AS DIVERSAS EXPRESSÕESE O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA NA ESCOLA

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AS DIVERSAS EXPRESSÕESE O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA NA ESCOLA Ângela Meyer Borba 1 Cecília Goulart 2 A dança, o teatro, a música, a literatura ,as artes visuais e as artes plásticas representam formas de expressão criadas pelo homem como possibilidades diferenciadas de dialogar com o mundo. Esses diferentes domínios de significados constituem espaços de criação, transgressão, formação de sentidos e signicados que fornecem aos sujeitos, autores ou contempladores, novas formas de inteligibilidade, comunicação e relação coma vida, reproduzindo-a e tornando- a objeto de reecxão. Sendo assim, convidamos os professores para reetirem conosco sobre esses espaços nas escolas. Que sentidos assumem na formação das crianças e dos adolescentes? Como incorporá-los nas práticas pedagógicas cotidianas e no currículo escolar? O debate atual em torno da necessidade de incluir a dimensão artístico-cultural na formação de crianças e de adolescentes caminha na Pescadores de vida Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para descobrir o mar.Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas,esperando.Quando o menino e o pai en m alcançaramaquelas alturas de areia, depois de muitocaminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar e tanto o seu fulgor,que o menino cou mudo de beleza. E quando nalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:- Me ajuda a olhar! Eduardo Galeano 1 Doutora em Educação – Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF). 2 Doutora em Letras – Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).

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AS DIVERSAS EXPRESSÕESE O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA NA ESCOLA Ângela Meyer Borba1Cecília Goulart2A dança, o teatro, a música, a literatura ,as artes visuais e as artes plásticas representam formas de expressão criadas pelo homem como possibilidades diferenciadas de dialogar com o mundo. Esses diferentes domínios de significados constituem espaços de criação, transgressão, formação de sentidos e significados que fornecem aos sujeitos, autores ou contempladores, novas formas de inteligibilidade, comunicação e relação coma vida, reproduzindo-a e tornando-a objeto de reflecxão. Sendo assim, convidamos os professores para refletirem conosco sobre esses espaços nas escolas. Que sentidos assumem na formação das crianças e dos adolescentes? Como incorporá-los nas práticas pedagógicas cotidianas e no currículo escolar? O debate atual em torno da necessidade de incluir a dimensão artístico-cultural na formação de crianças e de adolescentes caminha naPescadores de vidaDiego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para descobrir o mar.Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas,esperando.Quando o menino e o pai enfim alcançaramaquelas alturas de areia, depois de muitocaminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar e tanto o seu fulgor,que o meninoficou mudo de beleza. E quandofinalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:- Me ajuda a olhar!Eduardo Galeano1Doutora em Educação – Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).2Doutora em Letras – Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).

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8direção não apenas das questões relativas aoacesso e à apropriação da produção existente,como também da organização da escola comoespaço de criação estética. Nesse contexto,a arte não está a “serviço da educação” (Os-tetto e Leite, 2004), mas constitui-se comoexperiência estética e humana, como área deconhecimento que tem seus conteúdos pró-prios. É importante não reduzir a arte a merorecurso ou pretexto para o ensino de conteúdosprivilegiados na escola, pois qualquer tentativade normatizá-la como recurso didático leva àsua destruição. Como nos diz Kramer (1998)“Para ser educativa a arte precisa ser arte e nãoarte educativa”. O que significa então trabalharcom arte nas escolas?Para encaminhar essa discussão, vamos re-fletir sobre as relações entre arte, cultura econhecimento no espaço escolar, focalizandoa impor t ânc i a da ap rec i ação e da c