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A RELAÇÃO FAMÍLIA-ESCOLA RURAL/DO CAMPO: OS DESAFIOS DE UM OBJETO EM CONSTRUÇÃO Maria Amália de Almeida Cunha Profª Adjunta da Faculdade de Educação Universidade Federal de Minas Gerais Resumo Pensando em contribuir para a transformação de um ‘objeto social’ em ‘objeto de investigação científica’, este artigo pretende realizar uma reflexão acerca dos processos de socialização familiar e escolar no contexto rural/do campo. Para tanto, utilizamos como ponto de partida as impressões e registros dos alunos do curso de licenciatura do campo da UFMG, turma de 2008. A discussão ensejada faz parte do planejamento das atividades do Tempo Comunidade, momento em que os alunos, escolarizados em um regime de alternância, podem debruçar-se sobre temas importantes de análise trabalhados durante o curso. As análises que aqui se seguem refletem a importância da interface entre o ensino e a pesquisa, considerada esta o pilar para o aprofundamento das temáticas que envolvem a educação no campo. Ouvir o que têm a dizer os sujeitos deste processo parece constituir um meio eficaz de desvendar o interior desta ‘caixa preta’. Os documentos e arquivos responsáveis pela descrição, registro e memória deste contexto particular nem sempre estão disponíveis e/ou sistematizados. Deste modo, os alunos de licenciatura em educação no campo são eles mesmos protagonistas e autores das fontes que poderão servir como registro para futuros estudos. Palavras-chave: relação família-escola rural/do campo; práticas de socialização. Introdução Pode-se dizer que os estudos versados sobre o mundo rural e do campo vem deixando de ser ‘um não lugar’ na agenda acadêmica (Canário, 2008), para ocupar um

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A RELAO FAMLIA-ESCOLA RURAL/DO CAMPO: OS DESAFIOS DE UM OBJETO EM CONSTRUO

Maria Amlia de Almeida Cunha

Prof Adjunta da Faculdade de Educao

Universidade Federal de Minas Gerais

Resumo

Pensando em contribuir para a transformao de um objeto social em objeto de investigao cientfica, este artigo pretende realizar uma reflexo acerca dos processos de socializao familiar e escolar no contexto rural/do campo. Para tanto, utilizamos como ponto de partida as impresses e registros dos alunos do curso de licenciatura do campo da UFMG, turma de 2008. A discusso ensejada faz parte do planejamento das atividades do Tempo Comunidade, momento em que os alunos, escolarizados em um regime de alternncia, podem debruar-se sobre temas importantes de anlise trabalhados durante o curso. As anlises que aqui se seguem refletem a importncia da interface entre o ensino e a pesquisa, considerada esta o pilar para o aprofundamento das temticas que envolvem a educao no campo. Ouvir o que tm a dizer os sujeitos deste processo parece constituir um meio eficaz de desvendar o interior desta caixa preta. Os documentos e arquivos responsveis pela descrio, registro e memria deste contexto particular nem sempre esto disponveis e/ou sistematizados. Deste modo, os alunos de licenciatura em educao no campo so eles mesmos protagonistas e autores das fontes que podero servir como registro para futuros estudos.

Palavras-chave: relao famlia-escola rural/do campo; prticas de socializao.

Introduo

Pode-se dizer que os estudos versados sobre o mundo rural e do campo vem deixando de ser um no lugar na agenda acadmica (Canrio, 2008), para ocupar um importante espao no debate atual. De acordo com Portes, Campos e Santos (2008), tal fato pode estar atribudo prpria complexidade dos fenmenos sociais que as populaes que a habitam vm enfrentando desde a segunda metade do sculo XX, em detrimento da penetrao do sistema capitalista nos modos de produo dos pequenos camponeses e agricultores. Segundo Vendramini (2004), a modernizao da agricultura favoreceu a concentrao da propriedade de terra e a subordinao do trabalhador do campo s novas exigncias das agroindstrias, destruindo as pequenas unidades de produo. Como conseqncia, uma srie de pesquisas e estudos relacionados educao rural e do campo ganharam centralidade no debate acadmico, debate este que enfatizou os problemas concernentes a esta modalidade de ensino, a realidade das escolas rurais, a formao do corpo docente, a situao socioeconmica das famlias rurais, o processo formativo do professor, a situao dos alunos/trabalhadores e das professoras que se dedicam tambm colheita, o currculo, o transporte dos estudantes, a emergncia dos movimentos sociais no campo e suas propostas educativas especficas (Arroyo 1982; Arroyo, 2003; Arroyo, Caldart e Molina, 2004; Fernandes, 2003; Neto, 2003).

Pensando em contribuir para a transformao de um objeto social em objeto de investigao cientfica, este artigo pretende realizar uma reflexo acerca dos processos de socializao familiar e escolar no contexto rural/do campo. Para tanto, utilizamos como ponto de partida as impresses e registros dos alunos do curso de licenciatura do campo da UFMG, turma de 2008. A discusso ensejada faz parte do planejamento das atividades do Tempo Comunidade, momento em que os alunos, escolarizados em um regime de alternncia, podem debruar-se sobre temas importantes de anlise trabalhados durante o curso.

Como bem sublinha Portes, Campos e Santos (2008), a relevncia de estudos desta natureza diz respeito, no campo da pesquisa concernente a uma sociologia da educao de cunho mais qualitativo, escassez de trabalhos que reflitam sobre as prticas de escolarizao das famlias rurais. De acordo com os autores (2008), nos ltimos anos, possvel observar um afluxo de trabalhos que versam sobre as prticas familiares/de escolarizao dos filhos, que vo desde as camadas populares urbanas (Portes, 2001; 2003; Souza e Silva, 1999; Viana, 2003; Zago, 2003), baixa classe mdia (Romanelli, 2003), e passam pelas classes mdias propriamente ditas (Almeida, 1999; Nogueira, 2003), encerrando-se com as elites (Almeida, 2004; Nogueira, 2002), por outro lado, como mostra a pesquisa bibliogrfica levada a cabo pelos autores, pouco se tem pesquisado sobre as prticas de escolarizao das famlias rurais/do campo. A relao cotidiana que estas mantm com a escola ainda muito pouco investigada.

