As Acessibilidades Na Requalificação Das Vilas e Cidades Portuguesas

3
| N.º 17/18 | 2012 233 As acessibilidades na requalificação das vilas e cidades portuguesas PAULA TELES * [ [email protected] ] Palavras-chave | Mobilidade, Urbanismo, Regeneração Urbana, Turismo Acessível, Modos Suaves, Planeamento do Território. Objetivos | Os desafios que se colocam atualmente aos municípios portugueses, remetem para exigências cada vez maiores como fator essencial na construção de territórios socialmente mais inclusivos. É necessária a promoção de uma sociedade com novas formas de mobilidade e acessibilidade, numa era de total informação e comunicação, traduzida por uma Europa socialmente mais envelhecida, turisticamente mais diversificada e culturalmente mais heterogénea. Desta forma, as preocupações atuais da sociedade, desde o cidadão comum aos técnicos, conduziram a acessibilidade como motor de desenho das nossas vilas e cidades, promovendo as alterações que lhes permitem tornar-se mais inclusivas e amigas dos seus habitantes, mas também mais atrativas para quem as visita. O objetivo essencial dos trabalhos que se vem desenvolvendo nas cidades portuguesas é simples mas arrojado: tornar os territórios mais competitivos por via da acessibilidade utilizando os poucos recursos económicos existentes, permitindo que as novas possibilidades de acesso ao meio construído sejam atrativas o suficiente para diferenciar os territórios e os produtos que cada um deles tem para oferecer. Metodologia | Não se pode falar de acessibilidade em Portugal sem referir o projeto da rede nacional de cidades e vilas com mobilidade para todos, lançado em 2003. Neste projeto, os cerca de oitenta municípios aderentes manifestaram a vontade de eliminar as barreiras arquitetónicas e urbanísticas identificadas no seu território através de levantamentos e avaliações efetuadas ao longo de três anos de duração do projeto. Desta forma, para uma pequena área de intervenção pré-selecionada pelo município, era objetivo central identificar, nos primeiros meses, as barreiras existentes no espaço público para que o município pudesse, ao longo do projeto, promover a sua eliminação. A partir de 2008 dá-se a mudança de paradigma nesta matéria, com o lançamento dos planos de promoção de acessibilidade. Estes planos pretendem dar orientações específicas que permitam, aos municípios, dotar os seus territórios de melhores condições de acessibilidade para todos. Para tal, detetam, através de um diagnóstico aprofundado, as debilidades ao nível das barreiras arquitetónicas e urbanísticas, em cinco áreas temáticas: espaço público, edifícios, transportes coletivos, infoacessibilidade e comunicação. As avaliações ao nível do espaço público permitiram identificar as condições atuais de acessibilidade, transformando os resultados obtidos em níveis de acessibilidade, de forma a criar propostas de intervenção para os arruamentos em estudo (soluções-tipo). Os municípios obtiveram, através dos trabalhos efetuados nesta componente, uma radiografia completa * Mestre em Planeamento e Projeto do Ambiente Urbano pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Gerente da m.pt – mobilidade paula teles, Presidente da Comissão Técnica de Acessibilidade e Desenho Universal (CT 177) do Instituto Português da Qualidade (IPQ) e Representante de Portugal no Comité Européen de Normalisation (CEN) em Bruxelas.

description

As Acessibilidades Na Requalificação Das Vilas e Cidades Portuguesas

Transcript of As Acessibilidades Na Requalificação Das Vilas e Cidades Portuguesas

  • | N. 17/18 | 2012 233

    As acessibilidades na requalificao das vilas e cidades portuguesas

    PAULA TELES * [ [email protected] ]

    Palavras-chave | Mobilidade, Urbanismo, Regenerao Urbana, Turismo Acessvel, Modos Suaves, Planeamento do Territrio.

    Objetivos | Os desafios que se colocam atualmente aos municpios portugueses, remetem para exigncias cada vez maiores como fator essencial na construo de territrios socialmente mais inclusivos. necessria a promoo de uma sociedade com novas formas de mobilidade e acessibilidade, numa era de total informao e comunicao, traduzida por uma Europa socialmente mais envelhecida, turisticamente mais diversificada e culturalmente mais heterognea.Desta forma, as preocupaes atuais da sociedade, desde o cidado comum aos tcnicos, conduziram a acessibilidade como motor de desenho das nossas vilas e cidades, promovendo as alteraes que lhes permitem tornar-se mais inclusivas e amigas dos seus habitantes, mas tambm mais atrativas para quem as visita.O objetivo essencial dos trabalhos que se vem desenvolvendo nas cidades portuguesas simples mas arrojado: tornar os territrios mais competitivos por via da acessibilidade utilizando os poucos recursos econmicos existentes, permitindo que as novas possibilidades de acesso ao meio construdo sejam atrativas o suficiente para diferenciar os territrios e os produtos que cada um deles tem para oferecer.

