Artigo Vol3 Filosofia Art 29

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    AS BASES FILOSFICAS DO PENSAMENTO EVOLUCIONISTA

    Antnio Srgio Mota da Silva1

    RESUMO Este artigo visa demonstrar que a existncia de todas as coisas se deve a um princpio causal primordial e que a teoria da evoluo, que foi estruturada por Charles Darwin no sculo XIX, tem suas bases nas teorias de diversos filsofos da antiguidade. Para isso, foi realizada uma viagem panormica pela Histria da Filosofia elencando as principais respostas dadas por cada um dos filsofos da natureza, conhecidos tambm como pr-socrticos, e as teorias de outros filsofos de destaque, s perguntas fundamentais de existncia humana, a saber: qual a origem da vida? Como tudo veio a ser? Como se explica a mudana das coisas? Vale lembrar que o mais importante no so as concluses s quais chegaram cada um dos filsofos, mas as perguntas que eles se fizerem e o esforo que empregaram para respond-las, superando, assim, o pensamento mtico que vigorava. Todas as argumentaes levam a concluir que um princpio uno e singular foi causa da realidade material mltipla e que esta segue um determinado direcionamento evolutivo de aperfeioamento.

    Palavras-chave: Filosofia da Natureza. Causa primeira. Evoluo.

    ABSTRACT This article pretends to show that the existence of all things it must come from a first casual beginning and from the evolution theory, that was organized by Charles Darwin on the XIX century, It has its base in the several ancient philosophic theory. To that, It was fulfilled a panoramic travel by Philosophic history detaching the principal answers given by each one philosophy of the nature. They are known too as pre-Socratics and the theory of others highlights philosophers, to the human existence fundamental questions, as it known: Whats the beginning life? How everything come to be? How to explain changes of the things? It is necessary to remember that what is more important arent the conclusions to them arrived the philosophers, but their questions and the effort that used to answer them, overcome than the myth thinker that is in forced. All the argument lead to conclude that the beginning only and singular was caused by multiply material reality and this follow a perfecting evaluative management determined. Key-words: Philosophy of the nature. First cause. Evolution.

    1 Licenciado em Filosofia

    Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Cajazeiras FAFIC E-mail: [email protected]

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    1 INTRODUO

    O homem contemporneo tem muitas inquietaes, porm, algumas delas

    existem desde quando ele comeou a pensar criticamente. De fato, o que o

    homem? O que ele representa diante da imensido do cosmos? Como tudo passou

    a existir? O que fez a realidade vir a ser? Para onde tudo se encaminha? Para cada

    uma dessas perguntas h uma imensido de respostas em todas as perspectivas de

    conhecimento, mas neste artigo as respostas viro do pensamento filosfico.

    A primeira parte desse trabalho lembra que em tudo o mundo h narrativas

    mitolgico-religiosas que tentam explicar o surgimento do universo. So relatos

    antigos que demonstram, entre outras coisas, uma atitude de f numa realidade

    transcendente, embora esta f parea infantil. A segunda parte prossegue com a

    exposio do pensamento dos filsofos pr-socrticos da Grcia antiga, que

    encontraram nos elementos bsicos da natureza a causa primordial de todas as

    coisas. Nessa parte, o destaque foi dado s respostas que eles encontraram, mas o

    mais importante foi o fato deles superarem o domnio do pensamento mtico

    elaborando perguntas acerca da realidade circundante a fim de descobrirem novas

    possibilidades de explicao para o mundo e para o homem.

    Por fim, so apresentados os fundamentos filosficos do pensamento

    evolucionista e os principais tericos do evolucionismo moderno com suas

    respectivas contribuies, culminando na cosmologia contempornea que alm de

    corroborar com a idia de que a realidade material no esttica, mas dinmica e

    evolutiva, tambm faz entrever que o surgimento e a evoluo da matria obedecem

    a uma razo (lgos) que ultrapassa qualquer explicao cientfica, dando a

    possibilidade de concluses at mesmo religiosas.

