Artigo- Fisiopatolgia Das Doenças Falciformes

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207  Zago MA et al Rev . bras. h ematol. hemoter . 2007;  29(3):207-214  Artigo / Article Fisiopatologia das doenças falciformes: da mutação genética à insuficiência de múltiplos órgãos The pathophysiology of sickle cell disease: from the genetic mutation to multiorgan disfunction  Marco Ant onio Zago 1,2  Ana Cri stina Silva Pinto 2 1 Faculdade de Medic ina de Ribeirão Preto da USP. 2  Hemocen tro d e Rib eirão Preto. Correspondência:  Marco Antonio Zago Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - FMRP-USP  Rua Tenente Catão Roxo, 2.501 14051-140 – Ribeirão Preto-SP – Brasil Tel.: (16)2101-9300 / (16)9796-5990 - E-mail: [email protected]  As princip ais alteraç ões fisiopa tológ icas das doença s falcifo rmes são revista s, levand o em conta três níveis: a) moléculas e células, b) tecidos, c) organismo completo. Dedica- se especial atenção aos fenômenos inflamatórios crônicos, moléculas de adesão ex-  pre ssas ano mal ame nte , int eração ent re hem áci a fal ciforme, cél ula s end ote lia is, leu cóc ito s e plaquetas e fisiopatologia da vaso-oclusão. As manifestações clínicas mais importan- tes, como anemia, dor e insuficiência de múltiplos órgãos são abordadas. Além disso, os fatores que modulam a gravidade da doença falciforme, como os haplótipos, a co- herança de α -talassemia, mutações em genes relacionados a trombofilia e elevação da hemoglobina fetal são revistos. Rev. bras. hematol. hemoter. 2007; 29(3):207-214.  Palavras-chave:  Doença falciforme; fisiopatologia; inflamação; moléculas de adesão. Introdução As cadeias de alterações que ligam o defeito molecular às manifestações clínicas nos pacientes com doenças falci- formes devem ser consideradas em três níveis (Tabela 1, fi- gura 1): a) moléculas e células  b) tecidos e órgãos c) organismo completo (o paciente) Cada um desses níveis implica vias preferenciais (por exemplo: desoxigenação leva à polimerização da hemo- globin a S (HbS), que leva à falcização das hemácias) e nume- rosos fatores condicionantes que podem intensificar ou di- minuir os efeitos, gerando uma impressionante variabilid ade clínica. Os principais fatores que podem influenciar o fenótipo das doenças falciformes são: a. O genótipo da doença: homozigose para HbS (ane- mia falciforme) ou genótipos compostos do tipo HbS/HbC, HbS/beta-talassemia, HbS/HbD;  b. Fatores genéticos que podem influenciar no proces- so de polimerização da HbS, no fenômeno de falcização e na hemólise; c. Outros fatores genéticos que podem alterar a res-  posta individual à doenç a, a suas complicações ou ao trata- mento; d. Fatores ambientais como o local onde vive o pacien- te, prevalência de doenças infecto-contagiosas, condições socioeconômicas e acesso à assistência médica. Assim, um distúrbio monogênico no nível molecular , causado por uma mutação única, produz uma doença multifatorial quando considerado no contexto clínico, que se expressa por uma grande diversidade de fenótipos. Moléculas e células As manifestações clínicas das doenças falciformes de- rivam diretamente da anormalidade molecular representada  pela presen ça da hemoglobina S (HbS). As hemoglobin as A (HbA) e fetal (HbF), mesmo em concentrações elevadas, não formam estruturas organizadas dentro das hemácias, quer quando oxigenadas ou desoxigena das. As moléculas de HbS,  por outro lado, quando desoxigenadas, se organizam em lon- gos polímeros de filamentos duplos, que por sua vez se as- sociam em feixes com um duplo filamento central rodeado de

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    Zago MA et al Rev. bras. hematol. hemoter. 2007;29(3):207-214

    Artigo / Article

    Fisiopatologia das doenas falciformes: da mutao gentica insuficincia demltiplos rgosThe pathophysiology of sickle cell disease: from the genetic mutation to multiorgan disfunction

    Marco Antonio Zago1,2

    Ana Cristina Silva Pinto2

    1Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da USP.2Hemocentro de Ribeiro Preto.

    Correspondncia: Marco Antonio ZagoFaculdade de Medicina de Ribeiro Preto - FMRP-USPRua Tenente Cato Roxo, 2.50114051-140 Ribeiro Preto-SP BrasilTel.: (16)2101-9300 / (16)9796-5990 - E-mail: [email protected]

    As principais alteraes fisiopatolgicas das doenas falciformes so revistas, levandoem conta trs nveis: a) molculas e clulas, b) tecidos, c) organismo completo. Dedica-se especial ateno aos fenmenos inflamatrios crnicos, molculas de adeso ex-pressas anomalamente, interao entre hemcia falciforme, clulas endoteliais, leuccitose plaquetas e fisiopatologia da vaso-ocluso. As manifestaes clnicas mais importan-tes, como anemia, dor e insuficincia de mltiplos rgos so abordadas. Alm disso,os fatores que modulam a gravidade da doena falciforme, como os hapltipos, a co-herana de -talassemia, mutaes em genes relacionados a trombofilia e elevao dahemoglobina fetal so revistos. Rev. bras. hematol. hemoter. 2007;29(3):207-214.

