As Cidades na Economia Mundial

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O impacto urbano da globalização econômica 2 Mudanças profundas na composição, geografia e quadro institucional da economia global têm apresentado grandes implicações para as cidades. No século XIX, quando a economia mundial se apoiava principalmente no comércio, os locais fundamentais eram os portos, as fazendas, as fábricas e as minas. Já naque- la época as cidades eram centros de prestação de serviços. De maneira caracterís- tica, elas se desenvolviam ao lado dos portos e as companhias de comércio dependiam dos múltiplos serviços industriais, bancários e outros serviços comer- ciais localizados em cidades. Estas, entretanto, não eram os locais fundamentais de produção para as indústrias dominantes no século XIX. A produção da riqueza concentrava-se em outro lugar. Hoje, o comércio internacional continua sendo um fator importante na economia global, porém tem sido ofuscado em seu valor e em seu poder por fluxos financeiros internacionais, quer se trate de empréstimos e outras operações financeiras, quer de transações com moeda estrangeira. Na déca- da de 1980 as finanças e os serviços especializados se afirmaram como os princi- pais componentes das transações internacionais. As instituições fundamentais para essas transações são os mercados financeiros, as grandes empresas de presta- ção de serviços, os bancos e as matrizes das corporações multinacionais. Essas instituições estão no centro do processo da criação da riqueza e localizam-se nas cidades. Assim, um dos fatores que influenciam o papel das cidades na nova econo- mia global é a mudança da composição das transações internacionais, um fator 23

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Discussão sobre Cidades no contexto da Economia Globalizada.

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O impacto urbano da globalização econômica

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Mudanças profundas na composição, geografia e quadro institucional da economia global têm apresentado grandes implicações para as cidades. No século XIX, quando a economia mundial se apoiava principalmente no comércio, os locais fundamentais eram os portos, as fazendas, as fábricas e as minas. Já naque­la época as cidades eram centros de prestação de serviços. De maneira caracterís­tica, elas se desenvolviam ao lado dos portos e as companhias de comércio dependiam dos múltiplos serviços industriais, bancários e outros serviços comer­ciais localizados em cidades. Estas, entretanto, não eram os locais fundamentais de produção para as indústrias dominantes no século XIX. A produção da riqueza concentrava-se em outro lugar. Hoje, o comércio internacional continua sendo um fator importante na economia global, porém tem sido ofuscado em seu valor e em seu poder por fluxos financeiros internacionais, quer se trate de empréstimos e outras operações financeiras, quer de transações com moeda estrangeira. Na déca­da de 1980 as finanças e os serviços especializados se afirmaram como os princi­pais componentes das transações internacionais. As instituições fundamentais para essas transações são os mercados financeiros, as grandes empresas de presta­ção de serviços, os bancos e as matrizes das corporações multinacionais. Essas instituições estão no centro do processo da criação da riqueza e localizam-se nas cidades.

Assim, um dos fatores que influenciam o papel das cidades na nova econo­mia global é a mudança da composição das transações internacionais, um fator

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que, freqüentemente, não é reconhecido nas análises sobre a economia mundial. A atual composição das transações internacionais mostra com bastante clareza tais transformações. Por exemplo, o investimento estrangeiro direto cresceu com rapi­dez três vezes maior na década de 1980 do que o crescimento do comércio de exportação. Além disso, em meados de 1980, os investimentos em serviços ha­viam se tornado o principal componente dos fluxos de investimento direto vindo do exterior, sendo que esse componente, antes, era constituído por manufaturados ou pela extração de matéria-prima. O valor monetário dos fluxos financeiros internacionais é maior do que o valor do comércio internacional e que o investi­mento estrangeiro direto. O elevado crescimento dos fluxos financeiros interna­cionais aumentou o nível de com plexidade das transações. Essa nova circunstância exige uma infra-estrutura extremamente avançada de serviços espe­cializados e de concentrações de alto nível, no que se refere aos recursos em telecomunicações. As cidades constituem locais fundamentais para ambos.

A primeira metade deste capítulo apresentará um relato um tanto detalhado sobre a geografia, composição e quadro institucional da economia global na atua­lidade. A segunda metade abordará dois tipos de lugares estratégicos para as transações internacionais no plano das finanças e dos serviços, isto é, as cidades globais e os centros bancários offshore. Examinaremos, finalmente, o impacto exercido pelo colapso da Pax Americana sobre a economia mundial e o subse­qüente deslocamento do eixo geográfico das transações internacionais.

A economia global na atualidade

Enfatizamos aqui os novos padrões de investimento e as características do­minantes do período atual. O objetivo não é apresentar um balanço exaustivo daquilo que constitui a economia mundial hoje; pretende-se, sim, discutir o que distingue o atual período do passado imediato.

Geografia

Uma característica fundamental da economia global, na atualidade, é a geo­grafia dos novos tipos de transações internacionais. Quando os fluxos internacio­nais consistem em matérias-primas, produtos agrícolas ou minérios, a geografia das transações é determinada em parte pela localização dos recursos naturais. No plano da história, isto significa que um número maior de países da África, da América Latina e do Caribe foram lugares essenciais nessa geografia. Quando as finanças e os serviços especializados tornaram-se o componente dominante das transações internacionais, no início da década de 1980, o papel das cidades foi fortalecido. Ao mesmo tempo, a grande concentração dessas indústrias significa que, nos dias de hoje, apenas um número limitado de cidades desempenha um papel estratégico.

