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    FLEXIBILIZAO DO DIREITO DO TRABALHO1

    Michel Olivier Giraudeau

    Desde que se estabeleceu a relao de trabalho pessoal e remunerado,

    constantes modificaes ocorreram ao longo da histria, como uma

    decorrncia natural da evoluo do homem, para adequar-se s necessidades

    impostas pela prpria realidade.

    Mas a histria tambm demonstrou, por outro lado, que a

    transformao das relaes produtivas, sem interveno do Estado, j deu

    espao s situaes mais extremas, de explorao do trabalhador, pelo

    proprietrio dos meios de produo e de comercializao.

    O discurso trazido com o Estado Liberal, sobre o tratamento isonmicodas partes, com liberdade para contratar, no considerava uma evidente

    desigualdade, em prejuzo do trabalhador. Assim, na lgica cruel do

    capitalismo, configurou-se a desumana explorao da classe operria, em

    precrias instalaes, submetida a jornadas de trabalho extenuantes, em troca

    dos mais baixos salrios.

    A unio da classe operria e os conflitos travados, desde ento,

    trouxeram tona o conceito de que o Estado no poderia deixar o trabalhador

    prpria sorte, na relao de trabalho. A concepo do Direito do Trabalho

    fez-se, por esse motivo, j sob natureza protecionista, com o intuito legtimo

    1Artigo publicado no livroDireito Empresarial do Trabalho. EditoraPlenum. So Paulo. 2010.Coordenao Marcos Csar Amador Alves

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    de preservar a dignidade do trabalhador, ciente de que no poderia deix-lo

    desamparado, numa negociao livre sobre as condies de seu contrato de

    trabalho. A o Direito do Trabalho se diferencia, em sua essncia, do Direito

    Civil, este ltimo regido pelo princpio de igualdade das partes, nas relaes

    contratuais. Nas palavras do jurista uruguaio Amrico Pl Rodriguez, o

    Direito do Trabalho responde ao propsito de nivelar desigualdades.

    Estabelecida, por princpio, essa proteo do trabalhador, tambm o

    Direito do Trabalho brasileiro construiu-se sob esse critrio. As disposies da

    Consolidao das Leis do Trabalho vieram em um contexto histrico de ampla

    atuao do Estado nas relaes sociais, e configuram um patamar de proteo

    dos direitos mnimos daquele que oferece sua fora de trabalho ao

    empregador, compensando a natural desvantagem desse trabalhador na

    negociao e manuteno das condies que devem reger a relao contratual.

    Entretanto, a realidade contempornea tem suscitado um debate em

    torno do que se convencionou chamar de flexibilizao do Direito do

    Trabalho, ora justificado pela necessidade de modernizao da norma

    trabalhista, ora revestido de um falso discurso neoliberal. Trata-se,

    especialmente, da idia de que essas disposies protetivas devem ser, em

    alguma medida, abrandadas, dando espao a uma maior liberdade de

    negociao das condies contratuais, especialmente quando verificada a

    maior autonomia do trabalhador, j no mais restrito simples condio de

    operrio.

    As mudanas que se seguiram, desde os anos 70, com o

    desenvolvimento tecnolgico e a reestruturao produtiva - pondo fim ao

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    chamado modelo fordista de produo - aliadas s incertezas da economia

    mundial, desde a crise do petrleo, de 73, com o crescimento do desemprego

    estrutural, trouxeram o conceito de que a interveno do Estado, embora

    necessria, j no poderia ser a mesma.

    O surgimento de blocos econmicos supranacionais ultrapassou

    obstculos entre pases diferentes, com a livre circulao da economia, e

    passou a impor o afastamento do Estado das atividades do capital privado. A

    transnacionalizao dos mercados trouxe o conceito de globalizao, em meio

    a acontecimentos sociais, polticos e econmicos que j no permitiam a

    interveno estatal, nos moldes do chamado Estado do Bem-Estar Social, at

    ento vigente.

    Essas mudanas se chocaram com o modelo clssico da relao

    trabalhista, que estava fundado em valores como a perpetuao do contrato,pela estabilidade; ou a jornada de trabalho de tempo integral, em favor de um

    nico empregador.

