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As contribuições da Cartografia Temática para Análise das Percepções Topofílicas/Topofóbicas das Lideranças Comunitárias do Bairro Restinga antes e
depois da implementação do Orçamento Participativo
Helena Bonetto* Éder Luís da Silva Rodrigues*
INTRODUÇÃO
O presente trabalho inicia-se com o desenvolvimento da pesquisa de mestrado
sobre as percepções topofílicas/topofóbicas das lideranças comunitárias do bairro
Restinga antes e depois da implementação do Orçamento Participativo (OP) concluída
em 2013. Os procedimentos metodológicos deste estudo foram realizados em dois
momentos. O primeiro momento compreende a coleta de dados, a qual envolveu a
revisão bibliográfica sobre a formação do bairro Restinga e sobre a história e o
funcionamento do OP, uma etapa de campo exploratório, o levantamento dos
equipamentos conquistados e entregues via OP no website da prefeitura de Porto
Alegre, a realização de 14 entrevistas do tipo narrativas com lideranças comunitárias e
as transcrições das entrevistas.
No segundo momento realizou-se a análise dos dados, onde foi efetuada a
análise de conteúdo das entrevistas, a classificação das demandas conquistadas, a
construção de gráficos por temática, a elaboração de mapas com a localização dos
equipamentos públicos por temática e a construção do Holograma Espacial.
Durante a análise de dados optou-se por fazer mapas temáticos,os quais
possibilitaram realizar a análise espacial das obras conquistadas através do OP em
diferentes aspectos, tais como: a localização e a concentração das obras por temática em
determinados locais do bairro. Através da representação espacial foi possível verificar a
relação entre localização das obras, localização das associações de bairro e articulação
das lideranças locais e comunidade para participação no OP para conquista de
equipamentos públicos.
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* Helena Bonetto – doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). E-mail: [email protected] * Éder Luís da Silva Rodrigues – graduando do curso de Geografia da UFRGS. E-mail: [email protected]
A cartografia temática também complementou dados obtidos através das
narrativas sobre os equipamentos públicos conquistados através do OP.
Para o maior entendimento sobre a proposta deste artigo, entendemos que ele
deveria ser divido em três seções: a primeira seção traz uma breve história sobre OP de
Porto Alegre, a segunda seção trata da formação do bairro Restinga e suas conquistas no
OP e a terceira seção explica de que forma a cartografia temática foi usada na pesquisa
como procedimento metodológico e por fim algumas considerações finais.
1. BREVE HISTÓRIA DO OP
O Orçamento Participativo de Porto Alegre, implantado em 1989 durante a
primeira gestão do Partido dos Trabalhadores (PT), é considerado um marco histórico
para a democracia brasileira, pois abriu a possibilidade de uma coogestão do orçamento
público entre a população e o governo local.
Os estudos realizados por Fedozzi (2000), Avritzer (2003), Gugliano e Souza
(2000a; 2000b; 2006a; 2006b) sobre o OP de Porto Alegre apontam que suas raízes são
anteriores à administração do PT e estão intimamente ligadas ao cenário socioespacial
de Porto Alegre. Para esses autores, a capacidade de organização da população
portoalegrense foi definida a partir da década de 1960, período no qual a cidade passou
por vários processos de urbanização precária em função do crescimento populacional.
Dessa forma, a partir dos anos 60, Porto Alegre recebeu populações oriundas
do interior do Estado do Rio Grande do Sul. Assim, o aumento da população foi
consequência das transformações sócio-econômicas brasileiras, pois o país passou de
agrário-exportador a urbano e industrial.
O êxodo rural para Porto Alegre fez com que a população do centro da cidade
aumentasse drasticamente. Entretanto, essa área da cidade não possuía infraestrutura
para atender essas populações e os governantes desse período estavam preocupados com
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a modernização da cidade, por isso adotaram políticas que consistiam na remoção
daquelas pessoas do centro da cidade para lugares distantes.
A população das vilas dos arredores do centro da capital gaúcha era levada –
muitas vezes sem consentimento – para lugares distantes e sem nenhuma infraestrutura.