Em se tratando especificamente da educao do campo, Fernandes e Molina (2004, p.64) destacam a emergncia de um novo paradigma como sendo resultado do conjunto de prticas pedaggicas desenvolvidas por diferentes movimentos sociais. Nesse sentido, de acordo com esses autores:

A idia de Educao do Campo nasceu em julho de 1997, quando da realizao do Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrria (Enera), no campus da Universidade de Braslia (UnB) promovido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), em parceria com a prpria UnB, o Fundo das Naes Unidas para a Infncia (Unicef), a Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura (Unesco) e Conferncia Nacional de Bispos do Brasil (CNBB).

A partir de ento, tm surgido diferentes empreendimentos da prpria populao rural, por meio de suas diferentes organizaes e movimentos sociais, visando colocar em pauta suas demandas, bem como construir uma identidade das escolas do campo. Destacam-se, assim, os convnios entre Movimentos Sociais, Universidades, Organizaes No-Governamentais, Instituies Pblicas e Igrejas, entre outros, na produo de idias e aes que atribuem um sentido renovado concepo de escola no/do campo.

Nesse contexto, podemos destacar as diversas prticas de escolarizao que vm sendo realizadas no pas vinculadas ao conceito da educao do campo, com o objetivo precpuo de trabalhar a partir da realidade do aluno, considerando as demandas e as necessidades locais em que esse est inserido.

No campo da legislao, podemos ressaltar a aprovao e a publicao da Resoluo CNE/CEB n 1, de 3 de abril de 2002, que instituiu as Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do Campo, reconhecendo as especificidades do campo e da educao a ser oferecida nesse espao.

J no campo terico, de acordo com Portes, Campos e Santos (2008, p.6), a problematizao sobre a emergncia da concepo do campo em detrimento de uma educao rural reflete as limitaes desta ltima em termos da abrangncia da diversidade dos problemas e desafios colocados pelo mundo rural. Enquanto a educao do campo percebida como espao de resistncia, produtor de vida e cultura, a educao rural associada a uma concepo mais instrumental e por isso mesmo pouco ativa em relao aos desafios mencionados; ela tida como uma educao tradicional desvinculada dos modos de vida da populao camponesa e das relaes sociais existentes no campo, cuja idia de escola parece alheia ao seu local geogrfico.

Em contraposio a um modo tradicional e refratrio s mudanas, a educao no/do campo, segundo Caldart (2002), relaciona-se a uma reflexo pedaggica que surge das diversas prticas de educao desenvolvidas no campo e/ou pelos sujeitos do campo. uma reflexo que reconhece o campo como lugar onde no apenas se reproduz, mas tambm se produz pedagogia, reflexo que desenha traos do que se pode constituir como um projeto de educao ou de formao dos sujeitos que ali vivem.

Desta forma, como aponta Portes, Campos e Santos (2008), os elementos pontuados para a caracterizao da educao rural e da educao do campo demonstram que os dois conceitos se distanciam um do outro, uma vez que apresentam vises dicotmicas nas formas de pensar o campo, a educao e seus sujeitos.

Pensando nesses desafios, as anlises que aqui se seguem refletem a importncia da interface entre o ensino e a pesquisa, considerada esta o pilar para o aprofundamento das temticas que envolvem a educao no campo. Se a dinmica escolar no campo ainda est presente de maneira subliminar nas pesquisas sociolgicas sobre este universo (Portes, Campos e Santos, 2008; Vendramini, 2004; Caldart, 2003), ouvir o que tm a dizer os sujeitos deste processo parece constituir um meio eficaz de desvendar o interior desta caixa preta. Os documentos e arquivos responsveis pela descrio, registro e memria deste contexto particular nem sempre esto disponveis e/ou sistematizados. Deste modo, os alunos de licenciatura em educao no campo so eles mesmos protagonistas e autores das fontes que podero servir como registro para futuros estudos.

A famlia e a escola no contexto rural/do campo: prticas de socializao dissonantes?

Pode-se dizer que os modos de socializao, tanto familiar quanto escolar, constituem um campo frtil de anlise na sociologia da educao. Todo grupo social, como condio de sua continuidade, precisa transmitir gerao seguinte a experincia acumulada no tempo. O prprio nascimento ilustra a necessidade de renovao, dinamizando a necessidade de transformar a experincia acumulada de toda uma vida para alm dos espaos da memria individual para que justamente essa memria se organize e seja registrada em um tempo histrico. Normalmente, quando o indivduo nasce ele j encontra uma srie de regras, classificaes e modelos de comportamento e de conduta que so anteriores e exteriores a ele. A esse processo Durkheim (1955) chamava de socializao: modos de ser, pensar e agir que fazem parte da ao de uma gerao de adultos sobre a mais jovem e que tem como objetivo imprimir uma natureza social ao indivduo. A educao seria o meio mais eficaz, para Durkheim (1955), de tirar da criana a condio de tabula rasa e transform-la em um ser social.

O processo de socializao tambm fundamental para se analisar o papel da escola na sociedade. Em uma concepo tradicional (funcionalista, cujo principal expoente mile Durkheim), por meio do processo de socializao que a escola e a famlia permitem, atravs de sua ao complementar, a integrao dos alunos na sociedade, levando-os a assimilar valores, princpios, normas e regras de comportamento etc.

Todavia, quando se trata de perscrutar a dinmica de duas das maiores instncias de socializao, no contexto rural, a sociologia da educao parece ainda dialogar timidamente com esse universo.