O fato de que existe uma nova geografia de transações internacionais torna- se evidente quando se examinam os fluxos de investimento estrangeiro direto (IED), isto é, investidores que adquirem uma empresa, na totalidade ou em parte, ou que constroem e implantam novas empresas em um país estrangeiro (ver UNCTD, 1993). Os fluxos do IED são altamente diferenciados quanto a sua destinação e podem ser constituídos através de processos muito diferentes. Du­rante as duas últimas décadas, o crescimento do IED relaciona-se a internaciona­lização da produção de bens e serviços. A internacionalização da produção nas manufaturas é particularmente importante quando se trata de estabelecr os fluxos do IED nos países em desenvolvimento.

Em comparação com a década de 1950, a de 1980 presenciou um estreita­mento da geografia da economia global e de um eixo Ocidente-Oriente muito mais sólido. Esse fato fica evidente no pronunciado crescimento do comércio e dos investimentos no âmbito daquilo que freqüentemente é citado como a tríade: Estados Unidos, Europa ocidental e Japão. Os fluxos de IED para os países desenvolvidos cresceram a uma taxa média anual de 24%, entre 1986 e 1990, alcançando um valor de 172 bilhões de dólares em 1990, quando o fluxo de IED, em escala mundial, foi de 203 bilhões de dólares (ver tabela 2.1). Em meados da década de 1980, 75% do capital de IED e 84% do capital de IED aplicado em serviços encontrava-se em países desenvolvidos. A esse respeito, há uma grande concentração até mesmo no que se refere aos países desenvolvidos. Os quatro países que receberam a maior quantidade de IED (Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha) respondiam por metade dos fluxos mundiais nos anos oiten­ta; os cinco maiores exportadores de capital (Estados Unidos, Reino Unido, Ja­pão, França e Alemanha) respondiam por 70% do total do fluxo para o exterior.

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Tabela 2.2Os 30 bancos principais do mundo classificados de acordo com seus ativos, 1991a

AtivosPosição Banco Cidacle País

1 Dai-Ichi Kangyo Bank Ltd. Tóquio Japão2 Sumitomo Bank Ltd. Osaka Japão3 Sakura Bank Ltd. Tóquio Japão4 Fuji Bank Ltd. Tóquio Japão5 Sanwa Bank Ltd. Osaka Japão6 Mitsubishi Bank Ltd. Tóquio Japão7 Norinchukin Bank Tóquio Japão8 Credit Agricole Mutuei Paris França9 Credit Lyonnais Paris França10 Industrial Bank of Japan Ltd. Tóquio Japão11 Deutsche Bank AG Frankfurt Alemanha12 Banque Nationale de Paris Paris França13 Barclay’s Bank Plc Londres Reino Unido14 Takai Bank Ltd. Nagoya Japão15 Mitsubishi Trust & Banking Corp. Tóquio Japão16 ABN-AMRO Bank Ltd. Nagoya Japão17 Sumitomo Trust & Banking Co. Ltd. Osaka Japão18 National Westminster Bank Plc Londres Reino Unido19 Mitsui Trust & Banking Co. Ltd. Osaka Japão20 Societe Generale Paris França21 Long-Term Credit Bank of Japan Ltd. Tóquio Japão22 Bank of Tokyo Ltd. Tóquio Japão23 Kyowa Saitama Bank Ltd. Tóquio Japão24 Dresdner Bank Frankfurt Alemanha25 Daiwa Bank Ltd. Osaka Japão26 Union Bank of Switzerland Zurique Suíça27 Yasuda Trust & Banking Co. Ltd. Tóquio Japão28 Istituto Bancario San Paulo di Torino Turim Itália29 Citibank NA Nova York Estados Unidos30 Toyo Trust & Banking Co. Ltd. Tóquio Japão

IjBancos classificados por seus ativos em 31 de dezembro de 1991 ou pelo fim do ano fiscal mais próximo. As holdings estão excluídas.Fonte: The American Banker, 1992.

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A concentração financeira fica evidente quando se examina a classificação dos principais bancos do mundo (ver tabela 2.2 e também o capítulo 5).

Embora as taxas de crescimento dos investimentos nos países em desenvol­vimento fossem muito mais baixas do que nos países desenvolvidos, elas eram altas em termos absolutos, fato que reflete a crescente internacionalização da atividade econômica (ver tabela 2.1). O investimento internacional nos países em desenvolvimento teve sua participação diminuída na década de 1980, tendo au­mentado em valores absolutos e recuperado a participação no início da década de 1990. Desde 1985 o IED tem crescido a uma taxa anual de 22%, em comparação com a taxa de 3%, entre 1980 e 1984, e de 13%, entre 1975 e 1979. No entanto, a participação nos fluxos, em escala mundial, que se direciona para os países desen­volvidos como um todo, caiu de 26 para 17%, entre o início e o fim da década de 1980, o que chama a atenção para o vigor desses fluxos no que tange à tríade (Estados Unidos, Europa ocidental e Japão). A maior parte do fluxo direcionado para os países em desenvolvimento encaminhou-se para o leste, sul e sudeste da Ásia, onde a taxa anual de crescimento alcançou uma média de 37% ao ano entre 1985e 1989.

Houve um momento em que a América Latina era a maior região receptora do IED. De 1985 a 1989, a participação da América Latina no fluxo total direcio­nado para os países em desenvolvimento caiu de 49 para 38%. A participação do Sudeste Asiático elevou-se de 37 para 48%. Entretanto, o aumento absoluto do IED foi tão elevado que, apesar da queda da participação, a América Latina obteve aumentos na quantidade de IED, sobretudo no final dos anos oitenta e início dos noventa, embora tais aumentos se concentrem, principalmente, em alguns poucos países. As cifras apresentadas assinalam a emergência do Sudeste Asiático como um espaço transnacional fundamental para a produção. Pela pri­meira vez a região asiática superou a América Latina e o Caribe como a maior região receptora do IED entre os países em desenvolvimento.