    Metodologia | No se pode falar de acessibilidade em Portugal sem referir o projeto da rede nacional de cidades e vilas com mobilidade para todos, lanado em 2003. Neste projeto, os cerca de oitenta municpios aderentes manifestaram a vontade de eliminar as barreiras arquitetnicas e urbansticas identificadas no seu territrio atravs de levantamentos e avaliaes efetuadas ao longo de trs anos de durao do projeto. Desta forma, para uma pequena rea de interveno pr-selecionada pelo municpio, era objetivo central identificar, nos primeiros meses, as barreiras existentes no espao pblico para que o municpio pudesse, ao longo do projeto, promover a sua eliminao.A partir de 2008 d-se a mudana de paradigma nesta matria, com o lanamento dos planos de promoo de acessibilidade. Estes planos pretendem dar orientaes especficas que permitam, aos municpios, dotar os seus territrios de melhores condies de acessibilidade para todos. Para tal, detetam, atravs de um diagnstico aprofundado, as debilidades ao nvel das barreiras arquitetnicas e urbansticas, em cinco reas temticas: espao pblico, edifcios, transportes coletivos, infoacessibilidade e comunicao.As avaliaes ao nvel do espao pblico permitiram identificar as condies atuais de acessibilidade, transformando os resultados obtidos em nveis de acessibilidade, de forma a criar propostas de interveno para os arruamentos em estudo (solues-tipo). Os municpios obtiveram, atravs dos trabalhos efetuados nesta componente, uma radiografia completa

    * Mestre em Planeamento e Projeto do Ambiente Urbano pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Gerente da m.pt mobilidade paula teles, Presidente da Comisso Tcnica de Acessibilidade e Desenho Universal (CT 177) do Instituto Portugus da Qualidade (IPQ) e Representante de Portugal no Comit Europen de Normalisation (CEN) em Bruxelas.

  • 234 RT&D | N. 17/18 | 2012234

    ao nvel das debilidades no seu espao pblico que lhes permite priorizar, atravs da informao recebida, as suas intervenes, planeando-as devidamente, no s em termos temporais, mas tambm financeiros.O decreto-lei n. 163/2006 de 8 de Agosto legisla tambm os edifcios, quer habitacionais, quer com outros fins. Desta forma, foram identificadas as barreiras presentes nos principais edifcios/equipamentos ncora de utilizao pblica, propondo medidas-tipo de correo em matria de acessibilidade. Em cada um dos equipamentos definidos foram realizados trabalhos de verificao das condies de acessibilidade luz da legislao atual e indicados todos os pontos passveis de correo para adequao ao decreto-lei referido.Contudo, os planos de promoo de acessibilidade so um passo adiante em relao legislao em vigor, na medida em que abarcam outras componentes no includas no decreto-lei em questo acesso aos transportes, infoacessibildiade e comunicao.O acesso aos transportes fundamental, especialmente em territrios de cariz mais rural, pois permite fazer a ligao destes com os centros urbanos onde os cidados podem aceder a servios e comrcio. Desta forma, efetuaram-se diagnsticos de condies de acessibilidade aos veculos de transporte coletivo a operar no territrio de cada um dos municpios e tambm s infraestruturas de apoio (centros coordenadores, paragens, estaes, etc.).A acessibilidade, na atualidade, mais do que o acesso ao espao pblico e aos edifcios, tambm o acesso informao, seja impressa, seja na web. Os planos de promoo de acessibilidade tambm aqui vieram dar um contributo importante para a (re)qualificao das cidades. A informao que se obtm, quer seja atravs de um folheto promocional, ou atravs da pgina na internet de promoo turstica de determinado destino, poder desempatar a escolha de determinado destino em detrimento de outro. A criao de condies de acessibilidade nestas componentes permite que a informao atinja um leque mais abrangente de populao, alargando, desta forma, o nmero de (potenciais) clientes. Para a prossecuo deste objetivo, de tornar a informao (mais) acessvel, foram desenvolvidos estudos de acessibilidade documentao impressa que cada municpio produz bem como estudadas as condies de acessibilidade das pginas web, luz da regulamentao internacional, para identificao dos pontos a corrigir e que permitiro tornar a informao disponibilizada online mais acessvel.