Prticas de socializao familiar

As prticas de socializao familiar em um contexto do campo devem ser pensadas luz do uso diferenciado que a famlia rural faz do espao e dos servios da escola, estabelecendo uma relao ntima entre as duas instituies- escola e famlia-, no apenas no que se refere apropriao dos saberes escolares, mas tambm aos servios e prticas que a escola pode oferecer famlia, sobretudo me trabalhadora rural, no cuidado dos seus filhos (tempo dedicado s crianas e fornecimento de alimentao, pela merenda escolar etc.) (De Vargas, 2003, p.95). A escola tambm freqentemente se confunde com os espaos destinados famlia, uma vez que no raras vezes as aulas ainda so ministradas nas casas das professoras, nas Igrejas, em salas comunitrias, entre outras.

Assim, no contexto de uma educao no/do campo, a linha de delimitao entre essas duas instituies se apresenta de forma bem mais tnue, embora cada uma delas continue representando espaos distintos de organizao social (De Vargas, 2003, p.96).

(...) na zona rural as famlias no se encontram preparadas para enfrentar ou solucionar os problemas propostos pelos educadores de seus filhos. No campo os pais quase no tm tempo para participar dessa parceria, pois na maioria das vezes vo trabalhar nas plantaes logo cedo e s voltam ao entardecer, para garantir o sustento da famlia. Seus filhos tambm perdem aulas ou abandonam a escola devido s suas tarefas domsticas, tais como arrumar a casa, tomar conta dos irmos menores e ainda ajudar nas plantaes (Maria Lcia, Andria Paula, Lucilene, Selma- Turma de 2008)

Na minha comunidade ocorreram algumas mudanas na participao da famlia com relao a hoje. Antes, na escola, no se falava da realidade local, como por exemplo, a agricultura, cultura, crenas, que so diferentes em cada comunidade. Hoje se percebe que o dilogo da escola com a famlia est melhorando, a comunidade est participando. A mudana deve acontecer ainda mais, pois a famlia deve estar cada vez mais engajada na escola e vice-versa. A escola influencia a vida das pessoas na comunidade e a mesma reflete na sua cultura, costumes, etc. Dentro da sala de aula e fora das paredes da sala (Ezequiel, Turma de 2008).

Fiz uma observao em uma escola primria do campo, no municpio de Limeira do Oeste, MG e durante uma semana observei a rotina dos alunos desta escola, que atende crianas de vrias comunidades, como o assentamento PA Reserva, Iaje, Iama, banco da terra (projeto do INCRA) etc. Percebi que as condies dos alunos do assentamento so muito mais precrias e eles parecem ser mais discriminados do que os outros (...). Eles dizem que a vida no campo boa, mas no tem casa, energia e muitas outras coisas. Ajudam seus pais a tirar leite, juntar os bezerros, na colheita e tudo mais que eles pedem (Luciana, Marlia, Rosimeire- Turma de 2008).

A relao da famlia com a escola, no contexto pesquisado, parece difcil se levarmos em conta a prpria dinmica das escolas, com a crescente pedagogizao do cotidiano, uma vez que, via-de-regra, a temporalidade e o ritmo da escola no levam em considerao a lgica do tempo das famlias que trabalham com a terra.

A prtica do dever de casa, por exemplo, apenas mais um indcio desta dissonncia. A esse respeito, Resende (2008) lembra da importncia em se compreender a lgica que as famlias de diferentes meios sociais imprimem escolarizao. Lahire (1997) e Thin (2006) lembram tambm que quando se fala em dever de casa, torna-se necessrio ir alm da categoria classe social para poder analisar as configuraes singulares de fatores ou traos que podem compor diferentes perfis familiares dentro de uma mesma classe. Assim, apesar de, no seu conjunto, as famlias de camadas populares tenderem a seguir lgicas socializadoras que, em vrios aspectos, se opem s lgicas escolares (Thin, 2006), h famlias oriundas das classes populares que manifestam traos favorecedores de maior adeso dos filhos s exigncias do mundo escolar. o caso, por exemplo, de famlias que valorizam de forma especial, dentro das suas possibilidades, a cultura escrita ou a prpria cultura escolar.

De acordo com Resende (2008), o dever de casa tido como toda atividade pedaggica elaborada e proposta por professores, destinada ao trabalho dos alunos fora do perodo regular de aulas. Inclui, assim, exerccios escritos, pesquisas, resoluo de problemas, atividades prticas, dentre outras. Dessa forma constitui, por um lado, um dos dispositivos curriculares por meio dos quais a escola concretiza seu trabalho pedaggico. Pode-se dizer que o dever de casa faz parte de uma das rotinas curriculares institudas pela escola e tacitamente aceitas pelos atores sociais nela envolvidos. Por outro lado, o dever de casa permeia tambm o cotidiano das famlias, redefinindo, em certa medida, o lar como uma extenso da sala de aula.

Desta forma, o dever de casa constitui apenas uma das dimenses da relao famlia-escola, entre tantas outras que tm sido objeto da sociologia da educao. Entretanto, sabe-se ainda muito pouco dessa cooperao no mbito das famlias que vivem no campo. Faz-se necessrio o aprofundamento de estudos etnogrficos que possam dar conta da diversidade do campo e que possam igualmente mapear as dinmicas de socializao assentadas na relao famlia-escola para que, de fato e de direito, a escola faa sentido na vida desses alunos.

