As bibliotecas públicas portuguesas: transformações, oportunidades e desafios

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    BIBLIOTECA PBLICA DE VORA

    Um estudo levado a cabo no contexto de um programa de doutoramento no Department of Information Studies

    da Universidade de Sheffield (Reino Unido), entre 1997 e 2001, estudou as percepes polticas e profissionaisdos papis das bibliotecas pblicas em Portugal.No mbito deste estudo foram identificadas as transformaes que tm ocorrido nas bibliotecas pblicas emPortugal, bem como as oportunidades e os desafios surgidos ou acentuados com o advento da Sociedade daInformao.As bibliotecas pblicas portuguesas esto a passar por profundas transformaes, e uma nova gerao debibliotecas est a nascer. Estas bibliotecas so espaos de elevada qualidade arquitectnica, comequipamentos e recursos de informao renovados. Uma nova gerao de tcnicos contribui para um conjuntoalargado de servios, utilizando cada vez mais novas tecnologias.As mudanas permanentes que esto a ocorrer na economia e na sociedade portuguesa podem dar sbibliotecas pblicas a possibilidade de alargarem a sua influncia social e poltica. As Tecnologias deInformao e Comunicao permitem funes que ultrapassam as tradicionalmente atribudas s bibliotecaspblicas. Entre estas funes incluem-se a aprendizagem aberta, a educao ao longo da vida e o apoio ao

    sistema educativo, servios de informao comunidade, novas possibilidades para os Fundos Locais, e seremum ponto privilegiado de acesso dos cidados s tecnologias e Sociedade da Informao. Contribuem assim,decididamente, para a incluso social e para uma democracia poltica mais participada.Estas transformaes acarretam tambm um conjunto de desafios: necessidades crescentes em recursoshumanos e novos perfis profissionais exigem o repensar da formao disponvel, bem como a necessidade deinvestigao e produo terica. Os modelos de financiamento e de gesto precisam de ser adaptados s novasrealidades sociais e tecnolgicas, e eventualmente consagrados num novo quadro legislativo. A cooperao e ofuncionamento em rede tm de ser desenvolvidos e aprofundados.

    A study carried out for a doctoral programme at the Department of Information Studies of the University of

    Sheffield (United Kingdom) looked at the political and professional perceptions of public libraries roles inPortugal.In the context of this study, changes that have been occurring in public libraries in Portugal were identified, aswell as the opportunities and challenges brought about or accentuated by the advent of the Information Society.Portuguese public libraries have undergone profound transformations and a new generation of libraries isemerging. These libraries are spaces with high quality architecture, renewed installations and informationresources. A new generation of librarians and assistant librarians contributes to an enlarged set of services,increasingly using new technologies.The permanent changes that are occurring in the Portuguese economy and society may give public libraries thepossibility of enlarging their social and political influence. ICT allows for a set of new roles that enlarge the field ofwork usually considered for public libraries. These roles include open and lifelong learning and general support toeducation, community information services, new dimensions for local studies collections and the provision of an

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    access point to information technology and to the Information Society. With these roles public libraries contribute,decisively, to social inclusion and political democracy.

    These changes also bring about a set of challenges: the increasing demands of human resources and newprofessional profiles that require a rethinking of present education and training, along with further research andtheory building in this area. The models of financing and management need to adapt to a new and evolving socialand technological environment and eventually legislation may be necessary. Co-operation and networking alsoneed serious consideration.

    As transformaes ocorridas nas bibliotecas pblicas portuguesas tm sido frequentemente

    referidas em diversos fora internacionais, muitas vezes apresentadas como um exemplo deum processo bem sucedido de transformao de mbito nacional partindo de uma situaode grande atraso quando comparada com outros pases europeus.

    Este texto caracteriza sumariamente estas transformaes traduzidas no lanamento em1987 e posterior desenvolvimento do Programa Nacional de Bibliotecas Pblicas, e naabertura progressiva de bibliotecas em todo o Portugal Continental a partir de 1988.Consequentemente o pas verificou rpidas transformaes em termos do nmero dedocumentos disponveis em diversos suportes e de utilizadores das bibliotecas pblicas.Estas apresentam-se hoje como equipamentos que so o orgulho de muitos Municpios,edifcios de qualidade, prestando s populaes servios que no estavam anteriormente

    disponveis.Estas transformaes significaram um alargamento relevante do conceito de bibliotecapblica neste pas. Os utilizadores no s aumentaram em nmero como so hoje maisdiversificados e exigentes. E novos papis comearam a ser desempenhados por estasnovas bibliotecas, correspondendo aos novos servios solicitados. Verifica-se o acentuar dosseus papis relacionados com a educao, com a cultura e com a informao. E a bibliotecaassume-se tambm como um importante instrumento na luta pela incluso social. Odesenvolvimento destes papis significa uma oportunidade nica para a biblioteca pblicaafirmar a sua importncia e aumentar a sua visibilidade e influncia a nvel social e poltico,fundamentais para enfrentar os desafios que se prefiguram no horizonte prximo.

    Estes desafios colocam-se tanto aos profissionais como aos decisores polticos, e podem serconsiderados em cinco grandes reas: o aumento contnuo e diversificao dos recursos deinformao disponveis, os desenvolvimentos originados pelas TIC, a necessidade deaumentar em nmero e qualificar os recursos humanos, a que se liga a investigao eproduo terica sobre bibliotecas pblicas, e, finalmente, um conjunto de questesrelacionadas com a gesto da rede e dos servios locais, de que resulta a necessidade deaumentar significativamente os investimentos do pas nas bibliotecas pblicas.

    Este trabalho faz uso de um conjunto de dados recolhidos em relatrios de investigaorealizada no nosso pas e no estrangeiro, principalmente no mbito da Unio Europeia. Utilizaigualmente elementos recolhidos em entrevistas a bibliotecrios e eleitos locais, no mbito de

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    um estudo que o autor realizou sobre os papis educacionais das bibliotecas pblicas emPortugal, integrado num programa de doutoramento na Universidade de Sheffield. O presentetexto reproduz com algumas actualizaes uma comunicao apresentada pelo autor Conferncia Internacional Bibliotecas Pblicas Inventando o futuro, organizada pelo IPLB,de 11 a 13 de Maio de 2000, em Lisboa, no Centro Cultural de Belm, no mbito daPresidncia Portuguesa da Unio Europeia.

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    Um Manifesto elaborado por um grupo de bibliotecrios em 1983 traava um quadro sombriodas bibliotecas pblicas portuguesas (A leitura pblica em Portugal, 1983). De acordo comeste documento, elas ocupavam edifcios velhos, acanhados e desconfortveis egeralmente no permitiam o livre acesso s estantes. A actualizao das coleces baseava-se em verbas consideradas irrisrias e as actividades de animao eram sempredemasiado elitistas ou eruditas, distantes dos reais interesses da populao.

    O documento conclua:

    Em suma, no dispomos de um verdadeiro sistema de bibliotecas pblicas, mas sim de umconjunto de instituies mortas, sem qualquer tipo de relao entre si ou com o meio.

    Em contraponto, a revista Viso apresentou uma perspectiva radicalmente diferente dasbibliotecas pblicas portuguesas (Carvalho & Pena, 2000), integrada numa reportagemsignificativamente intitulada O Portugal que deu certo.