r i a ção artístico-cultural na formação das crianças.Refletiremos, também, sobre possibilidades detrabalho com as variadas formas de expressõesartísticas.Arte, cultura, conhecimento eeducação: apreciação e criaçãoestéticaA arte, a linguagem e o conhecimento, demodo geral, são frutos da ação humana sobreo mundo, sobre a realidade. Ao mesmo tempoem que os criamos, agem sobre nós, identifi-cando-nos de muitas maneiras, dependentesdo tempo histórico e dos grupos sociais emque nascemos. A arte, a linguagem e o co-nhecimento fazem parte do acervo cultural dohomem, como resultado de suas necessidadesfilosóficas, biológicas, psicológicas e sociais,entre outras. Estabelecemos novas realida-des, novas formas de inserção no mundo ede visão deste mesmo mundo, quando, comoautores e atores, dançamos, pintamos, tocamosinstrumentos, entre muitas outras possibilidades,elaborando e reconhecendo de modo sensívelnosso pertencimento ao mundo.A chamada natureza humana não existe demodo independente da cultura; o homem,diferentemente dos animais, não é capaz deorganizar sua experiência sem a orientaçãode sistemas simbólicos. Os símbolos não sãosimples expressões e instrumentos da naturezahumana – são historicamente constituidoresda natureza das pessoas, de diferentes maneiras.Há situações culturais, formas de vida, objetose saberes que são peculiares a determinadosgrupos e sociedades e não podem ser despre-zados, sob o risco de serem descaracterizadoscultural e politicamente, despersonalizados,pelo valor humano essencial que possuempara aquelas pessoas que têm suas vidas poreles marcadas. Na educação, considerando os objetivos dealargar e aprofundar o conhecimento do serhumano, possibilitando-lhe maior compreen-são da realidade e maior participação social,não podemos prescindir de trabalhar com aarte. Daí a necessidade de levar crianças e ado-lescentes a participar de exposições de váriostipos, assistir afilmes, danças, ouvir músicasde diferentes compositores, entre muitas outrasatividades. Hoje, por meio de novas tecnolo-gias como CDs, DVDs, e mesmo a televisão,esse trabalho está facilitado.É importante também que as crianças tenhamacesso a livros de arte (há coleções inclusiveem bancas de jornal), de literatura e tambémacesso a livros biográficos de autores de produ-ções artísticas, não só contemporâneos. Nossasensibilidade e nossos modos de ler o mundose ampliam pelo conhecimento das obras edas vidas das pessoas que as elaboraram – re-dimensionamos a nossa condição humana e asnossas possibilidades de viver e agir no mundo,engrandecendo-as. Propiciar às crianças e aosadolescentes o prazer do exercício de exploraras potencialidades de todo mundo e de cada

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A produção artísticaoral, escrita e plásticaque historicamente osgrupos populares vêm produzindo faz partedo acervo cultural dahumanidade e nosrepresenta de modolegítimo.um, conhecendo ou t r a s fo rmas de o rdem e de desordem, neles mesmos e nos outros.A educação tem sentido justamente porquenos possibilita estabelecer novos entendimen-tos, novas ordens.A produção artística oral, escrita e plásticaq u e h i s t o r i c a m e n t e o s g r u p o s p o p u l a r e s vêm realizando faz parte do acervo culturalda humanidade e nos representa de modolegítimo também. Educar e ensinar no contexto da cultura é umgrande desafio. Aprendemos muito também nós,professores. As obras de arte são modos insti-gantes de ver e ler o mundo, estão impregnadasde conteúdos sociais que, portanto,podem ser analisados e debatidos,pelas várias interpretações quep o d e m s u s c i t a r . O o l h a r c r í t i c o q u e a s c r i a n ç a s desenvo lvem com e s se tipo de conhecimento,muitas vezes, surpreen-de-nos. É preciso apostarmuito nas crianças e nosa d o l e s c e n t e s , e m s u a s capacidades de aprendere conhecer.A s p r o f e s s o r a s R e n a t a d o s Santos Melro, Maria Inês Barreto Neto, Adriana Santos da Mata e Lí-lian Cristina de Azevedo Teixeira de Aguiar,de Niterói/RJ, desenvolveram o projeto “Arte Naïf”,3com crianças de 3 a 5 anos da educaçãoinfantil. Inicialmente, as professoras estudaramo tema, buscando compreender o que é Arte Naïf, analisando obras de pintores e realizandoleituras sobre aspectos conceituais relacionadosà arte e à cultura