    Palavras-chave: Doena falciforme; fisiopatologia; inflamao; molculas de adeso.

    Introduo

    As cadeias de alteraes que ligam o defeito moleculars manifestaes clnicas nos pacientes com doenas falci-formes devem ser consideradas em trs nveis (Tabela 1, fi-gura 1):

    a) molculas e clulasb) tecidos e rgosc) organismo completo (o paciente)Cada um desses nveis implica vias preferenciais (por

    exemplo: desoxigenao leva polimerizao da hemo-globina S (HbS), que leva falcizao das hemcias) e nume-rosos fatores condicionantes que podem intensificar ou di-minuir os efeitos, gerando uma impressionante variabilidadeclnica. Os principais fatores que podem influenciar o fentipodas doenas falciformes so:

    a. O gentipo da doena: homozigose para HbS (ane-mia falciforme) ou gentipos compostos do tipo HbS/HbC,HbS/beta-talassemia, HbS/HbD;

    b. Fatores genticos que podem influenciar no proces-so de polimerizao da HbS, no fenmeno de falcizao e nahemlise;

    c. Outros fatores genticos que podem alterar a res-posta individual doena, a suas complicaes ou ao trata-mento;

    d. Fatores ambientais como o local onde vive o pacien-te, prevalncia de doenas infecto-contagiosas, condiessocioeconmicas e acesso assistncia mdica.

    Assim, um distrbio monognico no nvel molecular,causado por uma mutao nica, produz uma doenamultifatorial quando considerado no contexto clnico, que seexpressa por uma grande diversidade de fentipos.

    Molculas e clulas

    As manifestaes clnicas das doenas falciformes de-rivam diretamente da anormalidade molecular representadapela presena da hemoglobina S (HbS). As hemoglobinas A(HbA) e fetal (HbF), mesmo em concentraes elevadas, noformam estruturas organizadas dentro das hemcias, querquando oxigenadas ou desoxigenadas. As molculas de HbS,por outro lado, quando desoxigenadas, se organizam em lon-gos polmeros de filamentos duplos, que por sua vez se as-sociam em feixes com um duplo filamento central rodeado de

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    seis filamentos duplos de polmeros. Esses feixes de cris-tais dentro das hemcias podem ser vistos microscopiaeletrnica e determinam deformaes das clulas. A deforma-o mais conhecida provocada por feixes de polmeros seorganizando mais ou menos paralelamente, dando hemciauma forma alongada conhecida por hemcia em foice oufalcizada, embora as hemcias anormais possam assumirum amplo espectro de alteraes morfolgicas.

    O fenmeno de falcizao tem condicionantes que ofacilitam ou dificultam. Para que as molculas de HbS se agre-guem necessrio que, alm de desoxigenadas, estejam emelevada concentrao, o que facilita sua associao. Almdo mais, o fenmeno de falcizao no instantneo, masocorre aps um retardo, de forma que se a hemoglobinavoltar a se oxigenar, a falcizao no ocorre. Assim, para queocorra falcizao, necessrio que a hemcia sofra um retar-

    do na circulao. Isso ocorre de maneira heterognea, maspredomina em alguns rgos. O exemplo mais exuberante representado pelo bao, onde as condies de circulaofacilitam a falcizao, provocando repetidos enfartos que le-vam fibrose e destruio do rgo na maioria dos pacientes(auto-esplenectomia). Como conseqncia desse retardo dapolimerizao, a falcizao no ocorre de fato na maioria dashemcias em cada ciclo de passagem pelos capilares, mas emapenas uma pequena porcentagem das clulas que, ao seremreoxigenadas, reassumem aspecto normal. Assim, a falcizaogrosseira de grande porcentagem das hemcias em um vaso mais a conseqncia do retardo e da vaso-obstruo doque a sua causa propriamente dita.

    No entanto, a formao de polmeros de HbS dentrodas hemcias tem como conseqncia mltiplas alteraesda clula (Tabela 2), as mais importantes das quais so oefluxo de potssio, o aumento do clcio intracelular e da mem-brana, a formao de polmeros da Hb com protenas da mem-brana, em especial da banda 3, a exposio de molculas damembrana celular como fosfatidil-serina (PS) e CD36. A mem-brana , assim, o principal espelho onde se refletem altera-es moleculares que esto ocorrendo no interior da clula.Essas modificaes tm conseqncias que as amplificam,levando s manifestaes clnicas: a) provocam um aumentoda adeso de hemcias ao endotlio, desencadeando fen-menos inflamatrios que influenciam tambm os granulcitose plaquetas; b) enrijecem a membrana e toda a hemcia, en-curtando sua sobrevida em circulao; c) provocam lesesmicrovasculares; d) causam uma depleo de NO que contri-bui para vasoconstrio e ativao da inflamao; e) ativama coagulao.