    So bibliotecas de portas abertas, estas da nova gerao. Acabaram-se os espaossorumbticos com cartazes a impor o silncio, fichas e burocracias para requisitar livros. Hojeo self-service das obras ponto assente. Alis tudo ali para ser mexido e usufrudo. Tudoali est organizadamente desarrumado. Tudo ali est vivo. Desde a seco infantil, ateliers,zonas de udio, vdeo e multimdia, a rea da Informtica e da Internet, passando pelosbares e auditrios...

    O contraste entre estes documentos, separados um do outro por 17 anos, to flagrante quelegitima interrogaes sobre o que entretanto se ter passado. A primeira parte deste textoexplora algumas pistas na busca de resposta a estas interrogaes.

    Uma primeira constatao diz respeito ao nmero de bibliotecas pblicas abertas e a

    funcionar. Segundo dados fornecidos pelo Instituto Portugus do Livro e das Bibliotecas,entre 1988 e 2005 foram inauguradas 142 bibliotecas.

    Bibliotecas pblicas inauguradas em Portugal (por ano)

    1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Total

    1 3 1 7 13 14 3 10 4 18 2 5 6 19 4 9 12 11 142

    Fonte: Instituto Portugus do Livro e das Bibliotecas

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    Muitas destas bibliotecas correspondem a Municpios onde no havia nenhum servio debibliotecas ou onde ele era muito pobre. A nica excepo neste panorama tinha sido atento o servio de bibliotecas da Fundao Calouste Gulbenkian, que desde 1958 mantinhaum servio de emprstimo atravs de uma rede de pequenas bibliotecas e de bibliotecasitinerantes. Estas novas bibliotecas integradas na Rede Nacional de Bibliotecas Pblicasespalham-se por todos o pas, em zonas rurais e urbanas, no litoral e no interior, de Norte aSul. Um dos resultados desta disperso geogrfica que h populaes que pela primeiravez tm efectivamente acesso a um servio de bibliotecas pblicas seguidor de princpiosinternacionalmente aceites.

    No pois surpreendente que o nmero de utilizadores das bibliotecas pblicas portuguesastenha aumentado de forma to significativa. Dados divulgados pelo Millenium Study (LibEcon2000) - um grande levantamento estatstico financiado pela Unio Europeia - indicam que onmero de utilizadores inscritos nas bibliotecas pblicas era neste pas de 628.000 em 1991e de 3.233.904 em 1998, em percentagem um aumento de aproximadamente 6% para 32%(Ver GRFICO 1). Quer dizer o nmero de utilizadores inscritos nas bibliotecas pblicas emPortugal foi multiplicado por 5 em apenas 8 anos. O nmero de emprstimos triplicou de 70

    0

    500,000

    1,000,000

    1,500,000

    2,000,000

    2,500,000

    3,000,000

    3,500,000

    1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

    Utilizadores registados

    Bibliotecas pblicas inauguradas em Portugal (por ano)

    1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Total

    1 3 1 7 13 14 3 10 4 18 2 5 6 19 4 9 12 11 142

    Fonte: Instituto Portugus do Livro e das Bibliotecas

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    por mil habitantes em 1991 para 207 por mil habitantes em 1997.

    Outros indicadores testemunham este crescimento: numa altura em que a tendncia emmuitos pases europeus para a estagnao ou mesmo a diminuio no nmero de livrosdisponveis nas bibliotecas pblicas, em Portugal o nmero de livros e peridicosencadernados disponveis nestas bibliotecas aumentou de 6.277.000, em 1991, para cercade 9,5 milhes no fim do milnio.

    Um factor essencial destas transformaes reside no facto de o Estado portugus terchamado a si a responsabilidade de lanar e gerir uma rede de bibliotecas pblicasrealizando assim o estabelecido no Manifesto da UNESCO (IFLA, 1994).

    A biblioteca pblica da responsabilidade das autoridades locais e estatais. Deve ser objectode uma legislao especfica e financiada pelos governos nacionais e locais. Tem de ser uma

    componente essencial de qualquer estratgia a longo prazo para a cultura, o acesso informao, a literacia e a educao.

    No possvel nem objectivo deste texto apresentar a histria de todo este processo.Chama-se assim a ateno para alguns aspectos essenciais destas transformaes. Parareferncias mais pormenorizadas veja-se Nunes, 1996.

    A dcada de 80 assistiu a um conjunto de mudanas em que se integram o Seminrio e oManifesto dos bibliotecrios portugueses de 1983, j mencionados associadas a umaumento da conscincia do papel das bibliotecas pblicas entre os profissionais do sector.Tambm em 1983 foi criado o Grupo de Trabalhos de Bibliotecas Pblicas na BAD Associao Portuguesa de Bibliotecrios, Arquivistas e Documentalistas, e na primeira

    metade da dcada de 1980 surgiram os novos Cursos de Cincias Documentais nasUniversidades de Porto, Coimbra e Lisboa.

    As ideias que circulavam entre os profissionais acabaram por influenciar a esfera do poderpoltico. Um momento decisivo foi a nomeao pela ento Secretria de Estado da Cultura deum grupo de trabalho com a misso de estudar a situao destas bibliotecas e apresentaruma proposta de uma poltica nacional participada de leitura pblica. (Despacho 23/86)Sublinhe-se que este despacho nomeia para orientar e coordenar este grupo de trabalho, aDr Maria Jos Moura, presidente do Conselho Nacional da Associao Portuguesa deBibliotecrios, Arquivistas e Documentalistas,dando-lhe ainda a prerrogativa de propor osrestantes membros do grupo.

    No exagero considerar que o relatrio apresentado por este Grupo de Trabalho tem umaviso da biblioteca pblica ento radicalmente nova em Portugal, na linha do que na alturaera prtica em muitos pases da Europa e em outras partes do Mundo.

    O relatrio props a criao de uma rede de bibliotecas baseada nos Municpios efinanciada por dinheiros pblicos, e estabeleceu parmetros para as dimenses dasbibliotecas de acordo com o nmero de habitantes. Foram igualmente dadas orientaesclaras sobre recursos humanos, coleces e actividades. Estabelece-se que as bibliotecasdevero ter um hall de entrada, um espao para adultos e um outro parte para crianas,incluindo uma zona para actividades de animao, um sector audiovisual, um auditrio e sala

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    de exposies, bem como os espaos para os servios tcnicos. As recomendaes quantoaos procedimentos sublinham o livre acesso s estantes, o emprstimo domicilirio, e o factode a biblioteca dever estar aberta comunidade, fornecendo e promovendo os servios. Umdeterminado nmero de tcnicos exigido para cada tipo de biblioteca, bem como sublinhada a necessidade de um bibliotecrio ser o responsvel pelos servios.

    A reestruturao do Instituto Portugus do Livro, originando o Instituto Portugus do Livro eda Leitura (IPLL), atravs da publicao do Dec. Lei 71/ 87, de 11 de Fevereiro, representade facto a assumpo pelo Estado da responsabilidade pela criao e desenvolvimento dasbibliotecas pblicas.