Composição

Nos anos cinqüenta o maior fluxo internacional era representado pelo co­mércio mundial, concentrado em matérias-primas, outros produtos primários e manufaturas baseadas em recursos próprios. Nos anos oitenta o hiato entre a taxa de crescimento das exportações e dos fluxos financeiros se alargou profundamen­te. Embora existam graves problemas relativos à medição, o aumento das transa­

ções financeiras e de prestação de serviços, foi suficientemente grande para não deixar margem a dúvidas especialmente em relação às primeiras (ver tabela 2.3). Por exemplo, os fluxos externos do IED, em escala mundial, quase triplicaram entre 1984 e 1987, cresceram mais 20% em 1988 e ainda mais 20% em 1989. Por volta de 1990, a participação do IED em escala mundial correspondia a 1,5 trilhão de dólares e a 2 trilhões de dólares, em 1992. Após a baixa de 1981-1982 e até 1990, o IED global cresceu a uma taxa média de 29% ao ano, o que é um crescimento histórico.

Muitos fatores contribuíram para o crescimento do IED: vários países de­senvolvidos tornaram-se grandes exportadores de capital, sobretudo o Japão; o número de fusões e aquisições que ultrapassam as fronteiras nacionais aumentou enormemente; o fluxo de serviços e de corporações multinacionais que atuam na área de serviços se firmou como um componente de grande importância no que se refere à economia mundial. Os serviços, que respondiam por cerca de 24% da participação mundial no IED no início da década de 1970, chegaram a 50% de participação no IED e a 60% dos fluxos anuais totais no final da década de 1980. O maior receptor de IED em serviços, nos anos oitenta — a década de crescimen­to desses fluxos —, foi a Comunidade Européia, mais uma indicação de uma geografia muito distinta no tocante às transações mundiais. Deve-se notar, porém, que esses fluxos também aumentaram em termos absolutos no caso dos países menos desenvolvidos.

Outra grande transformação foi o elevado crescimento do número e do peso econômico das corporações multinacionais (CMs), empresas que operam em mais de um país por meio de filiais, subsidiárias ou outras composições. O papel fundamental exercido pelas corporações multinacionais pode ser visto no fato de as CMs americanas e estrangeiras terem respondido por 80% do comércio inter­nacional nos Estados Unidos, no final da década de 1980. Além disso, mais de um terço do comércio internacional, nos Estados Unidos, constituía-se, na verdade, de um comércio entre empresas, isto é, entre unidades geograficamente separadas de uma mesma companhia (UNCTC, 1991, cap. 3). Quase todo o IED e uma grande participação na transferência da tecnologia são levados a efeito pelas CMs.

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Quadro institucional

Como é que a “economia mundial” consegue ser coerente enquanto siste- I ma? Não podemos nos fiar na economia mundial e presumir que ela existe sim­plesmente porque as transações internacionais também existem. Uma questão levantada pelos dados expostos anteriormente é a de sabermos se as atividades i econômicas globais que ocorrem na atualidade representam uma simples mudan- I ça quantitativa ou se, na verdade, implicam uma mudança no regime internacional que governa a economia mundial. Em outro texto, afirmei que a ascendência das l finanças e dos serviços internacionais produz um novo regime, com conseqüên­cias distintas para outras indústrias, sobretudo a indústria manufatureira, e para o desenvolvimento regional, uma vez que as regiões tendem a ser dominadas por determinadas indústrias (Sassen, 1991). Uma das conseqüências desse novo regi­me é que as corporações multinacionais tornaram-se ainda mais fundamentais para a organização da economia mundial, e os novos mercados globais ou aqueles que muito se expandiram constituem, na atualidade, um elemento importante do quadro institucional.

Além de financiarem pesados déficits governamentais, os mercados de cré­dito financeiro, cujo crescimento explodiu nos anos oitenta, atenderam às necessi­dades das CMs a um ponto desproporcional. As corporações multinacionais também se firmaram como uma fonte direta de fluxos financeiros direcionados para os países em desenvolvimento através de aportes de IED e também indireta­mente, pois o IED estimula outras formas de fluxos. Sob certos aspectos, as CMs substituíram os bancos.1 A crise bancária de 1982 acarretou um profundo corte dos empréstimos bancários para os países em desenvolvimento, a ponto de o fluxo líquido agregado de recursos financeiros para esses países ter sido negativo durante boa parte da década de 1980. Para o bem ou para o mal, a corporação transnacional é hoje uma organizadora estratégica daquilo que denominamos eco­nomia mundial.

Os mercados financeiros globais despontaram como outra instituição funda­mental para a organização da economia mundial. O papel essencial dos mercados nas finanças internacionais, um componente-chave da economia mundial na atua­lidade, foi em parte suscitado pela chamada crise bancária do Terceiro Mundo, declarada formalmente em 1982. Foi uma crise dos grandes bancos multinacio­nais nos Estados Unidos, que haviam feito enormes empréstimos para os países e empresas do Terceiro Mundo incapazes de saldá-los. A crise criou um espaço no qual se movimentaram empresas financeiras altamente competitivas, desenca­deando uma nova era, durante a década de 1980, no mercado especulativo, nas

inovações e nos níveis de lucratividade. O resultado foi um período extremamente instável, mas que apresentou níveis quase que inconcebivelmente altos de lucros que alimentaram uma grande expansão do volume das transações financeiras internacionais. A desregulamentação foi outro mecanismo importante que facili­tou esse tipo de crescimento centrado na internacionalização e na especulação. Os mercados proporcionaram um quadro institucional que organizou esses grandes fluxos financeiros.