    Tabela 2. Principais alteraes moleculares das hemcias emconseqncia do fenmeno de falcizao

    Aumento do Ca++ intracelular e de membranaPerda de ons monovalentes, especialmente K+Perda de gua (desidratao celular)Aumento da densidade dos eritrcitosReduo da deformabilidade, fragilidade e vesiculao doseritrcitosOxidao da Hb: formao de metemoglobina e superxidosDesnaturao da Hb: formao de hemicromos, heme livre eferro livreAnormalidades das protenas de membrana: anquirina, banda 3,espectrinaExposio de fosfatidil-serina na membrana celularAumento da adeso ao endotlio mediada por molculasplasmticas, da membrana e do endotlio (vide quadro 3)

    Figura 1. Relao entre fenmenos fisiopatolgicos e manifestaesclnicas nas doenas falciformes

    Inflamao e adeso celular ao endotlio

    As doenas falciformes caracterizam-se por manifesta-es inflamatrias crnicas. De fato, parece que a gnese degrande parte das manifestaes clnicas dessas doenasliga-se a trs mecanismos inter-relacionados: a) adeso deeritrcitos, granulcitos, moncitos e plaquetas ao endotlio

    Tabela 1. Alteraes fisiopatolgicas em diferentes nveis nasdoenas falciformes

    Nvel Fenmenos ou alteraesMolecular e celular Mutao da hemoglobina

    Polimerizao da Hb desoxigenadaFalcizaoAlteraes de membrana

    Tecidos e rgos Adeso celular ao endotlioHipxia localIsquemiaInflamaoLeso microvascularAtivao da coagulaoDepleo de NO

    Organismo (paciente) DorAnemia hemolticaInsuficincia de mltiplos rgos

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    vascular; b) fenmenos inflamatrios crnicos, exacerbadospor episdios agudos; c) produo de intermedirios infla-matrios, como citocinas e alteraes do metabolismo de NO.

    A adeso de eritrcitos ao endotlio vascular prova-velmente o mecanismo primrio pelo qual as alteraesmoleculares que ocorrem na hemcia so transmitidas aostecidos. Essa adeso, como foi dito, pode causar obstruo ehipxia local, com agravamento da falcizao, ao mesmo tem-po em que desencadeia os fenmenos inflamatrios, que se-ro mais intensos se houver necrose de tecidos. Ao mesmotempo, ocorrem alteraes de coagulao, alm mobilizaode clulas inflamatrias agudas (granulcitos) e crnicas(moncitos). Assim, embora esses fenmenos sejam conco-mitantes e inter-relacionados, para facilitar a abordagem elessero discutidos separadamente.

    Molculas de adeso

    Os eritrcitos falciformes expressam maior nmero demolculas de adeso (PS, CD36, CD47, CD49d e BCAM/LU)na superfcie externa da membrana celular do que eritrcitosnormais (Tabela 3). Essas molculas favorecem a interaocom o endotlio e com outras clulas, propagando o proces-so de vaso-ocluso. Algumas dessas molculas (CD36 e oCd49d) esto expressas somente nos reticulcitos. Comoessas clulas jovens so mais aderentes e esto presentesem maior nmero nesses pacientes, elas desempenham papelimportante no fenmeno vaso-oclusivo. O CD36 um recep-tor glicoprotico que se liga a vrias protenas da matrizextracelular, como a trombospondina, que intermedeia a liga-o da clula com o endotlio. O antgeno de ativao tardia(VLA-4 ou 41) uma integrina que promove a interaoentre clula-endotlio via ligao direta com a VCAM-1, ex-pressa no endotlio, ou via fibronectina da matriz extracelular.O marcador CD49d corresponde cadeia 4 dessa integrina.O CD47 um glicoprotena transmembrana que em eritrcitos,parece estar associada ao complexo Rh. Ele serve como re-ceptor da trombospondina (TSP) que faz a ligao entreeritrcito e endotlio via receptor da vitronectina (v3) efacilita a quimiotaxia de leuccitos.

