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    A DISPUTA PELOS RECURSOS NATURAIS

    Um gosto amargo de dja vu: desenvolvimento e os ndios

    O Brasil mudou muito nos ltimos setenta anos, mas ainda pede e merece uma mudana de mentalidade a respeito do

    significado do termo desenvolvimento, sob o risco de produzir, pelo esgotamento de seus recursos naturais, o extermnio

    fsico das populaes indgenas em um futuro no mais to distante

    por Artionka Capiberibe e Oiara Bonilla

    (Indgena, grvida de cinco meses, segura seu filho durante conflito com a polcia no Amazonas)

    Se um dia os povos indgenas que habitavam as terras que hoje conformam o Brasil viveram livres em suaextenso, hoje tm de ocupar territrios delimitados sob a figura jurdica de Terra Indgena (TI), a qual deveriagarantir condies adequadas sobrevivncia e manuteno de suas formas de sociedade e cultura. Entretanto, soinmeros os entraves ao pleno usufruto das terras j demarcadas e homologadas, e maiores ainda aqueles dirigidosa novas reivindicaes territoriais.

    Os problemas enfrentados pelas populaes indgenas no so novos, alis, existem desde o sculo XVI, quandoda invaso europeia e ocupao geopoltica do territrio, movidas por projetos econmicos alheios s necessidadese vontades de seus habitantes originais. Mas, se algo mudou, foi a dimenso desses problemas, fato que se deve

    ao modelo poltico-econmico que vem governando o Brasil h tempos e privilegiando e incentivando a voracidadedo capital, sem medir as consequncias socioambientais nefastas desse sistema.

    A fragilizao da legislao ambiental e o ataque s Terras Indgenas

    Pode-se dizer que o ano de 2012 ficar marcado como o de maior retrocesso para a questo indgena e ambiental nopas. Neste ano, a chamada bancada parlamentar ruralista, ligada principalmente aos interesses do agronegcio,agiu de maneira sistemtica e articulada para a aprovao de mudanas na legislao que incide sobre terras, asquais s favorecem o desmatamento e a degradao ambiental.

    De um lado, chegou-se reta final com o projeto de lei do Novo Cdigo Florestal (PL n. 1.876/1999), relatado pelodeputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que, entre outras modificaes, prope mudar os limites e usos aplicados a

    reas de Preservao Permanente (APPs) e de Reserva Legal. A nica esperana de barrar essas mudanas seriao veto integral da presidente Dilma Rousseff ao projeto, dando ouvidos forte campanha movida em sites, blogs eredes sociais, que ganhou as ruas do pas em junho deste ano. No entanto, a presidente limitou-se a vetar apenasos aspectos mais aberrantes, editando, no dia 28 de maio de 2012, a Lei n. 12.651 por medida provisria, recheadade brechas legais e com potencial de dano ao meio ambiente superior lei anterior, 2o que deixou insatisfeitosruralistas e ambientalistas. Neste momento, uma coalizo de cerca de duzentas organizaes sociais estuda entrar

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    com uma Ao Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a nova lei, buscando, com isso, restituir a antiga.

    De outro lado, a bancada ruralista iniciou a tramitao do Projeto de Emenda Constitucional (PEC n. 215/2000)quetransfere para o Congresso a aprovao da demarcao de Terras Indgenas, Quilombolas (PEC n. 161/2007,apensada PEC n. 215) e de Unidades de Conservao ambiental (PEC n. 291/2008, apensada PEC n. 161),assim como a ratificao das demarcaes j homologadas. Demarcar e homologar so funes exercidas pelapresidncia por meio do Ministrio da Justia, mecanismo que at hoje vem garantindo aos povos indgenas asterras requeridas. A PEC n. 215 visa declaradamente inviabilizar os processos de demarcao, estendendo a aodo lobbyque a sustenta e que hoje j consegue, agindo sobre a Unio, fazer que alguns processos levem anos para

    ser definidos.