A precariedade desses locais, onde literalmente essas pessoas eram jogadas, fez com
que elas se mobilizassem e se organizassem em associações de moradores para
reivindicar melhores condições de sobrevivência.
Entre os fatores que permitiram a implantação do OP na capital gaúcha
encontramos: a precariedade de infraestrutura nas vilas populares, a intensificação do
associativismo, a fundação da Federação Riograndense de Associações Comunitárias e
Amigos do Bairro (FRACAB) e a fundação da União das Associações de Moradores de
Porto Alegre (UAMPA), a administração do Partido Democrático Trabalhista (PDT) e a
formação dos Conselhos Populares.
A organização do OP atual, segundo o Regimento Interno do OP – Critérios
Gerais, Técnicos e Regionais de 2010/2011, em se dá em dezessete regiões da cidade.
Tendo um ciclo anual divido em: reuniões preparatórias, assembléias regionais,
assembléias temáticas, análise das demandas e matriz orçamentária, votação da matriz
orçamentária, detalhamento do plano de investimentos e serviços, discussões nos fóruns
temáticos e regionais do regimento interno e votação do regimento interno. Na próxima
seção veremos a formação do bairro Restinga e suas conquistas no OP.
2. OP NA BAIRRO RESTINGA
A Restinga é um bairro da periferia da cidade de Porto Alegre (figura 2), e
recebeu esse nome pela sua vegetação ciliar do Arroio do Salso e por existirem, naquela
região, figueiras e maricás. Os estudos de Soster (2001), Dal Molin (2007) e Gamalho
(2009), realizados sobre o bairro, apontam que sua formação iniciou-se a partir da
aquisição pela Prefeitura de Porto Alegre, em 1960, de uma área para remoção da
população moradora das malocas das vilas Marítimo, Santa Luzia, Dona Theodora,
Ilhota que se localizavam na área central de Porto Alegre.
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Os moradores dessas vilas foram arrancados de suas casas violentamente,
levados à força para um lugar distante 22 km do centro da cidade, o qual não possuía
nenhuma infraestrutura. É possível observar essa afirmação na seguinte fala de Carlos:
Eu fazia só remoções, eu botava a casa deles no caminhão, a família junto, e vinha pra cá, com
casa, mudança e família tudo em cima, às vezes não eram casinha, era quase o dobro do
caminhão, sobrava um metro, dois metros para lado.
Para os entrevistados, a política de remoções das famílias do centro da cidade
para a Restinga tinha um único objetivo, esconder a miséria dos demais moradores de
Porto Alegre. Algumas frases ditas pelos entrevistados são recorrentes: a Restinga é o
tapete verde da cidade, varreram a sujeira do centro e largaram aqui (Geni, janeiro de
2012);
Por conseguinte, ao mesmo tempo em que eram abertas grandes avenidas e
viadutos, ou seja, ocorria a modernização da capital gaúcha, os governantes daquela
época entendiam que levando as populações dessas vilas para longe do centro da cidade
estariam promovendo aquelas pessoas, pois estavam possibilitando um novo ambiente
para que elas pudessem ter uma nova vida. A ocupação do espaço da Restinga é
profundamente marcada pela ausência de equipamentos urbanos e por esse motivo
mobilizou os primeiros moradores para se organizarem para pressionar o poder público
por melhores condições de vida.
Os moradores se organizaram de diferentes formas, tais como: clube de mães,
associações de moradores, organizações não governamentais, entre outras formas.
Contudo, a partir da década de noventa a organização em associações de moradores,
passa a predominar no bairro. É partir dessa organização que se torna viável a
participação no OP, pois no processo que envolve o apontamento de demandas nas
plenárias regionais as associações de moradores são fundamentais porque a grande
maioria das reuniões preparatórias acontecem dentro delas.
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Figura 1: Localização do bairro Restinga no município de Porto Alegre. Fonte: Prefeitura Municipal de Porto Alegre
É também nas reuniões preparatórias que são indicados o número de delegados
que vão compor o Fórum de Delegados (FROP). Para cada dez representantes nas
reuniões, são indicados dois delegados. Quanto mais delegados uma associação tiver,
maior é seu poder de articulação no FROP.
