Artigo Hidroq. Prop. e Etanol

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Infarma, v.16, nº 13-14, 2005 66 INTRODUÇÃO O setor magistral apresentou, nos últimos anos, uma vertiginosa ascensão, assumindo uma importância cada vez maior dentro do mercado de medicamentos e, conseqüente- mente, contribuindo para a saúde pública brasileira (FER- REIRA, 2002). Com isso, a qualidade do produto manipula- do tem sido objeto de inúmeras discussões e debates, prin- cipalmente, em função da legislação RDC 210/2003, que de- termina a todos os estabelecimentos fabricantes de medica- mentos, o cumprimento das diretrizes estabelecidas no re- gulamento técnico das Boas Práticas para a Fabricação de Medicamentos, em que o controle da qualidade é ferramen- ta essencial para sua verificação. A hidroquinona é o agente despigmentante mais uti- lizado para o tratamento de hiperpigmentações da pele. Con- tudo, ainda, é um problema estabilizar suas formulações no sentido de prevenir a oxidação, passando esta para a forma de quinona, mudança esta que é facilmente perceptível, já que a forma oxidada absorve no espectro visível e que esta AVALIAÇÃO DA INFLUÊNCIA DO ETANOL E PROPILENOGLICOL COMO SOLVENTES SOBRE AS CARACTERÍSTICAS QUÍMICAS E FÍSICO-QUÍMICAS DE UMA FORMULAÇÃO DE CREME DE HIDROQUINONA JOSÉ ALEXSANDRO SILVA 1 IGOR PRADO DE BARROS LIMA 2 1. Professor Adjunto do Departamento de Farmácia e Biologia da Universidade Estadual da Paraíba. Campina Grande, PB. 2. Acadêmico do Curso de Farmácia da Universidade Estadual da Paraíba. Autor responsável (J.A. Silva) E-mail: [email protected] forma não exerce ação despigmentante e ainda piora o as- pecto da formulação (CANTO & BERGOLD, 2000). O mecanismo de ação da hidroquinona é baseado em sua oxidação, após o contato com a pele. Por isso, cuida- dos especiais devem ser tomados com as suas formulações, a fim de evitar que a mesma oxide na embalagem, antes de sua atuação na pele, ou seja, o processo de oxidação deve ocorrer somente após sua aplicação. Entre estes cuidados, podemos citar a adição de agentes antioxidantes, acerto de pH, escolha da embalagem adequada e cuidados especiais na fabricação do produto (STIEFEL, 2003). MATERIALE MÉTODOS No presente trabalho, as formulações do creme con- tendo hidroquinona a 4% foi preparado no Laboratório de Farmacotécnica do Departamento de Farmácia e Biologia da Universidade Estadual da Paraíba, tendo como base o cre- me Lanette e o etanol e o propilenoglicol como solventes conforme tabela 1.

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  • Infarma, v.16, n 13-14, 200566

    INTRODUO

    O setor magistral apresentou, nos ltimos anos, umavertiginosa ascenso, assumindo uma importncia cada vezmaior dentro do mercado de medicamentos e, conseqente-mente, contribuindo para a sade pblica brasileira (FER-REIRA, 2002). Com isso, a qualidade do produto manipula-do tem sido objeto de inmeras discusses e debates, prin-cipalmente, em funo da legislao RDC 210/2003, que de-termina a todos os estabelecimentos fabricantes de medica-mentos, o cumprimento das diretrizes estabelecidas no re-gulamento tcnico das Boas Prticas para a Fabricao deMedicamentos, em que o controle da qualidade ferramen-ta essencial para sua verificao.