A formação de blocos internacionais de comércio é outro dado que contri­buiu para o novo quadro institucional. Os dois principais blocos, já aprovados, são o Livre Acordo Comercial Norte-americano (Nafta) e a União Européia (UE). (Têm havido relativamente poucas discussões sobre a institucionalização formal do bloco asiático na zona de influência do Japão). A especificidade de cada um dos dois grandes blocos de comércio que estão sendo implementados varia consi­deravelmente, mas ambos refletem com grande vigor a enorme capacidade do capital em ultrapassar fronteiras. É fundamental para a constituição desses blocos a livre movimentação dos serviços financeiros. O comércio, embora tenha recebi­do muito mais atenção, é menos significativo. Já existe um grande fluxo comer­cial entre os países de cada bloco e as tarifas já são baixas para muitas mercadorias. Os blocos do Nafta e da UE representam maior formalização do capital enquanto categoria transnacional, a qual opera em um outro nível que não aquele representado pelas CMs e pelos mercados financeiros globais.

Esses realinhamentos têm produzido profundas conseqüências. Uma das decorrências do nível extremamente alto de lucratividade na indústria financeira, por exemplo, foi a desvalorização das manufaturas enquanto setor, ainda que não necessariamente em todos os sub-ramos. Boa parte da política relativa à desregu­lamentação teve o efeito de tornar as finanças tão lucrativas que os investimentos se desviaram do setor manufatureiro. As finanças também encerram a possibilida­de de proporcionar imensos lucros, ao maximizarem a circulação do dinheiro e a especulação em torno dele — isto é, as operações de compra e venda — de um modo que o setor manufatureiro não consegue (por exemplo, securitização, múlti­plas transações durante um curto período, transferência de dívidas). A securitiza­ção, que desempenhou um papel fundamental, refere-se à transformação de vários tipos de bens, valores e créditos contra terceiros, bem como de dívidas, em instrumentos negociáveis. A década de 1980 presenciou a invenção de inúmeras maneiras de securitizar as dívidas. Um determinado agente pode organizar um pacote composto por inúmeras hipotecas e vendê-lo inúmeras vezes, ainda que o número de propriedades nele incluídas permaneça o mesmo. Essa opção não se encontra basicamente no setor manufatureiro. A mercadoria é fabricada e vendi­da. Uma vez que ingressa nos domínios da circulação, ela entra em outro conjun­

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to de indústrias ou setores da economia, e os lucros advindos de vendas subse­qüentes destinam-se para esses setores.

Tais mudanças na geografia e na composição das transações internacionais e os quadros através dos quais essas transações são implementadas têm contribuído para a formação de novos lugares estratégicos na economia mundial. Este é o tema do próximo tópico.

Lugares estratégicos

Três tipos de lugares, entre todos os demais, simbolizam as novas formas de globalização econômica: zonas de processamento das exportações, centros bancá­rios ojfshore e cidades globais. Existem também muitos outros espaços em que as transações internacionais se materializam. Os portos, com toda a certeza, conti­nuam a ser estratégicos, em um mundo de crescente comércio internacional, para a formação dos blocos internacionais direcionados ao comércio e ao investimento. Enormes distritos industriais, nos grandes países exportadores de manufaturados, tais como os Estados Unidos, Japão e Alemanha, são, de várias maneiras, locais estratégicos para a atividade internacional e, especificamente, para a produção destinada à exportação. Nenhum desses espaços, entretanto, apresenta aquela imagem prototípica da atual economia global.

Tem-se publicado muita coisa sobre as zonas de processamento de exporta­ções, que contêm determinados tipos de atividade menos prováveis de serem executadas em cidades. Não é o caso das finanças e dos serviços; portanto, não examinaremos tais atividades com detalhes. Basta dizer que são zonas situadas em países em que os salários são baixos, onde as empresas dos países desenvolvi­dos podem implantar fábricas para processar e/ou reunir componentes trazidos desses mesmos países e para eles reexportá-los. Em vários países desenvolvidos foi promulgada uma legislação a fim de tornar isso possível. O raciocínio básico que norteia essas zonas é o acesso à mão-de-obra barata, disponível para os estágios de intenso emprego nos processos de produção da empresa. A isenção de impostos e de padrões pouco exigentes quanto aos locais de trabalho, nessas zonas, constituem incentivos adicionais. Tais zonas são um mecanismo de funda­mental importância para a internacionalização da produção.

Em seguida abordarei rapidamente as cidades globais e os centros bancários offshore.

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As cidades globais

As cidades globais são os lugares-chaves para os serviços avançados e para as telecomunicações necessárias à implementação e ao gerenciamento das opera­ções econômicas globais. Elas também tendem a concentrar as matrizes das em­presas, sobretudo daquelas que operam em mais de um país. O crescimento do investimento e do comércio internacional e a necessidade de financiar e prestar serviços a essas atividades impulsionaram o crescimento dessas funções nas gran­des cidades. A erosão do papel exercido pelo governo na economia mundial, que era muito maior quando o comércio era a forma dominante de transação interna­cional, deslocou parte do trabalho de organização e de prestação de serviços para empresas especializadas na prestação de serviços e para os mercados globais que atuam nesse setor e no das finanças. Examinaremos rapidamente esses fatos, introduzindo, em primeiro lugar, o conceito de cidade global e, em seguida, descrevendo empiricamente a concentração das grandes empresas e mercados internacionais em várias cidades.