Para nossos narradores, nos últimos anos o OP tornou-se a principal via de
conquista de equipamentos urbanos na Restinga. Conforme as falas das lideranças: ...eu
tenho outros mecanismos para conseguir coisas para comunidade, o OP não é um
mecanismo só, o OP é uma porta, é uma das portas principal... (Vitor, fev.2012).
É durante as reuniões do FROP que acontecem as articulações entre os
delegados e são definidas as prioridades para cada local do bairro. Tendo em vista que a
Restinga esta divida segundo seus moradores em 27 vilas (fig. 2). E os delegados são
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fundamentais, pois articulam as demandas segundo as necessidades de cada uma das
unidades do bairro.
Os principais equipamentos públicos conquistados através do OP foram: a
pavimentação, saneamento básico, iluminação pública, construção de creches, reforma
de escolas de ensino fundamental, reforma e construção de postos de saúde entre outros.
Os equipamentos públicos que foram cartografados para trabalho foram a pavimentação
e o saneamento básico. Abaixo seguem os mapas.
Figura 2: Unidades da Restinga Fonte: Gamalho (2009) e
narrativas realizadas durante esta dissertação
Figura 3 – Associações de Moradores divididas em Unidades
do bairro Elaborado por Helena Bonetto Fontes: lideranças entrevistas
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Na próxima seção destacaremos as contribuições que a cartografia temática
trouxe para análise dos dados levantados através das narrativas e do website da
Prefeitura de Porto Alegre. E, ainda, outras análises, que foram realizadas após a
entrega da dissertação com a continuidade da construção de mapas a partir do banco de
dados dos equipamentos públicos obtidos através do OP.
3. CARTOGRAFIA TEMÁTICA COMO UM PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
A construção de uma cartografia envolve diferentes elementos, tendo em vista
que o mapa tem como objetivo representar espacialmente um fenômeno social ou
natural. A cartografia temática trata-se para Duarte:
Da parte da cartografia que diz respeito ao planejamento, execução e impressão de mapas sobre um fundo básico, ao qual serão anexadas
Figura 5: Obras da Temática de Pavimentação
Fonte: <http://www.portoalegre.rs. gov.br/op_prestacao/acomp>
Figura 4: Obras Temática de Saneamento Fonte:<http://www.portoalegre.rs.gov.br/o
p_prestacao/acomp>
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informações através de simbologia adequada, visando atender as necessidades de um público específico. E tem como objetivos fornecer, com o auxílio de símbolos dispostos sobre uma base de referência, uma representação convencional dos fenômenos localizáveis de qualquer natureza e de suas correlações (DUARTE, 1991, p.138).
Para construção de um mapa necessitamos de uma linguagem cartográfica, ou
seja, o conjunto dos símbolos cartográficos e seus significados adequados para os
fenômenos que necessitamos representar.
Durante a dissertação a cartografia temática foi utilizada em diferentes
momentos, o primeiro deles buscou dar conta da localização do bairro (fig. 1), a divisão
do bairro Restinga adotada pelos moradores (fig. 2), a qual representa diferentes
momentos da constituição do bairro, a localização das associações de moradores (fig.
3), a localização dos equipamentos públicos de pavimentação (fig. 4) e
saneamento(fig.5) e a correlação entre a localização das associações de moradores e as
obras de pavimentação (fig.6).
A cartografia temática gerada a partir da divisão do bairro e da localização dos
equipamentos urbanos possibilitou inferir que a pavimentação tem seu maior
adensamento nas divisões do bairro que correspondem a Chácara do Banco e o Núcleo
Esperança e estão localizadas na parte do bairro que corresponde a Restinga Velha.
A Restinga Velha é chamada assim por ser o local que recebeu as primeiras
remoções que constituíram o bairro, é a parte do bairro mais carente, a qual necessitava
de mais equipamentos urbanos básicos.