    A constatao de que, por princpio de livre iniciativa, modificaes na

    produo de bens e servios no podem ser evitadas, acirrou o debate sobre o

    papel do Direito do Trabalho ao regular esse processo, para o cumprimento de

    seu papel na preservao dos direitos fundamentais do trabalhador, sem negar

    a realidade.

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    Octvio Bueno Magano j apontava que o Direito do Trabalho, na

    formulao tradicional, genrico e rgido2. Genrico porque supostamente se

    aplica a pessoas da mesma condio social, a saber, os operrios (inicialmente

    denominava-se Direito Operrio). A rigidez, segundo o autor, estaria ligada

    ideia de que o trabalhador sempre hipossuficiente e carece de proteo do

    Estado. Com esse critrio, impem-se normas rgidas e imperativas,

    insuscetveis de serem postergadas, mesmo quando os interessados assim o

    desejem (art. 9 da CLT).

    A idia de flexibilizao contrape-se, portanto, apontada rigidez das

    normas trabalhistas. Mas apesar desse significado, o termo no reflete, por si,

    um conceito unvoco, o que ocorre, alis, com diversos conceitos polmicos,

    como aponta Cssio Mesquita Barros3. Qualquer que seja a intensidade dessa

    flexibilizao, entretanto, o autor observa que a idia francamente defendida

    pelos meios empresariais, mas encontra resistncia em boa parte da doutrina,assim como na quase totalidade do movimento sindical.

    O debate, ao que nos parece, tem incio na prpria impreciso do termo,

    e suscita as manifestaes mais diversas, conforme seja a interferncia que se

    atribui aclamada flexibilizao sobre as normas trabalhistas de proteo:

    desde o mero ajuste dessas normas s reais necessidades de adequao, diante

    das contingncias das relaes de trabalho, at o verdadeiro abandono das

    disposies mnimas de proteo do trabalhador, na relao contratual.

    2 A flexibilizao e o direito do trabalho. Revista do Advogado. So Paulo: AASP (Associao dosAdvogados de So Paulo), n. 54, dez. 1998, p. 8.3 Palestra ministrada no Comit Jurdico da Cmara talo-Brasileira de Comrcio e Indstria (outubro de2008)

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    inegvel que a prestao dos servios pelos moldes da CLT, em

    alguns aspectos, j no se encontra perfeitamente adequada realidade do

    mercado de trabalho brasileiro. Algumas das disposies legais esto fundadas

    em princpios intervencionistas que atendiam ao modelo da Europa na ps-

    revoluo industrial. A modificao da legislao que rege as relaes de

    trabalho, na medida em que se realiza, deve atender imposio da realidade,

    moldando-se s exigncias das circunstncias de fato.

    Nessa perspectiva, certo que algumas caractersticas da rigidez do

    Direito do Trabalho no mais se compatibilizam com fatores da realidade

    atual. As mudanas paulatinas nos contratos foram se impondo com a

    crescente tecnologia, que se traduz, frequentemente, em automao, ou na

    produo sem interferncia do fator humano, seno com a mnima

    interferncia. O mundo de trabalho, marcado pela heterogeneidade choca-se,

    por vezes, com a legislao trabalhista clssica, em que prevalece o seu carterrgido e protecionista.

    Nesse cenrio, a flexibilizao das normas trabalhistas, quando

    defendida, invoca em seu favor a busca de elasticidade, individuao de

    condies de trabalho, descentralizao, preferncia pelo concreto em

    detrimento do abstrato; substituio do garantismo por multiplicao de

    ofertas de emprego.

    certo que a evoluo no campo do Direito do Trabalho aponta, de

    qualquer forma, para modificaes gradativas das normas, que h muito so

    classificadas como efeitos, bons ou ruins, da flexibilizao: multiplicao de

    contratos atpicos; maior incidncia de contratos de tempo parcial; debilitao

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    do princpio da estabilidade; maior utilizao dos contratos por prazo

    determinado, ressurgimento do trabalho a domiclio; expanso da

    multiplicidade de empregos; ambivalncia da conveno coletiva com

    admissibilidade dos efeitos in mellius e in pejus; utilizao do contrato de

    aprendizagem como medida de fomento de emprego; reviso da seguridade

    social, com vistas conteno das despesas respectivas4.