    O papel dos municpios portugueses neste processo tem sido frequentemente sublinhado.Tem sido vrias vezes sugerido que o sucesso deste projecto se baseia em grande parte nacolaborao que se tem verificado neste campo entre o Poder Central e as Autarquias Locais.Logo em 1987, primeiro ano em que foram abertas candidaturas, 178 municpiosmanifestaram interesse em aderir ao programa, tendo sido seleccionados 51 projectos(Nunes, 1996). A partir de 1995 o Ministrio da Cultura adoptou a poltica de apoiaranualmente pelo menos 20 novos projectos, e apesar da cobertura progressiva do pas, frequente haver candidaturas que no so apoiadas. Por exemplo, em 2000, foramseleccionados 22 projectos de um total de 46 candidaturas. Ver a este propsito Mais vinte eduas bibliotecas juntam-se rede.

    As novas bibliotecas resultantes deste processo podem ser sumariamente caracterizadas daseguinte forma:

    Espaos completamente novos ou renovados, geralmente de elevada qualidadearquitectnica. Estes novos equipamentos so planeados e construdos de modo acorresponderem s funes para que so criados e resultam normalmente em espaosagradveis e atraentes;

    Mobilirio e equipamentos novos, atractivos e funcionais, ergonomicamente concebidos,e fornecidos por empresas especializadas;

    Recursos de informao novos, diversificados e actualizados, constitudos por materiaisimpressos e audiovisuais, englobando de forma crescente suportes digitais;

    Recursos humanos com formao especializada recentemente adquirida, em quantidadecrescente, e geralmente motivados para os desafios apresentados pelas novas

    bibliotecas, nomeadamente para a necessidade de formao e aperfeioamentocontinuados.

    Algumas caractersticas destas bibliotecas merecem destaque pela diferena que marcam emrelao situao geral das bibliotecas pblicas que as antecederam:

    Os servios para crianas e jovens, praticamente inexistentes at ao incio desteprocesso, e que tm desenvolvido um intenso trabalho de promoo do livro e da leitura,traduzindo-se na captao de novos utilizadores e representando claramente uminvestimento para o futuro;

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    Os sectores audiovisuais, que alargaram o anterior conceito de biblioteca, diversificando

    os suportes de informao, e contribuindo igualmente para a atraco de pblicos poucosusceptveis de serem atrados exclusivamente pela leitura; Actividades de animao regulares, muitas vezes em colaborao com outras

    organizaes da comunidade, tornando em muitos casos a biblioteca um importante, porvezes o nico, centro cultural comunitrio;

    Uma filosofia de gesto preocupada com aspectos essenciais do marketing, procurandoir ao encontro das necessidades dos utilizadores;

    Adopo progressiva das Tecnologias de Informao e Comunicao, tanto para gestodocumental como para o fornecimento de informao, fazendo uso local de CD-ROMs edisponibilizando o acesso Internet;

    Disponibilizao crescente de servios de informao comunidade e s empresas,assumpo progressiva de papis como os de apoio aprendizagem ao longo da vida.

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    As mudanas ocorridas no panorama das bibliotecas pblicas portuguesas, abordadas nocaptulo anterior, representam um vasto leque de oportunidades que elas no podemdesperdiar sob pena de se voltar situao de anterior estagnao. Estas mudanasrepresentam em Portugal uma viso inovadora do conceito de biblioteca pblica, das suas

    misses e dos seus modos de funcionamento e gesto.As bibliotecas pblicas portuguesas desempenham agora novos papis, fazem-no de umforma diferente, e servem mais utilizadores que constituem tambm um universo maisdiversificado.

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    Um aspecto importante destas transformaes , como j foi mencionado, um nmerocrescente de utilizadores. Mas uma questo essencial, to ou mais importante que aquantidade, a diversidade dos novos utilizadores que recorrem biblioteca pblica. De umgrupo restrito de investigadores, eruditos e estudantes, passou-se a uma srie de grupos

    heterogneos, que incluem, entre outros: Crianas e jovens em idade escolar, que procuram a biblioteca para apoio ao seu estudo

    ou como local para fazer trabalhos de casa, mas que a procuram igualmente pararequisitar livros de fico, ouvir msica, ver vdeos ou utilizar os computadores. Emalguns casos a biblioteca um ponto de encontro e de sociabilizao.

    Estudantes universitrios, particularmente em cidades e vilas de menores dimenses,onde foram estabelecidas recentemente universidades particulares, que se tm reveladoincapazes de oferecer aos seus estudantes servios de biblioteca adequados;

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    Adultos das mais diversas origens sociais e com diversos nveis educativos e culturais,

    que usam servios muito diversificados: leitura de jornais e peridicos, servios deinformao e referncia, audio e visionamento de materiais audiovisuais, consulta dosFundos de Estudos Locais, e emprstimo domicilirio;

    Homens de negcios e profisses liberais, que buscam informao especfica sobre osrespectivos ramos de actividade, desde a consulta do Dirio da Repblica, a informaoestatstica, normas e directrios;

    Professores do Ensino Bsico e Secundrio, seja para utilizao dos recursos paraactividades lectivas, seja em busca de apoio para as suas escolas, nomeadamente para aorganizao das bibliotecas escolares.

    Deve realar-se tambm o facto de estes utilizadores serem mais exigentes do que os dopassado. So cidados de uma sociedade democrtica, activos e exigentes de um servio dequalidade. Alm disso, movimentam-se num universo onde outras instituies e outros mediasolicitam a sua ateno, e isto exige uma atitude proactiva por parte da biblioteca pblica.

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    Estes novos e diversificados grupos de utilizadores, solicitam das bibliotecas pblicas quedesempenhem papis que em Portugal elas tradicionalmente no tinham, embora em termosgerais europeus e de outras partes do mundo, alguns deles sejam muitas vezes referidoscomo servios tradicionais.

    No demais sublinhar que o emprstimo domicilirio de livros, o livre acesso s estantes, ossectores audiovisuais, os servios de informao comunidade, as actividades de animaoeram em Portugal a excepo e no a regra, e por isso puderam ser considerados na dcadade 80 como novos servios.

    Mas a dcada de 90 assistiu tambm a outras transformaes, que traduziram na utilizaocrescente das Tecnologias de Informao e Comunicao pelas bibliotecas. Estas, se norepresentam uma alterao radical dos fins das bibliotecas pblicas, significaram alteraesprofundas no seu funcionamento, talvez no tanto pela alterao introduzida nas rotinasdocumentais como pelas possibilidades abertas de oferecer servios de informao em novos

    suportes digitais e de poder aceder a informao disponvel nas redes mundiais,principalmente na Internet. Mais ainda, comeou a desenhar-se a possibilidade, hoje bemreal, de a biblioteca poder passar tambm a produtora de informao e a disponibiliz-la naInternet. Ver a este respeito Furtado (1999).

    Papis tradicionais ou renovados desenharam-se para as bibliotecas pblicas portuguesas,correspondendo a alteraes significativas na procura de servios - elas prprias geradas pormudanas econmicas e sociais profundas - e nas possibilidades tecnolgicas entretantoabertas.