Portanto, a espacialização dos equipamentos demonstra a relação entre a
formação do bairro, a luta e conquista de equipamentos urbanos via OP, tendo em vista,
que na Restinga Velha estão localizadas as obras de equipamentos básicos, tais como:
saneamento e pavimentação. Contudo, após o termino da dissertação ficaram algumas
interrogações pendentes, principalmente entre a relação da localização das associações
de moradores e conquista de outros equipamentos urbanos, como postos de saúde,
escolas, entre outros.
As narrativas que evidenciavam que as associações de moradores que estavam
mais mobilizadas dentro do OP, eram a Associação de Moradores Chácara do Banco e a
Associação de Moradores Núcleo Esperança I: ... o núcleo esperança era o único que
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era organizado, era o núcleo esperança e Chácara do Banco. Mas, como o nosso era
mais centralizado, ela tinha muita participação e tinha muita influência... (Tatiana –
Núcleo Esperança, fev.2012.). Para verificar a relação entre associações de moradores e
obtenção de equipamentos urbanos, foi construído o mapa da figura 6, segue abaixo.
A construção do mapa permitiu inferir que as associações de moradores que
estavam mais organizadas no período analisado (1990-2010) para participação no OP
foram aquelas que por conseqüência obtiveram mais equipamentos urbanos para o lugar
do bairro onde estão localizadas.
A adoção da cartografia temática como procedimento metodológico possibilitou
realizar análise espacial das obras conquistadas através do OP em diferentes aspectos,
tais como: a localização e a concentração das obras por temática em determinados locais
do bairro.
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Figura 6: – Obras de Pavimentação e Associação de Moradores
Fonte lideranças comunitárias e : <http://www.portoalegre.rs.gov.br/op_prestacao/acomp> Elaborado por Helena Bonetto
Através da análise foi possível verificar a relação entre localização das obras,
localização das associações de bairro e articulação das lideranças locais e comunidade
para participação no OP para conquista de equipamentos públicos. A cartografia
temática também complementou dados obtidos através das narrativas sobre os
equipamentos públicos conquistados através do OP.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O uso da cartografia temática possibilitou a espacialização das obras dos
equipamentos urbanos conquistados pelos moradores da Restinga via OP. Foi possível
observar as relações existentes entre a formação do bairro e a demanda de equipamentos
urbanos básicos, tais como a pavimentação e o saneamento.
A construção dos mapas com a localização dos equipamentos urbanos
conquistados provocou a necessidade de também localizar as associações de moradores
para verificar a relação entre obtenção de equipamentos e a organização dos moradores
em associações, ou seja, a unidades que possuíam associações de moradores bem
organizadas conquistaram mais equipamentos públicos.
Os dados espacializados nos permitiram verificar que participação no OP através
das associações de moradores e obtenção de equipamentos urbanos estão intimamente
relacionadas. Contudo, este trabalho encontra-se ainda em aberto, pois o banco de dados
ainda não foi totalmente espacializado, portanto ainda existem reflexões a serem feitas
com a construção de novos mapas.
REFERÊNCIAS AVRITZER, Leonardo Zander (Org). A inovação democrática no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002.
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DAL MOLIN, Fábio. Redes sociais e micropolíticas da juventude. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007. DUARTE, Paulo Araujo. Conceituação da Cartografia Temática. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/geosul/article/view/12774/11946> Acesso 11 de jun.214. FEDOZZI, Luciano Joel. O poder da aldeia: gênese e história do Orçamento Participativo de Porto Alegre. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2000. GAMALHO, Nola Patrícia. A Produção da periferia: das representações do espaço ao espaço de representação no Bairro Restinga. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. PORTO ALEGRE (Prefeitura Municipal). Regimento – Critérios gerais, técnicos e regionais – 2011/2012. Porto Alegre, 2010. Disponível em: <http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/op/usu_doc/pa002010-op_reg_int.pdf> Acesso em: 15 de mar. de 2011. SOUZA, Marcelo Lopes de. Para o que serve o Orçamento Participativo? Disparidade de expectativas e disputa ideológica em torno de uma proposta em ascensão. Cadernos IPPUR/UFRJ, Rio de Janeiro, ano 14, n. 2, p. 123-142, ago./dez. 2000a.
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