em geral, e à arte popular eà Arte Naïf em particular. Selecionaram osartistas cujas obras seriam trabalhadas, organi-zando e reunindo um rico material sobre suasvidas e obras: pastas-catálogo, DVDs e livros dearte. Partiram para o trabalho com as crianças,convidando-as a se transportarem para o mundode cada artista, ouvindo as histórias de cada ume conhecendo algumas de suas obras. Váriasatividades foram desenvolvidas – observação,descrição e interpretação das obras – e buscou-seidentificar o que os artistas estavam representandoe expressando, a maneira como ofizeram, quecores e materiais usaram; comparação entreas obras de cada artista e descoberta de suascaracterísticas particulares; comparação dasobras dos diferentes artistas selecionados; releituras das obras pelas crianças por meioda confecção de obras próprias; elaboração detextos coletivos sobre as aprendizagense informações coletadas; visitaao museu de Arte Naïf, nacidade do Rio de Janeiro; erealização de uma Oficinade Cultura Popular, emque as pesquisas e pro-duções das crianças fo-ram expostas e os pais epessoas do bairro foramc o n v i d a d o s a r e a l i z a r também suas produções.Por meio desse trabalho,crianças e professores nãoapenas ampliaram os seus co-nhecimentos sobre arte e cultura,mas também enriqueceram suas possibi-lidades de criar, experimentando novas cores,significados, combinações, traços e formas.Conforme o relato dessa experiência, desde mui-to cedo as crianças podem ter acesso a produçõesartísticas, fruindo-as, conversando e discutindosobre as suas impressões e características. Quetal vivenciar com as crianças experiências comoessa?A professora Kátia Raquel Testoni Longen, deAtalanta/SC, organizou o projeto Pequenos3Trabalho publicado pelo MEC emPrêmio Professores do Brasil 2005 - experiências premiadas.

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A contempla-ção é um atode criação, deco-autoria.Poetas, com sua turma de crianças de nove aonze anos, cujo objetivo foi ampliar a leiturae trabalhar a apreciação e a criação de poesias,de fo rma que u l t r apa s sa s sem a concepção reduzida de poesia como aquilo que “rima etem sílabas contadas” e alcançassem a com-preensão de que a poesia é, acima de tudo,“jogo de palavras, é emoção que desperta, éuma maneira especial de ler e ver o mundo”.A professora iniciou o projeto, lendo poesiaspara as crianças, no início e nofim de cadadia letivo, durante uma semana, envolvendogêneros diferentes, poetas variados (Elias José,Ruth Rocha, Ferreira Gullar, Olavo Bilac,Arnaldo Antunes, Cecília Meireles, ManuelBandeira), poesias com e sem rimas, en-graçadas e tristes. Em seguida, a partirdo conto “O catador de pensamen-tos”, de Monica Feth, as criançasforam convidadas a ser “catadoresde poesias”, o que consistia em sairpela escola, pelo bairro, pela cidadee conversar com as pessoas sobre poe-sia, convidando algumas delas para iremà escola declamar uma poesia de sua escolha.A partir da análise de poesias de diversos au-tores e da busca de compreensão de recursospoéticos, tais como rimas, intertextualidade,aliterações, parlendas, as crianças produziramsuas próprias poesias. Organizaram um livroao término do projeto, com uma seleção detemas e produções contemplando todas ascrianças. Segundo a professora Kátia, o projeto ensinou a todos “que produzir uma boa poesia não é só uma questão de inspiração, mas sim de busca, de reflecxão; enfim, que o poeta temtrabalho...” (Brasil. Ministério da Educação– Prêmio Incentivo à Educação Fundamental2004, p.157-164).Tais relatos ajudam-nos a compreender queo acesso à arte significa possibilitar às crian-ças, de qualquer idade, e aos (às) professores(as), o contato e a intimidade com a arte noespaço escolar e, dessa forma, abrir caminhospara a experiência estética, provocando novasformas de sentir, pensar, compreender, dizere fazer. Significa promover o encontro dossujeitos com diferentes formas de expressão ede compreensão da vida.Mas como se dá esse encontro? Bakhtin nos dizque o sujeito, ao entrar em contato com umaobra de arte e contemplá-la, vivencia uma rela-ção estética movida pela busca de compreensãode seu significado. A pessoa que aprecia umaobra, seja ela criança ou adulto, entra em diá-logo com ela, com seu autor e com o contextoem que ambos estão