    O BCAM/LU (basal cell adhesion molecule) umaprotena produzida pelo gene do grupo sangneo Lutheranque promove interaes entre clula-clula e clula-matrizextracelular. A interao de eritrcitos falciformes com a lami-nina via receptor de BCAM/LU um dos fenmenos de ade-so mais bem caracterizados na anemia falciforme.1

    A fosfatidilserina (PS) uma molcula de adeso pre-sente em maior quantidade na parte interna da membranacelular do que exposta na superfcie de eritrcitos normais,mas em uma parcela dos eritrcitos falciformes essa propor-o se inverte. Estudos j comprovaram que eritrcitos commaior exposio dessa molcula possuem potencial de ade-so celular trs vezes maior que eritrcitos normais. A PSliga-se ao receptor da vitronectina (v3 ) do endotlio via

    TSP. Alguns trabalhos correlacionaram exposio de PS noseritrcitos gerao de trombina, substncia necessria paraformao de cogulos de fibrina, confirmando a importnciada exposio da PS como um dos principais determinantesde aderncia celular e da ativao da cascata da coagulaona crise vaso-oclusiva.2

    Os neutrfilos ativados expressam CD64, integrinas(L2 e M2), receptor da trombospondina (CD36), molcu-las de adeso leuccito-endotlio (L-selectinas) e leuccito-plaquetas [ligante da P-selectina (PSGL-1)], que favorecem aadeso ao endotlio, recrutam plaquetas e outros neutrfilospara o stio de inflamao, alm de secretarem H2O2 que lesao endotlio vascular.3

    As plaquetas ativadas dos pacientes com doena falci-forme expressam maior quantidade de P-selectina (CD62p),que favorece a ligao com o endotlio e com neutrfilos viaPSGL-1 e de v3 (CD61), receptor de vitronectina. A ativaoplaquetria tambm aumenta a afinidade da GP1b-IX-V pelofator de von Willebrand e da GPIIb-IIIa pelo fibrinognio.

    As clulas endoteliais ativadas expressam molculascomo VCAM-1 (vascular-cell adhesion molecule 1) e ICAM-1 (intercellular adhesion molecule 1), que facilitam a ade-so de clulas sangneas ao endotlio.4

    Muitas dessas alteraes de molculas de adeso de-saparecem ou se reduzem durante o tratamento com hidro-xiuria, reforando o possvel papel desses achados em rela-o s manifestaes clnicas.5,6

    Fenmenos inflamatrios

    O estado inflamatrio crnico que ocorre nos pacien-tes com doena falciforme decorrente de diversos fatoresque se interligam e se retroalimentam, formando um ciclo in-flamatrio permanente.

    O endotlio vascular constitui um fator muito impor-tante no processo inflamatrio e de vaso-ocluso. As clulasendoteliais participam na manuteno da hemostasia e pro-duzem xido ntrico, substncia vasodilatadora que regula otnus vascular. O endotlio lesado expe fator tecidual, quedesencadeia a cascata da coagulao e libera multmeros devon Willebrand que participam da hemostasia primria. Ahemlise crnica de hemcias falciformes libera hemoglobinalivre e arginase, enzima que utiliza o substrato usado para aproduo de NO. A depleo de substrato e o seqestro de

    Tabela 3. Molculas de adeso envolvidas na fisiopatologia dasdoenas falciformes

    Molculas de Adeso no GV Ligante

    Fator de von Willebrand GPIb,CD36 TrombospondinaCD47

    CAM-1, fibronectinaBCAM/Lutheran Laminina (ECM)Fosfatidil serina

    3

    5341

    53

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    Tabela 5. Alguns dados hematolgicos de pacientes comdiferentes formas de doenas falciformes. O grau de anemia

    mais acentuado no homozigoto SS e no heterozigoto duploHbS/ -talassemia, em comparao aos heterozigotos duplos

    com HbS/ +-talassemia e HbS/HbC [Zago MA, Costa FF,Ismael SJ, Bottura C - Enfermedades drepanocticas en una

    poblacin brasilea. Sangre 28:191-198, 1983]SS

    92 casosS/ -tal

    32 casosS/ -tal6 casos

    SC26 casos

    Hb (g/dl) 7,7 1,5 8,0 1,7 10,0 0,7 11,0 1,5

    HCM (pg) 30,2 4,1 22,9 2,5 21,5 2,3 29,1 3,2

    HbA2 (%) 2,5 0,4 4,3 1,0 4,3 0,8 -

    HbF (%) 7,4 6,7 11,6 7,3 9,8 8,6 2,8 2,8

    NO causam reduo local desta substncia e vasoconstrio.O fenmeno de vasoconstrio, por sua vez, retarda o fluxosangneo e favorece a falcizao das hemcias falciformes.Alm de produzir NO, as clulas endoteliais liberam endo-telina-1, um peptdeo pr-inflamatrio e potente vaso-constritor de grandes e pequenas artrias e veias. Durantequadros inflamatrios agudos, como sndrome da angstiarespiratria do adulto (SARA), coagulao intravascular dis-seminada e sepse, os nveis plasmticos de endotelina-1 es-to elevados, assim como nos pacientes com doena falci-forme. Alm da ao vasoconstritora, esse peptdeo aumentaas concentraes de VCAM-1 e ICAM-1 solveis e tambmestimula moncitos a secretarem citocinas inflamatrias, comoIL-1, IL-6, IL-8, TNF-, GC-SF e substncias que aumentam aproduo de superxidos pelos neutrfilos. As plaquetas,estimuladas pela presena dessas citocinas inflamatrias, li-beram multmeros de von Willebrand estocados nos grnu-los- que favorecem a ligao entre plaquetas, endotlio e oeritrcito falciforme, via receptor da vitronectina e receptordo complexo Gp1b-IX-V.7 Alm disso, as plaquetas tambmliberam certa quantidade de trombospondina e fibronectina,ligantes entre endotlio e clulas. Os neutrfilos ativadospor essas citocinas inflamatrias so recrutados para o stioinflamatrio, aumentam a produo de perxidos e expemmaior quantidade de molculas de adeso em sua superfcie,facilitando a adeso ao endotlio, a outros neutrfilos, aplaquetas e a hemcias falciformes, culminando com fenme-nos vaso-oclusivos feqentemente observados na doenafalciforme.8