    A Constituio Federal de 88 trouxe transformaes sobre o modelo, at

    ento vigente, da relao de emprego: a possibilidade da reduo salarial por

    negociao coletiva (art. 7, inciso VI); o fim da estabilidade (art. 7, I e II); a

    compensao de horrios (art.7, XIII); a possibilidade de ampliao da

    jornada, para o trabalho em turno ininterrupto de revezamento, mediante

    negociao coletiva (art.7, XIV).

    Tambm podemos citar alteraes na legislao trabalhista, a exemploda disposio do artigo 58-A, da CLT - com a instituio do trabalho em

    regime de tempo parcial, no superior a 25 horas semanais, e mediante

    negociao coletiva e a modificao do artigo 59, 2, instituindo o

    chamado banco de horas, e possibilitando a compensao de horas, no

    apenas em uma semana, mas em um ano.

    Como formas alternativas de contratao, e desde que atendidos os

    requisitos previstos, pode-se tambm mencionar o trabalho temporrio (Lei

    6.019/74) e o contrato por prazo determinado, da Lei 9.601/98, institudo

    como alternativa de atenuao do desemprego, mediante negociao coletiva.

    4 Octvio Bueno Magano, op. cit.

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    Mesmo diante da necessidade de adaptao das relaes de trabalho s

    circunstncias reais do mercado deve-se, contudo, observar a verdadeira

    finalidade da legislao que o normatiza. Nelson Mannrich destaca que a

    CLT j no serve para os fins a que se destina, merecendo reformas urgentes,

    para ser instrumento de garantia dos direitos fundamentais, na concepo do

    estado promocional, onde cabe ao Direito do Trabalho o papel de coordenar a

    promoo dos valores econmicos e sociais 5.

    O autor classifica a flexibilizao como um fenmeno tambm

    conhecido por desregulamentao, na medida em que se caracteriza mais uma

    postura negativa de reao a alguma prtica ou comportamento rgido do que

    um conceito ou ao positiva. Vincula-se, como se disse, a questes como

    desemprego, novos processos e administrao de produo, declnio do poder

    sindical e incremento do poder patronal, o que indica o ajustamento do Direito

    do Trabalho s atuais realidades da sociedade ps-industrial.

    O termo desregulamentao recebe, entretanto, algumas crticas, a

    exemplo de Ari Possidonio Beltran6, que no o identifica com a

    flexibilizao, ao argumento de que esta ltima deve pressupor a

    interveno estatal, mesmo que bsica, para a fixao de normas gerais, que

    asseguram a dignidade do trabalhador.

    Sob esse aspecto, consideramos oportuna a observao de Orlando

    Teixeira da Costa 7, que ressalta a necessidade de adequao da norma,

    5Limites de flexibilizao das normas trabalhistas. Revista do advogado. So Paulo: AASP (Asssociaodos Advogados de So Paulo), n. 54, dez. 1998, p. 32.6Dilemas do trabalho e do emprego na atualidade. So Paulo: LTr. 2001. p. 152.7Direito coletivo do trabalho e crise econmica. LTr. 1991, pp. 87 e 88, apudFERRAZ, Fernando Bastos.Terceirizao e demais formas de flexibilizao do trabalho.. So Paulo: LTr. Junho 2006. p. 17.

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    conforme a dimenso do empregador e o grau de autonomia que se pode

    atribuir ao empregado:

    A regulao das relaes laborais de modo flexvel, teria que comear, a nosso

    ver, por um tratamento jurdico diferenciado entre pequenas, mdias e grandes

    empresas, no apenas do ponto de vista fiscal, como j ocorre, mas no que diz

    respeito aos direitos trabalhistas a serem reconhecidos queles que elas empregam.

    Da mesma maneira, seria desejvel que se estabelecessem nveis de tratamento

    entre os empregados, a exemplo do que existe em alguns pases europeus, como a

    Itlia, onde o Cdigo Civil distingue trs categorias de prestadores de servios: o

    operaio (operrio), impiegato (empregado) e dirigente (dirigente, diretor). Cadauma dessas categorias recebe tratamento legal diferenciado em relao a alguns

    direitos trabalhistas, sendo que a Lei de 13 de maio de 1985, n.190, no art. 2,

    inciso 1, ainda criou mais um grupo de trabalhadores subordinados, os quadri, que

    traduziremos como sendo os empregados de escritrio, os white-collar dos

    americanos, mas que possuem conceituao legal precisa na Itlia, no dispositivo

    acima mencionado.