    Esse o caso da TI Raposa Serra do Sol,3rea que abriga cerca de 20 mil ndios de diferentes etnias e que, pelosobstculos impostos por garimpeiros, criadores de gado e, nos ltimos anos, por rizicultores, levou mais de trsdcadas para ter seu processo concludo. O embate s se encerrou parcialmente em 2009, depois da morte dediversas pessoas, na maioria ndios, e de extensa batalha judicial travada no Supremo Tribunal Federal (STF). Masno sem danos, pois o STF, para garantir a demarcao contnua do territrio, imps dezenove condicionantes,muitas delas representando perdas de direitos.4

    Tais condicionantes foram incorporadas recentemente na edio da Portaria n. 303 pela Advocacia Geral da Unio(AGU), que legaliza a reviso das demarcaes em curso (e j concludas) para as que no se adequarem ao que foidecidido para a TI Raposa Serra do Sol. A portaria tambm pretende legalizar a ocupao de Terras Indgenas por

    postos militares, estradas, empreendimentos hidreltricos e minerais, sem consulta s comunidades atingidas. Paraalm do fato de o contedo dessa portaria ser uma afronta aos direitos indgenas garantidos pela Constituio e porinstrumentos internacionais (como a Conveno 169 da Organizao Internacional do Trabalho, que lei no Brasil),ressalte-se que a deciso da Suprema Corte no transitou em julgado, ou seja, ainda passvel de modificao, oque torna essa portaria ilegal.

    Vale ainda dizer que a TI Raposa Serra do Sol foi contestada graas a uma brecha na legislao aberta pelo Decreton. 1.775/1996, assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O decreto estabeleceu a regulamentaoadministrativa dos processos de demarcao, incluindo a possibilidade do contraditrio e, com isso, permitindo acontestao de terras j demarcadas por qualquer pessoa que se sinta atingida.

    Essas fragilizaes dos direitos fundamentais so patentes no dia a dia das populaes amerndias, no

    enfrentamento de dificuldades de diferentes ordens. Um exemplo a criao ilegal de gado dentro da TI Xavante deMaraiwatsede, no estado de Mato Grosso, financiada por frigorficos e fbricas de calados multinacionais. 5Apresena de posseiros ainda no indenizados pelo Estado para desocupar as Terras Indgenas outro grandeproblema, pois eles disputam os recursos naturais e ainda criam um clima de ameaa e violncia contra oshabitantes legais esse o caso observado entre os Paumari da TI do Lago Marah, localizada no Purus, oeste doestado do Amazonas.

    Se for possvel escolher uma situao mais grave diante das enormes dificuldades enfrentadas pelos povosindgenas em relao s suas terras, seria certamente a das populaes que habitam espaos onde se instalaramos grandes centros urbanos do pas. So emblemticos os obstculos vividos pelos Tupinamb de Olivena, povohistoricamente pertencente grande famlia Tupi que habitava a costa brasileira nos primeiros anos da colonizao.Em 2009, eles obtiveram do Estado a identificao e o reconhecimento como territrio tradicional de uma rea de

    47.376 hectares, na qual haviam sido aldeados como ndios livres pelos jesutas no sculo XVII.6

    Contudo, essaminscula faixa de territrio, ainda no demarcada, sofre contestao dos fazendeiros locais, os quais tmconseguido a expulso dos ndios por meio de liminares. Nesse contexto, o Ministrio Pblico Federal em Ilhusentrou com uma ao reparatria pedindo R$ 1 milho para indenizar os Tupinamb. 7

    Mas, se h uma histria que se tornou smbolo do sofrimento imposto s populaes indgenas pela perda de seusterritrios, essa a dos Guarani-Kaiow. A realidade vivida por eles beira o genocdio, explicitado em uma recentedeclarao pblica feita pelos Guarani-Kaiow de Pyelito Kue, quando da desapropriao de suas terras autorizadapela Justia Federal de Navirai (MS). Nessa declarao, eles se dispem a morrer coletivamente em suas terrasantes de serem removidos.

    A histria comeou no incio dos anos 1920, com a f rente de expanso agropastoril que se dirigiu ao oeste do estado

    do Paran, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, intensificando-se na dcada de 1960. A ocupao fazendeira relegouas populaes indgenas a pequenas extenses de terra.8 Sem poder prover sua economia diretamente do meioambiente, os Guarani-Kaiow tm ainda sua mo de obra explorada pela agroindstria que os espoliou. 9

    Para confirmar com dados objetivos aquilo que se percebe nos depoimentos dos Guarani-Kaiow, basta saber que,de 2003 a 2010, foram assassinadas em Mato Grosso do Sul 247 pessoas, de um total de 452 assassinatos de

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    indgenas no pas (dados do Conselho Indigenista Missionrio Cimi), ou seja, esse o estado que possui odesonroso ttulo de maior matador de ndios do pas.

