Artigo equina 30 jul ago-2010

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Roberto Arruda de Souza Lima Engenheiro agrônomo, Doutor em Economia Aplicada, Prof. da ESALQ/USP, Pesquisador do CEPEA [email protected] Mudanças recentes no mercado de carne de cavalo Figura 1: Evolução das exportações mundiais e brasileiras de carne de cavalo e participação do Brasil no mercado FONTE: FAO (2010) O mercado mundial de carne de cavalo desenvol- veu-se nos últimos cinquenta anos, sendo, atualmen- te, exportados cerca de US$ 500 milhões anualmente de carne de cavalo. O Brasil tem sido um importante participante nesse mercado, sempre colocando-se en- tre os principais exportadores. No entanto, sua impor- tância relativa decresceu nos últimos anos. Se em 1973 chegou a representar 25,4% das exportações mundi- ais, em 2007 (última informação disponível pela FAO), os US$ 31,9 milhões de dólares representaram apenas 6% das exportações mundiais (Figura 1). Deve-se ressalvar que ao longo desse período, al- guns países tornaram-se importantes reexportadores de carne de cavalo, isto é importam, processam e ex- portam carne de equídeos, como é o caso da Bélgica, por exemplo. A Tabela 1 apresenta os principais países no comércio internacional dessa mercadoria. O principal destino das exportações brasileiras de carne de cavalo tem sido, destacadamente a Bélgica, seguido por Itália e Japão (Tabela 2). É interessante destacar que dos cinco principais importadores mun- diais, em três deles o Brasil não está presente (Rússia e Suiça) ou tem participação modesta (França). Para os próximos anos espera-se que novos mercados sejam abertos pelo Brasil, entre eles a China. Embora os dados mundiais mais atualizados ainda FONTE: MIDC (2010) Tabela 1: Principais países no mercado internacional de carne de cavalo (2007) Importadores Exportadores Expor tadores líquidos Impor tadores líquidos França 23,5% Bélgica 19,5% Itália 31,2% Argentina 25,8% Bélgica 21,6% Argentina 15,8% França 25,2% Canadá 22,1% Itália 19,6% Canadá 13,6% Rússia 13,8% Polônia 13,1% Rússia 8,5% França 8,0% Suíça12,9% Brasil 9,8% Suíça 7,9% Polônia 8,0% Japão 9,6% México 5,8% Japão 5,9% Brasil 6,0% Bélgica 3,5% EUA 5,1% Outros 13,1% Outros 29,1% Outros 3,8% Outros18,3% Nota: Importação Líquida = Importação – Exportação; Exportação Líquida = Exportação – Importação FONTE: FAO (2010) Tabela 2: Brasil - Destino das exportações de carne de cavalo Destino 2005 2006 2007 2008 2009 01/2010 a 06/2010 Alemanha 0 0 0 54 0 0 Austria 401 311 171 0 0 0 Bélgica 9.939 12.717 12.871 12.619 12.674 2.110 Cazaquistão 143 376 46 180 0 0 Costa do Marfim 0 0 0 53 0 0 Espanha 67 113 136 187 110 47 Finlândia 387 712 553 259 95 0 França 4.279 3.422 3.456 2.509 1.970 319 Hong Kong 0 0 0 0 40 0 Itália 6.231 6.655 7.038 5.433 4.258 1.057 Japão 5.133 3.904 3.524 3.195 2.077 1.165 Nova Zelândia 0 0 0 0 26 0 Holanda 7.310 5.665 3.906 3.191 2.022 219 Reino Unido 0 0 84 0 0 0 Russia 138 0 0 0 0 0 África do Sul 0 0 15 7 50 113 Suécia 0 0 82 57 0 24 Suiça 13 0 29 0 0 0 República Tcheca 0 46 0 0 0 0 Uzbequistão 68 0 0 0 0 0 Vietnã 0 0 0 0 104 0 Total 34.109 33.923 31.910 27.742 23.426 5.055

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Roberto Arruda deSouza Lima

Engenheiro agrônomo,Doutor em

Economia Aplicada,Prof. da ESALQ/USP,

Pesquisador do [email protected]

Mudanças recentes no mercadode carne de cavalo

Figura 1: Evolução das exportações mundiais e brasileirasde carne de cavalo e participação do Brasil no mercado

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O mercado mundial de carne de cavalo desenvol-veu-se nos últimos cinquenta anos, sendo, atualmen-te, exportados cerca de US$ 500 milhões anualmentede carne de cavalo. O Brasil tem sido um importanteparticipante nesse mercado, sempre colocando-se en-tre os principais exportadores. No entanto, sua impor-tância relativa decresceu nos últimos anos. Se em 1973chegou a representar 25,4% das exportações mundi-ais, em 2007 (última informação disponível pela FAO),os US$ 31,9 milhões de dólares representaram apenas6% das exportações mundiais (Figura 1).