    2 AS PRIMEIRAS TENTATIVAS DE EXPLICAO DA EXISTNCIA DE TUDO

    Em todas as civilizaes orientais e ocidentais do passado havia algum tipo

    de narrativa em que se descrevia o surgimento do cosmos, como surgiram o cu, a

    terra, os astros, os seres vivos em geral e, particularmente, o ser humano. Egpcios,

    babilnios, sumrios, chineses, gregos, hebreus, todos eles tem em seus legados

    culturais histrias mitolgicas que narram a formao do planeta e os fenmenos

    naturais que nele ocorrem. Quando a escrita comeou a ser utilizada pelos povos,

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    logo se sentiu a necessidade de se escrever cada uma dessas narrativas, pois at

    ento erram repassadas s geraes seguintes oralmente: [...] cada um tecia, de

    acordo com a prpria imaginao, as lendas locais, ou as narrava s crianas sob a

    forma de conto de fadas (MNARD, 1997, p. 3). Para falar da mitologia primitiva, os

    escritores se utilizavam da linguagem potica com muitas imagens metafricas que

    produziam encanto e suscitavam a imaginao dos leitores.

    Dentre as cosmogonias (narrativas mitolgico-religiosas sobre a origem do

    universo) dos povos orientais e ocidentais, algumas se sobressaem por apresentar

    uma complexidade mais ordenada e suficientemente explicadora. Na Grcia, famosa

    por ser o bero da Filosofia e de toda a cultura ocidental, foi onde se desenvolveu

    um dos maiores conjuntos de mitologias. Quanto temtica do surgimento do

    universo, tinham a crena de que antes de todos os tempos tudo era apenas

    confuso; nada estava em seu devido lugar; os elementos primordiais da matria

    confundiam-se uns com os outros e nenhum deus existia para por ordem ao caos

    dominante; s posteriormente que surgem os deuses que agiram diretamente na

    matria catica ordenando tudo. Partindo dessa crena, os fenmenos naturais e os

    acontecimentos na vida dos homens eram tidos como intervenes dos deuses.

    Semelhantemente mitologia greco-romana, h vrias literaturas indianas

    que abordam a temtica da origem do universo, literaturas estas produzidas ainda

    no Perodo Vdico (1.500-600 a.C.), uma das trs etapas de desenvolvimento da

    filosofia indiana. Um dos hinos contidos no Vedas, livro sagrado mais antigo da

    religio hindusta, outra cosmogonia. Podem ser encontradas narrativas sobre a

    origem do universo tambm na China, na frica, na Amrica pr-colombiana e em

    todas as outras civilizaes antigas que j eram bem estruturadas culturalmente.

    Ainda entre os povos antigos destacam-se os hebreus, que tinham a crena num

    nico Deus criador de todas as coisas. Segundo esses, Deus havia dado o ser a

    toda a realidade material que antes no era. Isso est narrado de forma potica no

    livro do Gnesis (primeiro livro da Bblia), que foi escrito por volta do ano 1.000 a.C.,

    quando ainda no havia elementos histricos e cientficos como os que se tem hoje.

    3 A FILOSOFIA DA NATUREZA

    Aps sculos de crena nas aplicaes mitolgicas e religiosas da origem do

    universo e da vida, alguns homens dotados de alto grau de criticidade comearam a

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    questionar-se sobre a veracidade dessa forma de pensamento. Duvidando das

    verdades at ento aceitas como legtimas e inabalveis, eles estavam quebrando

    relaes com o pensamento mitolgico e comeando a pensar filosoficamente. Se

    iniciava uma nova fase na histria da humanidade.

    O pensamento filosfico, que considerado oposto ao pensamento mtico,

    surgiu para libertar o homem das fantasias da mitologia e da religio e para faz-lo

    desenvolver-se de maneira mais crtica e questionadora. Os primeiros homens que

    receberam o nome de filsofos viveram entre os sculos VII e V a.C. na Jnia, uma

    das colnias gregas da sia Menor. Eles tentaram fazer a relao entre o caos e a

    ordem do mundo partindo das formas elementares da natureza, a saber, a gua, a

    terra, o fogo e o ar, e no mais vendo os deuses como os responsveis por tudo o

    que existe.

    Esses filsofos, chamados atualmente de pr-socrticos ou filsofos da

    natureza, procuravam na prpria natureza o arch (princpio) de todo o cosmos.

    Perceberam que a natureza no algo acabado, mas que se encontra em

    desenvolvimento. Neste sentido, todas as coisas teriam procedido de uma causa

    primordial capaz de dar origem e direcionamento a tudo. Para cada filsofo, um dos

    elementos da natureza era o princpio ordenador e causa de toda a realidade

    sensvel. A seguir esto demonstrados cada um deles com suas respectivas teorias.