referenciados. Relaciona-se com os signos que a compõem, elabora umacompreensão dos seus sentidos, procurandoreconstruir e apreender sua totalidade. Nessarelação, coloca em articulação a expe-riência nova provocada pela relaçãocom a obra – de estranhamento dasituação habitual, de surpresa, deassombro, de inquietação – coma experiência pessoal acumulada– encontros com outras obras, co-nhecimentos apropriados nas práticassociais e culturais vivenciadas nos espaçosfamiliares, escolares, comunitários etc. – tra-zendo o seu ponto de vista para completar aobra. A contemplação é um ato de criação, deco-autoria. Aquele que aprecia a obra continuaa produção do autor ao tomar para si o processode reflexão e de compreensão. Na experiência estética, a apreciação oferece o“excedente de visão” (Bakhtin, 2000), aquiloqueo outro não vêe queeu vejo, uma vez que mesituo fora do objeto estético. Dele me distan-ciando, admirando-o e inquietando-me comas emoções que em mim provoca, busco suacompreensão penetrando no seu interior, vol-tando então a mim mesmo para lhe dar forma,completando-o e atribuindo-lhe significados.Essa relação envolve o entrelaçamento entremim e o outro, ir e vir, velho e novo, distânciae aproximação, atos externos e internos, me-mória e imaginação, passado-presente-futuro.A apreciação como ato de criação estética, enão como atitude passiva ou olhar conformado

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Ninguém cria no vazio e sim a partirdas experiências vividas, dos conhe-cimentos e dos valores apropriados.que apenas reproduz, está ligada ao grau deintimidade com as diferentes linguagens eproduções artísticas. Intimidade que permitea apropriação de sua história, características etécnicas próprias e produz o reconhecimentodo prazer e do significado dessa relação. Inti-midade que constrói o olhar que ultrapassao cotidiano, colocando-o em outro plano,t r ansg red indo -o , cons t ru indo mú l t i - plos sentidos, leituras e formas decompreensão da vida. O olhara g u ç a d o p e l a s e n s i b i l i d a d e , pela emoção, pela afetivida-de , pe l a imag inação , pe l a reflexão, pela crítica. Olharque indaga, rompe, quebraa linearidade, ousa, invertea o r d e m , d e s a f i a a l ó g i c a , brinca, encontra incoerênciase divergências, estranha, admirae se surpreende, para então estabe-lecer novas formas de ver o mundo.O prazer e o domínio do olhar, da escuta e domovimento sensíveis construídos no encontrocom a arte potencializam as possibilidadesde apropriação e de produção de diferenteslinguagens pelos sujeitos como formas de ex-pressão e representação da vida: por meio dapoesia, do conto, da caricatura, do desenho,da dança, da música, da pintura, da escultura,da fotografia etc.O menino era ligado em despropósitosQuis montar os alicerces de uma casasobre orvalhos [...] Viu que podia fazer peraltagens comas palavras. [...) Foi capaz de modificar a tardebotando uma chuva nela.O menino fazia prodígios. Até fez uma pedra virarfl or!(Manoel de Barros)O escritor nos fala de imaginação, fantasia,quebra da ordem, transgressão, peraltagens navida e no processo de criar com as palavras.Criação que “representa uma intensificaçãodo viver, um vivenciar-se no fazer; e em vezde substituir a realidade, é a realidade; é umarealidade nova que adquire dimensões novas”(Ostrower, 1986, p.28) com base na imaginaçãoe no olhar sensível. É uma realidade em que otempo, o espaço e as lógicas da realidade coti-diana se transformam e assumem uma outra di-nâmica, ajudando-nos a ver o mundo sob outraótica, outros meios de conhecimento.A criação geralmente é identifi-cada com a novidade e a liber-dade absolutas. Será assim?O potencial de inovação ede liberdade de fato existe,p o r é m é p r e c i s o c o m p r e - e n d e r q u e o n o v o n ã o s e desconec t a do ve lho e do j á c o n h e c i d o , t a m p o u c o a liberdade se traduz na ausên-cia de delimitações e definições. Ninguém cria no vazio e sim a partirdas experiências vividas, dos conhecimentose dos valores apropriados. A novidade estáem ver o que antes não se via, em perceber onovo no velho e vice-versa, em fazer conexõese associações que produzem múltiplas e novasleituras, em ressignificar a realidade.O processo criador, segundo Vygotsky, aointerpor realidade, imaginação, emoção ecognição, envolve reconstrução, reelabora-ção, redescoberta. Nesse sentido, é sempreum processo singular no qual o sujeito deixasuas marcas revelando seus encaminhamentos,ordenamentos e formas próprias de se relacio-nar com os materiais, com o espaço, com aslinguagens e com a vida. A criação se faz com base em decisões, definições e configuraçõesdadas pelas condições e pelas referências eescolhas do sujeito. É nesse quadro que sedefi

