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1/ 16 Publicado em Janeiro de 2012 www.viaciencia.com.br Todos os direitos reservados Definição e alteração da energia livre da água no contexto da fisiologia vegetal Carlos Henrique Britto de Assis Prado 1 , Lis Schwartz Miotto 2 , Luciane Pivetta 2 , Marlei Leandro de Mendonça 2 1 Professor Associado do Departamento de Botânica da Universidade Federal de São Carlos 2 Alunas do curso de graduação, curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal de São Carlos Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Botânica, São Paulo, Brasil 13565-905 Introdução A água líquida é o meio onde a vida surgiu e acontece. A estrutura e as propriedades físico-químicas da água são essenciais em processos como a fotossíntese, as relações hídricas e a nutrição mineral. Sua função na planta está ainda relacionada com o crescimento celular, manutenção da turgescência por meio da pressão hidráulica, resfriamento de superfícies e manutenção do fluxo em massa no corpo da planta. A água é o veículo de transporte de longa distância através do xilema e do floema. Transporte de curta distância por meio da difusão, da embebição e da osmose e o fluxo em massa no transporte de longa distância são fenômenos vitais dependentes de água. A molécula de água apresenta um átomo de oxigênio com alto valor de eletronegatividade (3,5), inferior somente ao flúor (4,0) na tabela periódica. Ligado covalentemente ao oxigênio há dois átomos de hidrogênio com eletronegatividade bem menor (2,1). Essa diferença entre os átomos de oxigênio e hidrogênio na água resulta em maior probabilidade do elétron ser encontrado próximo ao oxigênio. O resultado dessa desigualdade eletrônica é a formação de um dipolo, com pólos positivos próximos aos

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Definição e alteração da energia livre da água no contexto da fisiologia vegetal

Carlos Henrique Britto de Assis Prado 1, Lis Schwartz Miotto 2, Luciane Pivetta 2,

Marlei Leandro de Mendonça 2 1 Professor Associado do Departamento de Botânica da Universidade Federal de São

Carlos 2 Alunas do curso de graduação, curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal

de São Carlos

Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Botânica, São Paulo, Brasil

13565-905

Introdução

A água líquida é o meio onde a vida surgiu e acontece. A estrutura e as

propriedades físico-químicas da água são essenciais em processos como a fotossíntese,

as relações hídricas e a nutrição mineral. Sua função na planta está ainda relacionada

com o crescimento celular, manutenção da turgescência por meio da pressão hidráulica,

resfriamento de superfícies e manutenção do fluxo em massa no corpo da planta. A água

é o veículo de transporte de longa distância através do xilema e do floema. Transporte de

curta distância por meio da difusão, da embebição e da osmose e o fluxo em massa no

transporte de longa distância são fenômenos vitais dependentes de água.

A molécula de água apresenta um átomo de oxigênio com alto valor de

eletronegatividade (3,5), inferior somente ao flúor (4,0) na tabela periódica. Ligado

covalentemente ao oxigênio há dois átomos de hidrogênio com eletronegatividade bem

menor (2,1). Essa diferença entre os átomos de oxigênio e hidrogênio na água resulta em

maior probabilidade do elétron ser encontrado próximo ao oxigênio. O resultado dessa

desigualdade eletrônica é a formação de um dipolo, com pólos positivos próximos aos

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hidrogênios e o pólo negativo próximo ao oxigênio. A constante dielétrica da água, uma

grandeza que representa a polaridade das moléculas, é uma das maiores entre os

solventes. Portanto, a água é um meio eficaz para a interação com outras substâncias

que apresentem pólos ou cargas, mas não com substâncias apolares. Portanto, é difícil

misturar óleo (praticamente apolar) com água (polar).