    Deixando de lado a imaginao e o mito, Tales (624-546 a.C.) de Mileto,

    matemtico, astrnomo e negociante, baseava-se no puro raciocnio, no logos, para

    fazer as suas investigaes filosficas. Foi o primeiro pensador que sistematizou

    racionalmente a resposta pergunta: qual o princpio supremo de todas as coisas?

    Por esse e por outros motivos considerado o pai de toda a filosofia ocidental.

    Por princpio compreende-se que seja:

    a) A fonte e origem de todas as coisas; b) a foz ou termo ltimo de todas as coisas; c) o sustentculo permanente que mantm todas as coisas (a substncia, poderamos dizer, usando um termo posterior). Em suma, o princpio pode ser definido como aquilo do qual provm, aquilo no qual se concluem e aquilo pelo qual existem e subsistem todas as coisas (REALE, 2005, p. 30).

    Observando a complexidade da natureza, Tales percebia que na constituio

    de todas as coisas existia gua, e que ela indispensvel sobrevivncia dos

    homens, animais, vegetais, enfim, de toda a natureza. E se algo deixa de ser mido,

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    ou seja, se perde toda a gua que possui em si, logo seca e morre. Assim o filsofo

    conclua ser a gua o mais importante dos elementos vitais. Dela viria a vida e nela

    tudo se sustentaria. Mas, Tales no se referia somente gua que tomamos. Ela

    apenas uma das manifestaes da gua originria da qual tudo deriva. Esta coincide

    com o divino, princpio incriado e gerador de toda a multiplicidade de vida. A partir

    desse princpio, surgem os outros elementos. Baseado nas suas investigaes

    filosficas, Tales defendia que no obstante

    A experincia que apresenta o quadro impressionante de uma multiplicidade infinita de fenmenos aparentemente irredutveis, possvel derivar toda a realidade de um princpio supremo. o colossal problema do um e do mltiplo, que atormentar os filsofos de todos os tempos (MONDIM, 2002, p. 18).

    Anaximandro (611-546 a.C.) de Mileto, discpulo de Tales, tambm filsofo

    da natureza e interrogou-se sobre qual deveria ser o verdadeiro arch das coisas

    materiais. Diferentemente de seu mestre, ele assegurou que a gua no poderia ser

    o princpio primeiro pois j era algo derivado. Para ele, o elemento primordial tinha

    que ser alguma coisa indeterminada. A essa coisa indeterminada de natureza

    infinita, Anaximandro chamou de aperon, que significa aquilo que ilimitado. Esse

    princpio est em constante movimento, e disso resulta uma srie de opostos que,

    por sua vez, origina o cosmos com tudo o que h nele. Em outras palavras, o

    aperon algo abstrato e no se identifica com nenhum outro elemento palpvel

    conhecido, mas uma fora que est em eterno movimento e que gera toda a

    realidade sensvel por meio da separao dos contrrios.

    Em meados do sculo VI a.C. surgiu, ainda na cidade de Mileto, um outro

    naturalista. Anaxmenes (?-525 a.C.) tambm investigou o arch de todas as coisas,

    e concluiu que no poderia ser algo to indeterminado como o aperon proposto pelo

    seu mestre Anaximandro, e nem algo to palpvel como a gua de Tales. Porque

    soube unir aspectos dos dois pensadores que lhe precederam, ao apresentar o ar

    como princpio universal Anaxmenes foi considerado pelos antigos o paradigma da

    escola jnica. Sua escolha pelo ar se deveu basicamente ao fato de que o ar se

    presta a sofrer variaes mais do que qualquer outro elemento. Para defender sua

    teoria, o filsofo tambm levou em considerao a eternidade do movimento que faz

    tudo transformar-se, e o significado mtico que o ar tinha: para os gregos o esprito e

    a alma eram ar quente. Os outros elementos derivariam do ar por processos.