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ne a liberdade. O criar livremente nãosignifica fazer qualquer coisa, de qualquerfo rma , em qua lque r momen to , mas s im o contínuo desdobramento e a redefinição dedelimitações dentro das quais o sujeito pode

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O criar livre-mente nãosignifica fazerqualquer coisa, dequalquer forma,em qualquermomento.ousar, divergir, inovar e estabelecer novasrelações (Leite, 1998).A importância da criação estéticana fo rmação humana con f igu ra a função da escola de garantiro acesso às diferentes formasde linguagens e de promover,por meio do fazer estético, aapropriação pelas crianças dem ú l t i p l a s f o r m a s d e c o m u - nicação e de compreensão domundo e de si mesmas. Mas comotrabalhar no contexto escolar com ofazer estético que promove o encontrodo homem com a humanidade? O que fazer?Como fazer? O quenãofazer? Como podemosaprender com a arte e a cultura a ressignificarnosso trabalho cotidiano e o processo de en-sinar e aprender?Práticas pedagógicas comdiferentes formas deexpressão nas escolasDiferentes formas de expressão como desenho,pintura, dança, canto, teatro, modelagem,literatura (prosa e poesia), entre outras, en-contram-se presentes nos espaços de educaçãoinfantil (ainda que muitas vezes de forma re-duzida e pouco significativa), nas casas e nosdemais espaços freqüentados pelas crianças.E por que estão presentes? Porque são formasde expressão da vida, da realidade variada emque vivemos. Muitas vezes, à medida que acriança avança nos anos escolares ou séries doensino fundamental, vê reduzidas suas possibi-lidades de expressão, leitura e produção comdiferentes linguagens. Privilegia-se nas escolasum tipo de linguagem, aquela vinculada aosusos escolares, ou seja, a que serve à reprodu-ção dos conteúdos dos livros didáticos median-te sua transmissão, repetição e avaliação. Seantes a criança tinha possibilidades de utilizaroutras linguagens para ler e dizer coisas sobre sie sobre o mundo, vê-se de repente cercada nãoapenas pelas amarras de uma única forma dese expressar, mas também pela unicidade eprevisibilidade dos sentidos possíveis.Que implicações isso tem para ascrianças e para a sua formação? Nesse contexto, qual é o im-pacto do ingresso no ensinofundamental para as criançasque vêm da educação infantil?Como será que elas se sentem?E para aquelas que estão seinserindo pela primeira vez emum espaço formal de educação?Se compreendemos que as diversasl i nguagens a r t í s t i co - cu l t u r a i s cons t i t uem modos de conhecer e de explicar a realidadetão válidos quanto os saberes organizados pelosdiversos ramos da ciência, precisamos revernossas práticas educativas. A apropriação pelascrianças dos conhecimentos produzidos pelaarte contribui para alargar o seu entendimentoda realidade e para abrir caminhos para a suaparticipação no mundo. Participação que se fazpela ação que reinterpreta, cria e transforma.Tomemos o exemplo do conhecimento pro-duzido por meio da arte feita com a palavra.Compreender e expressar a realidade por meioda literatura –ficção, contos tradicionais,poesia, etc. – mobiliza nossa sensibilidade,imaginação e criação; ajuda-nos a perceberque existem diferentes sistemas de referênciado mundo que se abrem para muitos sentidospossíveis ao se conectarem com os sujeitos,suas histórias e experiências singulares. Nessesentido, devemos propiciar às crianças prá-ticas de leitura e escrita que provoquem aimaginação, a fantasia, a reflexão e a crítica.Tais práticas devem mobilizar o diálogo dasc r i ança s com a p lu r a l i dade de p roduções , com diferentes autores e modos de expressão,e encorajá-las a brincar com as palavras, a buscar novos sentidos, novas combinações,novas emoções e, assim, se constituírem comoautoras de suas palavras e modos de pensar,narrar o mundo.