Os elevados pontos de fusão e ebulição são atribuídos à considerável energia

requerida para romper as interações polares hidrogênio-oxigênio entre as moléculas de

água. Essa propriedade de coesão das moléculas confere integridade a um volume de

água sob forças externas como as forças de tensão ou pressão. Devido à elevada

constante dielétrica, o dipolo água adere às superfícies sólidas que apresentem ao menos

um pouco de polaridade (madeira, papel, solo, parede celular), mas dificilmente adere às

superfícies com polaridade reduzida (metais e gorduras). Portanto, além de ser coesa por

meio de interações entre suas moléculas a água é também capaz de aderir nas

superfícies polarizadas, chamadas de forma conveniente em relações hídricas como

“superfícies molháveis”. Coesão e adesão do meio aquoso são eventos importantes para

o transporte hídrico do fluxo em massa da raiz à copa.

A energia potencial da água (Potencial Hídrico)

A energia potencial contida em um volume de água tem origem na capacidade

desse volume de realizar interações químicas envolvendo a eletrosfera da molécula de

água. Essas interações podem ser a solvatação de um soluto ou a adesão em uma

superfície “molhável”. Essa energia potencial pode ainda estar contida na capacidade da

água se movimentar em um fluxo em massa, por exemplo, por meio de pressão ou

tensão. A tensão é originada quando o volume de água é succionado. Pressão e tensão

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podem ser expressas em unidades de força por área. De forma conveniente, é possível

converter o potencial químico da água medido em Joule (energia) em unidades de

pressão. As unidades de pressão geralmente são expressas em atmosfera (atm),

milímetros da coluna de mercúrio líquido (mm Hg), em bar, ou em Pascal (Pa). Essa

última (Pa) é a mais utilizada em fisiologia vegetal. Joule (J) é uma unidade que equivale

ao produto da força (Newton) pelo deslocamento (metros) de um determinado corpo:

NmJ = (I)

Em que:

J = Joule

N = Newton

m = metro

A capacidade de trabalho associada à água deve considerar o volume dessa

substância, pois quanto maior o volume considerado maior a energia armazenada.

Portanto, é necessário expressar a quantidade de energia (J) por volume de água. Ao

dividir Joule (Newton por metro na fórmula I acima) por um volume de água (por exemplo,

por metro cúbico), o resultado é Newton por metro quadrado:

23

−= Nmm

Nm (II)

O produto N m-2 é uma unidade de pressão (força por área) denominada Pascal

(Pa). Essa unidade é pequena para os valores freqüentemente utilizados em relações

hídricas nas plantas. Por exemplo, um Pascal equivale somente a 10-5 atmosferas. Dessa

forma, é conveniente multiplicar Pascal (Pa) por 106, resultando em mega Pascal (MPa),

uma unidade bem mais prática e usual nos problemas de relações hídricas nos vegetais.

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O potencial da água (ou potencial hídrico) é simbolizado pela letra grega psi

maiúscula (Ψ) e representa a energia da água disponível para realizar trabalho, ou seja, a

energia “livre” na água. O potencial hídrico pode ser alterado pela temperatura, pela

gravidade, ou pelo contato da água com solutos ou com superfícies “molháveis”. Portanto,

a energia livre da água está relacionada tanto à cinética das moléculas (estado térmico

molecular representado pela temperatura) quanto às propriedades físico-químicas da

água, a capacidade de adesão do dipolo água sobre superfícies.

A água pura livre de solutos e de superfícies de contato, sob pressão e temperatura

ambiente constantes apresenta uma energia livre adotada como a energia de referência

para o potencial hídrico. Essa energia pode ser alterada, ou seja, aumentar ou diminuir

em função da temperatura, da pressão e da interação das moléculas de água líquida com

sólidos e superfícies. A referência padrão conveniente adotada para a água pura sob

pressão e temperatura constantes é o zero de energia, ou seja, 0 Joule (0 J).

Qualquer mudança de temperatura, contato com superfícies molháveis ou

solvatação de moléculas capazes de interagir com a eletrosfera da água altera a energia

livre. Se considerarmos a energia livre da água pura (0 Joule) como referência, o

potencial hídrico pode ser alterado para valores menores que a referência, ou seja,

menores que zero (valores negativos). Quando a energia livre da água é alterada,

ocorrem mudanças na capacidade da água de realizar trabalho, seja um trabalho na

forma de solvatação (envolvendo fisicamente os solutos), na forma de energia cinética

(fluxo em massa de água dentro de um condutor) ou na forma de capacidade de adesão à

uma superfície (molhando uma superfície).