    O paciente com doena falciforme

    AnemiaA principal causa da anemia nesses pacientes a me-

    nor sobrevida das hemcias; trata-se, pois, de anemia hemo-ltica, com aumento da bilirrubina indireta, hiperplasia eritrideda medula ssea e elevao dos reticulcitos. No entanto,alm da hemlise, outros fatores podem contribuir para agnese da anemia ou agrav-la: carncia de folato, insufici-ncia renal, crises aplsticas e esplenomegalia (Tabela 4).Embora a maioria dos pacientes com anemia falciforme tenhaauto-esplenectomia em virtude dos repetidos episdios deenfartes esplnicos, com conseqente cicatrizao e destrui-o do rgo, a preservao do bao mais freqente empacientes com S/-talassemia ou HbS/HbC, ou nos homo-zigotos com anemia falciforme que recebem transfuses irre-gularmente durante a infncia. Nestes pacientes, as transfu-ses podem preservar o bao que, aumentado, agrava a ane-mia. Em situaes no complicadas a anemia em geral mo-derada; sendo crnica, e devido ao aumento da concentra-o intracelular de 2,3-difosfoglicerato (2,3-DPG) que facilitaa liberao de O2 nos tecidos, os sintomas de anemia so emgeral pouco pronunciados. Embora seja mais acentuada noshomozigotos SS e nos heterozigotos duplos com 0-talas-

    Tabela 4. Causas mais freqentes de exacerbao da anemiados pacientes com doena falciforme

    Crise aplstica por parvovrusSeqestro esplnico agudoDeficincia nutricional, em especial carncia de folatosEsplenomegalia persistente com hiperesplenismoCrise hemoltica por fator superveniente (por exemplo, deficincia de G6PD)Reao hemoltica ps-transfusional tardiaInsuficincia renal

    0 +

    0

    semia, mesmo nestes casos a maioria dos pacientes mantmnveis de hemoglobina acima de 7 g/dL e no necessitam detransfuses crnicas (Tabela 5).

    Sintomas e conseqncias da anemia, no entanto, fa-zem parte da evoluo das doenas falciformes, em especialdos homozigotos: retardo da maturao sexual, sobrecargacardaca com insuficincia cardaca na terceira dcada de vidae contribuio para a gnese das lceras de perna.

    As crises aplsticas so mais freqentes nos primeirosanos de vida; so causadas por infeco por parvovrus, queprovoca uma parada passageira da eritropoese. Em indiv-duos normais, a aplasia transitria produzida pela infecoviral passa despercebida, pois resulta em queda pouco acen-tuada dos nveis de hemoglobina. No entanto, em pacientescom anemia falciforme, j anmicos apesar da hiperplasiaeritride, a supresso da eritropoese por alguns dias sufici-ente para agravar acentuadamente a anemia.

    DorA dor no paciente falciforme pode ser um sintoma agu-

    do ou crnico. No quadro agudo, a dor est associada aisquemia tecidual aguda causada pela vaso-ocluso. A topo-grafia mais freqentemente relatada abrange membros inferi-ores e superiores. Em casos mais graves, a dor em regiotorcica acompanhada de febre, dispnia e hipoxemia carac-teriza a sndrome torcica aguda, complicao aguda commaior ndice de mortalidade na doena falciforme. No quadroagudo, o controle rpido da dor essencial para interrompero processo vaso-oclusivo. A escolha do analgsico a ser

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    administrado depender da intensidade da dor. Escalas sub-jetivas de dor, onde o paciente pontua sua dor de 1 a 10, soaplicadas na maioria dos servios especializados no atendi-mento desses pacientes. Nos casos mais leves, analgsicoscomo dipirona e paracetamol so administrados por via orale, em casos mais graves, o uso de opiides endovenososcomo a morfina se faz necessrio. Nos casos moderados egraves, a hidratao endovenosa com salina 0,9% utilizadapara reduzir a viscosidade sangnea e corrigir possvel desi-dratao, que favorecem a falcizao das hemcias, enquan-to a hidratao oral deve ser estimulada nos casos leves.