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A ampliação daexperiência estética,fazendo circular dife-rentes manifestaçõesartístico-culturais,é base fundamental para o processo decriação.As professoras Juju Andrade Rodrigues e Noê-mia Fabíola Costa do Nascimento, da CrecheMunicipal Maria Alice Gonçalves Guerra, emCamaragibe/PE, desenvolveram um projetosobre as obras de Candido Portinari com crian-ças de dois e três anos de idade. O projeto visa-va a “despertar nas crianças o gosto pela arte epela cultura, possibilitando uma identificaçãocom Portinari menino e, paralelamente,resgatar as brincadeiras popularescontextualizando-as com situa-ções vivenciadas na creche,visando ao desenvolvimentodo senso de observação eà recriação, por meio dosdesenhos das crianças, dotema estrutural da obra”.As professorasfizeram umaseleção de revistas, livros,sitesda Internet, entre outrosm a t e r i a i s . S e l e c i o n a r a m a s telas que retratavam a infânciado pintor. Fizeram exposição, leramtextos sobre a vida de Portinari e desenvolve-ram muitas outras atividades com as crianças,valorizando os seus conhecimentos e encora-jando-as a novas descobertas por meio da fala,das interações e da interpretação de aspectossimbólicos das obras observadas (Brasil. Mi-nistério da Educação – Prêmio Qualidade naEducação Infantil 2004, p. 70-73).Assim, as professoras apostaram na capacidadeintelectual e na sensibilidade das crianças dedois e três anos, contando histórias de ummenino que se tornou um grande pintor. Daípara a realização de muitas outras atividadessó precisou da inventividade das professorasque, junto com as crianças, viajaram pelomundo da criação. Isso nos leva a concluir:se é possível realizar atividades dessa natu-reza com crianças tão pequenas, é possívelrealizá-las também com crianças maiores!Gerlane Muriel de Lima Oliveira, professorade Maceió/AL, trabalhando com crianças decinco e seis anos, desenvolveu um projetocujo objetivo foi informar as crianças sobre avida e a obra de Graciliano Ramos, autor quedá nome à escola. A idéia surgiu a partir dapergunta de uma criança sobre a origem donome da escola. As crianças tinham váriashipóteses: nome do dono da escola, nome dejogador de futebol, nome de político ou deescritor. Essa foi a primeira etapa do projeto.Todos trabalharam na seleção demateriais para o projeto; a pro-fessora leu um livro do autor,em capítulos, para a turma,e discutiram a importânciad o t r a b a l h o d e m e s t r e G r a ç a . M o n t a r a m u m a l i n h a d o t e m p o c o m in fo rmações sob re a v ida e a o b r a d o a u t o r . E l a b o - r a r a m t e x t o s c o l e t i v o s , l i s t a s d e o b r a s , e t i q u e t a r a m f o t o s , u m a i nfin i d a d e d e a t i - v i d a d e s a c o n t e c e u d e n t r o e f o r a da escola! (Brasil. Ministério da Educação,P r ê m i o Q u a l i d a d e n a E d u c a ç ã o I n f a n t i l 2 0 0 4 , p . 1 3 - 1 7 ) . Não há como nos cons t i t u i rmos au to r e s , críticos e criativos, se não tivermos acesso àpluralidade de linguagens e com elas sermoslivres para opinar, criar relações, construirs e n t i d o s e c o n h e c i m e n t o s . A a m p l i a ç ã o da experiência estética, fazendo circular di-ferentes manifestações artístico-culturais, é base fundamental para o processo de criação,pois alarga o acervo de referências relativasàs características e ao funcionamento de cadatipo de expressão, bem como amplia a rede designificados e modos diferenciados de comu-nicabilidade e compreensão.É importante salientar que as práticas comarte de que estamos falando não se confundemcom os exercícios de técnicas, treinamentospsicomotores ou cópias de modelos. O desenho,por exemplo, como forma de linguagem, não