    A hidroquinona o agente despigmentante mais uti-lizado para o tratamento de hiperpigmentaes da pele. Con-tudo, ainda, um problema estabilizar suas formulaes nosentido de prevenir a oxidao, passando esta para a formade quinona, mudana esta que facilmente perceptvel, jque a forma oxidada absorve no espectro visvel e que esta

    AVALIAO DA INFLUNCIA DO ETANOLE PROPILENOGLICOL COMO SOLVENTESSOBRE AS CARACTERSTICAS QUMICAS

    E FSICO-QUMICAS DE UMA FORMULAODE CREME DE HIDROQUINONA

    JOS ALEXSANDRO SILVA1IGOR PRADO DE BARROS LIMA21. Professor Adjunto do Departamento de Farmcia e Biologia da Universidade Estadual da Paraba.

    Campina Grande, PB.2. Acadmico do Curso de Farmcia da Universidade Estadual da Paraba.Autor responsvel (J.A. Silva) E-mail: [email protected]

    forma no exerce ao despigmentante e ainda piora o as-pecto da formulao (CANTO & BERGOLD, 2000).

    O mecanismo de ao da hidroquinona baseadoem sua oxidao, aps o contato com a pele. Por isso, cuida-dos especiais devem ser tomados com as suas formulaes,a fim de evitar que a mesma oxide na embalagem, antes desua atuao na pele, ou seja, o processo de oxidao deveocorrer somente aps sua aplicao. Entre estes cuidados,podemos citar a adio de agentes antioxidantes, acerto depH, escolha da embalagem adequada e cuidados especiaisna fabricao do produto (STIEFEL, 2003).

    MATERIAL E MTODOS

    No presente trabalho, as formulaes do creme con-tendo hidroquinona a 4% foi preparado no Laboratrio deFarmacotcnica do Departamento de Farmcia e Biologia daUniversidade Estadual da Paraba, tendo como base o cre-me Lanette e o etanol e o propilenoglicol como solventesconforme tabela 1.

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    Tabela 1 - Formulaes do creme de Hidroquinona 4%.

    As formulaes foram fracionadas em recipientes do tipopolietileno e submetidas a diferentes condies de temperatura dearmazenamento, sendo estas: temperatura ambiente (25 C 2),refrigerao (5 C 1) e estufa (37 C). Durante o perodo de 60dias, foram realizados os ensaios de anlise da matria-prima hi-droquinona (ensaio preliminar), anlise microbiolgica, doseamen-to e determinao do pH das formulaes de hidroquinona. Forampreparadas quantidades suficientes das amostras para anlises emtriplicata, estando estas protegidas da exposio luz.

    Doseamento da matria-primaO doseamento da hidroquinona (matria-prima) foi reali-

    zado por titulao redox com sulfato crico 0,1N, segundo meto-dologia expressa pela USP-XXIV (2002).

    Determinao do teor de gua da matria-primaO teor de gua na hidroquinona foi determinado pelo m-

    todo volumtrico de Karl Fischer conforme especificado na Far-macopia Brasileira (1988).

    Doseamento das amostrasAs anlises foram feitas em triplicata e o mtodo escolhido

    para determinao da concentrao da hidroquinona foi espectro-fotometria no ultravioleta, com o comprimento de onda de 293nm,segundo a USP-XXIV (2002).

    Determinao do pH das amostrasA determinao do pH das amostras foi realizada com o

    pHmetro digital microprocessado PG1400 da marca Gehaka, con-forme a metodologia especificada para cremes descrita por Amaral& Vilela (2002).

    Anlises microbiolgicaAs amostras de creme com hidroquinona para os ensaios

    microbiolgicos foram dissolvidas em uma soluo tampo fosfa-to de pH 7,2 (soluo estoque), cuja preparao encontra-se defi-nida na Farmacopia Brasileira (1988). Foram feitas trs diluiesdas amostras, 1:10; 1:100; 1:1000.

    O mtodo utilizado para contagem de microrganismos foio meio slido, com semeadura da amostra em profundidade (PourPlate). As placas foram incubadas em estufa na posio invertida.Aps cinco dias de incubao a 37 C, para bactrias e sete diaspara bolores e leveduras, a 25 C, as colnias foram contadas avista desarmada, abrangendo o crescimento tanto da superfciecomo em profundidade, no interior do gel conforme especificadoem (PINTO, 2000).