Outro fator que altera de forma significativa a energia livre da água é a gravidade,

principalmente quando a água forma uma coluna contínua e na vertical (perpendicular à

superfície do solo). Devido à força gravitacional, a pressão que a água exerce sobre ela

mesma depende da altura da coluna contínua de água. A pressão hidráulica é maior na

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base da coluna. Com essa alteração devido à gravidade, o potencial hídrico é alterado ao

longo de uma coluna íntegra de água. Por exemplo, a cada 10 m de altura de uma coluna

de água a pressão aumenta 0,1 MPa na base dessa coluna. No, entanto, se a força

gravitacional for alterada é claro que a pressão na base da coluna de água será também

alterada. Por exemplo, próximo ao equador terrestre a influência da força da gravidade é

menor.

A energia livre da água alterada por solutos, superfícies molháveis, pressão, tensão

ou força gravitacional é calculada de forma separada, mas não excludente. Por exemplo,

em uma altura da coluna de água a adição de uma superfície molhável ou de um soluto

irá alterar imediatamente a energia livre da água nessa altura, mas sem interferir na

pressão na base dessa mesma coluna. Portanto, soluto, superfície e pressão são

considerados em separado para se obter a energia livre da água (o potencial hídrico). Da

mesma forma, quando é exercida uma pressão a ação da água sobre os solutos ou sobre

as superfícies não é alterada de forma significativa. Portanto, é possível obter o potencial

hídrico por meio da soma das diferentes interferências sobre a energia livre de um volume

de água.

A letra grega psi maiúscula (Ψ) do potencial hídrico também é usada para

representar cada um dos fatores (pressão, presença de superfícies molháveis, força

gravitacional) que podem alterar a energia livre da água de forma simultânea. Para indicar

cada um desses fatores é utilizada uma letra acompanhante à direta de Ψ. A energia livre

alterada por pressão é grafada como Ψp, pela gravidade Ψg, e alterada por superfície

Ψm. Essa última não tem correspondência com a palavra superfície, pois o potencial

hídrico alterado por superfície molhável é denominado de “potencial matricial”, Ψm. A

energia livre da água alterada por solutos é grafada colocando a letra pi minúscula (π) ao

lado de Ψ resultando em Ψπ, o potencial osmótico. Nesse caso π é utilizado para indicar

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que no potencial osmótico (Ψπ) há uma relação entre temperatura absoluta e

concentração de solutos considerados simultaneamente e que determinam o valor de Ψπ.

Portanto, o potencial hídrico da água (Ψ) é determinado pela somatória de Ψp, Ψg,

Ψm e Ψπ, pois esses componentes de Ψ não se excluem e são independentes:

Ψ = Ψp + Ψg + Ψm + Ψπ (III)

Onde:

Ψ = potencial hídrico

Ψp = potencial de pressão

Ψg = potencial gravitacional

Ψm = potencial matricial

Ψπ = potencial osmótico

Na figura 1 estão representados os fatores que condicionam a energia livre da

água nas relações hídricas das plantas. Note que a água pode estar livre da atuação de

um deles, ou em uma situação onde praticamente todos (soluto, superfície, pressão) são

importantes, pois atuam simultaneamente para determinar a energia livre da água (o

potencial hídrico).

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-

Alteração da energia livre da

água por superfície, gravidade, soluto,

temperatura, pressão e tensão

0 MPa

AUMENTO DA PRESSÃO

Exemplo: entrada de água com o correspondente

aumento de volume da célula e da

pressão de parede

ADIÇÃO DE SOLUTO

Exemplo: adição de solutos como

óxidos, sais, proteínas, amido

INFLUÊNCIA DA TEMPERATURA

Exemplo:

exposição da planta ou calor

AUMENTO DA TENSÃO

Exemplo: tensão da coluna de

água no xilema devido à sucção

da copa.