Em nossa atividade de pesquisa, orientada no Tempo Comunidade, os alunos puderam fazer alguns registros acerca da percepo desta prtica para algumas famlias, incluindo alunos e professor. Alguns relatos ilustram parte dessa rotina que envolve tanto a famlia quanto a escola:

A cultura escolar do pra-casa, que uma estratgia metodolgica para maior absoro e fixao dos contedos, na maioria das vezes vista pelos alunos/as como castigo e punio, pois esta cultura nem sempre contextualizada na realidade local, e no considera as condies pessoais. Na zona rural muito comum encontrar estudantes que tem pai ou me com pouca escolarizao e at mesmo analfabetos, o que torna a tarefa de fazer o dever de casa um compromisso difcil, penoso e desagradvel (Josilma, Marlcia, Maria do Carmo, Maria Elizabete, Simone e Helena- Turma de 2008).

Uma visita s famlias da zona rural do Municpio de Governador Valadares mostrou como difcil falar com eles. O professor que entrevistamos, Edson, nos relatou que sempre que chegava s residncias dos alunos, estes estavam desempenhando alguma atividade, algumas vezes estavam prximos casa e interrompiam a atividade para lhe dar ateno e na maioria das vezes estavam em algum mutiro ( uma cultura da regio trabalhar uma famlia para outra e se paga com um dia de trabalho e no com dinheiro) ou estavam trabalhando em algum lugar distante que nem era possvel conversar com o estudante (...) (Josilma, Marlcia, Maria do Carmo, Maria Elizabete, Simone e Helena- Turma de 2008).

(...) quando este povo faz as tarefas de casa que eu e os demais professores passam? Perguntou o professor Edson. Foi ai que entendi o motivo pelo qual na maioria das vezes chegavam com as tarefas de casa sem fazer ou sem concluir. E decidi no passar mais os pra-casa e os convidei a pensar comigo uma forma de dar maior qualidade para a disciplina, e juntos pensamos em ter uma atividade bimestral para fazer em grupo, definida no incio do bimestre de forma que eles tivessem vrios fins de semana para se dedicarem tarefa, eu e eles/as avaliamos que foi muito mais produtivo que as tarefas em doses homeopticas de pra-casa e que criava sempre dificuldades para execut-las (extrado do relatrio de atividade do tempo comunidade de Josilma, Marlcia, Maria do Carmo, Maria Elizabete, Simone e Helena- Turma de 2008).

Esses pequenos excertos ilustram a dificuldade em fazer concordar duas lgicas socializadoras que muitas vezes apresentam-se como assimtricas no campo. A chamada pedagogizao do cotidiano no encontra espao em um ambiente marcado pela lgica da subsistncia, enfatizando a centralidade do trabalho na vida dessas famlias. A baixa escolaridade dos pais, a precariedade das escolas, as longas distncias a serem percorridas para poder estudar, entre outras, dificulta a realizao de uma dinmica marcada pela forma escolar hegemnica.

Prticas de socializao escolar

A concepo tradicional que temos a respeito da socializao escolar, ancorada no legado de Durkheim (1955), funda-se ento em uma separao entre o mundo escolar e o mundo social. A escola deve estar protegida das paixes do mundo. A socializao tem por objetivo criar no homem um novo ser, o ser social.

Durante muito tempo, foi este modo hegemnico visto como o mais adequado para se compreender como se transmitia o ensino e, conseqentemente, a maneira mais eficaz de se compreender como ocorria a aprendizagem.

Na sociologia, foi a partir do final da dcada de 1960 que um novo modo de socializao passou a ser pensado. Um modo talvez menos centrado no papel da escola e mais atento s transmisses que ocorriam no ambiente domstico. Tal abordagem permite inferir que o modo de socializao familiar pode trazer vantagens e desvantagens na educao dos filhos e que sero cumulativas no processo de aprendizagem vivido no ambiente escolar. Desta forma, a escola pode tirar proveito pedaggico da condio da educao vivenciada no ambiente domstico e deste modo favorecer ainda mais os j favorecidos e desfavorecer os j desfavorecidos.

Pode-se dizer com isso, que para a teoria da reproduo cultural, cujo principal expoente Pierre Bourdieu (1998), o que temos uma teoria da no-socializaoescolar, uma vez que esta determinada primeiro pela cultura da classe de origem do indivduo, depois pela reproduo da ordem social atravs da escola.

A escola, segundo Bourdieu, impe o chamado arbitrrio cultural, uma vez que ela no faz seno reconhecer os seus, isto , aqueles que esto j de antemo socialmente destinados a ser reconhecidos por ela, identificados por seu habitus de classe.

A transmisso do saber para Bourdieu (1998) apia-se no postulado da escola reprodutora das hierarquias sociais. Isto porque uma das principais funes da escola, para o autor, a de assegurar o ajustamento entre as origens sociais e os destinos sociais estatisticamente previsveis dos indivduos.

Pode-se dizer que o papel da socializao escolar para Bourdieu (1998) o de legitimar uma ordem social contestvel. A cultura escolar que funda a socializao est longe de ser universal e objetiva, como pretendia Durkheim. Ao contrrio, ela est muito prxima da cultura familiar dos alunos socialmente favorecidos com quem se estabelece uma espcie de conivncia tcita. Se os herdeiros tm assim a capacidade natural de compreender as regras do jogo, um sentido imediato de localizao e de estratgia, os outros se acham sempre defasados, incapazes de desvelar as astcias da dominao e os obstculos presentes no jogo escolar. Estes ltimos manifestam, via- de- regra, expectativas limitadas em relao ao futuro escolar.

Estes dois modos de conceber o processo de ensino/aprendizagem so reveladores de uma prtica que dificilmente conjuga as duas habilidades. Tanto na teoria funcionalista quanto na teoria da reproduo, o processo de socializao parece ser algo que acontece de modo independente da vontade do indivduo. como se este desempenhasse um papel passivo diante das instituies.

