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! " #$$ 1 A COLABORAÇÃO ENTRE JOVENS VIABILIZADA PELA INTERNET: UMA ANÁLISE DOS CASOS HARRY POTTER E THE SIMS 1 Erick Beltrami Formaggio 2 Mariana Corrêa de Oliveira 3 Instituto Brasileiro de Gestão de Negócios, Porto Alegre, RS Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS RESUMO Este artigo traz um breve histórico do surgimento da Internet e do conceito de narrativa transmídia para, assim, identificar elementos de colaboração e participação na cultura jovem. Em um contexto transmidiático de entretenimento, em que a história principal tem continuação em outros meios, a Internet tem papel importante na aproximação de pessoas que compartilham interesses e que estão dispostas a produzir conteúdo relacionado à história. A partir desta aproximação via Internet, o artigo analisa a atual possibilidade que os jovens têm de contemplar seus interesses ao colaborar entre si para um objetivo comum. Para análise, foram selecionados dois casos que possuem características de colaboração e compartilhamento entre jovens, gerando uma forma de inteligência coletiva proporcionada pela Internet. PALAVRAS-CHAVE Internet; Cultura Jovem; Transmídia; Produção de Conteúdo; Inteligência Coletiva. 1 Introdução Considerando que histórias já foram contadas de diversas maneiras possíveis através da colaboração entre as pessoas, não há como negar que com o advento das novas tecnologias o processo se intensificou e atingiu grandes proporções (BURKE; BRIGGS; 2006). A Internet acelerou um processo de aproximação de interesses e proporcionou uma troca de conhecimento mútuo, inclusive gerando ferramentas que simplificaram a produção de conteúdo pelo usuário (CAVALCANTI; NEPOMUCENO, 1 Trabalho apresentado no DT 5 – Multimídia, do XI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul realizado de 17 a 19 de maio de 2010. 2 Pós-Graduado em Gestão Empresarial pelo IBGEN – Instituto Brasileiro de Gestão de Negócios. E-mail: [email protected] 3 Acadêmica do Curso de Comunicação Social, Relações Públicas da Fabico/UFRGS. E-mail: [email protected]

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A COLABORAÇÃO ENTRE JOVENS VIABILIZADA PELA INTERNET: UMA

ANÁLISE DOS CASOS HARRY POTTER E THE SIMS1

Erick Beltrami Formaggio2 Mariana Corrêa de Oliveira3

Instituto Brasileiro de Gestão de Negócios, Porto Alegre, RS

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS RESUMO Este artigo traz um breve histórico do surgimento da Internet e do conceito de narrativa transmídia para, assim, identificar elementos de colaboração e participação na cultura jovem. Em um contexto transmidiático de entretenimento, em que a história principal tem continuação em outros meios, a Internet tem papel importante na aproximação de pessoas que compartilham interesses e que estão dispostas a produzir conteúdo relacionado à história. A partir desta aproximação via Internet, o artigo analisa a atual possibilidade que os jovens têm de contemplar seus interesses ao colaborar entre si para um objetivo comum. Para análise, foram selecionados dois casos que possuem características de colaboração e compartilhamento entre jovens, gerando uma forma de inteligência coletiva proporcionada pela Internet. PALAVRAS-CHAVE Internet; Cultura Jovem; Transmídia; Produção de Conteúdo; Inteligência Coletiva. 1 Introdução

Considerando que histórias já foram contadas de diversas maneiras possíveis

através da colaboração entre as pessoas, não há como negar que com o advento das

novas tecnologias o processo se intensificou e atingiu grandes proporções (BURKE;

BRIGGS; 2006). A Internet acelerou um processo de aproximação de interesses e

proporcionou uma troca de conhecimento mútuo, inclusive gerando ferramentas que

simplificaram a produção de conteúdo pelo usuário (CAVALCANTI; NEPOMUCENO,

1 Trabalho apresentado no DT 5 – Multimídia, do XI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul realizado de 17 a 19 de maio de 2010. 2 Pós-Graduado em Gestão Empresarial pelo IBGEN – Instituto Brasileiro de Gestão de Negócios. E-mail: [email protected] 3 Acadêmica do Curso de Comunicação Social, Relações Públicas da Fabico/UFRGS. E-mail: [email protected]