As formas específicas assumidas pela globalização, ao longo da última dé­cada, criaram determinadas exigências quanto à organização. A emergência de mercados globais para as finanças e serviços especializados, juntamente com o crescimento do investimento como um importante tipo de transação internacional, contribuiu para a expansão das funções de comando e para a demanda de serviços especializados por parte das empresas. Boa parte dessa atividade não é abrangida pela forma organizacional da corporação ou banco multinacionais, embora esse tipo de empresa responda por uma participação desproporcional nos fluxos inter­nacionais. Uma parcela considerável dessa atividade também não é abrangida pelo poder das multinacionais, freqüentemente invocado para explicar o fato da globalização econômica. Na verdade ele envolve questões relativas à produção e ao lugar. Algumas das hipóteses desenvolvidas em nosso recente trabalho desper­tam interesse, principalmente aquelas que examinam as formas espaciais e orga­nizacionais da globalização econômica e o trabalho de realizar operações econômicas transnacionais (Sassen, 1991). Esse modo de enquadrar a investiga­ção tem por efeito recuperar a centralidade do lugar e do trabalho nos processos de globalização econômica.

Uma proposição fundamental, na literatura da pesquisa sobre as cidades globais (Sassen, 1991; Friedmann & Wolff, 1982; Friedmann, 1986), indica que a combinação da dispersão geográfica das atividades econômicas e da integração dos sistemas, que está no centro da atual' era econômica, contribuiu para o papel estratégico desempenhado pelas grandes cidades. Em vez de se tornarem obsole­

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tas devido à dispersão que as tecnologias da informação possibilitaram, as cidades ' concentram funções de comando. A esse papel acrescentei duas funções adicio­nais: (1) as cidades são locais de produção pós-industrial para as principais indús­trias desse período, para o setor financeiro e os serviços especializados; (2) as cidades são mercados multinacionais, onde empresas e governos podem adquirir instrumentos financeiros e serviços especializados.

A dispersão territorial da atividade econômica, em escala nacional e mun­dial, acarretada pela globalização, criou novas formas de concentração. Essa dis- s persão territorial e contínua concentração da propriedade pode ser inferida de algumas das cifras relativas ao crescimento das empresas multinacionais e suas sucursais. A tabela 2.4 demonstra como é vasto o número de sucursais das corpo­rações multinacionais.

No caso da indústria financeira presenciamos uma dinâmica semelhante de integração global: mais e mais cidades e um aumento simultâneo de concentração no topo. Podemos identificar duas fases distintas. Até o final de 1982, quando ocorreu a crise de endividamento do Terceiro Mundo, os grandes bancos multina- 1 cionais dominavam os mercados financeiros em termos de volume e natureza das ’ transações financeiras. Após 1982, essa dominação foi cada vez mais desafiada por outras instituições financeiras e pelas grandes inovações que elas produziram. Tais desafios levaram a uma transformação dos principais componentes da indús- tria financeira, a uma proliferação das instituições financeiras e à rápida interna- ; cionalização dos mercados financeiros. O mercado e as vantagens da aglomeração ' e, em conseqüência, das cidades, assumiram um novo significado nos anos oiten­ta. Esses fatos levaram simultaneamente: (1) à incorporação de uma multiplicida­de de mercados do mundo inteiro a um sistema global que alimentou o crescimento da indústria após a crise da dívida ocorrida em 1982; (2) a novas formas de concentração, especificamente à centralização da indústria em alguns centros financeiros dominantes. Em decorrência, no exemplo da indústria finan­ceira, focalizar apenas os grandes bancos multinacionais significaria excluir pre­cisamente aqueles setores da indústria nos quais ocorreu boa parte do novo crescimento e da produção das inovações. Isso também deixaria de fora um exame do amplo espectro de atividades, empresas e mercados que constituíram a indústria financeira nos anos oitenta.

A dispersão geográfica das fábricas, escritórios e instalações destinadas à prestação de serviços e à integração de um número crescente de mercados de ações no mundo inteiro poderia ter sido acompanhada de uma correspondente descentralização do controle das funções fundamentais. Isto não ocorreu, porém.

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Tabela 2.4Cifras relativas às matrizes das corporações transnacionais e suas

filiais no exterior, por região e por país, 1990-1992

M atrizes com bases no país

Filiais estrangeiras localizadas no país

Ano

Todos os países desenvolvidos 33.500 81.800Países selecionados

Austrália 1.036 695 1992

Canadá 1.308 5.874 1991

França 2.056 6.870 1990

Alemanha (Rep. Fed.) 6.984 11.821 1990

Japão 3.529 3.150 1992

Holanda 1.426 2.014 1992

Suécia 3.529 2.400 1991

Suíça 3.000 4.000 1985

Reino Unido 1.500 2.900 1991

Estados Unidos 3.000 14.900 1990

Todos os países em desenvolvimento 2.700 71.300

Países selecionadosBrasil 566 7.110 1992

China 379 15.966 1989

Colômbia — 1.041 1987

Hong Kong 500 2.828 1991

Indonésia — 1.064 1988

M éxico — 8.953 1989

Filipinas — 1.952 1987

República da Coréia 1.049 3.671 1991

Arábia Saudita — 1.461 1989

Cingapura — 10.709 1986

Taiwan — 5.733 1990

Antiga Iugoslávia 112 3.900 1991

Europa Central e Oriental 400 21.800União dos Estados Independentes0 68 3.900 1992

Total Mundial 36.600 174.900

a Relativo à totalidade do território econômico da antiga União Soviética. Fonte: Baseada no UNCTAD (1993), p. 20-21.