Segundo Iturra (1994), ensino e aprendizagem so processos que se acompanham um ao outro durante todo o processo educativo. Para o autor, o ensino seria a prtica de transferir conhecimentos provados ou acreditados pela populao que educa a populao que se estima desconhecer as formas, estruturas ou processos que ligam as relaes sociais com as coisas: a prtica de fixar o esteretipo do social (...). J a aprendizagem seria a prtica de colocar questes por parte da populao que ensina, que envolvem alternativas de respostas populao que comea a entender o funcionamento do mundo, onde a resposta encontra o iniciado, no sendo a sua atividade substituda pelo iniciador. Em sntese, para Iturra (1994), o ensino encerra uma repetio, criando uma subordinao entre aquele que ensina e aquele que aprende, ao passo que a aprendizagem descobrir, decodificar o institudo criando alternativas, pressupondo uma relao de interlocuo e de dilogo entre aquele que ensina e seu aprendiz.

Para Iturra (1994), na prtica educativa escolar ocidental, estas habilidades esto separadas. Para os antroplogos a transmisso de um saber repousa no legado mais importante em qualquer tribo ou cl: a genealogia. Isto quer dizer, o conhecimento da ascendncia e da descendncia de cada indivduo, o seu lugar na estrutura de relaes: a quem pertence e para onde deve circular, bem como quais suas obrigaes e os seus limites no acesso ao conhecimento. O conhecimento da sua genealogia pode ser descrito como uma prtica de aprendizagem onde a ausncia da escrita na vida cotidiana coloca um forte peso no desenvolvimento de estruturas mentais porque no tem depois de um texto onde ir lembrar o que fazer quando a memria se esgota ou a conjuntura muda e fornece outros contextos. H mesmo um ditado em algumas tribos africanas que diz que quando um ancio morre em alguma aldeia, toda uma memria viva que se esvai, um conjunto de livros que fenece.

De maneira geral, os dicionrios no distinguem claramente os conceitos de educao, ensino e aprendizagem. Como afirma Vieira (2006, p.525), para os dicionrios de lngua portuguesa, por exemplo, educar, ensinar e aprender tem um denominador comum: a idia de instruir. Mas todo esse processo que envolve: educar, ensinar e aprender ocorre sempre dentro de um contexto e supe aquilo que Paulo Freire (1920-1998) chamava de curiosidade epistemolgica, ou seja, compreender os processos pelos quais os indivduos educam, ensinam e aprendem essencial para entendermos o alcance deste processo. Pode-se com isso dizer que semear no difcil, o difcil compreender a variedade dos modos de tratar aquilo que j brotou.

O processo educativo a rotina que mais imprime uma marca em nossa maneira de agir e de sentir. Por isso mesmo, o comportamento mais cotidiano de nossas vidas, na medida em que todos ns, de um jeito ou de outro, ensinamos a algum e tambm aprendemos algo com algum. Assim entendido, pode-se dizer que o processo educativo algo muito mais amplo do que caracterizado o ensino nas instituies especializadas (Iturra, 1994).

Todavia, a descontinuidade que parece se observar entre ensino e aprendizagem diz respeito ao modo como nas sociedades modernas e contemporneas, o modo de socializao escolar se imps a outros modos de socializao, pretendo-se tornar o modo de socializao hegemnico (Vincent, Lahire, Thin, 2001, p.11). Neste sentido, o modo de socializao escolar tornou-se, por assim dizer, o modo legtimo de socializao. A forma escolar de relaes sociais s se capta completamente, na ligao com a transformao das formas de exerccio do poder. Como modo de socializao especfico, isto , como espao onde se estabelecem formas especficas de relaes sociais, ao mesmo tempo em que transmite saberes e conhecimentos, a escola est fundamentalmente ligada a formas de exerccio do poder.

Para Vincent, Lahire e Thin (2001, p.18), qualquer forma de relao social implica ao mesmo tempo na apropriao de saberes construdos como objetivados, legitimados, explcitos, sistematizados, codificados etc., e na aprendizagem de relaes de poder. A constituio do Estado moderno pressupe uma cultura que se distancia cada vez mais das aprendizagens, no saber-fazer, para dar lugar a uma cultura grafocntrica, centrada no modo de produo de uma escrita, na generalizao da alfabetizao e da forma escolar e na construo de uma relao distanciada da linguagem e do mundo. Anterior a este modo de socializao dominante, o que existiam eram as formas sociais orais de ensino e aprendizagem. Os saberes e o saber-fazer eram operados na e pela prtica, de situao em situao, de gerao em gerao; a aprendizagem era incorporada pelo fazer e pelo ver fazer, no passando necessariamente pela linguagem verbal.

Para Canrio (2008, p.39), a escola nasceu historicamente em ruptura com as comunidades locais, cujas solidariedades representavam um entrave afirmao da lgica de mercado. A atividade pedaggica situa-se, tendencialmente, fora do espao social e fora da flecha do tempo: o espao e o tempo escolares so distintos dos espaos sociais e do tempo histrico, evidenciado a descontinuidade entre ensino e aprendizagem. A escolarizao, como modo de socializao dominante e hegemnico, sups a desvalorizao dos modos de socializao anteriores.

Todavia, preciso considerar que a aprendizagem acontece no decorrer da prtica e no separada das prticas. um tipo de saber que no existe fora das situaes de sua efetivao, de sua mobilizao. O processo de aquisio supe a repetio e a identificao de algo que se v, ou seja, algo no seu estado incorporado. Isso particularmente visvel nas sociedades sem escrita, em que o saber herdado s pode sobreviver no seu estado incorporado (Vincent, Lahire e Thin, 2001, p.25). Neste contexto descrito, o saber no em nenhum momento separado das prticas sociais do grupo, mas se transmite na prtica, no mago da prtica, em uma participao, imitao, identificao entre o dito e o feito.