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2007). Se há poucos décadas fazer a sua própria versão de um filme exigiria custos

altíssimos e dificuldade em achar parcerias, as coisas mudaram. Um exemplo é a

proliferação de softwares gratuitos que auxiliam essa produção de conteúdo, seja blogs,

vídeos, ficções literárias. Outro exemplo que merece destaque é a aproximação entre

pessoas com interesses parecidos. Embora fã-clubes e iniciativas do gênero estejam

consolidados há muito tempo, a Internet age como uma ponte entre fãs, admiradores,

clientes. Quando ocorre esse encontro entre a histór4ia, a tecnologia disponível e as

pessoas que estão dispostas a produzir conteúdo relacionado a seus interesses, a

narrativa adquire ares transmidiáticos.

E entre estas pessoas que colaboram entre si visando o coletivo além de sua

própria vontade, o presente artigo destaca a comunidade jovem. Mais do que nunca,

estas crianças e adolescentes têm poder de continuar suas histórias preferidas, ao

conhecerem outros jovens com pensamento parecido e disporem das ferramentas

necessárias para tal (JENKINS, 2009). Como exemplo, uma breve descrição dos casos

Harry Potter (livros e filmes) e The Sims (jogos) e como eles despertaram nos jovens a

cultura da colaboração, da participação e da troca em virtude de um objetivo comum,

em um processo de inteligência coletiva. Aqui, a Internet tem papel de destaque pois

poderia ser impossível para uma criança encontrar, em seu círculo social, alguém

disposto a criar uma versão online do jornal fictício de Harry Potter. Por meio da

Internet, estas crianças (centenas, milhares delas) tiveram a possibilidade de não só se

conhecer, mas de realizar ações em conjunto e disseminar a cultura de colaboração.

2 Referencial Teórico

Este capítulo apresenta a fundamentação teórica necessária para embasamento

do assunto, contextualizando a narrativa transmidiática e as aplicações colaborativas da

inteligência coletiva possibilitadas pelo surgimento da Internet.

2.1 Colaboração e narrativa transmidiática

Do ponto de vista da Web, a colaboração é o ato de permitir que o usuário de

Internet participe das etapas e processos relacionados a algum tipo de atividade. As

empresas podem usufruir desse conceito aproveitando para explorar a capacidade e a

engenhosidade da inteligência humana (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p.21)

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consciente ou inconscientemente. A colaboração é uma forma de inteligência coletiva,

criado por Lévy (1994) e popularizado por Tim O´Reilly (GOOSSEN, 2009, p.11),

conceito que, na ótica de Cavalcanti e Nepomuceno (2007, p. 34), existe desde os

primórdios da sociedade.

Outro hábito que sempre existiu foi o de contar histórias, e diversos fatores nos

motivam a repassá-las adiante. Além de retratar e perpetuar a cultura de uma época,

histórias exercitam nossa imaginação, nos fazem conhecer outras realidades e, por que

não dizer, alimentam a alma. BURKE e BRIGGS (2006) citam como exemplo a

civilização grega: nela, assim como em outras culturas orais, canções e histórias tinham

forma muito mais fluida do que fixa, e a criação era coletiva, no sentido de que cantores

e contadores de histórias continuamente adotavam e adaptavam temas e frases uns dos

outros. Estas duas características inerentes ao ser humano (compartilhamento de

histórias e auto-organização por meio da inteligência coletiva) encontram na Internet

uma ferramenta que torna mais ágil e efetiva a condução destes processos, conferindo

novas dimensões a estes hábitos.