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    Adopta-se aqui uma grelha de anlise inspirada em Thorhauge (1997), que organiza estes

    papis em quatro grandes reas, considerando a biblioteca como um centro cultural, comoum centro para a educao e aprendizagem, como um centro de informao geral e como umcentro social.

    inegvel que as bibliotecas pblicas eram tradicionalmente utilizadas em Portugal comorecursos educativos. Mas o seu nmero era to escasso, o nmero de utilizadores atingidosera to reduzido, os seus fundos to pobres e desactualizados, que os resultados efectivosdestes servios podem ser seriamente questionados.

    Por outro lado a dcada de 90, para alm da generalizao das TIC, testemunhou tambm

    outra transformao consubstanciada na generalizao do conceito de aprendizagem aolongo da vida.

    H fundamentos para se poder argumentar que houve um aumento significativo dos papiseducacionais das bibliotecas pblicas. Astbury (1994) e Thorauge (1997) argumentam nestesentido e Niegaard (1994:7) numa comunicao Conferncia da IFLA em Havana, em 1994,reconheceu esta tendncia.

    As bibliotecas em todo o mundo parecem experimentar um claro crescimento de procura de

    servios relacionados com a educao. Os problemas de literacia so mais actuais que

    nunca tanto nos pases em vias de desenvolvimento como nos pases desenvolvidos.

    Tambm o Manifesto da UNESCO de 1994 que d grande destaque a estes papis.Em Portugal, h condies particulares que do fora necessidade de as bibliotecaspblicas desempenharem estes papis, nomeadamente os baixos ndices de literacia nestepas (Benavente, 1996), a fragilidade socio-econmica de muitas famlias, e a fragilidade deoutros sistemas de bibliotecas, nomeadamente as escolares.

    Entre os papis educacionais, desempenhados pelas bibliotecas pblicas portugueses, sejameles considerados novos ou tradicionais, merecem destaque:

    O apoio a crianas e jovens, relacionado ou no com a actividade escolar;

    O apoio s escolas, principalmente mas no em exclusivo, atravs do apoio sbibliotecas escolares,

    O apoio a estudantes do ensino superior;

    O apoio aprendizagem ao longo da vida;

    O apoio literacia;

    O apoio ao desenvolvimento de habilidades de informao;

    O apoio ao desenvolvimento das capacidades de utilizao da informtica.

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    Uma investigao levada a cabo pela Universidade de Sheffield estudou os papis sociaisdas bibliotecas pblicas no Reino Unido e entre outras chegou s seguintes concluses(Linley, & Usherwood, 1998: 84-85):

    As bibliotecas pblicas so vistas como marcos comunitrios que reforam a identidadecomunitria. Em particular conclumos que os servios de estudos locais desempenham umpapel importante no apoio identidade comunitria (...)A importncia da biblioteca por vezes reforada pela falta de outros equipamentos (...)O uso da biblioteca pblica ajuda a construir a confiana de indivduos e grupos (...)A biblioteca pode tambm ajudar os indivduos, especialmente os idosos, a vencer osproblemas de isolamento e solido...

    Algumas alteraes importantes na sociedade portuguesa dos ltimos anos podem servirpara chamar a ateno para um importante papel social desempenhado pelas bibliotecaspblicas. O nvel de vida de muitas famlias portuguesas ainda baixo, com bolsas depobreza tanto nos grandes centros como no mundo rural. Associada s dificuldadeseconmicas e sociais est frequentemente uma condio cultural e educativa tambm eladeficiente. Alteraes no tecido econmico levam a sucessivas vagas de desemprego e amudanas nos locais de residncia, com o acentuar da desertificao humana em algumasregies. A existncia de minorias tnicas e culturais, e os problemas que enfrentam numasociedade que tende a rejeitar as diferenas tem sido sobejamente testemunhada.

    Neste contexto as bibliotecas pblicas portuguesas tm desempenhado um importante papeltendente incluso social, nem sempre muito valorizado, at porque no imediatamente

    perceptvel: Disponibilizam a todos sem excepo, e de forma gratuita, um conjunto de bens e

    servios, por vezes dirigidos precisamente a franjas marginais da sociedade, como osmais pobres, imigrantes ou deficientes. Um exemplo significativo o de uma bibliotecaque d lanches gratuitos no bar a crianas carentes;

    Funciona como um abrigo e local de encontro para membros da comunidade sofrendo deisolamento e dificuldades econmicas. Um exemplo muito vivo desta funo pode sertestemunhada pela popularidade dos sectores de peridicos entre os idosos e osreformados;

    Funcionam em alguns casos como ponto de encontro de comunidades imigrantes, que alivem valorizadas as suas culturas e organizam actividades, com componentes de apoiosocial, e contribuindo para a integrao social.

    Atravs dos Servios de Informao Comunidade d apoio e orientao para asinstituies sociais e para os organismos de apoio comunitrio;

    As TIC esto disponveis gratuitamente a pessoas que de outro modo no lhe teriamacesso;

    Os Fundos Locais so fonte de descoberta e valorizao dos valores da comunidadelocal;

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    As bibliotecas itinerantes, embora sejam ainda relativamente poucas no mbito da Rede

    Nacional de Bibliotecas Pblicas, so para as comunidades isoladas o nico ponto deacesso ao livro e leitura.

    As bibliotecas pblicas tm sido tambm muitas vezes mencionadas como instrumentosindispensveis s sociedades democrticas. O Livro Verde para a Sociedade da Informaoem Portugalsublinha este aspecto:

    Ora em Portugal, onde na esmagadora maioria dos lares, e at em muitas escolas,escasseiam os livros e o computador no uma ferramenta facilmente acessvel, asBibliotecas Pblicas podem e devem ser a porta aberta para o novo mundo da informaodigital e multimdia, o ponto de acesso ao ciberespao para aqueles que, por razes socio-econmicas e/ou culturais, no tm partida meios para o fazer em casa.

    Outra contribuio importante das bibliotecas pblicas para a construo das sociedadesdemocrticas reside no acesso administrao pblica que elas facilitam, por exemploatravs da Internet. Alm disto, a democracia pressupe a existncia de cidadosinformados, crticos e participativos. Como ponto privilegiado de acesso das comunidades informao, ao conhecimento e s ideias, a biblioteca pblica d assim um contributoessencial democracia.

    Em muitas localidades do pas a biblioteca pblica dos poucos, por vezes o nico, ponto deacesso a bens e actividades culturais, sejam obras literrias ou artsticas, sejam exposiesde arte, sejam espectculos e outros eventos. Este aspecto est intimamente relacionado

    com a ocupao criativa de tempos livres e, at certo ponto, com a aprendizagem ao longoda vida, uma vez que permite um enriquecimento individual e um estmulo para participar nacriao da cultura local.

    Entre as actividades das bibliotecas pblicas que mais contribuem para este papel esto:

    O emprstimo domicilirio de livros e documentos audiovisuais, que permitem o acessos obras de imaginao e s ideias originadas em qualquer parte do mundo;

    As actividades de animao, ligadas ou no explorao dos recursos documentais dabiblioteca, que se materializam por exemplo em encontros, debates, conferncias,exposies;

    O acolhimento de actividades culturais de grupos da comunidade e associaes queutilizam as instalaes da biblioteca, nomeadamente auditrios e salas polivalentes. Divulgao das actividades culturais da comunidade atravs dos servios de informao

    comunidade.