De acordo com esta lgica social, no h uma distino entre a linguagem e o mundo, isto porque, como diria Paulo Freire, a leitura do mundo antecede a leitura da palavra. Esta lgica social onde esto ancorados os processos de aprendizagem se difere completamente das formas sociais escriturais, ou seja, formas sociais escolares de relaes sociais. De acordo com Vincent, Lahire e Thin (2001, p.29), as formas escriturais encerram uma relao de poder e revelam, por meio da escrita, a existncia de saberes objetivados. Isto porque a escrita que permite a acumulao da cultura at ento conservada no estado incorporado e que vai tornar cada vez mais indispensvel a apario de um sistema escolar. A escola torna-se o lugar cada vez mais central, o ponto de passagem obrigatrio para um nmero cada vez maior de sujeitos sociais que se destinam a atividades e a posies sociais muito diferentes.

A forma social da escrita, tal como a forma social oral, fazem parte de um conjunto da formao social. Em uma sociedade grafocntrica, como as sociedades ocidentais, as formas sociais de escrita so consideradas dominantes e as formas orais dominadas, o que pressupe uma relao de poder entre ambas, j que, quem fala conforme as regras, coloca-se objetivamente em uma relao de poder. Aqueles que dominam as regras dominam, tambm, as formas de relaes sociais. Assim, a oposio entre linguagem oral e linguagem escrita, conforme lembra Lahire (2000, p.52) no tcnica, mas social. Para este autor, as crianas ingressam familiarmente na escrita de diferentes maneiras; nas relaes de interdependncia entre os membros da constelao familiar que se constroem as formas de controle de si e dos outros, as relaes com a ordem organizam e intensificam, ainda que no deliberadamente, a aprendizagem da escrita e da leitura, as formas de autoridade tornam possveis ou dificultam a construo de disposies culturais mais ou menos compatveis com as polticas disciplinares prprias ordem escolar (Lahire, 1997, p.141).

Pode-se inferir, com essa discusso, que a forma escolar a forma predominante no modo de socializao das nossas formaes sociais, por isso ela tida como a forma social dominante. Ela encerra uma organizao racional do tempo, transforma o ensino em uma repetio de exerccios cuja funo consiste em aprender conforme as regras.

Esse modo de socializao dominante, que transforma, por meio de um trabalho metdico, esquemas mentais em esquemas sociais, essencial para a produo e a reproduo das nossas formaes sociais, que consiste na reproduo das hierarquias, das classes, bem como de uma cultura legtima- porque legitimada por aqueles que esto em condio de julgar e de classificar aqueles que no dominam a forma dominante de socializao.

Tal predominncia justifica-se, para Vincent, Lahire e Thin (2001, p.38) pelo fato do modo escolar de socializao ter transbordado largamente as fronteiras da escola e atravessado numerosas instituies e grupos sociais, como a famlia, por exemplo, instituio que aprendeu a pedagogizar o cotidiano. Como lembram os autores, a tendncia de numerosas famlias (principalmente nas classes superiores e mdias) multiplicar as atividades extra-escolares dos filhos, com isso, espera-se que estes ltimos interiorizem a aprendizagem da disciplina, o gosto pelo esforo, a importncia do trabalho metdico, racional e que se curva ao rigor das horas. Todas as atividades organizadas regulam e estruturam o tempo das crianas: tendem a garantir sua ocupao incessante, ocupao cuja funo consiste no tanto em enquadrar e vigiar, mas gerar disposies em relao regularidade, ao respeito pelo emprego do tempo (2001, p.41).

Para os autores supracitados, nas classes superiores e mdias os pais- e singularmente as mes- tendem a se tornar verdadeiros pedagogos para transformar a relao com os filhos em relaes educativas, pedaggicas. J as classes populares, sobretudo as mais dominadas no plano cultural, esto mais distantes do modo escolar de socializao.

Com isso, pode-se inferir que desde mile Durkheim, h uma teoria global da socializao que procura colocar em evidncia a maneira como a instituio escolar deve inculcar os saberes, os valores e as normas que permitiro a integrao de todos os cidados em um modelo de sociedade: racional e cientfica, responsvel pela difuso dos valores da modernidade. Neste modo de socializao hegemnico, as pequenas escolas rurais e do campo foram pouco a pouco sendo vistas como sinnimos do atraso, de certos particularismos e valores tradicionais que no se coadunavam mais com o projeto de modernidade, da qual a escola a grande partcipe.

A esse respeito, a literatura internacional e nacional concernente temtica mostra como a transio para uma lgica de pensamento centrada em outros valores particulares ao mundo rural foi sentida de maneira to dolorosa no processo de escolarizao para as crianas do campo. A passagem de um esquema prtico para um esquema mental, da casa para a escola, trouxe o seguinte dilema: ter sucesso na escola pode representar uma ruptura com os valores familiares (Alpe, 2008, p.185). Como a escola pode continuar mantendo seu projeto, sem deixar de integrar aqueles que no esto inseridos nesta lgica?

Pouco a pouco o discurso em torno das escolas rurais demonstrou que era preciso retir-la de um espao geogrfico que est na contramo do desenvolvimento, dando margem a uma srie de polticas centradas na racionalidade e eficincia dos gastos pblicos e talvez a nucleao das escolas rurais reflita hoje parte destas preocupaes.

A nucleao das escolas do campo

O trabalho de campo da turma de 2008 do curso de licenciatura em educao no campo resultou em uma pequena cartografia acerca da implementao e desenvolvimento das escolas no espao onde vivem, bem como a situao atual das escolas no contexto em questo. O tema da nucleao foi recorrente durante o processo de observao emprica.

O resultado desta pequena sondagem revela o quanto ainda h muito por fazer em termos de polticas pblicas para tornar explcito aquilo que ainda parece implcito. As informaes encontram-se ainda truncadas, pois muitos alunos encontraram dificuldades de naturezas diversas, que vo desde a justificativa da inexistncia dos dados at a indisponibilidade de alguns funcionrios pblicos em disponibilizar as informaes (Rocha & Martins, 2009).