    O critrio ilustra, em nosso entendimento, uma adaptao da legislaodo trabalho, assegurando o carter protecionista, mas de modo proporcional ao

    grau de hipossuficincia do empregado contemplado.

    A esse conceito se acrescenta a definio de Robortella8 sobre a

    flexibilizao: o instrumento de poltica social caracterizado pela adaptao

    constante das normas jurdicas realidade econmica, social e institucional,

    mediante intensa participao de trabalhadores e empresrios, para eficaz

    regulao do mercado de trabalho, tendo como objetivos o desenvolvimento

    econmico e o progresso social.

    8 ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno direito do trabalho. Tese de doutorado. Orient.Octavio Bueno Magano. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1994, p. 97.

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    Essa adequao do Direito do Trabalho s imposies da realidade deve

    manter, por princpio, a avaliao consciente da necessidade de adaptao,

    mas no deve, em hiptese alguma, perder de vista o contedo teleolgico da

    norma.

    Assim, na definio de Rosita Nazar Sidrim Nasser, flexibilizao

    parte integrante do processo maior de flexibilizao do mercado de trabalho,

    consistente no conjunto de medidas destinadas a dotar o Direito Laboral de

    novos mecanismos capazes de compatibiliz-lo com as mutaes decorrentes

    de fatores de ordem econmica, tecnolgica ou de natureza diversa, exigentes

    de pronto ajustamento 9.

    Para Cssio Mesquita Barros flexibilidade do direito do trabalho

    consiste nas medidas ou procedimentos de natureza jurdica que tm a

    finalidade social e econmica de conferir s empresas a possibilidade deajustar a sua produo, emprego e condies de trabalho s contingncias

    rpidas ou contguas do sistema econmico 10.

    Jos Eduardo Alcntara conceitua: flexibilizar vergar a rigidez da

    disciplina legal de um determinado instituto, autorizando solues (excees)

    alternativas que possibilitem o elastecimento de condies de trabalho

    supostamente mais bem adaptadas aos interesses de empregados e

    empregadores 11.

    9 Flexibilizao do direito do trabalho. LTr,1992, So Paulo, p. 20, apud FERRAZ, Fernando Bastos.Terceirizao e demais formas de flexibilizao do trabalho. So Paulo: LTr. Junho 2006.p. 17.10Flexibilizao no direito do trabalho. Cadernos de Direito Tributrio e Finanas Pblicas.So Paulo:Revista dos Tribunais, v. 5, n. 21, out/dez 1997, p. 268-28211Flexibilizao da jornada de trabalho: uma abordagem crtica. Direito do Trabalho Contemporneo.In: NETO, Jos Affonso Dalledrave (Coord.). So Paulo: LTr, 2003.

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    Ainda que admitida a flexibilizao, portanto, imperioso que se

    observem os limites dessa adaptao das normas. Assim, esses limites tm em

    vista a anlise das alteraes possveis e necessrias, na relao de emprego,

    tomando-se em conta que um dos particularismos do Direito do Trabalho

    consiste em corrigir as desigualdades econmicas por meio das desigualdades

    jurdicas.

    A flexibilizao atua, nesse contexto, no conflito entre o princpio

    protecionista e a realidade social e econmica presente. impossvel que se

    abandone o princpio de proteo.

    Seriam legtimos, nessa concepo, os limites que se dirigem ao

    favorecimento dos interesses do trabalhador, admissveis os que decorrem do

    ajuste entre a norma, a tcnica jurdica e a realidade tcnico-social, masintolerveis aqueles introduzidos contra os direitos do trabalhador.

    Levando-se em conta o regime jurdico, Nelson Mannrich12 assim

    classifica: flexibilizao proibida, a que contraria a ordem jurdica social,

    atentando contra direitos fundamentais do trabalhador, estes entendidos como

    norma de ordem pblica; flexibilizao tolerada, aquela introduzida mediante

    negociao coletiva, contraria a lei ultrapassada e sem eficcia, sem ofender

    os direitos fundamentais do trabalhador; e, por fim, a flexibilizao

    autorizada, aquela cuja possibilidade est expressamente tolerada pela lei, a

    exemplo da reduo salarial, mediante negociao coletiva, prevista pela

    Constituio Federal.

    12op. cit., p. 33.