    O mecanismo desencadeante da dor sempre comple-xo e provavelmente heterogneo consoante o local de ocor-rncia. Assim, a dor da dactilite (sndrome mo-p) corres-ponde a um processo inflamatrio florido, iniciado por necroseda medula ssea nas pores distais dos membros. Por isso,a dor acompanhada de evidentes sinais inflamatrios, comoedema e calor. J a sndrome torcica gua tem uma origemmista: envolve vaso-ocluso e infeco, na maioria das ve-zes combinadas. Embora muitas vezes as culturas de escarroe hemoculturas para bactrias resultem negativas, h evi-dncias de que em muitos desses casos ocorrem infecesprimrias ou secundrias por Mycoplasma, Legionella eChlamidia. Alm disso, em 44% a 60% dos casos h de-monstrao de ocorrncia de mbolos gordurosos. Por outrolado, um estudo multicntrico conduzido nos Estados Uni-dos no identificou um agente ou mecanismo etiolgico emmais de 40% dos casos de sndrome torcica aguda em paci-entes com menos de 20 anos de idade.9 A abordagem da dorcrnica mais complexa, principalmente porque na maioriadas situaes no h uma causa nica que pode ser tratada.Geralmente ela est associada a necrose assptica da cabeado mero ou do fmur, causada pela isquemia ssea crnicaem territrios pouco vascularizados. Nesses casos, o paci-ente faz uso de analgsicos de modo contnuo, e em muitoscasos sem controle satisfatrio do quadro. O tratamento de-finitivo a colocao de prteses ortopdicas, mas como ameia vida dessas prteses diminuda nesses pacientes de-vido a alta taxa de infeco, essa modalidade teraputica reservada para casos com comprometimento importante dadeambulao. Atualmente, com o uso de prteses mais mo-dernas (cementless arthroplasty), as complicaes intra-ope-ratrias e ps-operatrias esto diminuindo, aumentando aeficcia desse tipo de tratamento.10

    Insuficincia de mltiplos rgosA evoluo das doenas falciformes marcada por um

    amplo espectro de complicaes clnicas, que atingem a mai-oria dos rgos e aparelhos. Algumas dessas complicaesno reduzem a expectativa de vida do paciente, embora pos-sam comprometer consideravelmente a qualidade de vida:lceras de pernas, retinopatia, necrose ssea (especialmenteda cabea do fmur), clculos de vescula. Outras alteraes,no entanto, comprometem diretamente a funo de rgos

    vitais e esto diretamente associadas a risco de vida. Nestegrupo destacam-se as infeces, as complicaes cardior-respiratrias (especialmente a insuficincia cardaca con-gestiva e a sndrome torcica-aguda), a insuficincia renal eos acidentes vasculares cerebrais.

    Algumas dessas manifestaes tm uma acentuadapredominncia ou esto limitadas a uma faixa etria; os meca-nismos subjacentes a essa predominncia etria nem sempreso evidentes (Tabela 6). Assim, as insuficincias cardaca erenal e a retinopatia so manifestaes tipicamente tardias,que exigem uma longa evoluo da leso tissular para semanifestarem. Da mesma forma, os clculos biliares acumu-lam-se aps vrios anos de hemlise crnica e excreo au-mentada de bilirrubinas. Por outro lado, a dactilite (sndromemo-p) limita-se aos primeiros anos de vida, a maioria doscasos ocorrendo antes dos dois anos de idade; tipicamenteuma exteriorizao de necrose e inflamao da medula sseadas extremidades dos membros, e, com o crescimento, a me-dula ssea dessa regio substituda por medula gordurosa,e a manifestao no mais ocorre.

    Tabela 6. Variao etria da freqncia com que ocorremalgumas manifestaes comuns das doenas falciformes

    (0 = ausente ou raro; +++ = mxima freqncia da complicao)Manifestao Idade

    0-5 anos 5-15 anos >15 anosAsplenia funcional +++ 0

    Auto-esplenectomia ++ +++Morte sbita por

    septicemia+++ ++

    Seqestro esplnico +++ ++ Dactilite +++ 0

    Sndrome torcica aguda +++ ++ +AVC isqumico ++ +

    AVC hemorrgico 0 + +++Dor + ++ +++

    Clculos biliares 0 +++Necrose avascular 0 +++

    Retinopatia 0 0 +++Insuficincia renal 0 +++

    Tambm h variaes etrias na forma de manifestaode algumas manifestaes comuns. Por exemplo, a sndrometorcica aguda precedida ou acompanhada de dor em 10%-25% dos pacientes quando ocorre at a idade de 10 anos, eem menos de 5% dos pacientes aps essa idade; por outrolado, 5%-25% dos pacientes do primeiro grupo tm febre, emcomparao com cerca de 50% dos pacientes mais velhos.11