    Desmatamento e colonizao

    Uma das prioridades do Programa de Acelerao do Crescimento (PAC), estabelecido pelo governo Lula e levadoadiante com vigor pela gesto Dilma Rousseff, consiste em reforar a estrutura viria do pas. Assim como para asbarragens e usinas hidreltricas, o PAC virio foi anunciado antes mesmo que qualquer estudo de impacto fosserealizado, ligando-se a antigas e antiquadas promessas da poca do regime militar e se antecipando s expectativas

    das populaes, sem considerar os riscos ecolgicos e sociais em jogo.10

    A maior parte do desmatamento na Amaznia estava, at o presente, confinada ao que se denomina arco dodesmatamento (que circunda a fronteira dos estados amaznicos pelo sul). Com a retomada dos projetos deconstruo e de consolidao de estradas, tais como as controversas BR-319 (Porto Velho-Manaus) e BR-163(Santarm-Cuiab), o risco principal ver o desmatamento recortar a Amaznia pelo interior, 11 abrindo acesso para ofluxo migratrio que se deslocar do arco do desmatamento em direo s zonas de floresta, ainda intactas oque, na prtica, vem se traduzindo por um aumento do trfico de animais, de drogas, de madeira, de minrios, daprostituio e do desmatamento destinado a abrir clareiras para a criao de gado, num primeiro momento, e para acultura da soja, em seguida.

    Desde o comeo do governo Dilma (2011), o Estado (tanto Executivo como Legislativo) vem colocandoprogressivamente em questo as conquistas dos ltimos anos em matria de proteo ambiental e da proteo dasTerras Indgenas, a exemplo da Medida Provisria n. 558/2010, editada pelo Poder Executivo para alterao delimites de reas protegidas, todas na Amaznia. A situao atual , portanto, o prolongamento lgico e crtico deuma histria ainda e sempre fundada na colonizao agrria do pas. Uma histria baseada na rentabilidade aqualquer custo e na ambivalncia se no complacncia dos poderes pblicos (cujos membros esto muitofrequentemente implicados no empreendimento da colonizao), sobretudo do Legislativo, em relao garantia dedireitos fundamentais terra e vida de que deveriam gozar as populaes tradicionais do pas. Resta perguntarsobre a consistncia do modelo de prosperidade brasileiro, tal como ele atualmente veiculado pelo Estado e seusrepresentantes, que esquece que uma sociedade rica no pode se resumir a uma sociedade economicamenteprspera.

    Belo Monte e a multiplicao das usinas hidreltricas na Amaznia

    O PAC ressuscitou um projeto antigo e polmico, que se mostrou ainda mais controverso a partir da publicao domais recente Estudo de Impacto Ambiental (EIA), em 2009, e da concesso da licena pelo Instituto Brasileiro doMeio Ambiente (Ibama), em 2010. A usina de Belo Monte o canteiro de obras mais importante do PAC e, adespeito do combate mobilizado pelas organizaes sociais, teve seus trabalhos iniciados em 2011.

    Construda numa regio conhecida como a Volta Grande do Rio Xingu, Belo Monte est situada numa reaestratgica cercada de Reservas (Resex), Florestas Nacionais (Flonas) e Terras Indgenas (no total, dez TIs sooficialmente atingidas, afetando diversas comunidades: Kayap, Arawet, Arara, Kisdje, Juruna, entre outras).12

    Belo Monte a prova cabal de que no h ao de desenvolvimento que no seja motivada por fatores econmicosprivados. A 15 quilmetros da construo da usina, a mineradora Belo Sun Mining instalou o maior projeto deminerao de ouro do Brasil, o Volta Grande. No Relatrio de Impacto Ambiental (Rima) desse projeto, chama

    ateno a perspectiva de uso da energia eltrica produzida por Belo Monte. Esse fato corrobora as acusaes deque a usina, que funcionar a pleno vapor somente quatro meses por ano por causa do funcionamento hidrolgico doRio Xingu, serviria antes s indstrias que populao, mais exatamente, s chamadas indstriaseletrointensivas.13No Rima v-se ainda que a explorao mineral da Belo Sun Mining vai afetar diretamente pelomenos duas TIs: Paquiamba e Arara da Volta Grande.

    A usina de Belo Monte apenas a mais visvel de uma srie de dezoito usinas projetadas nas bacias dos riosAraguaia e Tocantins. H ainda um conjunto de projetos hidreltricos no Rio Tapajs e duas outras usinas, SantoAntnio e J irau, que fazem parte do complexo hidreltrico do Rio Madeira e esto sendo construdas nasproximidades de Porto Velho (Rondnia). Essas duas hidreltricas no vm sem provocar inmeros problemas,vejam-se as inundaes e desmoronamentos recentes em um quarteiro de Porto Velho (Bairro do Tringulo) almdisso, assim como Belo Monte, atingem terras e guas dos chamados grupos indgenas isolados,14ou seja,daqueles que recusam qualquer contato com os no ndios e mantm seu isolamento na floresta.