- - -

+ +

INFLUÊNCIA DA TEMPERATURA

Exemplo: exposição da planta ao frio

+

ADIÇÃO DE SUPERFÍCIE MOLHÁVEL

Exemplo: contato da água com solo, parede celular,

papel, vidro

- INFLUÊNCIA DA

GRAVIDADE

Exemplo: diminuição da latitude e

correspondente diminuição da pressão na base de uma coluna

de água

INFLUÊNCIA DA GRAVIDADE

Exemplo: aumento da

latitude e correspondente

aumento da pressão na base de uma coluna

de água

Água pura sob tem-peratura e pressão constante

Figura 1 - A linha horizontal representa a referência da energia livre da água (0,0 MPa). Nessa condição a água está livre de solutos e de superfícies molháveis, sob constante pressão, temperatura e gravidade. As setas indicam o aumento (+) ou decréscimo (-) da energia livre da água alterada pela adição de superfície, soluto, mudança de temperatura, pressão ou latitude. A energia livre da água em uma determinada situação é condicionada por todos esses eventos que podem ser simultâneos.

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Alteração do potencial hídrico por solutos, tempera tura, pressão, tensão, superfície e gravidade

Alteração por superfícies molháveis

O potencial hídrico diminui quando a água entra em contato com superfícies

carregadas ou polarizadas, como as superfícies de papel, madeira, tijolo, concreto, amido,

gelatina e as superfícies das partículas do solo. Esses materiais apresentam superfícies

molháveis, pois são materiais que apresentam pólos ou cargas em suas superfícies.

Adicionalmente, esses materiais podem apresentar uma grande área de contato com a

água no seu interior devido à porosidade de seu volume, resultando em pequenos canais

denominados de capilares. Alguns materiais molháveis como o amido e a gelatina não

apresentam necessariamente poros, mas a água penetra em seus volumes molhando

primeiro a parte mais externa e depois o interior. Os volumes capazes de aderir grande

quantidade de água no seu interior são denominados de matrizes.

A água adere imediatamente no exterior e penetra em direção ao interior da matriz

formando uma franja (ou frente) de molhamento. Se a matriz for sólida e apresentar

capilares finos (solo, tijolo, papel) a frente de molhamento se locomove rapidamente por

esses capilares em direção ao interior da matriz. Se a matriz for semi-sólida e sem

capilares (gelatina, massa de amido) a frente de molhamento se locomove mais

lentamente em direção ao interior da matriz molhando molécula por molécula ou

sucessivos aglomerados de moléculas.

A diminuição da energia livre da água por matrizes é grafada como Ψm. A água

aderida às superfícies apresenta movimentos de vibração, rotação e posição mais

limitados, o que diminui sua capacidade de realizar trabalho químico. Portanto, a água

aderida às superfícies molháveis apresenta energia livre menor em relação à mesma

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água fora da matriz (livre das superfícies de adesão). Dessa forma, a ação das matrizes

diminui a energia livre da água por meio de suas superfícies molháveis.

A origem da força capilar é a capacidade de adesão da água nas superfícies

internas do capilar. Por exemplo, isso ocorre nos capilares do solo formados pelo espaço

entre as partículas de argila, silte e areia, nos capilares da parede celular formados pelo

espaço entre as fibras de celulose, ou em um capilar formado por um fino tubo de vidro. A

água adere nas superfícies internas secas diminuindo a energia livre e se deslocando em

direção à região que ainda não foi molhada no interior do capilar. O volume de água no

centro do capilar que não tem contato com a superfície molhável apresenta uma energia

livre maior e se desloca em direção à região de menor energia livre (próxima à superfície

interna do capilar) movimentando o volume de água dentro do capilar em direção às

superfícies ainda secas. Esse movimento resulta em um fluxo em massa de água dentro

do capilar que pode ser contra a força gravitacional elevando a coluna de água.