Deve-se ressalvar que ao longo desse período, al-guns países tornaram-se importantes reexportadores

de carne de cavalo, isto é importam, processam e ex-portam carne de equídeos, como é o caso da Bélgica,por exemplo. A Tabela 1 apresenta os principais paísesno comércio internacional dessa mercadoria.

O principal destino das exportações brasileiras decarne de cavalo tem sido, destacadamente a Bélgica,seguido por Itália e Japão (Tabela 2). É interessantedestacar que dos cinco principais importadores mun-diais, em três deles o Brasil não está presente (Rússiae Suiça) ou tem participação modesta (França). Para ospróximos anos espera-se que novos mercados sejamabertos pelo Brasil, entre eles a China.

Embora os dados mundiais mais atualizados ainda

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Tabela 1: Principais países no mercado internacionalde carne de cavalo (2007)

Importadores Exportadores Exportadores líquidos Importadores líquidos

1º França 23,5% Bélgica 19,5% Itália 31,2% Argentina 25,8%

2º Bélgica 21,6% Argentina 15,8% França 25,2% Canadá 22,1%

3º Itália 19,6% Canadá 13,6% Rússia 13,8% Polônia 13,1%

4º Rússia 8,5% França 8,0% Suíça12,9% Brasil 9,8%

5º Suíça 7,9% Polônia 8,0% Japão 9,6% México 5,8%

6º Japão 5,9% Brasil 6,0% Bélgica 3,5% EUA 5,1%

Outros 13,1% Outros 29,1% Outros 3,8% Outros18,3%

Nota: Importação Líquida = Importação – Exportação;Exportação Líquida = Exportação – Importação FO

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Tabela 2: Brasil - Destino das exportações de carne de cavalo

Destino 2005 2006 2007 2008 2009 01/2010 a 06/2010

Alemanha 0 0 0 54 0 0

Austria 401 311 171 0 0 0

Bélgica 9.939 12.717 12.871 12.619 12.674 2.110

Cazaquistão 143 376 46 180 0 0

Costa do Marfim 0 0 0 53 0 0

Espanha 67 113 136 187 110 47

Finlândia 387 712 553 259 95 0

França 4.279 3.422 3.456 2.509 1.970 319

Hong Kong 0 0 0 0 40 0

Itália 6.231 6.655 7.038 5.433 4.258 1.057

Japão 5.133 3.904 3.524 3.195 2.077 1.165

Nova Zelândia 0 0 0 0 26 0

Holanda 7.310 5.665 3.906 3.191 2.022 219

Reino Unido 0 0 84 0 0 0

Russia 138 0 0 0 0 0

África do Sul 0 0 15 7 50 113

Suécia 0 0 82 57 0 24

Suiça 13 0 29 0 0 0

República Tcheca 0 46 0 0 0 0

Uzbequistão 68 0 0 0 0 0

Vietnã 0 0 0 0 104 0

Total 34.109 33.923 31.910 27.742 23.426 5.055

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Figura 2: Brasil - Valor, em dólares, e quantidade, em toneladas, de carne de cavaloexportada, período de 1989 a junho 2010

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Figura 5: Brasil - Volume das exportações de carne de cavalo, por UF,de julho 2009 a junho 2010

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não estejam disponíveis, é provável que o Bra-sil tenha perdido espaço no mercado mundial,principalmente nos últimos 12 meses. Nesteúltimo ano, muitas alterações ocorreram nomercado, com destaque para o maior rigor dosimportadores europeus, evidenciado atravésde barreiras comerciais. Recentemente a UniãoEuropéia, como já ocorria com a carne bovina,tornou-se mais exigente no controle de medi-camentos aplicados à tropa, além de exigir arastreabilidade. O ponto positivo nestes últi-mos meses é que o Brasil mostrou-se ágil aoestabelecer rapidamente um plano que rece-beu aprovação do Escritório de Alimentação eVeterinária da União Europeia (FVO). Os even-tos associados às mudanças no rigor das im-portações européias contribuíram para redu-ção das exportações brasileiras (Figura 2) eno número de abates (Figura 3).

Observa-se que os eventos ocorridos nosúltimos meses foram refletidas na estrutura domercado brasileiro. Minas Gerais adquiriu mai-or destaque tanto em número de abates (Figu-ra 4) quanto no volume exportado (Figura 5).

