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1 AS ESTÂNCIAS MISSIONEIRAS NA HISTORIOGRAFIA HELENIZE SOARES SERRES Doutoranda em História, Unisinos [email protected] As missões jesuíticas, iniciadas no século XVII na América espanhola destacaram-se a partir do trabalho desenvolvido pelos jesuítas junto aos índios, principalmente na antiga Província Jesuítica do Paraguai 1 . A presença dos jesuítas tinha o intuito de catequizar e de civilizar, mas serviu, principalmente, para que a coroa espanhola pudesse ocupar e povoar os territórios americanos pertencentes à Espanha, impondo uma cultura europeia, fazendo com que os índios aos poucos fossem transformando seus modos de vida. A Província Jesuítica do Paraguai, sob a administração dos padres jesuítas, mesmo com suas particularidades, fez parte do sistema colonial espanhol e se desenvolveu a partir de influência do catolicismo e da coroa espanhola formando uma sociedade de guaranis e outros grupos cristianizados com lealdade a um rei distante. Assim, a organização territorial dos povos ocorreu a partir da vinculação das práticas missioneiras com o contexto colonial, e deve-se levar em consideração que mesmo os povos fazendo parte de um conjunto com aspectos políticos e econômicos similares, existiram suas especialidades. 1 “La Provincia jesuítica del Paraguay, conocida también por el nombre de “Paracuaria”, fue creada en el año 1604 y comprendía lo que actualmente es Chile, Argentina, Uruguay, Paraguay y partes de Bolivia y Brasil. En 1625 fue desmembrada el área correspondiente a Chile y a la Provincia argentina de Cuyo, entones formada por San Luis, San Juan y Mendoza para crear la Vice-Provincia jesuítica de Chile. De acuerdo con Pablo Pastells S. I., en el tomo I de su obra, los límites eran: al Oriente con Brasil, al Norte con las Sierras de Santa Cruz, al Poniente con la Gobernación de Tucumán y al Mediodía con la Provincia del Río de la Plata. Según las descripciones y los mapas con escalas de aquella época podría estimarse, con valores aproximados, que la Provincia del Paraguay tenía de Norte a Sur, 3000 kms, y de Este a Oeste, 2.000 kms. Dependió de Virreinato del Perú y de la Real Audiencia de Buenos Aires y las Gobernaciones de Charcas hasta la creación de la Real Audiencia de Buenos Aires, Asunción y Tucumán. En el orden eclesiástico estaba incluída en los Obispados de Charcas (Sucre-Bolivia), Buenos Aires, Tucumán, Paraguay y Santa Cruz de la Sierra (Bolivia), aunque esta ciudad siempre estuvo fuera de los límites de la Provincia jesuítica del Paraguay.” PALACIOS; ZOFFOLI, 1991, p. 57-58.

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AS ESTÂNCIAS MISSIONEIRAS NA HISTORIOGRAFIA

HELENIZE SOARES SERRES

Doutoranda em História, Unisinos

[email protected]

As missões jesuíticas, iniciadas no século XVII na América espanhola destacaram-se a

partir do trabalho desenvolvido pelos jesuítas junto aos índios, principalmente na antiga

Província Jesuítica do Paraguai1. A presença dos jesuítas tinha o intuito de catequizar e

de civilizar, mas serviu, principalmente, para que a coroa espanhola pudesse ocupar e

povoar os territórios americanos pertencentes à Espanha, impondo uma cultura

europeia, fazendo com que os índios aos poucos fossem transformando seus modos de

vida.

A Província Jesuítica do Paraguai, sob a administração dos padres jesuítas,

mesmo com suas particularidades, fez parte do sistema colonial espanhol e se

desenvolveu a partir de influência do catolicismo e da coroa espanhola formando uma

sociedade de guaranis e outros grupos cristianizados com lealdade a um rei distante.

Assim, a organização territorial dos povos ocorreu a partir da vinculação das práticas

missioneiras com o contexto colonial, e deve-se levar em consideração que mesmo os

povos fazendo parte de um conjunto com aspectos políticos e econômicos similares,

existiram suas especialidades.

1 “La Provincia jesuítica del Paraguay, conocida también por el nombre de “Paracuaria”, fue creada en el

año 1604 y comprendía lo que actualmente es Chile, Argentina, Uruguay, Paraguay y partes de Bolivia y

Brasil. En 1625 fue desmembrada el área correspondiente a Chile y a la Provincia argentina de Cuyo,

entones formada por San Luis, San Juan y Mendoza para crear la Vice-Provincia jesuítica de Chile. De

acuerdo con Pablo Pastells S. I., en el tomo I de su obra, los límites eran: al Oriente con Brasil, al Norte

con las Sierras de Santa Cruz, al Poniente con la Gobernación de Tucumán y al Mediodía con la Provincia

del Río de la Plata. Según las descripciones y los mapas con escalas de aquella época podría estimarse, con valores aproximados, que la Provincia del Paraguay tenía de Norte a Sur, 3000 kms, y de Este a

Oeste, 2.000 kms. Dependió de Virreinato del Perú y de la Real Audiencia de Buenos Aires y las

Gobernaciones de Charcas hasta la creación de la Real Audiencia de Buenos Aires, Asunción y Tucumán.

En el orden eclesiástico estaba incluída en los Obispados de Charcas (Sucre-Bolivia), Buenos Aires,

Tucumán, Paraguay y Santa Cruz de la Sierra (Bolivia), aunque esta ciudad siempre estuvo fuera de los

límites de la Provincia jesuítica del Paraguay.” PALACIOS; ZOFFOLI, 1991, p. 57-58.