Matrizes competem por água. É o caso da matriz orgânica como a parede celular

(denominada também de matriz extracelular) e de uma matriz inorgânica (partículas de

argila, silte e areia no solo). Essas duas matrizes em contato com uma solução competem

pela água. A água tende a entrar na parede celular, pois o diâmetro dos capilares da

parede celular é menor que dos capilares formados entre as partículas do solo. Ou seja, a

força capilar é maior na parede celular que no solo e a água tende a sair do solo e entrar

(embeber) a parede celular. Esse é o início da absorção de água por um pêlo radicular.

Alteração pela gravidade

O efeito da gravidade condiciona o movimento da massa de água para baixo, em

direção ao centro da Terra em um fluxo em massa. A coluna de água, portanto, tende

sempre a descer, a menos que uma força oposta de igual intensidade anule a força

gravitacional. É possível isso ocorrer na planta! Devido à força de sucção da copa a

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coluna de água dentro do xilema é elevada a até dezenas de metros em sentido contrário

à força da gravidade.

Na superfície próxima ao equador a influência da força gravitacional terrestre é

menor sobre a energia livre da água. Na superfície próxima aos pólos ocorre o contrário.

Quando a Terra completa a mesma volta em torno de seu eixo uma referência fixa na

superfície próxima ao pólo gira em menor velocidade que uma referência fixa na

superfície próxima ao equador. Ou seja, a velocidade de um ponto fixo no equador é

maior que nos pólos enquanto a Terra gira, pois nosso planeta tem a forma próxima de

uma esfera. Dessa forma, em um mesmo giro a distância circular percorrida pela

referência no equador é sempre maior em relação à distância circular percorrida pela

referência no pólo. Distância maior percorrida no mesmo tempo (um giro, 24 horas) só é

possível se a velocidade do ponto no equador for maior.

Uma conseqüência dessa maior velocidade é que na região do equador os objetos

tendem a ser arremessados para o espaço mais facilmente que nos pólos. Portanto, os

foguetes são lançados o mais próximo possível do equador e não dos pólos. Partindo das

estações de lançamento próximas ao equador os foguetes economizam combustível e

aumentam a eficiência em relação à carga útil a ser lançada. Portanto, uma coluna de

água na região do equador apresenta uma pressão em sua base um pouco menor que a

mesma coluna de água colocada no pólo, pois no equador a coluna de água tende a ser

lançada para fora da Terra mais fortemente, aliviando um pouco o peso em sua base.

Assim, no equador a pressão (componente positivo do potencial hídrico) é sempre menor

em relação ao pólo na mesma altura da coluna de água.

Portanto, o potencial hídrico de um mesmo volume de água apresenta valor menos

positivo no equador. No entanto, o potencial gravitacional (Ψg) dificilmente é considerado

em separado em fisiologia vegetal, pois tratamos as relações hídricas de uma célula,

órgão, tecido, indivíduo ou mesmo de uma população de plantas sempre na mesma

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latitude ou em latitudes próximas. No caso de plantas, principalmente árvores altas, a

gravidade atua alterando a pressão nas diferentes alturas da coluna de água. Nesse caso,

a pressão devido à gravidade deve ser considerada. Para fins de fisiologia vegetal, a cada

10 m a pressão em uma coluna de água aumenta em uma atmosfera, cerca de 0,1 MPa.

Ou seja, para manter parada a coluna de água na vertical sem que a massa de água

desça, é necessário aplicar uma força de 0,1 MPa a cada 10 metros de altura nessa

coluna dentro do xilema da planta. Essa força é exercida pela folhagem da copa e

denominada de sucção da copa.

Alteração por solutos e temperatura

O componente que influencia a energia livre da água por meio de solutos e da

temperatura é denominado potencial osmótico (Ψπ). Muitos sólidos podem ser solvatados

por água, ou seja, totalmente envolvidos por uma camada de moléculas de água que isola

cada uma das partículas do sólido na solução, formando uma capa de solvatação

envolvendo o sólido solúvel. Não é o caso de óleos, gorduras e de alguns sólidos (metais)

que praticamente não apresentam pólos ou cargas em suas superfícies. No processo de

solvatação do soluto a energia livre da água é alterada.