Mas a grande alteração no ambiente de pro-dução de carne de cavalo, no Brasil, altamentepositiva, está na postura das empresas do se-tor, que finalmente tem mostrado maior trans-parência e oferecendo oportunidade valiosapara desmitificação de lendas prejudiciais aosetor (e à economia nacional). Hoje, empresascomo a DSM-FAVA, divulgam informações comqualidade e quantidade aos interessados ecuriosos no assunto carne de cavalo. Por exem-plo, torna explícito que “nenhum animal sofremaus tratos e abuso, sendo devidamente ali-mentados e tratados”. Os frigoríficos utilizamsistemas de abate humanitário, isto é, de acor-do com a Instrução Normativa nº 3, de 17 dejaneiro de 2000, da Secretaria de Defesa Agro-pecuária do Ministério da Agricultura e doAbastecimento. Diante das dúvidas que ain-da existem quanto ao abate, pelo público nãofamiliarizado com o cotidiano de frigoríficos, éconveniente transcrever alguns trechos da re-ferida Instrução Normativa:

“REGULAMENTO TÉCNICO DEMÉTODOS DE INSENSIBILIZAÇÃOPARA O ABATE HUMANITÁRIO DE

ANIMAIS DE AÇOUGUE

1. Alcance1.1. Objetivo: Estabelecer, padronizar e moder-nizar os métodos humanitários de insensibili-zação dos animais de açougue para o abate,assim como o manejo destes nas instalaçõesdos estabelecimentos aprovados para esta fi-nalidade.1.2. Âmbito de Aplicação: Em todos os esta-belecimentos industriais que realizam o abatedos animais de açougue.

Figura 4: Brasil - Abates mensais de equídeos por UF,de julho 2007 a junho 2010

Figura 3: Brasil - Quantidade de equideos abatidos por mês, período dejaneiro de 2002 a junho 2010

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2. Definições2.1. Procedimentos de abate humanitário: Éo conjunto de diretrizes técnicas e científi-cas que garantam o bem-estar dos animaisdesde a recepção até a operação de sangria(...)

3. Requisitos aplicáveis aosestabelecimentos de abate3.1. A construção, instalações e os equipa-mentos dos estabelecimentos de abate, bemcomo o seu funcionamento devem pouparaos animais qualquer excitação, dor ou so-frimento;3.2. Os estabelecimentos de abate devemdispor de instalações e equipamentos apro-priados ao desembarque dos animais dosmeios de transporte;3.3. Os animais devem ser descarregados omais rapidamente possível após a chegada;se for inevitável uma espera, os animais de-vem ser protegidos contra condições climá-ticas extremas e beneficiar-se de uma venti-lação adequada;3.4. Os animais que corram o risco de seferirem mutuamente devido à sua espécie,sexo, idade ou origem devem ser mantidosem locais adequados e separados;3.5. Os animais acidentados ou em estadode sofrimento durante o transporte ou à

chegada no estabelecimento de abate de-vem ser submetidos à matança de emergên-cia. Para tal, os animais não devem ser ar-rastados e sim transportados para o localdo abate de emergência por meio apropria-do, meio este que não acarrete qualquersofrimento inútil;3.6. A recepção deve assegurar que os ani-mais não sejam acuados, excitados ou mal-tratados;3.7. Não será permitido espancar os animaisou agredi-los, erguê-los pelas patas, chifres,pelos, orelhas ou cauda, ocasionando do-res ou sofrimento;3.8. Os animais devem ser movimentadoscom cuidado. Os bretes e corredores poronde os animais são encaminhados devemser concebidos de modo a reduzir ao míni-mo os riscos de ferimentos e estresse. Osinstrumentos destinados a conduzir os ani-mais devem ser utilizados apenas para essefim e unicamente por instantes. Os disposi-tivos produtores de descargas elétricas ape-nas poderão ser utilizados, em caráter ex-cepcional, nos animais que se recusem mo-ver, desde que essas descargas não duremmais de dois segundos e haja espaço sufici-ente para que os animais avancem. As des-cargas elétricas, com voltagem estabeleci-das nas normas técnicas que regulam o aba-

te de diferentes espécies, quando utilizadasserão aplicadas somente nos membros;3.9. Os animais mantidos nos currais, pocil-gas ou apriscos devem ter livre acesso aágua limpa e abundante e, se mantidos pormais de 24 (vinte e quatro) horas, devem seralimentados em quantidades moderadas e aintervalos adequados.3.10. Nas espécies que apresentarem acen-tuada natureza gregária, não deve haver re-agrupamento ou mistura de lotes animaisde diferentes origens, evitando assim quecorram o risco de ferirem-se mutuamente.(...)”

Adicionalmente, os frigoríficos devempossuir certificados de sua produção, sen-do fiscalizados em tempo integral por vete-rinários, obedecendo a normas rigorosasprevistas em leis brasileiras e ComunidadeEuropéia para exportação e controle sanitá-rio.

A despeito da redução das exportaçõesverificadas nos últimos meses, a nova pos-tura dos frigoríficos e agentes ligados aosegmento de carne de cavalo, permite traçarcenários mais promissores para o Brasil, comesclarecimento (e certificações) à popula-ção em geral e aos importadores em particu-lar. Entramos no início de uma nova era, maistransparente e melhor articulada.