    Outro problema importante em jogo o processo de consulta das populaes afetadas, sejam elas tradicionais(ndios, quilombolas ou seringueiros) ou ribeirinhas, que vivem no entorno de grandes projetos. Esses processos deconsulta so juridicamente vagos e extremamente controversos.15

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    Por fim, alm dos impactos ecolgicos diretos aos quais as populaes j se encontram sujeitas, precisoconsiderar inmeros outros problemas que vm piorar a situao: prostituio, estupros, alcoolismo, drogas,crescimento brutal da populao urbana, criminalidade etc. 16

    Minerao em Terras Indgenas

    O pargrafo 3 do artigo 231 da Constituio brasileira estabelece que o Congresso, aps ouvir as populaesafetadas, quem deve permitir ou no a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em Terras Indgenas e aexplorao de seus recursos hdricos e de seu potencial energtico, e que deve ser assegurada s populaes

    indgenas a participao nos resultados da lavra autorizada. Isso inviabiliza a atividade de garimpagem por terceirosem reas indgenas. Na tentativa de legalizar essa explorao, em 1996, o senador Romero Juc (PMDB/RR)apresentou o Projeto de Lei n. 1.610/1996. Esse projeto vinha sendo barrado por organizaes indgenas eindigenistas, mas, este ano, foi retomado e, no momento, as populaes indgenas vm participando das AudinciasPblicas convocadas para seu estudo, reivindicando o poder de vetar a minerao em suas terras.17Para asorganizaes indgenas, a legislao fundamental a ser votada seria a do novo Estatuto do ndio (PL n. 2.057/1991),que trata do respeito e proteo aos modos de vida e bens indgenas. No estatuto, o tema da explorao mineralbusca resguardar o direito indgena.

    Enquanto esses projetos tramitam, as empresas mineradoras utilizam subterfgios para entrar nas Terras Indgenas.Em 2011, a mineradora Cosigo Resources Ltda. estabeleceu um acordo esprio com a Secretaria dos PovosIndgenas do Estado do Amazonas (Seind) para realizar um inventrio das potencialidades de minerao nas terras

    indgenas do estado. Esse acordo foi repudiado pela Coordenao das Organizaes Indgenas da AmazniaBrasileira (Coiab) com base em sua inconstitucionalidade, o que freou a negociao. 18

    No entanto, quando se trata da explorao garimpeira, o impedimento de direito no se traduz num impedimento defato. A realidade que esta vem acontecendo sem qualquer controle do Estado e das comunidades afetadas. Desdemeados do sculo XX, a corrida do ouro vem aumentando exponencialmente na Amaznia. O caso Yanomami umexemplo. Nos anos 1980, milhares de garimpeiros invadiram suas terras, localizadas na fronteira Brasil-Venezuela,deixando um rastro de mortes e destruio. Com a homologao da TI Yanomami, em 1992, ouve um refluxo nainvaso. Entretanto, em 2010, a alta do preo do ouro provocou uma nova acorrida em massa de garimpeiros, fatodenunciado sobretudo pelo lder Yanomami Davi Kopenawa.19

    O garimpo ilegal, pela prtica da explorao de aluvio, interfere de modo radical nos leitos dos rios, afetando a

    fauna e a flora. Alm disso, o uso do azougue no processo de amlgama e queima para a separao do ouro jogatoneladas de mercrio no ar, no subsolo e nos rios. Outro fator de poluio provm dos combustveis utilizados nosmotores dos barcos e balsas. Essa qumica txica no poderia deixar de afetar a sade das pessoas da regio.

    Ademais, h os efeitos da prpria presena dos garimpeiros: os dados mais recentes de prejuzo sade vm dapropagao da malria contrada por estes nas matas da regio.