    Quatro mecanismos bsicos constituem as bases dasleses teciduais nesses pacientes:

    a) anemia;b) vaso-ocluso com hipxia, necrose, fibrose e desor-

    ganizao microvascular;

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    c) sobrecarga de ferro;d) asplenia.O bao tem um papel singular como causa de morte nas

    doenas falciformes. Na maioria dos pacientes com a formahomozigtica (SS), os numerosos infartos levam sua fibrosee desaparecimento anatmico, nos primeiros 2-5 anos de vida,que pode ser precedido de perda da funo (asplenia funcio-nal) quando o bao, embora presente, j perdeu a funo. Aprincipal conseqncia da asplenia o aumento do risco deinfeces graves, especialmente por Streptococcus pneu-moniae, Haemophilus influenzae, Neisseria meningitidis eKlebsiella sp., entre outros, que produzem meningites ousepticemias graves associadas a elevada mortalidade. Essa a principal causa de morte por essas doenas na primeirainfncia, e o uso de medidas profilticas como vacinas anti-pneumoccicas e profilaxia com penicilina reduziram drasti-camente a morte sbita dessas crianas. No entanto, o bao,enquanto presente, pode ser sede de uma complicao agu-da muito grave: a crise de seqestro esplnico. Nesse caso,algumas vezes desencadeado por infeces banais, mas namaioria das vezes sem causa reconhecida, o bao retm umgrande volume de hemcias no prazo de algumas horas. Almdo acentuado aumento do volume do bao, provoca umaqueda rpida da hemoglobina, produzindo um quadro que seassemelha a um choque hemorrgico.

    A idade mediana de morte de um grupo de 3.764 pacien-tes na dcada de 90 foi de 42 anos (homens) e 48 anos (mu-lheres) para os homozigotos SS e 60 e 68 anos, respectiva-mente, para os pacientes com hemoglobinopatia SC. Entre ospacientes com anemia falciforme, 18% das mortes em adultosocorreram em pacientes com insuficincia de rgo, princi-palmente insuficincia renal, enquanto 33% no tinham insu-ficincia de rgo, mas morreram durante uma crise falciforme:em 78% dos casos foi uma crise de dor, sndrome torcica ouambas, enquanto 22% tiveram um AVC.12

    Fatores que modulam a gravidade da doenafalciforme

    Algumas caractersticas genticas tm grande impor-tncia na gravidade clnica da doena, porque determinam aconcentrao intracelular de HbS. A elevada concentraode HbS essencial para que a polimerizao da HbS se iniciee se propague rapidamente, provocando a falcizao e osfenmenos celulares que desencadeiam as leses tissulares.Assim, gentipos que produzem uma menor concentraode HbS ou uma elevao de HbF (que no interage com asmolculas de HbS) dificultam a polimerizao e a falcizao,reduzindo a gravidade e intensidade das manifestaes clni-cas. Por esses motivos, o quadro mais grave na anemiafalcifome e na S0-talassemia sem nveis elevados de HbF(ou seja, HbF < 10%), enquanto os quadros mais leves soaqueles com elevao da HbF e S+-talassemia. Nestes lti-mos pacientes ocorre a produo de HbA que, embora em

    menor quantidade do que a HbS, suficiente para inibir aformao de polmeros. A hemoglobinopatia SC tem uma po-sio intermediria, porque a hemoglobina C (HbC) capazde participar parcialmente da formao de polmeros com HbS.

    As elevaes de HbF tm um papel muito importantepara modular o quadro das doenas falciformes. Os nveis deHbF em adultos so determinados geneticamente;13 a pre-sena de alelos que determinam ligeiras elevaes de HbFso comuns e no so associados a manifestaes clnicas,mas, quando presentes em um indivduo com doena falci-forme, provocam uma elevao de HbF maior do que a habi-tual na doena. Tambm existem formas de persistncia here-ditria de HbF heterocelular, mais raras, mas que podem seassociar doena falciforme. Como conseqncia do papelinibitrio que a HbF exerce sobre o processo de falcizao,reduzindo a gravidade das manifestaes clnicas, desenvol-veu-se uma busca ativa de drogas que reativassem a sntesede HbF no perodo ps-natal. Essa busca levou descobertado efeito teraputico da hidroxiuria na doena, e investi-gao de numerosos outros compostos em fase experimen-tal. Embora o efeito teraputico da hidroxiuria provavelmen-te compreenda outros fenmenos, como a modificao dasmolculas de adeso de hemcias, granulcitos e plaquetas,e a reduo da produo de granulcitos, participantes dire-tos dos fenmenos inflamatrios da doena, seu efeito ele-vando a HbF muito consistente.

    Alm disso, os hapltipos da regio dos genes deglobina tm um papel importante na determinao da gravi-dade da doena, em parte pelo menos por influenciar o nvelde HbF. Assim, o hapltipo Senegal, raro no Brasil, est as-sociado a nveis mais elevados de HbF, enquanto o hapltiporabe-Indiano, que no ocorre no Brasil, tem os nveis maiselevados de HbF, e corresponde forma mais benigna deanemia falciforme, oligossintomtica ou assintomtica.