    O Manifesto da UNESCO define a biblioteca pblica como o centro local de informaoeentre as misses que lhe so reconhecidas, esto as de assegurar o acesso dos cidados atodos os tipos de informao da comunidade locale de proporcionar servios de informaoadequados s empresas locais, associaes e grupos de interesse.

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    Em Portugal, h elementos que indicam ser esta uma vertente do trabalho das bibliotecaspblicas que est ainda numa fase inicial. Das vrias razes que podem estar na origemdeste facto, duas podem ser destacadas: a falta de tradio na prestao destes serviospelas bibliotecas, que por outro lado leva os utilizadores a procurarem pouco a biblioteca parasatisfazer necessidades de informao, e o facto de estes servios serem exigentes em mo-de-obra especializada, e, como sugerido mais frente, os recursos humanos ainda soinsuficientes em muitas bibliotecas.

    No entanto, h algumas iniciativas, particularmente as baseadas nas TIC, que podemrepresentar o embrio de verdadeiros servios de informao comunidade local, se as suaspotencialidades forem devidamente exploradas:

    O CONSTAT Concelho em Estatstica, fornecendo informao estatstica em CD-ROM

    sobre caractersticas econmicas, sociais e culturais de cada concelho (Patro; 1999) Desenvolvimentos do Projecto ILLIERS, um projecto comunitrio em que participaram as

    bibliotecas do Barreiro e de Palmela, e que desenvolveu um prottipo de um servio deinformao para disponibilizao na Internet;

    A generalizao e a explorao das potencialidades da Rede Informtica de LeituraPblica (RILP), que nomeadamente na sua 2 fase prev a incluso de um mdulo deinformao comunidade;

    Alm disto, h alguma informao, j existente em algumas bibliotecas, e j procurada porcertos grupos de utilizadores, e que podem ser elementos para servios de informaoespecializados. o caso por exemplo do Dirio da Repblica e outra informao oficial,

    como informao estatstica e normas, ou directrios de empresas.Um projecto lanado pelo IPLB em 2005 pode contribuir decisivamente para ajudar asbibliotecas pblicas a cumprir os seus papis sociais. Trata-se da Rede de Conhecimento dasBibliotecas Pblicas (RCBP), uma iniciativa de mbito nacional que marcar o incio dacriao de uma rede electrnica de bibliotecas municipais, com base numa plataformatecnolgica comum, constituindo-se em porta electrnica de acesso informao e aoconhecimento na era digital.

    Entre os objectivos da RCBP destaca-se o seguinte:

    Impulsionar os processos de transformao social, cultural e econmica, atravs dadifuso das novas tecnologias de informao e comunicao, nomeadamente amassificao do acesso gratuito Internet, da disponibilizao de informaesrelevantes e da prestao de servios com convenincia e qualidade para oscidados. (IPLB, 2005)

    A assumpo destes papis, bem como o crescimento do nmero de cidados que usam asbibliotecas pblicas em Portugal, podem significar a abertura de um nmero deoportunidades. Entre elas destacam-se:

    O alargamento crescente da sua esfera de influncia e aumento da conscincia social epoltica dos seus papis, do seu valor e do seu significado;

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    A sua afirmao junto das estruturas autrquicas e governativas, assegurando nveis

    razoveis de financiamento e de autonomia em termos de gesto. A diversificao das suas fontes de financiamento, uma vez reconhecida a diversidade deesferas em que ela intervm. A biblioteca pblica pode deixar de ser considerada umainstituio vocacionada exclusivamente para intervir no campo cultural, passando asurgir associada a outras reas. Podem ser destacadas entre outras:A educao e a formao profissional;A incluso social;O desenvolvimento econmico;A sade;A cincia e a tecnologia.

    '$ '$ '$ '$

    As transformaes identificadas nos captulos anteriores so muito grandes e do razes deorgulho aos diversos intervenientes neste processo, nomeadamente os que o lanaram e tmcoordenado a nvel do Governo central, os eleitos locais e os profissionais das bibliotecaspblicas.

    Com o crescimento constante da Rede Nacional de Bibliotecas Pblicas Portugal terpercorrido em pouco mais de 20 anos um longo caminho que outros pases europeus tmvindo a percorrer em praticamente todo o sculo XX, e estar certamente a par do que demais avanado se pratica na Europa.

    O Millenium Study, atrs referido, salienta as alteraes ocorridas nas bibliotecas pblicasportuguesas, em praticamente todos os indicadores analisados, considerando no entantosempre o baixo ponto de partida.

    Estas mudanas devem precisamente ser perspectivadas, tendo em ateno a situaoanterior a 1987, e no podem criar iluses sobre o caminho que ainda falta percorrer, tanto aonvel de um acesso efectivo e igual de todos os cidados aos servios das bibliotecaspblicas como no aprofundamento e qualificao desses servios. Por outras palavras, terchegado o tempo de, para alm da quantidade de bibliotecas inauguradas, olhar comseriedade para a qualidade dos servios prestados.

    Quando o Partido Socialista formou governo em 1995, o Ministro da Cultura solicitou aelaborao de um estudo conducente a propostas concretas no domnio da poltica debibliotecas e de informao(Despacho 55/95). Este estudo veio a dar origem ao Relatriosobre as bibliotecas Pblicas em Portugal (Moura,1996). Lamentavelmente, este relatriono teve a repercusso que merecia, e muito menos citado que o relatrio de 1986. noentanto um documento da maior importncia, e pode servir no contexto deste texto comoponto de partida para a anlise dos desafios que se pem s bibliotecas pblicas emPortugal. Pode-se adiantar desde j que o impacto das suas recomendaes foi muitoreduzido, para no dizer mesmo genericamente ignorado.

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    Este relatrio propunha 5 medidas de acompanhamento nas seguintes reas: formao,desenvolvimento tecnolgico, autonomia, telecomunicaes e consrcio, uma estrutura quede algum modo serve de enquadramento discusso que se segue.

    ( ( ( (

    Um dos primeiros desafios que se coloca ao sector diz respeito disponibilizao de recursosde informao adequados e actuais, em quantidade suficiente para servir os utilizadores.

    A simples expanso da Rede dar inevitavelmente um contributo aprecivel neste sentido. Noentanto poder no ser suficiente. Moura (1996: 9) refere que em 1994 o conjunto dasbibliotecas possui apenas entre 50% a 60% do total dos fundos documentais previstos nosprogramas-tipo. Um inqurito aos servios para crianas (Figueiredo & Calixto, 1998)identifica igualmente uma situao de deficincia neste sentido, com o pormenor de sublinhar

    disparidades muito grandes entre algumas bibliotecas.Quando alm disso, em relao ao nmero de livros e peridicos encadernados disponveispor habitante, se compara a situao de Portugal com dados de outros pases europeus tem-se uma noo realista da dimenso das tarefas futuras neste campo. Em Portugal estenmero tambm cresceu significativamente de 0,6 por mil habitantes em 1991 para 0,9 pormil habitantes em 1997. Contudo a mdia da Unio Europeia era de 2 por mil, o nmero paraFrana de 2,2 e para a Finlndia de 7,3, para s citar alguns exemplos. As directrizes daIFLA/UNESCO para as bibliotecas pblicas sugerem como orientao genrica, entre 1,5 e2,5 livros per capita. (IFLA, 2003)

    Quer dizer, e em nmeros aproximados, que as bibliotecas pblicas portuguesas que

    disponibilizavam em 1997 cerca de 9 milhes de livros, para atingirem a mdia europeia e sesituarem na mdia do intervalo em estudo pela IFLA, deveriam, aproximadamente, duplicaros seus stocks em termos de mdia nacional.