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    Decorre das diversas classificaes da flexibilizao a fixao de seus

    limites, em relao aos direitos garantidos ao empregado. Por consequncia,

    no se admitem, como objetos de flexibilizao, bens jurdicos fundamentais

    indisponveis, como os relacionados vida, sade e outros relativos

    personalidade e dignidade do trabalhador, e a direitos econmicos bsicos.

    Os esforos modernos de simplificao da prestao de servios

    encontram os limites naturais e legtimos, que se apresentaram historicamente,

    na evoluo das diversas formas de trabalho. Lembramos que, desde a

    transio ao capitalismo industrial, fruto da quebra do sistema tradicional das

    corporaes de artes e ofcio, tentou-se aplicar ao contrato de trabalho, de

    forma simples e direta, as regras do Direito Civil, o que contribuiu para gerar

    um clima jurdico hostil na formao do Direito do Trabalho. Com a evoluo

    do novo ramo jurdico, criou-se, nesse contexto, um mito em torno desseprotecionismo do Direito do Trabalho.

    natural que institutos como da responsabilidade, renncia e transao,

    que acabaram se amoldando no Direito Civil, tenham sua aplicao, no mbito

    trabalhista, mas sempre com a necessria adaptao.

    Tambm a autonomia privada coletiva no poderia justificar a

    negociao sobre direitos indisponveis. Flavia Piovesan13 lembra que a

    relao trabalhista naturalmente desigual e assimtrica; os parmetros de

    proteo devem compensar essa desigualdade. A autora lembra que, no ano

    de 2003 a 2004, foram libertados do regime de escravido contempornea

    13Direitos trabalhistas: legislado x negociado. Artigo publicado no Jornal Pucviva, n. 533

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    mais de 7.000 trabalhadores brasileiros. Tambm anota que o Brasil,

    figurando como quinta populao economicamente ativa, no ano de 1999,

    apresentou a terceira maior quantidade de desempregados. Diante desse

    cenrio, no muito diverso na atualidade, certo que, ao prevalecer o

    negociado sobre o legislado, um exrcito de excludos se renderia

    precariedade, como afirma a autora.

    No mesmo sentido, Cssio Mesquita Barros14 faz a pertinente

    observao de que as solues sociais dos pases avanados so, por vezes,

    seguidas pelos pases do terceiro mundo, mesmo quando os problemas a que

    remetem no so os mesmos. No se pode deixar de ressalvar algumas

    caractersticas das relaes de trabalho brasileiras, diversas dos pases

    europeus, como o baixo custo da dispensa sem justa causa; a jornada superior

    a 40 horas semanais; a deficiente estrutura sindical. Assim, certo que a

    flexibilizao nos pases desenvolvidos suscetvel de efeitos menos gravesdo que na Amrica Latina. O autor aponta, com essas consideraes, que a

    legislao aplicvel a uma minoria, na Amrica Latina em que o trabalho

    informal j representa uma proporo alarmante (em torno de 55%, no Brasil),

    poderia ensejar um aumento da mo-de-obra j desprotegida.

    Pode-se, dizer, em concluso, que a adequao da legislao trabalhista

    medida necessria, em diversos aspectos, para que no se insista na

    manuteno de um modelo clssico de relaes do trabalho, precisamente nas

    situaes em que ele no tem mais a utilidade que representou no passado.

    14Flexibilizao do direito do trabalho. Palestra ministrada em outubro de 2008, na Cmara talo-Brasileirade Comrcio e Indstria.

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    Essas medidas no se desvinculam, contudo, na natureza imperativa das

    normas que asseguram, justamente, o princpio imperativo.

    A multiplicidade das formas de trabalho torna desajustada a existncia

    de um modelo nico de emprego. Questiona-se a concepo segundo a qual s

    se admite subordinao ou autonomia, estabilidade ou precariedade, e se

    atribui a presuno de simulao fraudulenta s atividades no subordinadas

    ou no estveis.

    O Direito do Trabalho tem a tarefa e a grande responsabilidade de

    conciliar este processo dinmico e inevitvel, para regular as relaes que, de

    fato, se estabelecem, e configuram o que se chama contrato realidade. O

    abandono do primado da proteo, entretanto, redundaria em desnaturar o

    princpio teleolgico da norma, que assegura a dignidade do trabalhador,

    como valor supremo.