    A violncia fsica tambm faz parte da relao dos ndios com os garimpeiros. Em 1999, com a descoberta de umaenorme jazida de diamantes na TI Roosevelt, os Cinta-Larga passaram a viver a intensificao da invasogarimpeira, acompanhada por uma sucesso de conflitos armados. Com a explorao de minrio veio a extraoilegal de madeiras de lei, denunciadas em 2001. Essas denncias resultaram no assassinato do lder indgenaCarlito Cinta-Larga. Tempos depois, outra liderana, Csar Cinta-Larga, foi assassinada por afogamento seu corpofoi encontrado com uma das mos decepada, indicando que havia sofrido tortura. Em abril de 2004, os Cinta-Larga

    reagiram onda de violncia recorrente matando 29 garimpeiros. A retaliao veio com a tortura e o estupro empraa pblica de um professor Cinta-Larga. At hoje, persiste a questo do garimpo ilegal e as violncias por eleperpetradas entre os Cinta-Larga.20

    Contudo, a culpa do processo exploratrio nas Terras Indgenas brasileiras no pode ser atribuda exclusivamenteaos agentes diretamente envolvidos nele. bom lembrar que, assim como a extrao de madeiras nobres da

    Amaznia s se d pela demanda de centros econmicos fortes localizados no Brasil e no exterior (Europa,Estados Unidos e sia) , a explorao ilegal do ouro ocorre porque h um mercado de consumo mundial. esseouro extrado por meio de trabalho degradante e cuja explorao extremamente danosa ao meio ambiente quealimenta o luxuoso comrcio de joias mundo afora.21

    Por fim, ainda no campo das riquezas naturais, mais recentemente se descobriu que h petrleo e gs natural no

    Vale do Juru, cuja explorao pode render R$ 500 milhes a mais de receita para o estado do Acre. Formulandouma interpretao um tanto particular de desenvolvimento sustentvel, o governador acriano sustenta a seguintetese: Imaginem [...] que metade disso [dos R$ 500 milhes] venha a ser convertida em investimentossocioambientais para as populaes que vivem na floresta para fortalecer a qualidade de vida, as atividadessustentveis e os potenciais que a floresta amaznica tem a nos dar com sua biodiversidade [...]. Isso podesignificar uma veloz converso de qualidade de vida e fortalecimento da atividade sustentvel do estado. 22O

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    governador parece esquecer que, afora o impacto no meio ambiente resultante da forma de prospeco dessesminerais, um projeto dessa monta abrir uma frente de expanso econmica para a regio e criar novasnecessidades para as populaes locais, ou seja, dependncia. Como dj vu.

    As populaes impactadas por esse projeto que, seguindo a praxe desse tipo de polt ica, no foram ouvidasalertam para suas consequncias na Carta Declaratria sobre a Prospeco e Explorao de Petrleo e Gs noJuru, produzida por representantes de nove povos, doze TIs e quatro associaes indgenas. 23

    O Brasil mudou muito nos ltimos setenta anos, mas ainda pede e merece uma mudana de mentalidade a respeito

    do significado do termo desenvolvimento, sob o risco de produzir, pelo esgotamento de seus recursos naturais, oextermnio fsico das populaes indgenas em um futuro no mais to distante.

    Artionka Capiberibe e Oiara Bonilla

    Respectivamente, antroploga, professora da EFLCH-Unifesp e autora de Batismo de fogo: os Palikur e o cristianismo, Annablume, So

    Paulo, 2007 e antroploga, pesquisadora do Museu Nacional-UFRJ e trabalha com os Paumari do estado do Amazonas desde 2000.

    1 Este dossi uma verso revista e resumida de um relatrio encomendado pela ONG GITPA (Groupe International deTravail pour les Peuples Autochtones).2 Para uma reflexo crtica sobre as anistias da Lei n. 12.651, ver .

    3 Cf. os seguintes dossis: e .4 Ver agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-07-20/condicoes-do-stf-sobre-raposa-serra-do-sol-sao-alvo-de-questionamentos-que-atingem-portaria-da-agu5 Sobre o caso da terra Maraiwatsede, ver e .6 Mesmo sendo a segunda maior populao indgena do pas, os povos do Nordeste so os que menos terras possuem. Verartigo de J. M. Arruti sobre esse processo histrico em 7 Ver 8 Os ataques do agronegcio aos direitos adquiridos indicam que essa situao pode vir a ser estendida a povos at hojeprotegidos da sanha do mercado. o que aponta Henri Acselrad, no artigo O agronegcio e os territrios dos povostradicionais, Le Monde Diplomatique Brasil, out. 2012.9 O documentrio sombra de um delrio verde (vimeo.com/32440717) expe de maneira inequvoca a correlao entre oagronegcio e a degradao da vida Guarani-Kaiow.

    10 Ver reao da populao atingida em .11 Informao completa disponvel no site .12 Sobre Belo Monte, ver e .13 Explicao sobre esse direcionamento em .