O problema da nucleao das escolas j aparecia como um desafio para a poltica educacional do campo desde o levantamento de Ribeiro (2007), no mbito do projeto realizado por meio do edital da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (ANPEd) n 2/2006, cujo objetivo era mapear os trabalhos e pesquisas desenvolvidos no mbito da Educao do Campo vinculadas ao Projeto Bsico: Educao como exerccio de diversidade: estudo e aes em campos de desigualdades scio-educacionais, apoiado pela Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade vinculada ao Ministrio da Educao (SECAD/ MEC).

De maneira geral, possvel perceber, no levantamento realizado por Ribeiro (2007), as diversas dificuldades que ainda persistem no contexto educacional do campo. A precariedade continua sendo uma marca da educao no campo e em vrios trabalhos constata-se a recorrncia de problemas relacionados infra-estrutura escolar, as escolas distantes do espao de vivncia da populao do campo e que faz com que professores e alunos devam percorrer longas distncias a p, alm de colocarem a vida em risco em veculos em condies inadequadas para o transporte escolar. A merenda e o material didtico so, muitas vezes, insuficientes. Esse ltimo apresenta ainda temticas estranhas cultura camponesa.

Nota-se que mesmo havendo uma legislao especfica para a educao do campo, em muitas realidades ela ignorada. Assim, seja de maneira explcita ou subliminar, a questo da nucleao das escolas do campo ainda aparece como um problema e ao mesmo como um desafio colocado para aqueles que dependem dessas escolas.

A realizao de uma espcie de cartografia escolar permitiu a coleta das seguintes impresses:

Tivemos vrias dificuldades em acessar os dados (...). Eu fui com antecedncia na secretaria de educao, mas a secretria me pediu duas semanas para conseguir os dados. Aps esse prazo, quando fiz contato a mesma relatou que ainda no havia conseguido. Outras duas vezes fui prefeitura e na casa dela, mas no a encontrei, deixando sempre recado. Quando a encontrei, nas vsperas de vir para o LECAMPO, ela disse que no teve acesso aos dados porque a prefeitura recente e no fez esses dados (Anderson e Alberto Martins).

O que muito me chamou a ateno neste processo de busca foi justamente a falta de informaes referente s questes solicitadas. O que fica evidente que os rgos responsveis por documentar e arquivar a vida do municpio no tem demonstrado a preocupao em registrar essa memria, ou se tem simplesmente no disponibiliza. E isto no uma limitao apenas da secretaria da educao, pois o mesmo aconteceu na secretaria de sade do municpio (Helena).

Como ressaltam Rocha e Martins (2009), mesmo diante das limitaes os estudantes recorreram a outras fontes, como banco de dados disponveis em sites governamentais, livro e ainda o registro oral de moradores da regio. No transcorrer da pesquisa, os estudantes chamaram a ateno para a precariedade das escolas do campo, seja em relao aos recursos materiais, humano e fsico:

As escolas em funcionamento precisam, nos prdios, de algumas reformas como cercamento do espao, a construo de uma rea para a prtica da educao fsica, colocar gua tratada e fossa sptica, equipamentos e mveis, alm da oferta de uma merenda adequada (...) no campo poltico pedaggico parece estar ineficiente a orientao pedaggica, o material didtico e principalmente, precisa-se da reabertura das escolas fechadas (Josilma- Turma 2008).

Encontramos a maioria dos prdios em condies precrias, feitos de paredes pr-fabricadas, com mais de 10 anos de construo, com o telhado em estado de deteriorao. As escolas tm pouco material didtico e de consumo. A grande maioria no est adaptada para a educao infantil, apesar de ter demanda (Helena-Turma de 2008).

Um dado significativo presente nestes relatos e evidenciado por Rocha e Martins (2009) diz respeito reduo do nmero de escolas no campo. Como apontam os autores, se as dcadas de 1960 a 1980 estiveram marcadas pela implementao de escolas nas comunidades pesquisadas, a dcada de 1990 surge como o momento do refluxo desta expanso. A diminuio do nmero de escolas no campo neste perodo coincide com o processo denominado de nucleao escolar. Nele, escolas do campo so extintas ou paralisadas e seus alunos remanejados para escolas plos, geralmente situadas nas sedes do municpio. A reduo das escolas pode ser percebida na tabela abaixo:

Municpio ou comunidade

Escolas nas dcadas de 1960 a 1990

Escolas nos anos finais da dcada de 1990 a dcada de 2000

Virgolndia

13

04

Turmalina

55

18

Jordnia

17

13

Cruzlia

14

03

Taiobeiras

26

11

Sobrlia

09

02

Frei Inocncio

10

03

Total

144

54

As justificativas encontradas para o fechamento das escolas rurais no campo, junto s autoridades locais, vo desde a baixa qualidade do ensino no campo at o baixo contingente de alunos por escola e ainda a falta de escolas que ofeream os anos fundamentais do ensino fundamental e mdio. O lado mais controverso da nucleao diz respeito ao transporte para as escolas-plo, uma vez que, via- de- regra, o transporte feito de modo inadequado e precrio. Segundo Vendramini (2006, p.156), tal situao enfraquece ainda mais as comunidades locais e sua capacidade de coeso, quando perdem um elo importante de articulao, que a escola. No obstante essa marca de descontinuidade no processo de ensino-aprendizagem instaurado pela nucleao das escolas, esta tida como uma soluo para os problemas da escola no campo. o discurso da racionalidade e da instrumentalizao dos melhores recursos que colocado em prtica, em detrimento da complexidade da realidade no espao rural.

A escola depende da famlia e a famlia precisa da escola, a problemtica desta questo est na politizao do ensino. A nucleao rompeu com os laos culturais escolar, impondo sua poltica educacional (Alexandre; Jos Aparecido- Turma de 2008).