    Principais resultados e contributos | O desenvolvimento de planos de promoo de acessibilidade permitiu, aos municpios portugueses, perceber a acessibilidade como rea abrangente e no apenas como uma matria destinada, ni-ca e exclusivamente, a pessoas com incapacidade. Estes projetos, para alm da componente de estudo comportam tambm uma componente importante de sensibilizao da sociedade civil, mas, no menos importante, dos tcnicos que desenham os territrios e dos decisores polticos que tm o poder de, em determinado momento, possibilitar a (re)qualificao do seu territrio municipal ou, pelo menos, das reas mais importantes e estratgicas para o desenvolvimento municipal.Por outro lado, o carter corretivo dos estudos efetuados permitiu, aos tcnicos autrquicos, perceber quais os erros que ainda cometem na tentativa de construo de cidades mais inclusivas, permitindo, gradualmente, atingir patamares de excelncia no desenho dos novos espaos pblicos.

    Limitaes | H vrias limitaes que hoje so colocadas implementao dos planos de acessibilidades, designada-mente:1. A atual situao econmico-financeira do pas e do mundo contribuem para que o ritmo das alteraes pretendidas

    nesta matria no seja to veloz como seria desejvel. Esta ausncia de recursos que permitam realizar obras significa-tivas e de reabilitao do meio construdo, correndo-se o enorme risco de ver todo o esforo efetuado, quer financeiro quer intelectual, na elaborao destes planos de promoo de acessibilidade, no ter consequncia prtica.

    2. Questes culturais, que continuam a existir na sociedade portuguesa. Talvez mais difcil que eliminar as barreiras ur-bansticas e arquitetnicas nas cidades, seja a eliminao das barreiras psicolgicas. Essas demoram dcadas a serem trabalhadas, por forma a ser criada uma conscincia coletiva de que obrigatria a construo de vilas e cidades acessveis como forma inequvoca do direito aos territrios.

    3. Ser a primeira gerao de planos tambm uma limitao, pois ainda est a ser apurada a metodologia e a sua relao com as polticas urbanas.

    4. A atual ausncia de legislao que imponha a elaborao de planos de acessibilidades por parte dos municpios uma enorme lacuna na tentativa de um territrio mais uniforme e mais inclusivo.

    5. Por fim, face transversalidade do tema, a falta de articulao nos diversos servios tcnicos em sede das autarquias continua a ser uma enorme barreira na implementao e promoo das condies de acessibilidades.

  • 235RT&D | N. 17/18 | 2012

    Concluses | Numa poca de profunda crise econmica mundial, todas as questes relacionadas com a acessibilidadeNuma poca de profunda crise econmica mundial, todas as questes relacionadas com a acessibilidade e mobilidade para todos surgem com particular importncia, pois tambm uma questo de sustentabilidade social e dos territrios.Os municpios portugueses tm, hoje, menos disponibilidade financeira para efetuar projetos e obra, para construir e requalificar o seu espao pblico e edificado, sendo, por isso, imperativo utilizar os escassos recursos de forma acertada. Assim, ser de extrema importncia que todos os novos projetos incorporem o desenho universal, o desenho que serve todos os cidados, mesmo os que, por motivos de ordem fsica ou psicolgica, no se encontram no auge das suas capacidades. aqui que a acessibilidade e mobilidade para todos desempenham um papel fundamental na regenerao das cidades, no caso, das cidades portuguesas. E, no seguimento de planos e projetos efetuados, muitos elaborados no mbito de candidaturas a fundos europeus, so j algumas cidades portuguesas, como Penafiel, Viseu, Guimares, Portimo, Palmela, So Joo da Madeira ou Vilamoura, que integram, nas suas preocupaes dirias, a diversidade e a diferena, o desenho universal. extremamente relevante observar a forma como as implementaes das acessibilidades tm sido uma enorme oportunidade, no s na eliminao das barreiras, como, em consequncia, na requalificao generalizada das vilas e cidades portuguesas.