    RESULTADOS E DISCUSSO

    No presente trabalho, a matria-prima hidroquinona(C6H6O2), de grau farmacutico, apresenta, segundo seu laudo tc-nico, as seguintes caractersticas: cristais finos brancos, com pon-to de fuso entre 172 a 174 C, sendo solvel em gua, facilmentesolvel em ter e em lcool. Os resultados dos ensaios realizadosda matria-prima foram teor de gua de 0,3% e doseamento de99,6% de hidroquinona, calculado em relao substncia anidra.

    Estes valores de doseamento e de teor de gua apresenta-ram-se como perfeitamente aceitveis para a utilizao da matria-prima, pois, segundo a USP-XXIV (2002), a hidroquinona con-

    tm no menos que 99,0% e no mais que 100,5% de C6H6O2,calculado em bases anidras, e deve conter no mximo 0,5% de teorde gua.

    A Tabela 2 descreve os valores de concentrao (%) doscremes de hidroquinona 4% preparados com etanol e com propile-noglicol, nas diferentes condies de armazenamento. Os resulta-dos das concentraes das amostras, tanto com etanol quanto compropilenoglicol, mostram variaes de teor de hidroquinona queoscilam na faixa de 3,8% a 4,0%, que correspondem, respectiva-mente, de 96% a 100,5% da quantidade indicada de hidroquinonano creme. Estas variaes mantiveram-se, ao longo dos 60 dias dearmazenamento, dentro dos limites especificados pela USP-XXIV(2002), e que essas variaes das concentraes das amostras ana-lisadas podem ser atribudas, possivelmente, a pequenos desviosno processo analtico.

    Tabela 2 - Valores de concentrao (%) dos Cremes deHidroquinona 4% manipulados com etanol e com

    propilenoglicol nas diferentes condies de armazenamento.

    Observa-se, tambm, que as amostras manipuladas compropilenoglicol apresentaram mdias de concentraes menoresque as das amostras manipuladas com etanol. Outro fato mostrado que ambos os solventes mantiveram a estabilidade da hidroquinonanos cremes, e isto pode ser evidenciado e comprovado pelo relatode Lachaman et al (2001), o qual afirma que quando o solventeaquoso de uma preparao farmacutica substitudo por umsolvente de baixa constante dieltrica, como o caso do etanol e dopropilenoglicol, normalmente h uma diminuio considervel davelocidade de degradao das quinonas.

    De acordo com Reynolds (1989), as preparaes contendohidroquinona devem ser conservadas em temperatura sobrefrigerao (2 a 8 C), no devendo exceder 30 C. Porm, osresultados deste estudo permitem evidenciar que para estasformulaes preparadas com etanol e propilenoglicol, acrescidosde antioxidantes (metabissulfito de sdio e cido ascrbico), aselevadas temperaturas de 37 C (estufa) e 25 C (ambiente) nopromoveram acelerao das reaes de degradao da hidroquinona.

    Possivelmente, os antioxidantes, metabissulfito de sdio ecido ascrbico, impediram a oxidao da hidroquinona aoproporcionarem o acrscimo de um tomo de hidrognio ou um

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    eltron ao radical livre formado e recebendo o excesso de energiaque a molcula ativa possui durante o processo de propagao dareao oxidativa.

    A Tabela 3 descreve os valores de pH dos Cremes dehidroquinona 4% preparados com etanol e com propilenoglicol,nas diferentes condies de temperatura, ao longo do perodo dearmazenamento. A anlise dos valores de pH das amostras, tantocom etanol quanto com propilenoglicol, permite verificar variaesde pH que oscilam na faixa de 2,6 a 4,0.