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Page 9: As Cidades na Economia Mundial

Se organizarmos alguns dos dados sobre os fluxos financeiros de acordo com os lugares onde se localizam os mercados e as empresas, poderemos perce­ber distintos padrões de concentração. Os dados sobre os padrões de localização dos bancos^ e das instituições que operam com títulos apontam para uma nítida concentração. Por exemplo, a distribuição, em escala mundial, dos cem maiores bancos e das 25 maiores instituições que operam com títulos mostra que o Japão os Estados Unidos e o Reino Unido respondiam por 39 e 23 de cada uma dessas instituições, respectivamente (ver tabelas 2.5 e 2.6). Esse padrão persiste na déca­da de 1990, apesar das múltiplas crises financeiras.

Tabela 2.5Participação dos Estados Unidos, Japão e Reino Unido nos

100 maiores bancos do mundo, 1991 (em milhões de dólares)

Cifras Ativos CapitalJapão 27 6.572.416 975.192Estados Unidos 7 913.009 104.726Reino Unido 5 791.652 56.750Subtotal 39 8.277.077 1.136.668Demais países 61 7.866.276 1.263.771Total 100 16.143.353 2.400.439Fonte: Baseada no The Wall Street Journal, 24 set. 1992.

Tabela 2.6Participação dos Estados Unidos, Japão e Reino Unido nas

25 maiores empresas de títulos, 1991 (em milhões de dólares)

I

Cifras A tivos CapitalJapão 10 171.913 61.871Estados Unidos 11 340.558 52.430Reino Unido 2 44.574 3.039Subtotal 23 557.045 117.340Demais países 2 6.578 5.221

122.561Total 25 563.623

Fonte: Baseada no The Wall Street Journal, 24 set. 1992.

O mercado de ações ilustra muito bem esse padrão. De Bangcoc a Buenos Aires os governos desregulamentaram seus mercados de ações a fim de permitir sua participação em um sistema global de mercado. No entanto, existe imensa concentração nos principais mercados de ações, em termos de uma capitalização em nível mundial, isto é, o valor de empresas publicamente arroladas. O valor do mercado de ações nas empresas domésticas confirma a posição de liderança al­cançada por algumas poucas cidades (ver tabela 2.7). Em setembro de 1987, antes da crise do mercado acionário, esse valor correspondia a 2,8 trilhões de dólares nos Estados Unidos e a 2,89 trilhões no Japão. Em terceiro lugar vinha o Reino Unido, com 728 bilhões de dólares. Esses valores representam níveis extrema­mente elevados, o que é demonstrado pelo fato de o próximo valor mais alto ser encontrado na Alemanha Ocidental, uma economia importante, onde as ações domésticas representavam 23% do Produto Nacional Bruto e a capitalização era de 255 bilhões de dólares, portanto, a uma grande distância dos três primeiros colocados.

O que esses níveis de capitalização do mercado de ações representam nos países mais bem classificados é indicado por uma comparação entre as cifras do Produto Nacional Bruto. No Japão, a capitalização do mercado de ações eqüivalia a 64%, nos Estados Unidos, a 119% e no Reino Unido, a 118% do Produto Nacional Bruto. A concentração no lado operacional da indústria financeira evi- dencia-se pelo fato de a maioria das transações, no mercado de ações dos países líderes, estar concentrada em poucos mercados de ações. A bolsa de Tóquio responde por 90% das operações com ações no Japão. Nova York responde por cerca de dois terços dessas operações nos Estados Unidos e Londres, pela maior parte dos negócios com ações no Reino Unido. Existe, portanto, uma concentra­ção desproporcional da capitalização, em nível mundial, em poucas cidades.

Certos aspectos da dispersão territorial da atividade econômica podem ter levado a alguma dispersão dos lucros e das propriedades. Grandes empresas, por exemplo, aumentaram a subcontratação de pequenas empresas espalhadas pelo mundo, e muitas empresas nacionais, nos países recentemente industrializados, cresceram rapidamente graças aos investimentos realizados por empresas estran­geiras e ao acesso aos mercados mundiais, freqüentemente por meio de acordos com empresas multinacionais. No entanto, essa forma de crescimento faz parte de uma cadeia na qual um limitado número de corporações continua a controlar o produto final e fica com a maior parte dos lucros associados às vendas no merca­do mundial. Até mesmo aqueles que trabalham em suas casas para as indústrias, em áreas rurais distantes, agora fazem parte dessa cadeia (Sassen, 1988, cap. 4).

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Tabela 2.7Bolsas de ações selecionadas: porte do mercado, 1990

Valor do mercaclo _(em milhões de dólares) Companhias listadas (cifras) irmcis

Ações Títulos Domésticas Estrangeirasuieiriuro(cifras)

Nova York 2.692.123 1.610.175 1.678 96 516Tóquio 2.821.660 978.895 1.627 125 124Reino Unido

(sobretudoLondres)

858.165 576.291 1.946 613 410

Frankfurt 341.030 645.382 389 354 214Londres 304.388 481.073 443 226 44Zurique 163.416 158.487 182 240 27Toronto 241.925 — 1.127 66 71Amsterdã 148.553 166.308 260 238 152Milão 148.766 588.757 220 _ 113Austrália 108.628 46.433 1.085 37 90Hong Kong 83.279 656 284 15 686Cingapura 34.268 98.698 150 22 26Taiwan 98.854 6.551 199 _ 373Coréia 110.301 71.353 699 - 25

Fonte: Tokyo Stock Exchange 1992 Fact Book, abr. 1992. Tóquio, Departamento de Assuntos Inter- nacionais, Bolsa de Valores de Tóquio.