Consideraes finais

Segundo Canrio (2008, p.33), a heterogeneidade das escolas rurais pode ajudar a produzir novas prticas pedaggicas, talvez menos alienantes do que o trabalho escolar que produzido no contexto das formas escolares hegemnicas. Por isso, argumenta o autor, a escola rural pode ser um laboratrio para se pensar um outro modelo de escola. Entretanto, as prticas escolares no contexto rural so ainda pouco estudadas, por isso importante transformar esse objeto social em objeto de investigao (Canrio, 2008, p.34).

Como diz Vidal (2009), invadir a caixa- preta da escola, mxima reiterada nas investigaes recentes, tem significado tambm perscrutar as relaes interpessoais constitudas no cotidiano da escola, seja em funo das relaes de poder ali estabelecidas, seja em razo das diversas culturas em contato (culturas infantis, juvenis e adultas, culturas familiares e religiosas, dentre outras). Nessa perspectiva, a percepo das tenses e conflitos no ambiente escolar e nas formas como a escola se exterioriza na sociedade vm matizando a viso homogeneizadora da instituio escolar como reproduo social (Vidal, 2009, p. 26).

Se h um consenso de que o surgimento da escola, como vimos, marca um lugar especfico e separado das outras prticas sociais, onde se constituem saberes escritos formalizados, produzem-se efeitos durveis de socializao sobre os estudantes, disseminando a aprendizagem das maneiras de exerccio de poder e propagando o ensino da lngua na construo de uma relao escritural com a linguagem e o mundo, configurando aquilo que Vincent, Lahire e Thin chamaram de forma escolar, por outro lado, deve-se reconhecer que a cultura escolar guarda uma cota de permeabilidade ao cmbio, troca por parte dos sujeitos envolvidos no processo educativo, muitos dos quais no se conformam exterioridade das regras e buscam construir suas prprias experincias no percurso escolar.

Para Vidal (2009, p.30), longe de querer desconhecer e desconsiderar a fora dos elementos estruturantes da escola na sua constituio e consolidao como instituio social, faz-se interessante igualmente reconhecer e valorizar as alteraes que foram sendo inseridas no cotidiano escolar, seja pela iniciativa das polticas pblicas, seja pela ao dos sujeitos escolares. Sendo assim, no obstante a forma escolar constituir em uma forma homognea e dominante de socializao, ela comporta tambm um lugar de fronteira cultural, de zona de contato, uma vez que a cultura escolar pode ser percebida como uma cultura hbrida.

Para a autora (2009), os sujeitos tambm fazem a histria da escola e no so categorias abstratas, impassveis diante do curso da histria. Professores, pais e alunos passam a ser vistos como sujeitos privilegiados do processo de ensino-aprendizagem, pelas escolhas que efetuam e pelos saberes que produzem (Vidal, 2009, p.36). Deste modo, a cultura escolar no deixa de ser uma importante ferramenta terica que permite vislumbrar as tenses presentes entre sociedade e cultura espelhadas pelo jogo escolar e que revelam todas as tenses e contradies presentes nesta relao.

O tratamento de uma temtica considerada ainda incipiente na agenda investigativa reascende o debate a respeito da emergncia de novas prticas educativas que nos ajudem a pensar criticamente a respeito da forma escolar instituda. A relativa escassez sobre os modos de socializao escolar e familiar no contexto rural revela a maneira como o mundo rural ainda equacionado: de maneira simplista, como um problema exclusivamente associado ao desenvolvimento, em contraposio ao mundo urbano industrializado. O diagnstico a respeito dos problemas do mundo rural ainda percebido pela tica do dficit cultural e material: ausncia de recursos, falta de racionalidade pedaggica, insuficincia instrumental etc. A leitura sempre realizada pela negativa quando Canrio (2008, p.37) lembra que justamente a emergncia do desvelamento da caixa preta nas escolas rurais o que pode permitir nos desembaraarmos de uma viso pragmtica que prejudicou o pensamento educativo. Sendo assim, parece fundamental o exerccio da produo de estudos etnogrficos no campo que ofeream elementos para uma ao mais eficaz tanto do Estado, dos movimentos sociais, quanto da prpria Universidade e seu compromisso com a esfera pblica.

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Agradecimentos: Agradeo colega Isabel A. Rocha, pelo convite parceria intelectual, acadmica e afetiva. turma do LECAMPO 2008, pelo convite ao desafio.

A cartografia a cincia que tem a proposio de representar o ambiente terrestre em diversas escalas atravs de mapas, cartas e recursos grficos digitais. Tm como origem tempos remotos quando o homem primitivo representava seu ambiente e a disposio de certos recursos importantes sua sobrevivncia atravs de pinturas rupestres. Do incio das grandes navegaes europias no sculo XV aos dias atuais, foram sendo desenvolvidos mtodos e tecnologias de captao e agrupamento de dados matemticos e astronmicos mais precisos, buscando alcanar maior exatido nas representaes cartogrficas. No campo educacional a cartografia parte do princpio de que o aluno deve elaborar primeiro um mapa menta a respeito da escola em que est se formando para atuar. Posteriormente, ele deve fazer o contato com as escolas e ao mesmo tempo proceder s descries daquele universo observado: como a escola est organizada e estruturada, quais a condies fsicas e materiais daquela escola, quem so os sujeitos que habitam esse universo, etc.

Segundo Vendramini (2006, p.162) a nucleao escolar refere-se ao processo de agrupamento de escolas do campo e tem como projeto racionalizar a estrutura e a organizao das pequenas escolas, que contam com reduzido nmero de alunos e diminuir o nmero de classes multisseriadas, orientando-se pelo Plano Nacional de Educao (Projeto de lei 4.173/98).