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O desenho é umaforma de expressãode como a criançae/ou o jovem vêem omundo e suas parti-cularidades.a subordinação das atividades de desenho àsdemais disciplinas e, em especial, ao processode alfabetização, os professores organizaramum projeto para o ano letivo cujo objetivofoi ressignificar os conceitos e valoresestéticos das crianças, a partir deações e movimentos com linhas.O estudo partiu da apreciação erepresentação das fachadas dascasas da paisagem local, com-parando-as com as de dife-rentes moradias. “A intençãoera despertar o olhar reflexivodas crianças e remetê-las a re-conhecer a linha arquitetônicadas moradias enquanto configura-dora de formas culturais e históricas e,assim, instigá-las a reelaborarem graficamenteo tema ‘casa’ em suas produções”. As criançasrealizaram várias atividades: desenharam suascasas e os tipos de casa que conhecem; obser-varam as casas das calçadas das ruas do bairro edesenharam casas;fizeram rodas de apreciaçõesutilizando painéis com desenhos de casas devárias turmas. As crianças se surpreenderamcom o fato de seus desenhos de casas seremtão semelhantes e estereotipados, à medidaque os contrastaram com suas observaçõesda realidade, uma vez que essas ressaltavama existência de uma grande diversidade def o r m a s . A l g u m a s c r i a n ç a s i n t e r p r e t a r a m que isso ocorria porque “não sabiam” fazerdireito, outras porque “a gente não olha di-reito”. A partir dessas reflexões, as criançasrealizaram novas atividades: de observação,“retrato falado” da casa e releituras de obrasde Kandinsky. Foram desenvolvidas tambématividades com jogos, articulando a linguagemimagética, a ação motora e a ludicidade como uso de barbante e cordão de rede. A idéiaera encorajá-las a expressar com o corpo e alinha as suas construções imagéticas (a partir deum poema, de uma pintura, de uma fotografiaetc.). Durante todo o trabalho, acreditou-senas capacidades das crianças e dos adolescentes, buscando romper a idéia, que muitos deles vãose revela nas atividades de cobrir pontilhados,c o l o r i r d e s e n h o s m i m e o g r a f a d o s , m o n t a r bonecos com formas geométricas segundo mo-delos, desenharfiguras preestabelecidas, entreoutras práticas tão comuns nos primeirosanos de escolaridade.O desenho é uma forma de ex-pressão de como a criança e/ouo jovem vêem o mundo e suasparticularidades. Quando umacriança desenha, por exemplo,uma casa fechada, deixandot r a n s p a r e c e r o s m ó v e i s n o interior, está desenhando o quesabe existir dentro daquela casa,como mesas e cadeiras. As criançassurpreendem-nos com seus conhecimentosde vários modos, narrando aspectos da realida-de vivida e criada. A história relatada a seguirfaz parte do repertório das conhecidas históriasde Pedro Bloch, publicadas na revistaPais eFilhos, que mostra uma menina que, por meiode seu desenho, desafia a certeza da professorade modo muito seguro.Uma professora de creche observava ascrianças de sua turma desenhando.Ocasionalmente passeava pela sala paraver os trabalhos de cada criança.Quando chegou perto de uma menina quetrabalhava intensamente, perguntou oque desenhava. A menina respondeu:- “Estou desenhando Deus”. A professora parou e disse:- “Mas ninguém sabe como é Deus”.Sem piscar e sem levantar os olhos de seudesenho, a menina respondeu:- “Saberão dentro de um minuto”.Um projeto interessante envolvendo desenho,pintura e arquitetura é relatado pela professoraEvanir de Oliveira, de Natal/RN. Tal projetoenvolveu várias turmas da escola, abrangendoa faixa etária de seis a doze anos. Inquietos com

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Aprender aler imagens, sons,objetos amplianossas possibili-dades de sentir erefletir sobre no-vas ações.incorporando, de que não sabem desenhar;incentivaram-se a interpretação, o olhar críti-co, a invenção e a descoberta de soluções.Certamente todos ganharam novosc o n h e c i m e n t o s e i n s t r u m e n t o s para enriquecerem suas possibi-lidades de expressão por meiodo desenho. Ao término doano letivo, foi realizada umag r a n d e e x p o s i ç ã o c o l e t i v a das produções das crianças eadolescentes, resultado de umlongo e rico processo em quenovos conceitos e saberes