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    Pitgoras (sc. VI a.C.) de Samos, fundador da escola pitagrica, foi um gnio

    da matemtica, geometria, astronomia e fsica. Fazendo especulaes acerca do

    princpio primordial, chegou concluso de que a multiplicidade procedente da

    unidade. Como era bom matemtico, formulou sua teoria baseando-se em

    proposies numricas e apresentou o nmero, um elemento imaterial, como sendo

    o arch universal. Entretanto, os nmeros no so o primum absoluto, mas eles

    mesmos derivam de outros elementos (REALE, 2005, p. 42, grifo nosso). O nmero

    nasceria da unio de um elemento indeterminado com outro determinante. A partir

    da surgiriam, paulatinamente, os pontos, as linhas, as figuras planas, as figuras

    slidas, os corpos sensveis e todo o universo. Para Pitgoras, o nmero representa

    ordem, e todo o universo formado por nmeros, logo o universo inteiro ordem.

    E como ordem se diz ksmos em grego, os pitagricos chamaram o universo de cosmos, ou seja, ordem. Dizem os nossos testemunhos antigos: Pitgoras foi o primeiro a denominar cosmos o conjunto de todas as coisas, pela ordem que h nele. (...) Os sbios (pitagricos) dizem que cu, terra, deuses e homens so mantidos juntos pela ordem (...) e precisamente por tal razo que eles chamam esse todo cosmos, ou seja, ordem (REALE, 2005, p. 45).

    Empdocles (484/481-424/421 a.C.) de Agrigento, que foi mdico, mago,

    poltico e filsofo, uniu as teorias dos jnios, de Parmnides (sobre o ser) e de

    Herclito (sobre o devir) em um nico pensamento. Segundo ele, o primeiro princpio

    so, ao mesmo tempo, os quatro elementos da natureza (terra, fogo, gua e ar);

    esses elementos so imutveis e no derivam um do outro; as diferentes

    combinaes entre eles fazem surgir os entes. s substncias primordiais,

    Empdocles deu o nome de razes de todas as coisas, que unindo-se e separando-

    se do origem gerao e corrupo dos seres.

    Demcrito (460-360 a.C.) de Abdera, que juntamente com Lucipo, criou o

    atomismo e disse ser o tomo o elemento original. Ao sofrer a ao do movimento,

    os tomos se chocam formando diversas combinaes que do origem ao seres.

    Entre outras coisas, os atomistas sustentam que o ser constitudo por tomos que

    so partculas indivisveis e invisveis, eternas e imutveis; no tem qualidades,

    exceto a impenetrabilidade; diferem entre si apenas pela figura e pela dimenso

    (MONDIN, 2002, p. 35). Tambm afirmam que o nascer, o tornar-se, apenas um

    agregar-se de coisas j existentes; e o morrer, ou o deixar de existir, um

    desagregar-se ou separar-se dessas coisas. Para esta teoria, a existncia do vazio

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    necessrio, pois sem o vazio os tomos no poderiam mover-se. tomos, vazio e

    movimento so a explicao para o cosmos segundo os atomistas.

    Anaxgoras (500-428 a.C.) de Clazmena apoiou-se na doutrina atomista de

    Demcrito, no na sua forma original, mas com aperfeioamentos. Para aquele, os

    tomos so corpsculos qualitativamente diferentes, chamados de homeomerias,

    os quais constituem o ser. Existe uma variedade infinita de homeomerias que

    formam todas as espcies de seres. Essa formao s possvel mediante a ao

    do devir que age conforme a Mente Suprema (nous), que uma realidade de ordem

    superior, independente dos corpos e infinita [...] causa da ordem e da disposio do

    universo (MONDIN, 2002, p. 38). Anaxgoras defendia que o devir existia graas

    composio elementar dos corpos. Um corpo d origem a outro corpo pela

    separao das homeomerias que prevalecem em sua composio (MONDIN, 2002,

    p. 37). Com isso ele afirmava que na natureza no havia gerao ou criao, nem

    corrupo ou destruio; tudo era apenas transformado.

    Plato (428-347 a.C.) de Atenas, filsofo clssico da Idade Antiga e discpulo

    de Scrates, mesmo no sendo um filsofo da natureza como os demais acima

    citados, colaborou com a idia de que o mundo vem de uma causa primeira. Ele

    tratou dessa temtica, de forma mais acentuada, nas obras Timeu, Filebo e

    Repblica. Segundo o seu pensamento, antes que todas as coisas existissem j

    havia o Demiurgo, as Idias e o Caos. O Demiurgo, ser supremo e artfice do

    universo, contemplando o Mundo da Idias (Hiperurnio), plasma a matria catica

    dando-lhe forma e ordem, produzindo, assim, o mundo material. No Timeu, Plato

    exps sua crena na origem do mundo sensvel, gerado a partir da inteligncia do

    Demiurgo: Ele [o mundo sensvel] nasceu porque pode-se v-lo e toc-lo, pois ele

    tem corpo e tais coisas so todas sensveis; e as coisas sensveis (...) esto sujeitas

    a processos de gerao e so gerados (REALE, 2005, p.143).