Dadas essas condições, a dispersão territorial da atividade econômica cria a necessidade da expansão do controle e do gerenciamento central, caso ocorra juntamente com a concentração econômica contínua. Isto, por sua vez, contribuiu para o papel estratégico desempenhado pelas grandes cidades na economia mun­dial da atualidade.

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Centros bancários offshore

Os centros financeiros offshore constituem outro importante ponto espacial nos circuitos mundiais dos fluxos financeiros. Esses centros são, acima de tudo, um paraíso fiscal, resposta que os atores do setor privado encontraram para a regulamentação governamental. Eles começaram a ser implementados na década de 1970, embora os paraísos fiscais internacionais existam há muito tempo sob várias formas incipientes. A década de 1970 presenciou a junção entre a interna­cionalização econômica crescente e o contínuo controle governamental da econo­mia nos países desenvolvidos, o que, em parte, foi um legado dos grandes esforços de reconstrução empreendidos na Europa e no Japão após a guerra. Os centros bancários offshore operam em grande parte com papéis. As Ilhas Cayman, por exempo, detêm mais de 250 bilhões de dólares em ativos bancários (dados do Fundo Monetário Internacional). Apesar de esse pequenino país sediar suposta­mente mais de 500 bancos do mundo inteiro, apenas 69 deles possuem escritórios nas ilhas e somente seis são bancos “de verdade”, operando com depósitos mone­tários, atendimento bancário e outras transações. Muitos dos outros existem ape­nas como se fossem pastas de papéis arquivadas em um escritório (Roberts, no prelo; Walter, 1989).

Esses centros offshore se localizam em várias partes do mundo. A maioria dos centros offshore asiáticos se encontram em Cingapura e Hong Kong; Manila e Taipei também são centros significativos. No Oriente Médio, Bahrein sobrepujou Beirute, em 1975, como o principal centro bancário offshore. Outros centros menos importantes se localizam no Kuwait, Dubai, Malta e Chipre. No Pacífico Sul encontramos centros importantes na Austrália e na Nova Zelândia e agrupa­mentos de centros menores em Vanuatu, Ilhas Cook e Nauru. Tonga e Samoa Ocidental procuram transformar-se em tais centros. No Oceano Índico os centros são encontrados nas Ilhas Seychelles e Maurício. Na Europa, a Suíça encabeça a lista e Luxemburgo é um centro importante. Os demais são Chipre, Madeira, Malta, a Ilha de Man e as Ilhas do Canal. Vários lugares pequenos estão se esforçando para competir com centros bem firmados: Gibraltar, Mônaco, Liech­tenstein, Andorra e Campione. O Caribe tem Bermudas, as Ilhas Cayman, Baha­mas, Turks, Caicos e as Ilhas Virgens Britânicas.

Por que existem os centros bancários offshore? Essa indagação é especial­mente pertinente dada a intensa desregulamentação dos grandes mercados finan­ceiros ocorrida na década de 1980 e a implantação de “zonas financeiras livres e internacionais” em várias grandes cidades de países muito desenvolvidos. O me­lhor exemplo dessas zonas, no que diz respeito à atividade financeira, é o euro-

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mercado, que teve início na década de 1960 e expandiu-se bastante, tendo Lon­dres como centro do sistema. Outros exemplos, como os que ocorreram em 1981, foram as agências bancárias internacionais nos Estados Unidos, sobretudo em Nova York, que permitiram aos bancos americanos adotarem medidas especiais no sentido de acolherem depósitos de entidades estrangeiras, livres de exigências de reserva e de limitações das taxas de juros. Tóquio, finalmente, presenciou a implementação de uma medida, em 1986, que permitiu a realização das transa­ções no mercado de dólares asiático naquela cidade. Isso significa que Tóquio acolheu parte do capital movimentado em Hong Kong, Cingapura e Bahrein, todos eles centros asiáticos de dólar.

Em comparação com os principais centros internacionais, os centros bancá­rios offshore oferecem certos tipos de flexibilidade adicional: sigilo, abertura parao dinheiro “quente” e certas opções “legítimas”, não inteiramente permitidas nos mercados desregulamentados dos grandes centros financeiros, e minimização das estratégias de taxação para as corporações internacionais. Assim, os centros off­sh ore são usados não apenas para as transações do euromercado, mas também para várias operações contábeis que têm por objetivo evitar o pagamento de impostos ou minimizá-los.

Em princípio, os euromercados de Londres fazem parte dos mercados off­sh ore. Foram implantados para evitar o sistema de regulamentação das taxas de câmbio e os desequilíbrios das balanças de pagamento contidos no Acordo de Bretton Woods, que data de 1945. Esse acordo estabeleceu um quadro legal para a regulamentação das transações internacionais, tais como as operações cambiais estrangeiras para aqueles países ou bancos desejosos de operar internacionalmen­te. Os euromercados eram iniciamente um mercado de eurodólar, onde os bancos dos Estados Unidos e de outros países podiam realizar transações com dólar e evitar as regulamentações americanas. Ao longo da última década outras moedas passaram a participar dele.