Uma mídia é mais que uma tecnologia (JENKINS, 2009, p. 342) e a

convergência entre meios de comunicação acontece desde a utilização de métodos mais

primários de interação como a fala, escrita e utilização de imagens (BURKE; BRIGGS,

2006, p. 51), em que esses recursos de comunicação interagem em prol da distribuição

de informação. A transição entre mídias, que culmina na convergência entre elas,

privilegia a inteligência coletiva de modo que os atores do processo de comunicação

possam interagir de diversas formas para um único fim.

Por convergência pode-se entender "como um processo contínuo ou uma série

contínua de interistícos entre diferentes sistemas de mídia" (JENKINS, 2009, p.377).

Mídia pode ser compreendida como o que dá suporte à informação (LÉVY, 1999, p.64),

por exemplo: impressos, cinema, rádio, televisão, Internet, dentre outros. Dessa forma é

possível concluir que a convergência se estabelece quando alguma informação transita

de uma mídia para outra, agregando valor ao conteúdo. Um exemplo é o Big Brother

Brasil, programa de TV estilo reality show. Na dinâmica do programa, incentiva-se a

participação do espectador em importantes decisões importantes do reality show,

através do telefone, SMS e Internet. Assim, percebe-se que a convergência tecnológica

altera as relações entre tecnologia, mercado, público e processo criativo.

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2.2 Inteligência Coletiva em um contexto transmidiático

Transmedia Storytelling, ou simplesmente contar histórias transpondo mídias, é

um modelo de narrativa em que vários canais são utilizados para comunicar uma idéia

(JENKINS, 2009). A prática não é exatamente uma novidade, mas atualmente é uma

das principais tendências da indústria de publicidade e entretenimento. Este tipo de

narrativa oferece a experiência de interagir com a história em diversos formatos e pode

ser usada como estratégia para envolver e despertar maior interesse no público.

Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia,

com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo (JENKINS,

2009, p. 138). A narrativa transmidiática pode apropriar-se do conteúdo para criar um

universo paralelo à história principal, ao utilizar os meios de maneira sincronizada e

inteligente, sem repetição de conteúdo e com destaque para recursos de interatividade e

participação do público. Ainda que narrativas de sucesso tenham se desenvolvido antes

da popularização da internet (um exemplo é a primeira parte da trilogia Star Wars,

grande sucesso transmidiático que iniciou em 1977, quando a Internet estava recém se

estabelecendo), a origem colaborativa da web abriu novas frentes de interação entre os

públicos, ao quebrar as barreiras de emissão/recepção e viabilizar a construção de

sentido através da inteligência coletiva proveniente das redes.

Jenkins (2009, p. 30) afirma que a inteligência coletiva pode ser vista como uma

fonte alternativa do poder midiático. Sendo assim, a Internet age como um catalisador

desta manifestação alternativa dos consumidores, ao proporcionar que pessoas com

interesses comuns se reúnam em um ambiente online (como fóruns e comunidades

virtuais) para produzir conteúdo e expressar suas opiniões. Se a produção de conteúdo

pelo público já se desenvolvia através de outros meios, conhecimento na indústria do

entretenimento, através da interação via web o processo se consolidou e atingiu grandes

proporções.

2.3 Do surgimento da Internet e suas aplicações

Segundo Castells (1999, p.44), a Internet surgiu de um esquema imaginado na

década de 1960, pela Agência de Projetos de Pesquisa Avançada (ARPA) do

Departamento de Defesa dos Estados Unidos. A rede entrou em funcionamento no dia

1º de setembro de 1969, com seus quatro primeiros pontos de relação entre as

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universidades da Califórnia, Stanford, Santa Bárbara e Utah, que colaboravam entre si

na divulgação de informações de pesquisas e com o Departamento de Defesa dos EUA.