A água interage por meio de pólos ou cargas do soluto. Nessa interação a água

diminui a energia cinética molecular, pois está conectada eletronicamente ao soluto.

Nessa situação, são limitados os movimentos de vibração, rotação e mudança de posição

das moléculas de água. Portanto, potencialmente, a energia química da água é menor

nessa situação. A adição de solutos em um volume determinado de água (aumento da

concentração do soluto) diminui a energia livre, ou seja, diminui o potencial hídrico. Onde

não há soluto dissolvido como na água pura o valor de (Ψπ é zero (Figura 1). Ao

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adicionarmos um soluto à água pura o potencial hídrico diminui, tornando-se negativo

(Ψ<0,0 MPa, Figura 1).

Por outro lado, se aumentarmos a temperatura da solução, as moléculas de água

aumentam sua vibração, rotação e freqüência de mudança de posição. Portanto, há um

aumento da energia cinética das moléculas de água. Nesse caso a energia livre também

diminui, pois parte do trabalho químico possível de ser realizado já ocorreu com a maior

vibração, rotação e freqüência de mudança de posição. Dessa forma, com o aumento da

temperatura, a energia potencial da água é reduzida (Figura 1).

O potencial osmótico (Ψπ) considera simultaneamente o efeito da temperatura e da

concentração de solutos sobre a energia livre da água em uma solução, em componentes

diferentes em uma mesma fórmula. A concentração é expressa em molal para o soluto e

a temperatura em Kelvin para a solução (solvente e soluto). O número de moles de um

soluto por kg de solvente (molalidade) é a melhor forma de expressar a concentração

quando tratamos da energia livre da água em solução.

Por meio da molalidade é possível obter a osmolalidade, que considera o número

de moles de partículas osmoticamente ativas por kg de solvente, expressa em osmol. A

osmolalidade é diretamente proporcional às propriedades coligativas das soluções, como

a pressão osmótica, a elevação do ponto de ebulição, de congelamento e a depressão da

pressão de vapor após adição de partículas osmoticamente ativas. Dessa forma é

importante não só o número de moles do soluto na solução, mas o número de partículas

osmoticamente ativas que cada molécula do soluto originou após a solvatação. Por

exemplo, um mol de NaCl adicionado a um kg de água origina cerca de 1,8 moles de

partículas osmoticamente ativas (Na+ e Cl-) sob 25°C. Poderia originar 2 moles de

partículas osmoticamente ativas, mas o que ocorre não é a dissociação total de NaCl

nessas condições:

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8,1][

][][ =+ −+

NaCl

ClNa (IV)

Cada soluto apresenta uma interação com a água, originando um número de partículas

osmoticamente ativas. Por exemplo, a sacarose (C12H22O11) não tem cargas como o

cloreto de sódio (NaCl) e também não se dissocia na água originando outras partículas

osmoticamente ativas. Para cada mol de sacarose em solução aquosa existe o mesmo

número (um mol) de partículas osmoticamente ativas. Como conseqüência cada soluto

apresenta uma constante de dissociação, originando um número determinado de

partículas osmoticamente ativas em solução aquosa. Portanto, em conjunto com a

temperatura e a concentração, a constante de dissociação também deve ser considerada

para o cálculo do efeito de solutos sobre a energia livre da água. A constante de

dissociação (i) apresenta unidades. Essa constante, na verdade, é dependente da

temperatura e da concentração do soluto, mas não da pressão sobre uma solução. Em

fisiologia vegetal o valor de i é geralmente tratado como independente do número de

moles do soluto e da temperatura da solução. Cada soluto apresenta um valor de

constante de dissociação. A constante de dissociação pode ser definida como a relação

entre o número de partículas do soluto originado da sua dissociação e o número inicial de

moléculas do soluto (fórmula IV). Alterações nos valores de i geralmente não são

considerados em fisiologia vegetal, mas podem ser ocasionadas por: a) soluções com

elevada concentração, b) alterações imprevistas das forças intermoleculares na solução,

c) reações soluto-solvente, d) formação de moléculas complexas na solução após a

adição do soluto.