Nas finanças, o termo offshore* nem sempre significa além-mar ou estran­geiro. O termo significa basicamente que ocorrem menos regulamentações do que on shore, termo que se aplica a empresas e mercados não abrangidos por essa legislação especial. Os mercados on sh ore e offshore competem entre si. A desre- gulamentação, nos anos oitenta, trouxe de volta grande quantidade de capital depositado no exterior para os mercados on sh ore , sobretudo em Nova York e Londres. Não foi um fator insignificante, quando se tratou de convencer os gover­nos desses países a levar a efeito a desregulamentação dos mercados financeiros

* O termo significa literalmente “ afastado da costa” . Onshore seria o oposto (N. do T.).

na década de 1980. O “Big Bang” de Londres, que tanto chamou a atenção, e o “Petit Bang” de Paris, menos notório, são exemplos do processo de desregula-

Imentação dos mercados financeiros.Os euromercados são significativos no contexto das finanças internacionais.

De acordo com o BIS (Bank f o r In tern a tio n a l S e ttlem en ts), os depósitos desses mercados passaram de 9 bilhões de dólares, em 1964, a 57 bilhões, em 1970, e

; 661 bilhões, em 1981. A crise do petróleo foi importante para esse crescimento. No final da década de 1970 a pressão em favor da desregulamentação fez-se sentir com muito vigor nos Estados Unidos. Naquela década, esses mercados

\ foram importantes no que diz respeito às transações financeiras internacionais. Na década de 1980 adquiriram importância os eurotítulos e as eurobrigações, isto é, títulos e obrigações negociados offshore, fora dos quadros regulamentares. A securitização foi fundamental nos anos noventa, contribuindo para o crescimento, ao tornar líquidas aquelas formas de dívida que não tinham liquidez.

Os centros bancários offshore se originaram basicamente dos paraísos fis­cais na década de 1970, e essa é uma das características que os diferenciam dos euromercados. Atualmente alguns centros offsh ore não passam de paraísos fiscais,

i enquanto antigos paraísos fiscais tornaram-se centros bancários offsh ore em pleno desenvolvimento. Muitos centros offshore especializam-se em determinadas ativi­dades bancárias, seguros e outras transações financeiras. Existem inúmeros pe-

I quenos centros bancários offshore nas regiões que se situam no mesmo fuso : horário dos três grandes centros financeiros (Nova York, Londres e Tóquio). Tais

centros offshore marginais se encarregam de alguns negócios que são contratados nos centros principais e na região abrangida pelo fuso horário. No entanto, nem toda atividade offshore se relaciona com os grandes centros, nem a localização dos centros offshore é totalmente determinada pelos fusos horários.

Em resumo, os centros bancários offsh ore representam uma localização alta­mente especializada para certos tipos de transações financeiras internacionais. Eles também atuam como um pára-choque, caso os governos dos principais cen­tros financeiros do mundo decidam desregulamentar os mercados financeiros. Em uma escala mais ampla de operações eles, entretanto, representam uma fração dos mercados de capital hoje concentrados nas cidades globais.

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Conclusão: após a Pax Americana Notas

A economia mundial jamais foi um acontecimento planetário; sempre teve fronteiras mais ou menos definidas. Além disso, embora a maioria das grandes indústrias estivessem completamente envolvidas, aquelas que dominavam em de­terminados períodos mudaram ao longo do tempo, contribuindo para estrutura­ções bem definidas da economia mundial. Finalmente, o quadro institucional através do qual a economia mundial mantém sua coesão também variou grande­mente, a partir dos antigos impérios e desembocando no quase-império da Pax Americana — o período de predomínio político, econômico e militar dos Estados Unidos — e seu colapso na década de 1970.

Foi por ocasião do colapso da Pax Americana, quando as economias recupe­radas da Europa ocidental e do Japão reingressaram nos mercados internacionais, que presenciamos o surgimento de uma nova fase da economia mundial. Existe concordância, entre os especialistas, que em meados da década de 1970 novos padrões da economia mundial se tornaram evidentes. Em primeiro lugar, o eixo geográfico das transações internacionais deslocou-se do norte-sul para o leste- oeste. Nesse processo, significativas regiões da África e da América Latina des­prenderam-se de seus fortes laços anteriores com os mercados mundiais de bens e de matérias-primas. Em segundo lugar, houve um notável crescimento do peso do investimento estrangeiro direto em serviços e do papel desempenhado pelos mer­cados financeiros internacionais. Em terceiro lugar, ocorreu o colapso do Acordo de Bretton Woods, que havia instituído o quadro institucional no qual a economia mundial vinha operando desde o final da Segunda Guerra Mundial. Esse colapso ligou-se claramente ao declínio dos Estados Unidos como o poder econômico e militar que dominava o mundo. As multinacionais e os bancos japoneses e euro­peus tornaram-se grandes competidores das empresas americanas.

Esses realinhamentos são fundamentais para o entendimento da posição de diferentes tipos de cidades na atual organização da economia mundial. Um núme­ro limitado de grandes cidades sedia os principais mercados financeiros e as mais importantes empresas especializadas na prestação de serviços. Um grande núme­ro de outras cidades importantes deixou de ser centro exportador de destaque, no que se refere aos manufaturados, precisamente devido à descentralização da pro­dução. A mudança de papéis, no que diz respeito às grandes cidades da nova economia mundial, será objeto de estudo do próximo capítulo.

1 Os IEDs por parte das corporações multinacionais podem ser financiados através de bancos multinacionais ou mediante créditos de mercado multinacionais. Em meados da década de 1980, notou-se grande aumento da participação destes últimos e grande declí­nio dos primeiros (ver Sassen, 1991, cap. 4).

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