Esta origem colaborativa da Internet, aliada à crescente expansão tecnológica,

permitiu seu crescimento em escala global. E, à medida que novos membros tinham

acesso à rede, a utilização da Internet como meio de compartilhar informação

revolucionou os processos de comunicação. Ainda que na década de 1980 as redes não

fossem ligadas umas às outras, o surgimento de novas tecnologias proporcionou a

conexão e integração delas com a Internet e, já no fim da década de 1990, foi possível

iniciar uma nova estrutura social a partir da ampla utilização da Internet. Para

Cavalcanti e Nepomuceno (2007, p. 14), o acesso à base de dados à distância, a

publicação de ideias por qualquer pessoa em tempo real e a troca de mensagens e

arquivos a baixo custo são algumas das características que motivaram esta expansão.

Uma das principais inovações da Internet é a possibilidade de mudança nos

processos de comunicação entre os atores, alterando as estruturas e relações entre

emissores e receptores. Segundo Lemos (2004, p. 73), com o advento da web “a

circulação de informações não obedece à hierarquia da árvore (um-todos) e sim à

multiplicidade do rizoma (todos-todos)”. O quadro a seguir compara diferentes formas

de comunicação e respectivas características em relação aos atores do processo:

QUADRO 1. Características dos processos de comunicação

Ferramenta Forma de

Comunicação Característica Atores

Fala Um para um Comunicação

horizontal

Emissor e receptor na

mesma hora e local

Escrita (prensa,

jornal, rádio e

televisão)

Um para muitos Comunicação vertical Emissor e receptor

em locais diferentes

Ambiente de rede

(Internet, Intranet,

Extranet e outros)

Muitos para muitos Comunicação

multidirecional

Emissor e receptor

em locais diferentes,

com a possibilidade

da interação e

feedback.

Fonte: Lévy (apud CAVALCANTI; NEPOMUCENO, 2007, p.16)

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Ou seja, no ambiente online existe a chance de emissor e receptor se tornarem

pólos de conteúdo, ao comunicarem-se de maneira multidirecional, dinâmica e com

papéis diferentes. Isso proporciona ao receptor, antes meramente consumidor da

informação, a possibilidade de participar e interagir com o conteúdo através de suas

próprias experiências.

2.4 Comunidades virtuais e redes sociais

Esta revolução tecnológica modificou radicalmente a maneira de comunicar.

Considerando que o ambiente online permite participar de maneira ativa dos processos,

interagir com outras pessoas, acompanhar histórias, reagir ao que os sites fazem e

definir o que é de seu interesse, o usuário de Internet já não precisa se condicionar a

uma única opinião ou grade de programação. E estes comportamentos de escolha

passaram a exigir das empresas uma posição em relação a tais novidades: Internet, rede,

inovação, compartilhamento.

É importante ressaltar, porém, que redes sociais sempre existiram e que o que se

pode verificar é apenas um deslocamento do fenômeno para outra via, no caso a virtual,

possibilitada pelos avanços tecnológicos. Segundo Recuero (2006)5, as redes sociais

possuem dois elementos fundamentais: os atores (as pessoas, instituições ou grupos,

que constituem os nós da rede) e as suas conexões (as relações que se estabelecem entre

os indivíduos). Ou seja, a escola, a família, a empresa, todas são redes sociais de

convívio. Entretanto, o termo vem ganhando destaque à medida que está sendo

vinculado à ampla utilização das redes sociais online, que se caracterizam pelo

agrupamento de indivíduos na internet, com objetivos comuns e para as mais diversas

finalidades, como relacionamento, contatos, fotos, passando pela construção de

conhecimento colaborativo e compartilhamento de experiências.

Pierre Lévy (1998) diz que na Internet as pessoas subordinam sua expertise

individual a objetivos e fins comuns, e sugere que a inteligência coletiva irá,

gradualmente, alterar o modo como a cultura de massa opera. De acordo com os seus

interesses, as pessoas estão colaborando entre si visando um objetivo comum, e as

informações geradas neste processo é um ativo importante no processo de comunicação.

5 RECUERO, Raquel. Comunidades em Redes Sociais na Internet: Proposta de Tipologia baseada no Fotolog.com. Porto Alegre: UFRGS, 2006. Tese (Doutorado em Comunicação e Informação), Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2006.

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Algumas organizações já perceberam que podem utilizar estes meios de colaboração e

troca como parte de suas estratégias de aproximação com o público-alvo: identificando

tendências, divulgando uma nova idéia, monitorando comportamentos dos

consumidores e, principalmente, construindo conhecimento coletivamente através de

feedback e participação do usuário.

Este artigo contextualiza e observa de que maneira a Internet e as redes sociais

online impactam a cultura jovem por meio da produção de conteúdo inserido em um

contexto transmidiático. Para isso, foram selecionados dois casos de grande sucesso,

que possuem características de colaboração entre jovens viabilizada pela Internet.

3 Observação de casos

A descrição dos casos a seguir demonstra como, através da inteligência coletiva, o

surgimento da Internet e suas aplicações colaborativas têm impacto na cultura jovem.

3.1 Descrição do Caso Harry Potter

Os livros que contam as histórias de Harry Potter, romance da escritora J.K.

Rowling, envolvem um menino-bruxo, filho de um casal ligado à magia. Os números da

sequência de livros são altos: além do sucesso das versões em filme para as histórias, a

comunidade de fãs de Harry Potter movimenta a indústria do entretenimento. Os livros

trazem grande entusiasmo no que diz respeito à produção de ficções baseadas nos

personagens (fan fiction) escritas pela imaginação de jovens do mundo todo, por

identificarem-se com as histórias e desejarem fazer parte deste universo literário.

Os fãs das histórias de Harry Potter se organizam para realização de encontros,

eventos e fã clubes. Como exemplo, pode-se citar o caso da jovem Heather Lawver

fundadora do "The Daily Prophet".

"Quando tinha 13 anos, Heather Lawver leu um livro que, segundo ela, mudou sua vida: Harry Potter e a Pedra filosofal. Inspirada pelos relatos de que o romance de J.K. Rowling estava levando os jovens à leitura, ela quis fazer sua parte para promover o letramento. Menos de um ano depois, lançou The Daily Prophet (O Profeta Diário, http://www.dprophet.com) um jornal escolar, baseado na web, para Hogwarts fictícia" (JENKINS, 2009, p. 240)

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Heather Lawver encontrou na Internet uma maneira de difundir a cultura Harry

Potter e conhecer outras pessoas que compartilhavam dos mesmos interesses, e assim

fundou o site The Daily Prophet (O Profeta Diário, em alusão ao principal jornal

veiculado no mundo das histórias de Harry Potter). Com o objetivo de continuar as

histórias dos livros, ou seja, produzindo conteúdo próprio, Heather deu início a um

movimento de fan fiction na comunidade de fãs de Harry Potter.

Nesse site as crianças podiam exercer as atividades fantasiosas como uma espécie de

brincadeira, em alguns casos até incorporando personagens não existentes nas histórias,

bem como aqueles que estavam presentes nas histórias originais, mas que não exerciam

papéis fundamentais no enredo original.

"Se as crianças devem aprender as habilidades necessárias à plena participação em sua cultura, podem muito bem aprendê-las envolvendo-se em atividades como edição de um jornal numa escola imaginária, ou ensinando umas às outras as habilidades necessárias para se sair bem em jogos para múltiplos jogadores, ou quaisquer outras que pais e professores atualmente consideram ocupações sem importância" (JENKINS, 2009, p. 249)

Dessa forma, as crianças aprendiam a se relacionar umas com as outras, as mais

velhas ensinavam as mais novas, e as regras bem como as práticas iam tomando forma

na comunidade, além disso ensinavam indiretamente a essa crianças como se portar em

grupos. Outras iniciativas similares estão disponíveis na web, unindo crianças do mundo

todo com um objetivo comum de produzir conteúdo relacionado às obras que são fãs.

A série de livros de J. K Rowling encerra no lançamento do 7º livro e do

respectivo filme, mas na comunidade de fãs a cada dia surgem novas aventuras que

perpetuam a história original, caracterizando um recurso transmidiático.

3.2 Descrição do Caso The Sims

Criado por Will Wright, o The Sims é uma franquia de games onde o usuário

pode customizar seu personagem conforme o seu foco no jogo, uma “persona” daquilo

que o usuário tem como objetivo. Dessa forma, é possível para o usuário ditar os rumos

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do jogo e seu personagem. The Sims também foi concebido com a colaboração de fãs

que contribuíram com a modificação de cenários e objetos, personalidade dos

personagens, entre outras características. Grande sucesso de vendas no mercado de

games, The Sims construiu uma legião de fãs que participam ativamente do processo de

construção do jogo.

“Quando o primeiro jogo Sims foi lançado, já havia mais de 50 sites de fãs na Internet dedicados a The Sims. Hoje, há milhares. Wright calcula que, no fim das contas, mais de 60% do conteúdo de The Sims terá sido desenvolvido pelos fãs. Os fãs estão desenhando roupas, construindo casas, fabricando móveis, programando comportamentos e escrevendo as próprias histórias, amplamente ilustradas por imagens dos games.” (JENKINS, 2009, P. 230)

Jenkins (2009, p. 231) comenta que para distribuir conteúdo relacionado ao jogo,

os fãs criaram até “shoppings” online, como o The Mall of The Sims, que ostenta mais

de 10 mil assinantes. Os visitantes podem percorrer mais de 50 lojas diferentes, que

oferecem objetos customizados para atender diferentes demandas dos jogadores que

ainda não foram supridas pela franquia oficial.

A empresa responsável pelo jogo, a Eletronic Arts – EA, percebeu que se aliar a

esta comunidade de fãs do jogo é uma maneira de mantê-los fiéis e produzindo

conteúdo. Grande parte dos recursos e objetos disponíveis nas versões seqüentes de The

Sims se basearam em ideias que surgiram nos sites de fãs. A inteligência coletiva

relacionada ao jogo proveniente das redes online de fãs trouxe diversas inovações a The

Sims, e assim a EA não só apoiou, como também subsidiou algumas iniciativas desta

comunidade. Um exemplo é o site em português6 do jogo, voltado para usuários

brasileiros, que podem trocar mensagens, elaborar um diário sobre suas histórias, contar

com um fórum de ajuda, entre outras ações.

É possível perceber que a interação entre os fãs é vital para que o game se torne

conhecido e obtenha a evolução necessária que os seus usuários esperam. Assim,

entende-se que jovens em todo o mundo uniram-se para promover o desenvolvimento

de The Sims, bem como manter a característica colaborativa de sua operação, onde são

mantidos desde shoppings especializados, até sites e fóruns com dicas sobre o jogo.

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4 Considerações finais sobre o impacto da colaboração na Internet

Conceitos como colaboração e inteligência coletiva sempre estiveram presentes

na sociedade humana. Em um contexto transmidiático, em que uma mesma história

circula por diferentes meios para construção de um universo, a Internet ganha destaque

na aproximação de interesses e colaboração mútua. Os fãs que desejam participar da

história se reúnem em comunidades virtuais e ambientes online para discutir, criar e

produzir conteúdo relacionado ao enredo original.

A inteligência coletiva que emerge de ambientes como este, em que pessoas com

interesses comuns se unem para produzir conteúdo relevante e construir uma nova

abordagem das histórias que tanto admiram, tem a Internet como um catalisador do

processo. Ou seja, embora os recursos transmidiáticos já fossem utilizados pelos fãs e

pela indústria do entretenimento, com a Internet tudo se potencializa. É através da rede

online que estes jovens tomam conhecimento que há outras pessoas que possuem os

mesmos interesses e desejam trocar informações sobre as histórias. Antes da web, as

pessoas se encontravam em fã-clubes e produziam seu material, mas agora a barreira

física foi quebrada e se tornou muito mais fácil participar destas aplicações

colaborativas de produção de conteúdo.