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A concentração, a temperatura e a constante de dissociação de um soluto são

considerados como componentes que determinam Ψπ em uma solução, por meio da

equação de van't Hoff:

ΨΨΨΨπ = - i C R T (V)

em que:

R = constante de proporcionalidade (0,00831 kg MPa mol–1 K-1)

T = temperatura absoluta (em K)

C = concentração do soluto na solução, em molal, ou seja, moles de soluto por kg do

solvente (mol kg-1)

i = constante de dissociação.

Alteração por pressão e tensão

A pressão hidrostática de uma solução é grafada como Ψp. O efeito da pressão

aumenta a energia livre da água (Figura 1). Por exemplo, quando há entrada de água na

célula ocorre o correspondente aumento de volume, pois não é possível comprimir água.

Esse aumento de volume empurra a parede celular. Por reação mecânica, a parede

empurra o protoplasto com força em sentido contrário, pressionando o protoplasto em

direção ao interior celular. Essa pressão aumenta a energia livre da água. Um exemplo

macroscópico é a pressão de um embolo em uma seringa. Se o embolo é pressionado

empurrando a água dentro da seringa a tendência é a água do interior da seringa sair,

pois com o aumento da energia livre dentro da seringa a água caminha para a região de

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menor pressão (fora da seringa) onde apresentará menor energia livre sem a pressão do

embolo.

Outro exemplo é a pressão que a coluna de água exerce sobre o seu próprio

volume quando a água é posicionada em uma coluna na vertical. A cada 10 metros ocorre

uma pressão equivalente a uma atmosfera (cerca de 0,1 MPa, 760 mm Hg, ou 1,0 bar)

sobre a coluna de água. Essa pressão existente na coluna de água é conseqüência da

força da gravidade sobre a massa de água posicionada na vertical (ver item anterior).

Uma árvore com 30 m de altura mantém a coluna de água sem movimentação e na

vertical dentro do xilema exercendo uma força contrária à força gravitacional por meio da

sucção da copa. Essa força contrária à pressão é denominada de tensão ou força de

sucção.

Sucção é uma força oposta à pressão e diminui a energia livre da água. Assim,

pressão e tensão assumem valores opostos (+ e -, respectivamente) na alteração da

energia livre da água. A copa deve exercer sobre a coluna de água uma intensa sucção

não só para manter essa coluna parada na vertical, mas também para movimentá-la em

direção às folhas. Dentro do xilema, a coluna de água está em constante tensão, em

movimento em direção à copa, e com valores negativos de energia livre (Figura 1).

Síntese

A água líquida é o meio e o veículo essencial para o metabolismo vegetal. A água é

reativa e realiza trabalho químico e cinético. Esse trabalho pode ser potencialmente

alterado por meio de solutos, superfícies, pressão, sucção, gravidade e temperatura. A

solvatação de solutos e a adesão da água em superfícies ocorrem devido à interação de

pólos ou cargas desses sólidos com os pólos positivo e negativo da água. A pressão

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sobre a água aumenta o valor do potencial hídrico devido ao movimento cinético potencial

que proporciona, ou seja, um fluxo em massa potencial. Por outro lado, a sucção

ocasiona uma tensão no volume, no sentido contrário da pressão e diminui, assim, a

energia livre da água. A variação da força gravitacional não é considerada significativa

nos problemas de fisiologia vegetal, pois tecidos, indivíduos e populações de plantas são

analisados geralmente em uma mesma latitude na Terra, sem a variação da força

gravitacional. A influência da temperatura sobre o potencial hídrico é tratada de maneira

conjunta com a concentração de solutos por meio da lei de van´t Hoff. O aumento da

temperatura causa maior vibração, rotação e mudança de posição das moléculas de água

diminuindo o potencial de realização de trabalho, pois uma parte desse trabalho já foi

executado por meio da maior cinética molecular imposta pelo aumento da temperatura. As

variáveis como temperatura, pressão, gravidade, superfícies de adesão e concentração

de solutos são independentes, mas não são excludentes na determinação do potencial

hídrico.