    Em 1992 ns fizemos o primeiro estudo brasileiro mos-trando a distribuio de hapltipos ligados ao gene da HbSno Brasil, inicialmente restrito a Ribeiro Preto, na regioSudeste, e depois estendido a outras cidades brasileiras.14,15Hoje existem perto de mil cromossomos de HbS mapeadosno Brasil, sendo que alguns dos maiores estudos esto resu-midos na tabela 7. Embora haja certa diversidade regional, deum modo geral predomina o hapltipo Banto, seguido dohapltipo Benin, sendo raros os exemplos de hapltipoSenegal. Essa distribuio reflete muito bem a proporo deescravos africanos de diferentes regies trazidos ao Brasildurante o perodo de trfico de escravos. Embora haja aindacerta diversidade regional, ela tende a desaparecer e no re-flete a proporo das diferentes etnias que chegaram nosdiferentes portos brasileiros, em especial devido aos movi-mentos migratrios internos. De qualquer forma, a propor-o muito diversa daquela observada em qualquer outrarea de prevalncia da anemia falciforme, e por esse motivoas doenas falciformes podem ter caractersticas diversas emnossa populao.

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    Zago MA et al Rev. bras. hematol. hemoter. 2007;29(3):207-214

    endothelial cells, leukocytes and platelets, and their role in thepathophysiology of vaso-occlusion. The clinical manifestations, likeanemia, pain crises and multiorgan dysfunction are covered. Factorsthat modulate disease severity, like the co-inheritance of -thalassemia, gene mutations related to thrombophilia and theelevation of fetal hemoglobin are discussed. Rev. bras. hematol.hemoter. 2007;29(3):207-214.

    Key words: Sickle cell disease; pathophysiology; inflammation;adhesion molecules.

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    Tabela 7. Alguns estudos demonstrando a distribuio dehapltipos ligados ao gene da HbS em pacientes brasileiros com

    doenas falciformes14-22

    Localidade Cromossomos Hapltipos (%)

    Banto Benin Senegal

    Ribeiro Preto 66 73,0 25,5 1,5

    Belm 60 66,7 30,0 3,3

    Belm 260 66,0 21,8 10,9

    Campinas eS. Paulo

    142 64,7 35,2 0,0

    Porto Alegre 49 79,6 18,4 2,0

    Salvador 160 50,6 48,7 0,7

    Total 737 63,1 30,9 4,3

    Considerando ainda que ativao de vrios compo-nentes do sistema de hemostasia fazem parte do mecanis-mo de doena, as variaes genticas associadas a prote-nas de coagulao e s plaquetas tm sido bastanteinvestigadas, particularmente a possibilidade de que a vari-ante de fator V Leiden, a mais bem conhecida e freqentecausa de trombofilia hereditria, pudesse ter um papel im-portante determinando a suscetibilidade a fenmenosobstrutivos vasculares. Os resultados de vrios estudosso dispersos, mas no conjunto no identificam at o mo-mento qualquer contribuio consistente.23 Da mesma for-ma, considerando o grande nmero de reaes e de inter-medirios metablicos envolvidos nos fenmenos inflama-trios que compem o quadro da doena, polimorfismos degenes relacionados com defesa, inflamao e metabolismotm sido amplamente investigado, mas at o momento osachados consistentes so escassos, como por exemplo ademonstrao de que uma das variantes do gene damieloperoxidase, associada menor produo da enzima,agrava as manifestaes infecciosas.24

    To importantes quanto as variaes genticas, os fa-tores adquiridos so responsveis pela variabilidade clnicae do prognstico de pacientes com doenas falciformes. Onvel socioeconmico e educacional ocupa uma posio cen-tral, pois determina variantes que influenciam diretamente aevoluo da doena e seu prognstico: acesso atenomdica, diagnstico precoce, alimentao e nutrio de boaqualidade, acesso a saneamento bsico e, portanto, gua deboa qualidade e menor exposio a infeces, melhores con-dies de vida e de trabalho, alm do tratamento rpido decomplicaes.

    Abstract

    The most important pathophysiological abnormalities of sickle celldisease are reviewed, taking into account three levels: a) moleculesand cells, b) tissues, c) organism as a whole. We dedicated especialattention to the chronic inflammatory phenomena, abnormallyexpressed adhesion molecules, the interaction among sickle cells,

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    Rev. bras. hematol. hemoter. 2007;29(3):207-214 Zago MA et al

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    O tema apresentado e o convite ao(s) autor(es) constam da pautaelaborada pelo co-editor, prof. Rodolfo Delfini Canado.

    Avaliao: Co-editor e um revisor externo.Publicado aps reviso e concordncia do editor.Conflito de interesse: no declarado.

    Recebido: 22/06/2007Aceito: 27/07/2007