    Este sem dvida um desafio que se impe aos profissionais do sector e aos responsveispolticos, e seria um interessante compromisso poltico a assumir pelo Ministro da Cultura, apar da cobertura nacional pela Rede.

    ) ) ) )

    Outro aspecto, que se interliga com o anterior, o do acesso a informao em formato digital,e mais genericamente a utilizao de tecnologias quer para a gesto documental quer para o

    acesso a informao, isto , o uso de CD-ROMs e acesso e uso da Internet.Um dos documentos que constitui o estudo PLIS (Public Libraries in the Information Society)(Larsen, 1997) informa que 20% das bibliotecas pblicas portuguesas esto automatizadas,em comparao com 44% das francesas, e 90% das do Reino Unido. No entanto a autoraavisa que estes dados devem ser relativizados, pois o que se entende por automatizaovaria muito, podendo ir simplesmente do trabalho de catalogao e disponibilizao de umOPAC at a um sistema integrado de gesto documental e oferta de acesso Internet.

    Em Portugal, das 142 bibliotecas inauguradas, 17 integram a RILP e esto naturalmentenuma fase avanada de integrao.

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    Patro (1999) informava que 72 bibliotecas receberam apoio especfico para a utilizao doMini-micro CD/ISIS, incluindo formao profissional, acrescentando:

    O IPLB apoiou ainda a utilizao do mdulo de circulao e emprstimo da Porbase e anecessria implementao de uma rede local em vinte e uma bibliotecas, facultando-lhesassim a possibilidade de abandonarem as rotinas tradicionais.

    O PLIS caracteriza a evoluo tecnolgica das bibliotecas pblicas em quatro estgios(Larsen, 1997: 43-44). Os desafios que se colocam s bibliotecas pblicas portuguesas emtermos de TIC podem ser melhores avaliados se considerarmos aquilo que este relatrioinclui no seu estdio mais avanado.

    O Estgio Trs vai alm das operaes bsicas de rotina, trabalho em rede para oemprstimo interbibliotecas, e pesquisa em linha e navegao na Internet. O Estgio Trsleva a biblioteca para alm do seu papel como intermedirio de documentos impressos eelectrnicos. Nesta fase, a biblioteca desempenha papis adicionais como produtora deinformao e como navegadora na rede, e a produo de pginas para a Internet umaferramenta essencial.

    A explorao das TIC e mais especificamente da Internet nas bibliotecas pblicas tem levadonos ltimos anos em diversos pases criao de servios de referncia em linha, ou criao de coleces de stios, que se assumem em muitos casos como verdadeirosdirectrios relevantes para determinados pases ou regies.

    A situao das bibliotecas pblicas portuguesas neste campo ainda muito incipiente, osstios na Internet so, salvo excepes de fraca qualidade e com actualizao irregular, e osservios acima referidos so prestados de um forma muito deficiente. Esta situao est

    intimamente associada aos fracos ndices de cooperao entre as bibliotecas, pois osexemplos de outros pases resultam geralmente de actividades cooperativas, j que a suaimplementao e desenvolvimento no esto ao alcance de bibliotecas individuais.

    O desenvolvimento da aplicao das TIC permite ainda a concepo da biblioteca como umespao aberto que pode ser utilizado a qualquer hora, mesmo sem ser necessrio ir lpessoalmente (Batt, 1999). Por outro lado as TIC potenciam outros desafios, como arequalificao dos recursos humanos e a necessidade de novos modelos de gesto.

    ( *( *( *( *

    Outro desafio muito importante, talvez essencial, diz respeito aos recursos humanos. Estes

    podem ser considerados tanto ao nvel da quantidade como da adequao dos perfisprofissionais s novas realidades sociais e tecnolgicas.

    O relatrio portugus publicado em 1996 (Moura, 1996) reconhece:

    Uma actuao mais exigente, que garanta no s a prestao dos servios tradicionais, massimultaneamente outros de carcter inovador, resultantes da utilizao das TIC, no compatvel com os recursos humanos actualmente disponveis na maioria das BM.

    Os dados do Millenium Studycorroboram esta afirmao de uma forma eloquente. A mdiada Unio Europeia em termos de pessoal a prestar servio nas bibliotecas pblicas de 31,9por cada 100 mil habitantes. Em Portugal este nmero de 14,3.

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    Um dos problemas em termos de quantidade residia at h pouco tempo no nmerorelativamente reduzido de novos tcnicos de biblioteca que anualmente eram formados pelasrespectivas escolas quer ao nvel superior quer ao nvel intermdio. Eram frequentes ostestemunhos dos eleitos locais e dos bibliotecrios referindo concursos que ficavam desertospor falta de candidatos. Isto no obsta a que haja casos notrios de autarquias que parecemno ter compreendido ainda as suas responsabilidades neste campo e simplesmente noabrem concursos.

    A exploso dos cursos de bibliotoconomia e cincias da informao, verificada nos ltimosanos, no parece ter alterado muito esta situao, e o nmero de bibliotecrios profissionais atrabalhar em bibliotecas pblicas ainda muito reduzido, contrariando as recomendaes dasdirectrizes da IFLA/UNESCO que sugere um membro do pessoal a tempo inteiro por cada2500 habitantese ainda que um tero do pessoal (excludo o pessoal de apoio) deve serconstitudo por bibliotecrios qualificados (IFLA, 2003: 93).

    Os perfis profissionais tambm deveriam ser repensados. Muito frequentemente se ouvemcrticas ao tipo de formao actualmente disponvel, mas no foi ainda possvel encontrarsolues apropriadas.

    Com a diversificao de funes e a crescente especializao tecnolgica no maispossvel pensar num nico tipo de bibliotecrio, antes necessrio considerar uma equipacom diversas especializaes. As directrizes da IFLA referem, por exemplo, o bibliotecrioinfantil, o bibliotecrio de referncia e o bibliotecrio especialista em servios de informao.

    Para alm disto, e na sequncia do que acima foi afirmado em relao s TIC, novasexigncias profissionais se desenham. Albrechtsen & Kajberg (1997) apresentam uma sriede papis a serem desempenhados pelos bibliotecrios neste novo contexto tecnolgico.Estes papis podem ser resumidos da seguinte forma:

    Apoio literacia da informao Gestor de informao

    Navegador de informao

    Especialista em assuntos especficos

    Educador

    Desenvolvimento de tecnologias de rede Designer multimedia para Web

    Webmaster

    Facilitador de ligaes

    Especialista em IT

    Produo de conhecimento Editor electrnico

    Investigador

    Consultor de informao

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    A formao contnua outro elemento de igual se no de maior importncia. Num artigoOcha (1999) chamou a ateno para esta questo em relao s mudanas tecnolgicas:

    A mudana de tecnologias constitui um dos momentos de presso para a realizao deformao interna e externa, estando muito dependente da estratgia da organizao aplicadas mudanas dos processos de trabalho como novos modelos de actuao, produtos eservios. Estas alteraes tendem a revelar lacunas de novos conhecimentos que devem sergeridas no s para acautelar o investimento em novas tecnologias, mas tambm pelaelevada complexidade exigida pelas envolventes externas, nomeadamente o quadro europeude gesto da informao.