    14 Informaes disponveis em e >.15 A entrevista do procurador do MPF Felcio Pontes Jr. jornalista Eliane Brum(revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2011/09/um-procurador-contra-belo-monte.html) um documento importantepara compreender esse tipo de violao. Mais informaes em .16 Para mais informaes, ver a compilao de artigos 1 e 2 publicada pela Revista Frum: e .17 Ver .18 Ver .19 Notcias disponveis em e .20 Ver documento completo sobre esse conflito em .21 Notcias sobre a relao entre demanda, produo e degradao ambiental podem ser acessadas em e.22 Disponvel em: .23 Ver .

    Palavras chave: Brasil, indgenas, ndios, terra, Yanomami, conflitos, desenvolvimento, Amazonas, legislao, territrio, Raposa Serra doSol, Supremo Tribunal Federal, justia, movimento social, Cdigo Florestal, Belo monte, minerao, hidreltrica, desmatamento,comunidades tradicionais, violncia

    http://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=viol%EAnciahttp://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=comunidades%20tradicionaishttp://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=desmatamentohttp://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=hidrel%E9tricahttp://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=minera%E7%E3ohttp://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=Belo%20montehttp://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=C%F3digo%20Florestalhttp://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=movimento%20socialhttp://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=justi%E7ahttp://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=Supremo%20Tribunal%20Federalhttp://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=Raposa%20Serra%20do%20Solhttp://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=territ%F3riohttp://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=legisla%E7%E3ohttp://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=Amazonashttp://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=desenvolvimentohttp://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=conflitoshttp://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=Yanomamihttp://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=terrahttp://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=%EDndioshttp://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=ind%EDgenashttp://www.diplomatique.org.br/busca.php?palavra=Brasilhttp://www.kaninde.org.br/?pag_id=19&p=592http://www.petrogascursos.com.br/noticias/42-perfuracoes-de-petroleo-e-gas-terao-inicio-no-vale-do-jurua.htmlhttp://ecologie.blog.lemonde.fr/2012/02/14/saint-valentin-lor-illegal-poursuit-ses-ravages/http://www.plosone.org/http://www.plosone.org/article/info%3Adohttp://issuu.com/instituto-socioambiental/docs/diamantes_e_os_conflitoshttp://www.survivalinternational.org/tribes/yanomami/intruders#mainhttp://g1.globo.com/natureza/noticia/2011/10/com-alta-do-ouro-reserva-yanomami-enfrenta-invasao-de-garimpeiros.htmlhttp://foirn.wordpress.com/2011/09/19/nota-publica-sobre-projetos-de-extrativismo-mineral-em-terras-indigenas-do-amazonas/http://racismoambiental.net.br/2012/05/indigenas-querem-poder-para-vetar-mineracao-nas-tis/http://revistaforum.com.br/idelberavelar/2012/01/31/bibliografia-comentada-50-leituras-sobre-o-ecocidio-de-belo-monte-2%C2%AA-parte/http://revistaforum.com.br/idelberavelar/2011/11/24/bibliografia-comentada-50-leituras-sobre-o-ecocidio-de-belo-monte-1%C2%AA-parte/http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=5851http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2011/09/um-procurador-contra-belo-monte.htmlhttp://telmadmonteiro.blogspot.com.br/http://mercadoetico.terra.com.br/arquivo/plano-energetico-e-refem-dos-setores-eletrointensivos/http://www.xinguvivo.org.br/2010/10/14/perguntas-frequentes/http://www.socioambiental.org/esp/bm/index.asphttp://www.eoearth.org/article/Deforestation_in_Amazoniahttp://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=2688http://www.diplomatique.org.br/multimidia.php?id=30http://www.prba.mpf.gov.br/mpf-noticias/direitos-do-cidadao/mpf-aciona-uniao-por-danos-morais-aos-indioshttp://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/quem-sao/a-situacao-no-nordestehttp://www.greenpeace.org/brasil/pt/Multimidia/Videos/Gado-em-terra-Xavante/http://www.oecoamazonia.com/en/news/brazil/261-mato-grosso-incentiva-ocupacao-de-terra-indigenahttp://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-07-20/condicoes-do-stf-sobre-raposa-serra-do-sol-sao-alvo-de-questionamentos-que-atingem-portaria-da-aguhttp://www.socioambiental.org/inst/esp/raposa/http://www.survivalfrance.org/actu/peuples/raposahttp://www.canalibase.org.br/maior-anistia-ambiental-da-historia-do-pais/