    4 A MATRIA EM EVOLUO

    A teoria evolucionista mais uma tentativa de responder aos anseios do

    homem acerca de sua origem, misso e fim. Ela foi melhor sistematizada nos ltimos

    sculos, mas considervel contribuio ainda poder ser dada por parte de

    astrnomos, fsicos, bilogos e paleontlogos. Seu campo de observao o mundo

    sensvel, a realidade circundante com os fenmenos que a toda hora acontecem,

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    mas seus fundamentos repousam na filosofia, uma vez que a razo faz entender

    que todo fenmeno possui uma causa natural, um princpio intrnseco ao ser.

    O problema da evoluo natural do universo surge, de uma parte, dos dados da observao e da experincia, quer natural e espontnea quer reflexa e cientfica; e, da outra, da exigncia da razo, que requer pra todo fenmeno natural, universal e constante, uma explicao intrnseca fundada na prpria natureza das coisas (SELVAGGI, 1988, p. 442).

    Charles Robert Darwin (1809-1882) de Shrewsbury, Inglaterra, o maior

    representante da teoria da evoluo por t-la melhor estruturado, mas podem ser

    encontrados os primeiros passos do evolucionismo j entre os pr-socrticos.

    Herclito (sc. VI a.C.) de feso, dos filsofos da natureza, foi o que mais acentuou

    a questo da transformao dos seres enquanto estes existem. Para ele, toda a

    realidade material muda; as coisas passam por um constante devir, um permanente

    vir-a-ser; nada continua sendo a mesma coisa. Herclito afirmou que o fogo o

    princpio universal por ser o elemento que transforma as coisas com mais facilidade

    fazendo-as mudar de ser. Em um de seus escritos ele falou sobre o constante

    transmutar-se de todas as coisas:

    No se pode descer duas vezes o mesmo rio e no se pode tocar duas vezes uma substncia mortal no mesmo estado, pois, por causa da impetuosidade e da velocidade da mudana, ela se dispersa e se rene, vem e vai. (...) Ns descemos e no descemos pelo mesmo rio, ns mesmos somos e no somos (apud REALE, 2005, p. 35-36).

    Mas essas transformaes no acontecem ao acaso: elas so orientadas por

    uma espcie de lgos universal que causa a ordem e a harmonia e que est

    presente intrinsecamente em todas as coisas. Este devir heracliteano aqui

    entendido como um prottipo de evolucionismo.

    Outro passo na construo do pensamento evolucionista a explicao de

    Aristteles (384-322 a.C.) de Estgira para a sua percepo de mundo sensvel. Ele

    defendeu o movimento contnuo da matria utilizando a teoria do ato e da potncia,

    segundo a qual o ser se transforma permanentemente para que suas

    potencialidades se atualizem dando origem a outras modalidades de seres, ou seja,

    a potncia se transforme em ato. Essas mudanas decorrem de causas definidas e

    objetivas que o estagirita as elenca em quatro: material, formal, eficiente e final.

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    So Toms (1221-1274) de Aquino, em um dos trechos de sua obra Suma

    contra os gentios, esboou uma filosofia da evoluo. Segundo ele, o mundo

    material tem um dinamismo natural, onde as coisas simples tendem a tornar-se

    complexas. As partculas elementares transformam-se em compostos, estes em

    seres vivos inferiores, depois superiores, at chegar forma mais perfeita de vida: a

    humana.