    O grupo de trabalho que elaborou o relatrio de 1996, atrs referido, reconhece tambm aimportncia da formao contnua e prope uma medida de acompanhamento neste campo,especificando:

    A formao dever cobrir familiarizao com computadores, escritrio electrnico, gestointegrada de bibliotecas, aplicaes em rede, etc., de modo a que a biblioteca tire real partidoda tecnologia que lhe posta disposio...

    No parece ser de mais sublinhar um outro aspecto da formao, muitas vezes esquecidonum contexto dominado por uma certa euforia tecnolgica: as bibliotecas existem para servirpessoas, e deve ser vincada a necessidade de os tcnicos de bibliotecas serem possuidoresde certas caractersticas pessoais, como a empatia e a assertividade, e de receberemformao no campo das relaes interpessoais.

    $$$$ Como todos os campos de actividade humana, um desenvolvimento contnuo e sustentadodas bibliotecas no se pode fazer sem o acompanhamento de actividades de investigao edesenvolvimento.

    A este respeito, parece propositado e justifica-se uma citao um pouco mais extensa de umtexto de Barrulas (1999 : 60-61)

    No sendo o ensino da Biblioteconomia e das Cincias da Informao um ramo autnomo eplenamente afirmado nas Universidades Portuguesas, no existindo sequer ainda emnenhuma delas um Departamento, Escola ou Faculdade dedicado em exclusivo a este ramodo saber, fcil inferir que as actividades de I&D sejam praticamente inexistentes.

    Bem diferente a realidade de outros pases onde as escolas de Biblioteconomia e Cinciasde Informao, Estudos de Informao ou Gesto de Informao, so desde h muito ramosautnomos de ensino e investigao de Universidades reputadas. O trabalho de docentes ealunos principalmente de escolas Europeias, dos Estados Unidos e Canada, tem dadoorigem a um fluxo de produo cientfica regular que criou uma massa crtica relevante emvrios sub-domnios especializados.

    Para alm da investigao acadmica, o apoio a actividades de I&D nos domnios daBiblioteconomia e Cincias de Informao atravs de instituies governamentais e outras,tais como fundaes, vem nestes pases, desde h muito a contribuir para aumentar o

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    conhecimento e permitir o desenvolvimento de aplicaes tecnolgicas especficas parabibliotecas.

    Este um desafio que tem vrias vertentes e se repercute em outros. Tem a ver com ainvestigao terica, a ser realizada de forma privilegiada a um nvel acadmico, mastambm tem repercusses ao nvel dos profissionais e do funcionamento das bibliotecas.Est neste caso a possibilidade da realizao de projectos de investigao-aco, de estudosde utilizadores, ou da prpria avaliao da qualidade dos servios.

    Duas condies parecem essenciais para o desenvolvimento desta vertente:

    A assumpo pelos organismos do Estado, nomeadamente pelo IPLB, e tambm pelasautarquias locais, da responsabilidade pelo financiamento das actividades de investigaocomo um investimento e condio essencial para um desenvolvimento sustentado da Rede;

    A existncia de departamentos de Biblioteconomia e Cincias da Informao autnomos ecom estatuto idntico ao dos outros departamentos universitrios, onde seja criadascondies que permitam e estimulem a investigao. Agregados a estes Departamentosdeveriam funcionar Centros de Investigao especializados.

    + + + +

    Embora registando mais uma vez os progressos verificados com uma triplicao dos gastosentre 1991 e 1997, o Millenium Studyainda coloca Portugal entre os pases europeus quemenos investem nas bibliotecas pblicas, isto menos de 10.000 euros por mil habitantes,alis muito menos: 1.799 euros, para uma mdia da Unio Europeia de 15,423 euros por mil

    habitantes.Moura (1996:8) salienta que nem todas as Cmaras Municipais revelam a mesmasensibilidade para compreender a aco da biblioteca, resultando que os custos dabiblioteca no so vistos como um investimento mas, quase sempre, apenas como despesasque devem ser reduzidas ao mnimo. No pois de estranhar que muitos bibliotecriosvejam os constrangimentos financeiros como uma ameaa ao desenvolvimento dasbibliotecas, dificuldades em recrutar pessoal ou actualizar as coleces.

    Um desafio importante resulta assim na necessidade de um investimento continuado deforma a aproximar e eventualmente integrar o nosso pas no grupo intermdio de pases quegastam entre 10.000 e 30.000 euros por mil habitantes. Para que isto seja possvel torna-se

    evidentemente necessria uma cuidadosa e persistente sensibilizao dos decisores polticospara que deixem de considerar os gastos com as bibliotecas como despesas que devem serreduzidas ao mnimoe passem a consider-los como um investimento essencial para o bemestar das populaes.

    At certo ponto articulado com o financiamento est a necessidade de adequar a gesto dasbibliotecas s novas realidades sociais e tecnolgicas. A falta de autonomia uma dasmaiores ameaas identificadas pelos bibliotecrios, e tambm por alguns eleitos locais, aodesenvolvimento da biblioteca.

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    A medida de acompanhamento 3, referida por Moura (1996:21) define o que pode serconsiderado um dos grandes desafios neste campo:

    Catalisar a urgente alterao da estrutura administrativa e financeira das Cmaras, afim de tornar tambm vivel uma maior autonomia das BM...

    Mas a autonomia no se apresenta como o nico desafio em termos de gesto. Torna-senecessrio que os bibliotecrios tenham tempo para se dedicarem a uma planificaocuidadosa, ao estabelecimento de adequados canais de comunicao intra e inter-organizacionais, a uma efectiva liderana dos recursos humanos, ao estabelecimento depadres de qualidade e uma consequente avaliao rigorosa dos servios prestados. Talvezaqui seja necessria uma mudana de atitude dos bibliotecrios com funes de direco naassumpo destes papis, mas igualmente necessria a existncia de mais recursoshumanos com qualificao superior para que um deles possa assumir efectivamente a funode director do servio.

    Finalmente uma breve abordagem a questo da legislao. O Manifesto da UNESCOrecomenda que a biblioteca pblica deve ser objecto de uma legislao especfica.Thomas(1997) regozija-se com o facto de a Sucia ter integrado o clube dos pases com legislaosobre bibliotecas.

    Esta uma questo a ser estudada e encarada seriamente, uma vez que Portugal um dospases onde no h legislao sobre bibliotecas. Muitos bibliotecrios em Portugal indicamisto como um constrangimento sua actividade que no tem assim enquadramento legal.Thomas identifica vrias razes que podem ser invocadas para a existncia de legislao.

    Entre elas esto garantir um certo padro de servios, evitar cortes nas actividadesexistentes, e estabelecer as condies para o apoio do Estado. Como se v, so boasrazes que vo ao encontro de alguns dos constrangimentos acima detectados.

    A cooperao pode ser considerada a vrios nveis: cooperao entre bibliotecas pblicas,cooperao das bibliotecas pblicas com outras bibliotecas, cooperao das bibliotecaspblicas com outras instituies.