    Entretanto, o limite de pH ideal, especificado pela USP-XXIV (2002), de 3,0 a 4,2; portanto, pode-se evidenciar queexistiram alteraes de pH em algumas amostras que as tornaraminadequadas ao uso. Permite-se avaliar, tambm, que as amostrasmanipuladas com etanol, e conservadas a temperatura ambiente esob refrigerao, mantiveram seus valores de pH entre a faixaideal de pH especificada anteriormente.

    Tabela 3 - Valores de pH dos Cremes de Hidroquinona4% manipulados com etanol e com propilenoglicol

    nas diferentes condies de armazenamento.

    Porm, a partir de 45 dias de armazenamento, as amostrasdo creme preparadas com etanol e conservadas em estufa tornaram-se inadequadas para o uso dermatolgico, uma vez queapresentaram uma mdia de pH fora dos limites estabelecidospela literatura j citada.

    importante ressaltar que a anlise dos resultados permiteafirmar que o solvente propilenoglicol conferiu uma maiorestabilidade com relao ao pH s amostras analisadas, quandocomparado com o solvente etanol, pois, ao final do perodo deanlises das amostras, todas as mdias de pH das formulaespreparadas com propilenoglicol apresentavam-se na faixa dereferncia nas diferentes condies de armazenamento. Enquantoque as amostras preparadas com etanol e conservadas emtemperatura mais elevada tiveram a mdia dos valores de pH, aofim do perodo de anlises, abaixo do especificado pela literatura.Este fato pode ser explicado por Lachaman et al. (2001). Atemperatura pode ter grande influncia na degradao dos

    constituintes da formulao, mostrando-se que necessrioavaliar-se o efeito da temperatura sobre as reaes de degradaoe que a velocidade destas reaes pode ser catalisada por prtonsou por ons hidroxilas e que a catlise mediada por prtons sepredomina em valores de pH mais baixos, conforme o creme dehidroquinona analisado, enquanto que a catlise com onshidroxilas ocorrem em valores de pH mais elevados. Logo, a anlisedos dados de pH mostra que a temperatura afetousignificativamente o pH das preparaes contendo hidroquinona,principalmente, as amostras que continham como solvente o etanole que foram conservadas em estufa. Isso possivelmente deve-seao fato de que o etanol e a temperatura elevada tenham aceleradoo processo de catlise do creme contendo hidroquinona.

    Uma outra informao importante a ser destacada quenas amostras com etanol conservadas em estufa houve, ao fim doperodo de armazenagem, modificao das caractersticasorganolpticas, evidenciadas em odor desagradvel e cor amareladadas preparaes.

    A anlise microbiolgica foi realizada com as preparaesde hidroquinona que continham o etanol como solvente e, apenasno dia do preparo das amostras (dia zero). No sendo acompanhadaa evoluo do teste analtico ao longo do armazenamento. Esseteste foi importante para garantir que possveis oscilaes emoutros parmetros analticos, como pH e concentrao, no seriamdecorrentes de contaminaes microbiolgicas.

    Na anlise microbiolgica das amostras contendohidroquinona, verificou-se uma contagem de microrganismos totaisaerbicos

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    FERREIRA, A. O. Guia Prtico da Farmcia Magistral. 2. ed.Juiz de Fora: Pharmabooks, 2002, 845 p.

    LACHAMAN, L. et al. Teste de estabilidade e fundamentos decintica qumica. In: LACHAMAN, L.; LIEBERMAN, H.A.; KANIG. J. L. Teoria e prtica na indstriafarmacutica. 1. ed. v. 2. Lisboa: Fundao CalousteGulbenkian, 2001. p. 1277-1357.

    PINTO, T. J. A. et al. Controle Biolgico de Qualidade deProdutos Farmacuticos, Correlatos e Cosmticos. 1. ed.So Paulo: Atheneu, 2000.

    REYNOLDS, J. E. F. Martindale The Extra Pharmacopoeia.29. ed. London: The Pharmaceutical Press, 1989, 1896 p.

    STIEFEL. O que os Dermatologistas querem saber sobre aHidroquinona. Disponvel em: