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    Pesquisa Histrica: reflexes acerca do referencial terico-metodolgico

    Autora:Liliane dos Santos GutierreOrientadora: Arlete de Jesus Brito

    PPGED -Programa de Ps-Graduo em EducaoUFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    Nesse artigo temos como propsito apresentar a abordagem metodolgica que nos

    propusemos a percorrer, ainda na elaborao do nosso projeto de pesquisa (doutorado), cujo

    objeto de estudo o ensino de Matemtica na escola secundria do Rio Grande do Norte,

    entre as dcadas de 30 e 60 do sculo XX e o papel do professor de Matemtica na

    implementao das reformas curriculares e metodolgicas e, posteriormente, apresentar

    elementos que nos direcionam para uma tomada de deciso: o uso da entrevista compreensiva.

    Essa metodologia foi desenvolvida pelo socilogo francs Jean-Claude Kaufmann.

    A metodologia que utilizamos em nosso estudo , na sua maior parte, de anlise

    documental. Nosso estudo enfoca a histria social do ensino e, sendo assim, procuramos fazer

    a reconstruo histrica mais precisa e objetiva possvel, baseando-nos nas fontes mais

    confiveis e precisas como as fontes primrias.

    Segundo Dantan (1996, p. 16):

    fontes primrias so aquelas que proporcionam dados diretos do passado. Essasfontes primrias so a matria prima para a investigao [...] Estas fontes incluemlivros e artigos de investigao original, material indito, correspondncia pessoal,dirios pessoais, escritos autobiogrficos, fotografias, microfilmes, microfichas,filmes, [...], comunicaes verbais ou respostas daqueles que testemunharam algumevento. [Traduo nossa].

    As fontes primrias, em nosso estudo, so os documentos oficiais sobre o ensino da

    Matemtica e sobre as reformas do ensino. Acreditamos que os referidos documentos vo nos

    fornecer o alicerce sobre o processo e a realidade das reformas.

    Nessa pesquisa histrica, tivemos que trilhar caminhos alheios a nossa vontade.

    Gostaramos, que nos arquivos j visitados1 e vasculhados por ns, tivssemos encontrado

    1Visitamos os arquivos do Colgio Estadual do Ateneu, do Instituto Histrico e Geogrfico do Rio Grande doNorte e da Escola Tcnica do Comrcio Alberto Maranho.

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    elementos necessrios, que nos remetessem ao nosso objeto de estudo. Entretanto, ao no

    encontrarmos, recorremos s fontes secundrias.

    As fontes secundrias ou ene-rias compreendem os trabalhos baseados nas fontes

    primrias e anteriores, respectivamente. Como exemplos, j temos: textos mimeografados,

    documentos e notas de jornais que nos levam, em parte, ao encontro do nosso objeto de

    estudo.

    Para Le goff (1996, p. 535) as fontes primrias, secundrias ou ene-rias fazem parte

    da memria coletiva e da histria, pois so monumentos, heranas do passado, documentos.

    Cabe a ns, pesqwuisadores, escolh-las. Ele afirma: atendendo s suas origens filolgicas, o

    monumento tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordao, por exemplo, os

    atos escritos.

    Rodrigues (1978, p. 308) corrobora com o autor supracitado quando afirma que:

    lido o documento, verificada a sua autenticidade, precisamos, para a boa intelignciado texto, recorrer a filologia, que vai nos facilitar a compreenso do sentido exato dotestemunho. [...]. A filologia, assim, no como cincia auxiliar, mas como cinciaem si mesma, investiga a genuinidade dos documentos e a autenticidade dostestemunhos, fornecendo-nos os elementos de convico sobre a legitimidade danossa interpretao paleogrfica. Com seu auxlio transpomos o documento para alinguagem atual. ento que devemos observar uma srie de regras crticas que secorporificam no que hoje chamamos de crtica histrica.

    Ao falarmos em crtica histrica nos remetemos capacidade que temos, enquanto

    pesquisadores, de usar adequadamente as fontes histricas por ns escolhidas, interpretando-

    as, verificando sua autenticidade, integridade e credibilidade.

    As principais etapas da crtica, segundo Rodrigues (1978, p.313), so seis distintos

    problemas para todas as fontes: (1) quando a fonte, escrita ou no, foi produzida; (2) onde foi

    produzida; (3) por quem foi produzida, (4) de que matria pr-existente foi produzida; (5) em

    que forma original foi produzida; (6) qual o valor da certeza do seu contedo.

    Assim, acreditamos que, em nossa pesquisa, se ficarmos atentos aos referidos seis

    distintos problemas esgotaremos completamente todo processo da crtica histrica para

    verificarmos a autenticidade das fontes histricas que estamos obtendo.

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    A Histria Cultural, assim como a crtica histrica, tambm no foge aos nossos

    objetivos de pesquisa histrica, pois nela que encontramos a proposta de que preciso uma

    abertura e educao do olhar do pesquisador.

    A Histria Cultural permite entender, segundo Pesavento (1996, p.109):

    que aquilo que chamamos de histria uma representao da passeidade (ou o realconcreto que teve lugar um dia). [...] o historiador vai tentar recuperar o passado, talcomo ele chega at ele sob a forma de textos e imagens e, a partir da, construir asua verso. Mas o que chamamos de predisposio do olhar, aberta s novaspossibilidades dadas para compreenso da histria como representao, seacrescenta a um novo desejo: o de perseguir o resgate das sensibilidades passadas.

    Dessa forma trilharemos nossa pesquisa, tentando fazer da leitura dos documentos

    encontrados, uma rede de significados, cruzando os dados obtidos com os que j possumos

    dentro do nosso universo de referncia.

    Para Chartier (s.d), que fala das representaes, dentro da Histria Cultural, devem,

    essas, ser entendidas como processo social de produo de sentido, discursos que apreendem e

    estruturam o mundo, e que no podem ser dissociados do locus social e dos interesses dosgrupos que as produzem.

    Chartier (s.d., p. 30) diz que a Histria Cultural compreendida pela Histria

    Intelectual, pois essa, segundo Darnton, citado por Chartier, compreende a Histria das Idias,

    a Histria Social das Idias e a Histria Cultural. Essa classificao, para o autor, limita a

    histria, afinal as trs histrias esto muito ligadas entre si e defende aqueles que moldaram

    e dividiram de maneira original a histria intelectual francesa: Lucien Febvre e Marc Bloch.

    Na Frana, a dcada de 20, do sculo passado, testemunhou um movimento rumo auma histria que se opunha ao predomnio da histria poltica2, desejava-se, agora, uma

    histria mais ampla e mais humana.

    Burke (2002, p.30) nos diz que Marc Bloch e Lucien Febvre, professores da

    Universidade de Estrasburgo, fundaram a revistaAnnales dHistoire conomique et Socialee

    que nessa fazem crticas implacveis a historiadores tradicionais. Desejavam uma histria que

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    Para Le goff (1988, p.31) Histria poltica , por um lado, uma histria narrativa e, por outro, uma histria deacontecimentos, uma histria factual, teatro de aparncias que mascara o verdadeiro jogo da histria, que sedesenrola nos bastidores e nas estruturas ocultas em que preciso detect-lo, analis-lo, explic-lo.

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    abrangesse todas as atividades humanas e estaria menos preocupada com a narrativa de

    eventos do que com a anlise das estruturas.

    Realmente foi com os autores da escola dos Annales que a histria modernizou seus

    mtodos de trabalho, rompendo a limitao que podia significar uma dedicao exclusiva do

    documento escrito. Foram com Febvre e Bloch que disciplinas como a Sociologia e a

    Antropologia foram aceitas junto a historia, pois eles desejavam derrubar as divises que

    separavam a histria das demais cincias, pelo menos, as prximas, como as cincias

    humanas e as sociais. nesse momento que nos remetemos, novamente, a Le goff (1988, p.

    25) quando ele nos fala que trs fenmenos assinalam a emergncia de um novo campo do

    saber: (1) a afirmao de cincias (como por exemplo, a Sociologia);(2) a renovao e (3) a

    interdisciplinaridade. Desse modo, a histria ocupa uma posio original, pois, segundo o

    autor, h a renovao integral da histria e o arraigamento de sua mutao em tradies

    antigas e slidas. a Histria Nova, junto com seus mestres da escola dos Annales. A

    Histria Nova se afirma como histria global, total e reivindica a renovao de todo o campo

    da histria.

    A Histria Nova nasceu em grande parte de uma revolta contra a histria positivista do

    sculo XIX. Ela ampliou o campo do documento histrico, fundada essencialmente nos textos

    para uma histria baseada numa multiplicidade de documentos, como escritos de todos os

    tipos, documentos figurados, produtos de escavaes arqueolgicas, documentos orais,

    estatstica, fotografia, filme, entre outros. (LE GOFF, 1988, p.28).

    Em nossa pesquisa vamos ao encontro da Histria Nova quando corroboramos com Le

    goff (1988, p. 31):

    no h realidade histrica acabada, que se entregaria por si prpria ao historiador.Como todo homem da cincia, este, conforme a expresso de Marc Bloch, deve,diante da imensa e confusa realidade, fazer a sua opo o que, evidentemente,no significa nem arbitrariedade, nem simples coleta, mas sim construo cientficado documento cuja anlise deve possibilitar a reconstituio ou a explicao dopassado.3

    3Percebemos erros gramaticais e ortogrficos nessa citao. No entanto, fizemos uma cpia fiel por entendermosque os referidos erros no impossibilitaro o entendimento da leitura.

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    Desse modo, na pesquisa em andamento, optamos em fazer um misto entre os

    variados tipos de histria aqui relatados. No entanto, h elementos da histria nova que

    predominam, pois acreditamos que o documento no inocente, algo que precisa ser

    desestruturado, explicando as possveis lacunas existentes. Assim acreditamos estar

    demolindo a idia de um tempo nico, linear e homogneo.

    Em relao entrevista compreensiva citada no primeiro pargrafo desse artigo,

    afirmamos que nosso interesse pela mesma recente, pois a conhecemos atravs de uma

    disciplina oferecida pelo Programa de Ps-graduao em Educao da Universidade Federal

    do Rio Grande do Norte, no primeiro semestre de 2006.

    Em conseqncia de conhecermos a pouco tempo a metodologia da anlise

    compreensiva, ainda no a estudamos o suficiente. Entretanto, percebemos que podemos

    lanar mo dessa metodologia e apontaremos aqui alguns algumas reflexes sobre a mesma.

    Segundo Silva (2006, p.7) na metodologia da entrevista compreensiva

    o processo de desvelamento do objeto de estudo se constri pouco a pouco por meiode uma elaborao terica que aumenta dia aps dia, a partir de hipteses forjadasno campo da pesquisa. Deveria, assim, realizar uma articulao criativa e o maisestreita quanto possvel entre os dados e as questes hiptese. Encontrava nessametodologia um caminho aberto a reinveno no processo de desenvolvimento do

    trabalho a partir de uma relao, em trade constante, entre o eu (pesquisador), ossujeitos/autores/atores com suas falas (...) e as teorias necessrias.

    Desse modo, percebemos que (1) devemos trabalhar o nosso objeto de estudo, desde

    o incio da pesquisa, articulando-o com os documentos j encontrados nos arquivos e com

    aqueles que deram origem as nossas inquietaes no que se refere a pesquisa, (2) devemos

    desenvolver um processo de escuta. A autora se refere a escuta sensvel. Silva (2006,p.8)

    nos diz que:

    necessrio estar aberto para captar, aproveitar um provrbio, discernir uma aluso,para reconstituir todo o sistema simblico e ver as coisas do ponto de vista do outro,pois, na entrevista compreensiva, os valores e valoraes explicitados por meio dasfalas dos sujeitos seriam mediadores da compreenso e explicao dos sentidos, poreles dados, sua ao social.

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    Percebemos ainda que temos que ter clareza de que nossos objetivos vo se cumprindo

    aos poucos. A autora (2005, p.12) considera o trabalho de pesquisa que utiliza-se da entrevista

    compreensiva como um trabalho de artesanato intelectual, que aquele que sabe dominar e

    personalizar os instrumentos e a teoria, dentro de um projeto concreto de pesquisa. O

    pesquisador , ao mesmo tempo, o homem de campo, o metodlogo e o terico.

    Isto posto, entendemos que se optarmos pela metodologia da entrevista compreensiva,

    teremos que (1) definir como se dar o processo evolutivo da construo do nosso objeto de

    estudo nas entrevistas, (2) construir os blocos temticos, assim chamado por Silva (1996,

    p.7).Esses tm como princpio eliminar questes insuficiente produtivas, colocar novas e

    construir uma seqncia coerente, de forma a colocar confiana no entrevistador e no

    entrevistado, (3) usar adequadamente os instrumentos e tcnicas essenciais nessa

    metodologia: o roteiro de entrevista, o quadro dos entrevistados, as fichas de interpretao,

    (instrumento de anotao das falas) e os planos evolutivos.

    Enfim, percebemos que possvel utilizarmos a metodologia da anlise compreensiva

    em nossa pesquisa e entendemos que, nesse processo, a qualidade e a cientificidade da

    pesquisa ter fundamentos da nossa interpretao, fator esse que faz com que ainda estejamos

    amadurecendo a idia de lanar mo ou no dessa metodologia, afinal temos que domin-la,

    estudando-a, para evitarmos deixar lacunas naquilo que nos propomos estudar.

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