    Charles Darwin, aps uma longa pesquisa baseada na teoria da evoluo,

    defendeu a idia da origem de novas espcies e da seleo natural. Na sua obra-

    prima (Sobre a origem das espcies por meio da seleo natural ou a conservao

    das raas favorecidas na luta pela vida, publicada em 1859) definiu o seu conceito

    de evoluo: formao de novas espcies por lentos processos de descendncia,

    com modificaes a partir de outras espcies mais antigas. A teoria darwiniana da

    evoluo dos seres vivos pela seleo natural se sustenta em cinco provas

    principais:

    1) provas extradas da hereditariedade e da criao, particularmente as variaes devidas domesticao; 2) provas provenientes da distribuio geogrfica; 3) provas provenientes dos testemunhos fsseis; 4) provas derivadas da afinidade recproca entre os seres vivos; 5) provas provenientes da embriologia e dos rgos rudimentares (REALE, 2003, p. 373).

    Herbert Spencer (1820-1903), positivista ingls, no negava a existncia de

    Deus, mas ao mesmo tempo no admitia que tivesse sido uma entidade suprema e

    divina a causadora de toda a ordem csmica. Spencer teve que apresentar outra

    justificativa para a realidade universal. Viu no evolucionismo de Darwin no s as

    respostas para a origem das espcies, mas para o desenvolvimento de todo o

    cosmos. Com isso, ele levou a teoria cientfica para o campo filosfico e

    transformou-a em princpio global. Foi, por isso, considerado o filsofo da evoluo.

    Spencer o aplica [o evolucionismo darwiniano] a toda a natureza, sustentando que a

    formao do cosmo e de todos os fenmenos a ela ligados foram dispostos segundo

    um nico princpio fundamental, que a evoluo. Ele causa tambm da ordem

    csmica [...] (MONDIN, 1983, p. 119).

    Como Herbert Spencer transformou a teoria em princpio universal, ela passa

    a ser aplicada tambm vida psquica e social do homem. Segundo o pensador, as

    leis evolucionistas so encontradas no cotidiano do ser humano, que busca sempre

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    mais aperfeioar-se em suas prticas para melhor adaptar-se ao meio no qual est

    inserido. A sociedade tambm evolui e faz a passagem para um estgio cada vez

    mais perfeito. Isso feito por meio das tcnicas, das descobertas, do

    aperfeioamento das leis, da mudana dos costumes, do desenvolvimento da arte e

    da filosofia.

    Georges Lemaitre (1894-1966), um padre jesuta de Charleroi, Blgica,

    elaborou a famosa teoria do Big-bang (grande exploso) para explicar o

    surgimento do universo. Logo ela foi difundida e aceita como uma das melhores

    explicaes para o atual estado do cosmos. Em sua essncia, a teoria firma que

    toda a matria estava condensada em uma s massa, sem vcuo ou intervalos. A

    isso foi dado o nome de ovo csmico, no qual estavam contidos virtualmente todos

    os corpos celestes e todos os mecanismos que a estes dariam origem. Depois se

    sucedeu a grande exploso radioativa de ncleo compacto, a qual projetou

    estilhaos para todas as direes, a uma velocidade descomunal. Esses estilhaos

    passaram por vrios processos qumicos e com o tempo transformaram-se no

    universo tal como ele hoje. Em outras palavras, as propriedades evolutivas

    contidas na matria fizeram todos os seres progredirem da singularidade inicial

    pluralidade atual.

    Por volta de 15 bilhes de anos atrs ocorreu um evento extraordinrio, um evento chamado Singularidade pelos cientistas. Foi notvel e, at onde podemos dizer, nico por vrias razes. Em primeiro lugar, no houve nenhum antes dele, pois o espao e o tempo apareceram nesse momento como dimenses da criao [...] Em segundo, temos o surgimento de algo novo refiro-me prpria realidade ou existncia. De um modo sobre o qual podemos falar apenas metaforicamente, a efetividade nasceu do vazio e do nada eternos e comeou o longo processo de 15 bilhes de anos de desdobrar-se nas incontveis e fantsticas formas que conhecemos (BROCKELMAN, 2001, p. 70).

    Como esse pensamento, se introduz aqui um novo elemento na discusso o

    qual j foi referido na introduo. Apoiando-se na doutrina filosfica da causalidade,

    no se pode supor que a formao do ovo csmico e sua exploso tenham

    acontecido ao acaso, sem nenhum princpio causador. Ademais, a cincia consegue

    chegar com suas especulaes at a origem do ncleo elementar, mas no

    consegue transpor as barreiras da materialidade e descobrir qual a causa intrnseca

    da existncia do todo. Assim sendo, emerge a crena de que todas as coisas vieram

    a ser por um princpio causador denominado por muitos como Deus.