Esta cultura de continuação da história se caracteriza como um recurso da

narrativa transmidiática, que pode ter apoio ou não da empresa responsável pelo

entretenimento. No caso de Harry Potter, a incursão dos fãs pelo ramo da fan fiction é

uma iniciativa totalmente independente, mas que proporciona às crianças e jovens

envolvidos uma experiência de colaboração entre si visando um objetivo comum. Já no

caso The Sims, a comunidade de fãs tem apoio da empresa responsável pelo jogo, que

utiliza da inteligência coletiva gerada entre esses jovens para melhorar e evoluir o game.

Tendo como referência o embasamento teórico e através deste a exposição do

quadro analisado é possível concluir algumas características comuns entre os dois casos:

- Internet como via de aproximação entre fãs com os mesmos interesses;

- continuação da história original em outros meios;

- produção de conteúdo colaborativo pelos fãs;

- comunidades articuladas visando um objetivo comum;

- utilização da inteligência coletiva para criar novas abordagens do enredo principal;

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No quadro a seguir (Quadro 2) é traçado um quadro comparativo onde são

analisados os impactos causados por cada uma das franquias na cultura jovem.

Quadro 2. Impacto da colaboração na Internet na cultura jovem

Caso Mídias utilizadas Impacto na cultura jovem

Harry

Potter

Livros, cinema e

Internet

Provocou o principio da colaboração em jovens. Em

busca de uma continuação de suas histórias

favoritas, fãs de todo o mundo se reuniram em

ambientes online e começaram a produzir conteúdo

relacionado à história original. A Internet

possibilitou que estes jovens se aproximassem e

compartilhassem interesses. Eles aprenderam a

colaborar entre si, ensinando uns aos outros e

construindo histórias juntos, o que se traduz em uma

inteligência coletiva proveniente da comunidade de

fãs, que surgiu nos livros, passou pelo cinema e é

viabilizada através da web.

The Sims Games e Internet Assim como no caso Harry Potter, a internet

possibilitou que jovens fãs de The Sims se

reunissem em ambientes online para discutir o jogo

e, além disso, produzir conteúdo relacionado a ele.

Para suprir necessidades que a empresa detentora

dos direitos de The Sims ainda não disponibilizava,

jovens do mundo todo uniram conhecimentos para

criar objetos, cenários e personagens e os

distribuíram em sites colaborativos. A Internet

possibilitou que estes jovens se encontrassem,

trocassem informações e passassem a colaborar

entre si em prol de um objetivo comum.

Elaborado pelos autores

Assim, percebe-se que os meios utilizados pelos jovens para que troquem

informações e compartilhem experiências comuns enaltecem a produção coletiva destas

comunidades, principalmente ao se tratar dos meios digitais. O hábito de continuar as

histórias através da produção de conteúdo é um recurso transmidiático que, além de

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perpetuar o objeto original, proporciona a aproximação entre pessoas com interesses

mútuos e incentiva à colaboração visando um objetivo comum, através da inteligência

coletiva dos membros envolvidos, neste caso, os jovens fãs de Harry Potter e The Sims.

REFERÊNCIAS BRINGS, Asa; BURKE, Peter.Uma história, social da mídia: de Gutenberg à Internet. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. CAVALCANTI, Marcos; NEPOMUCENO, Carlos. O conhecimento em rede: como implantar projetos de inteligência coletiva. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. GOOSSEN, Richard J. E-Empreendedor: a força das redes sociais para alavancar seus negócios e identificar oportunidades. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2009. LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva. 2. ed. São Paulo: Ed. Loyola, 1999. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999. LEMOS, André. Cibercultura. Tecnologia e Vida Social na Cultura Contemporânea. Porto Alegre. Sulina, 2004. RECUERO, Raquel. Comunidades em Redes Sociais na Internet: Proposta de

Tipologia baseada no Fotolog.com. Porto Alegre: UFRGS, 2006. Tese (Doutorado em

Comunicação e Informação), Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2006.

TAPSCOTT, Don; WILLIAMS, Anthony. Wikinomics: como a colaboração em massa pode mudar o seu negócio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.