foramproduzidos. (Brasil. Ministério daEducação – Prêmio Incentivo à EducaçãoFundamental 2004, p. 93-102).Tal relato mostra-nos que o desenho possuiconteúdos próprios, os quais fornecem novaspossibilidades de expressão e de compreensãodo mundo e de si mesmo. Sendo assim, porque é tão comum ser relegado a uma atividadecomplementar aos conteúdos das disciplinas?Por que à medida que as crianças avançam emidade e séries escolares vão compreendendo-ocomo uma linguagem restrita àqueles que “têmjeito, dom”? Como uma das diversas formas deconhecimento e inteligibilidade do mundo,todos nós deveríamos apropriar-nos do dese-nho como forma de expressão.Deixemos a imaginação, a fruição, a sensi- bilidade, a cognição, a memória transitaremlivremente pelas ações das crianças com olápis, a tinta e o papel, com as palavras escritase orais, com argila e materiais residuais, com ossons e ritmos musicais, os gestos e movimentosdo corpo, com as imagens defilmes, fotogra-fias, pinturas, esculturas...! Permitamos que oolhar, a escuta, o toque, o gosto, o cheiro, omovimento constituam formas sensíveis de seapropriar de conhecimentos sobre o mundoe sobre nós mesmos nos espaços escolares!Tornemos a e sco l a ma i s co lo r i da , encantada, viva, espaço de arte,cultura e conhecimento!Aprender a ler imagens, sons,objetos amplia nossas possibi-lidades de sentir e refletir sobrenovas ações que criem outrasformas de vida no sentido deuma sociedade justa e feliz, assimcomo incita as crianças a tambémse tornarem autoras de suas produ-ções e de suas vidas ao mesmo tempoem que se responsabilizam pela nossa herançacultural, por descobrirem seu valor.Conforme ensina Calvino (1991), cada umde nós é uma enciclopédia, uma biblioteca,um inventário de objetos, uma amostragem deobjetos, de estilos, em que tudo pode ser con-tinuamente remexido e reordenado de todasas maneiras possíveis. Cada um de nós é umacombinatória de experiências, de informações,de leituras, de imaginações.O conhec imen to , qua lque r que s e j a , não tem vida autônoma, visto que se trata deum produto cultural. Como afirma Bagno(2003, p.18) em relação à língua:“ ‘a língua’como uma ‘essência’ não existe: o que existe sãoseres humanos que falam línguas. (...) ela é tãoconcreta quanto os seres humanos de carne eosso que se servem dela e dos quais ela é parteintegrante”. O mesmo pode ser dito em relaçãoà arte, à cultura e ao conhecimento, pois sãosujeitos de carne e osso, que interpretam arealidade, dando vida às palavras, às ações, aosfazeres, criando diferentes formas de expressaro mundo.

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56Referências BibliográficasBAGNO, M.A norma oculta. Língua e poder na sociedade brasileira. São Paulo: Parábola, 2003.BAKHTIN, M.Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000.BARROS, M. de.Exercícios de ser criança. Rio de Janeiro: Salamandra, 1999.BRASIL. Ministério da Educação.Prêmio incentivo à educação fundamental 2004:experiênciaspremiadas. Brasília, 2005.–––––––.Prêmio qualidade na educação infantil 2004:projetos premiados. Brasília, 2005.–––––––.Prêmio professores do Brasil 2005:experiências premiadas. Brasília, 2006.CALVINO, I.Seis propostas para o próximo milênio. Tradução de Ivo Barroso. São Paulo: Com-panhia das Letras, 1990.GALEANO, E.O livro dos abraços. Porto Alegre: LP&M, 2005.KRAMER, S.Produção cultural e educação: algumas reflexões sobre educar com museu. In: KRA-MER, S.; LEITE, M. I.Infância e produção cultural. Campinas, SP: Papirus, 1998.LEITE, M.I. Desenho infantil: questões e práticas polêmicas. In: KRAMER, S.; LEITE, M. I.Infância e produção cultural. Campinas, SP: Papirus, 1998.OSTETTO, L. E.; LEITE, M. I.Arte, infância e formação de professores: autoria e transgressão.Campinas, SP: Papirus, 2004.OSTROWER, F.Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 1986.VYGOTSKY, L. S.Imaginación y el arte en la infancia. México: Hispânicas,1987.

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57 AS CRIANÇAS DE SEIS ANOSE AS ÁREAS DO CONHECIMENTO