    A cooperao, como referido por Thun (1997:20), significa a partilha de trabalho, decompetncias e de dinheiro.A cooperao tambm um investimento. Em consequncia nofaz sentido justificar as dificuldades em estabelecer esquemas de cooperao com falta detempo, como por vezes referem os profissionais que responderam a este estudo. Igualmente importante sublinhar que no h cooperao profissional e eficaz sem recursos financeirosadequados fornecidos pelos cooperantes.

    Thun (1999) apresenta as enormes potencialidades de cooperao abertas ou facilitadaspelas TIC. Entre as mais elementares incluem-se:

    Estabelecimento de um esquema regional de catalogao ou uma rede regional debibliotecas de diferentes concelhos;Expanso dos OPACs, integrando fontes especiais com o catlogoLigao dos OPACs de diferentes bibliotecas a uma rede local

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    Trabalho em parceria no estabelecimento de bases de dados a nvel local ou regionalDesenvolvimento cooperativo e partilhado das coleces

    H testemunhos suficientes e fiveis para se poder afirmar que as bibliotecas pblicas a nvellocal estabelecem mecanismos de cooperao com outros organismos, nomeadamenteescolas e associaes diversas. Curiosamente ao nvel da cooperao interbibliotecas queh muitas possibilidades por explorar.

    No estudo de caso sobre Portugal, integrado no PLIS, Ocha (1999:215) escreve que:

    Tradicionalmente, as bibliotecas no cooperam umas com as outras. No h uma redeeficaz para a cooperao inter-bibliotecas nem um esquema de emprstimo inter-bibliotecasou um esquema de especializao temtica.

    No ser talvez correcto afirmar que as bibliotecas pblicas no praticam nenhum tipo de

    cooperao. O IPLB tem estimulado o trabalho conjunto de bibliotecas, por exemplo atravsdas diversas actividades da RILP, ela prpria um consrcio. Diversas associaes debibliotecas tm ensaiado formas de cooperao. Mas a cooperao entre as bibliotecaspblicas em Portugal carece de sistematizao e continuidade e no tem tido o devidoestmulo da parte do Estado, ao contrrio do verificado em outros pases.

    A cooperao constitui um dos maiores desafios das bibliotecas pblicas em Portugal, o que igualmente reconhecido pelo relatrio de 1996 que a considera indispensvel.A medidaproposta (Moura, 1996:22) em termos de cooperao a criao de um consrcio debibliotecas pblicas que progressivamente assuma a gesto da rede do ponto de vistatcnico e financeiro e a represente em instncias nacionais e internacionais, o que nunca

    veio a concretizar-se.Uma cooperao sistemtica e estruturada permitiria um melhor e mais racionalaproveitamento dos recursos, a melhoria substancial dos servios prestados, nomeadamenteatravs das TIC, e uma aprendizagem continuada das bibliotecas e dos seus profissionais.

    Os elementos utilizados na elaborao deste texto permitem um conjunto de concluses queajudam a clarificar o actual panorama das bibliotecas pblicas em Portugal, perspectivando-opor um lado no contexto de uma transformao iniciada na dcada de 1980 e por outro no

    espao geogrfico e socio-econmico da Unio Europeia.Estas transformaes ganham particular significado se se considerar que partiram de umasituao de um grande atraso comparado com as prticas j correntes na altura em muitospases.

    Em menos de duas dcadas, o pas construiu 142 bibliotecas, enquanto muitas outras estoem construo, num movimento que ver a breve trecho todos os municpios equipados comeste servio. Tal foi possvel graas adopo pelo poder central de uma poltica que seguiuas recomendaes e as melhores prticas internacionais para o sector, e resposta

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    entusistica das autarquias locais, que souberam aproveitar as oportunidades que se lhesdepararam.

    Um novo conceito de biblioteca pblica foi ganhando razes entre uma nova gerao deprofissionais, entre os eleitos locais, e na sociedade em geral. Embora se possa argumentarque muitos ainda consideram a biblioteca como um ponto de emprstimo de livros, tambmrazovel sugerir que uma outra viso vai ganhando terreno.

    Esta viso considera a biblioteca pblica como uma instituio social da maior relevnciapara as comunidades locais, que ali encontram recursos e servios para satisfazernecessidades diversas. Entre estas necessidades aumentam de importncia as que serelacionam com a educao e a aprendizagem ao longo da vida. Tambm as necessidadesrelacionadas com a incluso social encontram diversas respostas nas bibliotecas pblicasportuguesas, que desempenham igualmente papis nas reas da informao e da cultura.Estes papis ganham particular importncia no contexto de uma sociedade que regista aindaelevados ndices de iliteracia e onde se mantm uma estratificao social com diferenasmuito acentuadas.

    Para alm disto, este conceito de biblioteca contempla a utilizao de diversos suportes deinformao, assumindo-se como particularmente inovadores os relacionados com asTecnologias de Informao e Comunicao. Estas desafiam as bibliotecas para novasmudanas que se traduzem quer no acesso a informao que no est fisicamente no edifcioda biblioteca quer na prpria produo de informao acessvel a qualquer hora dentro dabiblioteca ou fora dela. Novas transformaes se prefiguram assim no sentido daquilo quetem sido designado por bibliotecas digitais.

    O caminho para o futuro das bibliotecas pblicas portuguesas passa pela resposta adequadaa um conjunto de desafios colocados aos responsveis aos diversos nveis polticos etcnicos.

    Estes desafios comeam de uma forma elementar pelo cumprimento pela biblioteca pblicadas suas prprias promessas, equipando-se com recursos de informao absolutamenteessenciais para o cumprimento das suas misses bsicas, e passam pela explorao domundo de potencialidades abertas pelas TIC. Estas, bem como um conjunto de outrosfactores, colocam particular urgncia na necessidade de investir em recursos humanos emquantidade adequada e com especialidades diversificadas que permitam corresponder scomplexidades dos sistemas tcnicos e dos ambientes sociais. Em articulao com esta

    necessidade deve tambm ser considerada uma nova atitude em relao ao papel dainvestigao e da produo terica, capazes de balizar polticas e decises de gesto.

    Vrios so igualmente os desafios que se colocam ao nvel da gesto. Um deles diz respeitoao nvel de financiamento que todas estas transformaes requerem e que exige decisespolticas esclarecidas e corajosas. Um outro aponta para a necessidade de considerar aelaborao de legislao sobre bibliotecas, semelhana do que acontece em vrios paseseuropeus. Um terceiro directamente relacionado com estes tem a ver com a necessidade deultrapassar prticas anquilosadas de gesto burocrtica e adoptar abordagens criativas legislao existente, de modo a permitir s bibliotecas um regime de autonomia compatvel

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    com as suas capacidades, com as suas responsabilidades e com as exigncias de umasociedade em transformao permanente.

    O ltimo desafio aqui abordado, mas seguramente no o menos importante, diz respeito necessidade de um empenhamento efectivo em mecanismos de cooperao entrebibliotecas. As experincias j existentes no nosso pas podem ser confrontadas com as deoutros pases europeus, com quem teramos muito a parender. O empenhamento dosprofissionais aqui fundamental como investimento em actividades que, est provado pelaexperincia, resulta em benefcios acrescidos para todos os cooperantes. Este um caminhoque ningum pode fazer isoladamente.

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