nossa inteno ao fazer tais consideraes no foi obviamente, encontrar um culpado para o"CAOS DO TRANSITO", e atribuir a este ou quele participante, a este ou quele rgo, aresponsabilidade pelo panorama de calamidade com que nos deparamos. Tal abordagem seriasimplista. Nossa inteno ir pouco alm, porm afirmar uma idia muito simples: O TRNSITO UMSISTEMA MUITO COMPLEXO PORQUE FEITO DE HOMENS, independente se eles estodirigindo, andando, fiscalizando, avaliando, legislando e a superao de suas dificuldades dependes dos homens.

    Penso que esta uma idia bsica, mas ainda pouco refletida atualmente: a sociedade emgeral obra dos homens, e a possibilidade de transform-la se encontra somente nas mos doshomens. nossa responsabilidade tornar o trnsito um bem social e no o smbolo de morte edesgraa.

    Se est claro que se encontra em nossas mos esta responsabilidade, podemos partir paraoutra reflexo: como modificar este quadro?

    No podemos falar em futuro sem falar em Educao, processo e procedimento to precrio emnossa sociedade. Assim como no podemos falar em Educao sem falar em Poltica. A Educao Poltica na medida que ela serve, at mesmo na sua inexistncia, a uma sociedade comprometida coma desumanizao, com a ingenuidade, com a imutabilidade, com a alienao, com o autoritarismo,com a competitividade, todos esses, infelizmente, valores de nossa sociedade e de nosso pas.

    A Educao deve ter por finalidade um aprofundamento da tomada de Conscincia darealidade, fazendo questionar a naturalidade" dos fatos sociais, entre eles o trnsito, e fazendoperceber que a realidade no imutvel. A Educao deve ser voltada liberao e humanizao -vocao fundamental do homem e despertar nos indivduos o comprometimento com os seussemelhantes e com o mundo em que vive.

    Falo em Educao em um sentido amplo: desde a famlia (responsvel principal pela formaodos indivduos), passando pela Escola, que desde o incio dos anos escolares deveria se preocuparcom a vida e, consequentemente, com o trnsito; promovendo o desenvolvimento do aluno de formasistemtica, fornecendo-lhe contedos desde a pr-escola at o terceiro grau.

    O terceiro componente do processo educativo de trnsito seria cada profissional, em seu localde trabalho, de vida, comprometido com o trnsito e atuando de forma competente, sistemtica econtnua, seja em sua rea tcnica, seja em campanhas, em escolas, em auto-escolas, em locais de

  • 8/8/2019 Artigo Comportamento Transito

    7/7

    Fone/Fax: (41) 3353-2871www.qualitapsi.com.br [email protected]

    R. Constantino Marochi, 438 - lj. 02 - Alto da Glria - Curitiba - Cep: 80.030-360

    vivncia; mas com conhecimento global da questo, seno corre o risco de se alienar em sua. atividade,sem perceber o todo.

    O ltimo componente, a meu ver, que ajudaria a reverter este quadro seria a Fiscalizao setornar mais presente, havendo represso e penalizao efetiva ao infrator de trnsito.

    Assim, para haver mudanas efetivas na questo do trnsito, todos precisam se perceber comoo incio e o fim de toda atividade humana, a exercer sua cidadania, conscientes de seus direitos,deveres, responsabilidades, senhores de sua vida e de seu destino. preciso acreditar que a Educaono serve s sociedade, mas, principalmente, mudana social. Acreditar que o ato humano de

    educar existe tanto no trabalho pedaggico quanto no ato poltico por um outro tipo de sociedade, paraum outro tipo de mundo, para um outro tipo de trnsito. PRECISO ASSUMIR O PAPEL DE AGENTESDA HISTRIA E REPRESENTAR A VIDA.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    CALLIGARIS, Contardo. Hello Brasil! Notas de um psicanalista europeu viajando aoBrasil. SP: Escuta, 1991. COSTA, Jurandir Freire. O medo social - Revista Veja - Reflexes para o Futuro, SP:Abril,1993.

    DAMATTA, Roberto. A casa e a rua - espao, cidadania, mulher e morte no Brasil. RJ:Guanabara - Koogan, 1991. RJ. FREIRE, Paulo. Educao e mudana. RJ: Paz e Terra, 1983. HILMANN, James. Cidade e alma. SP: Studio Nobel, 1993. LANE, Silvia e CODO, Wanderley. Psicologia social @ o homem em movimento. SP:Brasiliense, 1984. MORAIS, Rgis de. O que violncia urbana. SP: Brasiliense, 1985. ROZESTRATEN, Reinier. Psicologia do trnsito - conceitos e processos bsicos. SP:EPU, 1988. VASCONCELOS, Eduardo. O que trnsito. SP: Brasiliense, 1985.

    Palestra Proferida no II Encontro de Questes e Desafios do Trnsito, 06.10.94Publicado na Revista Argumento PUC - PR, ano XIV, n 18, junho de 1996