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    A cosmologia contempornea admite o universo como uma realidade dotada

    de sentido e finalidade e isso proporcionado pela teoria da criao, que em

    absoluto no se ope da evoluo, mas pelo contrrio ambas complementam-se

    mutuamente.

    Trata-se de uma cosmologia cientfica que ao mesmo tempo uma histria religiosa da criao, pois nos leva como fazem as histrias religiosas da criao tradicionais a ver ou compreender interpretativamente a vida como um todo significativo, uma realidade que ao mesmo tempo rene a novidade e a diversidade que o compem (BROCKELMAN, 2001, p. 150).

    Esse tema no ser tratado aqui mas vale dizer que o criacionismo no uma

    possibilidade de explicao do como ou quando as coisas vieram existncia,

    mas a resposta ao porqu e para que h algo em vez de nada. Tambm

    importante ressaltar que o criacionismo diferente da teoria do fixismo das

    espcies, a qual afirma que nada se modificou ao longo dos milhares de anos de

    existncia. Em sntese, o criacionismo a afirmao de que h um Criador, causa

    transcendente para todas as coisas, e de que tudo guiado por sua razo suprema,

    um lgos no sentido pleno da palavra. No h fundamentalmente nada que se

    oponha ao pensamento evolucionista.

    A cosmologia contempornea, que combina elementos filosficos e

    cientficos, no v como inconciliveis essas duas possibilidades de explicao da

    realidade, assim como so as duas faces de uma mesma moeda. Em oposio aos

    criacionistas-fixistas existem os criacionistas-evolucionistas. Estes possuem uma

    viso religiosa de mundo afirmando que Deus a origem e o destino de todas as

    coisas. A matria teria sido criada por Deus com propriedades evolutivas, e nela

    agiriam fatores naturais provocando a evoluo. Ento, Deus no teria criado os

    seres como hoje o so, e sim, outras formas primitivas de vida que, ao longo do

    tempo, sofreram modificaes devido s potencialidades evolutivas impressas na

    matria pelo prprio Criador.

    5 CONSIDERAES FINAIS

    A modernidade trouxe para o homem muitas facilidades e descobertas e,

    junto com elas, uma violenta torrente de informaes, paradigmas e paradoxos que

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    o deixaram em uma verdadeira crise. No h um consenso nas respostas aos

    porqus da vida humana. Cada pensamento doutrinrio possui sua forma de dar

    sentido existncia e dificilmente uma consegue enxergar na outra alguma luz para

    si.

    A teoria da evoluo, que se expandia por todo o mundo a partir do sculo

    XIX, facilmente conquistava a elite intelectualizada que era alheia f e aos

    conhecimentos teolgicos. Mas o homem um ser religioso e prprio dele crer

    numa fora sobrenatural e infinita que intervm de alguma forma no universo.

    Todos os filsofos e tericos que aqui foram apresentados como tambm as

    cosmogonias dos povos antigos vm reforar que a concepo de surgimento do

    universo a partir de uma causa primeira algo a ser considerado. Depois de tudo o

    que foi dito, algumas sentenas podem ser elencadas: 1) nem sempre a realidade

    material foi como hoje o ; 2) tudo veio a ser, e; 3) h uma causa primeira de tudo.

    O universo em evoluo representa o progresso que a matria faz em busca

    do seu aperfeioamento contnuo. A cada novo estgio evolutivo observa-se a

    incrvel capacidade que ela tem de se transformar e se tornar mais complexa.

    REFERNCIAS BROCKELMAN, Paul. Cosmologia e criao: a importncia espiritual da cosmologia contempornea. So Paulo: Loyola, 2001. MNARD, Ren. Mitologia greco-romana. So Paulo: Opus, 1991. 3v. MONDIN, Battista. Curso de filosofia. 11. ed. So Paulo: Paulus, 2002. 1v. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. Histria da filosofia: Antiguidade e Idade Mdia. 9. ed. So Paulo: Paulus, 2005. 1v. ______. Histria da filosofia: do Romantismo aos nossos dias. 6. ed. So Paulo: Paulus, 2003. 3v. SELVAGGI, Filippo. Filosofia do mundo: Cosmologia filosfica. So Paulo: Loyola, 1988.