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A redução dos índios deve ser entendida como algo mais que um fenômeno

religioso, a fundação dos povos e conversão provocou várias transformações de nível

sociocultural. Os padres jesuítas promoveram mudanças no âmbito religioso, na política

e sociedade, com elementos simbólicos que auxiliaram na configuração destes novos

espaços. Com isso, na sua estrutura, cada peça possuía um papel importante para o

desenvolvimento desse projeto. O conjunto das missões intregava espaços que foram

determinantes para fundação e fortalecimento das reduções, como por exemplo, as

estâncias missioneiras. Essas serviram como apoio, oferecendo de um lado ajuda na

subsistência a partir da produção agropecuária e do outro a ocupação do território, pois

a aproximação dos povos dificultavam possíveis invasões e saques.

A História das Missões na América Espanhola vem sendo contemplada, ao

longo dos tempos, com diversas obras de historiadores de diferentes nacionalidades, que

elucidam questões, trazem novas abordagens e provocam novas investigações. Entre

esses citarei alguns que fazem parte da historiografia das Missões Jesuíticas e que me

entusiasmaram sobre o tema proposto nesse trabalho, principalmente pela ausência de

pesquisas sobre estâncias missioneiras e por forneceram ferramentas que possibilitam

melhor entendimento sobre o assunto.

Arno Kern, em Missões uma utopia política (1982), informou como a

implantação de instituições e valores da sociedade global espanhola provocou a

emergência de uma controvertida organização política nas Missões guaranis da

Província Jesuítica do Paraguai. Nessa organização se interpenetram elementos

políticos da cultura tradicional indígena e da hispano-americana. O autor analisou as

instituições políticas que se corporificaram entre 1641 e 1707, abordando não apenas a

descrição dos aspectos formais das instituições, mas também as suas relações com o

corpo social das povoações missionárias no seu contexto histórico específico, bem

como as tendências à transformação que as lideranças pretenderam lhes imprimir.

A América espanhola se desenvolveu com o apoio de um sistema administrativo

bem estruturado sob um conjunto de instituições que controlavam diversas áreas do

território. A expansão do território caminhava de mãos dadas com a multiplicação dos

órgãos administrativos. A dominação territorial e populacional na América espanhola se

deu a partir do controle administrativo que buscava manter a ordem, através de vários

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setores e sistemas de fiscalização. Assim, diz Kern “os regimes políticos das

monarquias espanhola e portuguesa influenciaram, de maneira direta o primeiro e

indireta o segundo, na formação das instituições locais e no processo histórico da

política missioneira.” (1982, p. 15).

Em Jesuit Ranches and the Agrarian Development of Colonial Argentina 1650-

1767 (1983), Nicholas P. Cushner examinou o desenvolvimento agropastoril da

Argentina colonial, primeiramente Tucumán, suas fazendas, ranchos e suas conexões de

troca com o Alto Peru. Apresentou as complexidades dos empreendimentos econômicos

das fazendas e ranchos que faziam parte de uma unidade, porém tinham suas

especificidades, e as rotas comerciais que ligavam a outras grandes regiões

demográficas. Como plano geral do livro o autor trouxe um breve resumo dos maiores

componentes geográficos que serviu como pano de fundo para os capítulos sobre a

aquisição e uso da terra. Estruturas físicas feitas pelo homem e empreendimentos

específicos, especialmente a criação de mulas e gado, são seguidos por capítulos sobre

trabalho e implicações financeiras.

Por sua vez, Bartomeu Melià em sua obra El guarani conquistado y reducido

(1997), aproximou o guarani dos documentos e o guarani da vida atual. Em um sentido

amplo trata-se de uma etno-história que vai além dos ensaios históricos que se referem a

uma etnia, pois o autor fez a História perguntas antropológicas procurando respostas na

memória tradicional do povo guarani, todavia contemporâneo. Trabalhou com impacto

colonial nos povos missioneiros, apresentando conceitos do “modo de ser” guarani e

redução jesuítica, espaço, língua e tendências atuais em relação à historiografia das

reduções. Nesse trabalho encontram-se importantes elementos para que se possa pensar

em temas como a introdução de novas pautas de economia e trabalho junto aos guaranis.

As reduções jesuíticas funcionaram como parte da política que os indígenas

deveriam seguir, a partir de uma estrutura de legislação e realizações práticas que deu

forma a um novo contexto com ideias oriundas da mistura da cultura indígena e

europeia. Segundo Meliá “la reducción se consideraba un instrumento esencial para el

cambio que se pretendia en los índios, que era hacerlos pasar de la “infidelidad” al

cristianismo y de la barbárie a la vida política”.(1997, p. 194)

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Maria Cristina Bohn Martins em sua obra Sobre festas e celebrações: as

reduções do Paraguai (século XVII e XVIII) (2006), apresentou as festas como um

conjunto de rituais coletivos e não rotineiros da sociedade, realizadas entre os inícios do

século XVII e os meados do século XVIII em um território pertencente ao Império

Espanhol. A autora expõe a “cultura festiva” ibérica e indígena em um palco de várias

cerimônias para que o Estado absoluto e a Igreja Contra-Reformista afirmassem seus

valores. Avalia a experiência de festas entre os guaranis a partir de informações do

registro histórico que foram confrontadas e complementadas com os resultados de

estudos antropológicos contemporâneos. Mostra a redução como projeto e como método

de ação dos religiosos na América colonial, para transmudar o “modo de ser” dos índios

e por fim da ênfase em como se encontraram, fecundaram-se e transformaram-se duas

experiências festivas, a festa indígena e a ocidental, no espaço da redução.

Os jesuítas no espaço reducional conduziam os indígenas a viverem

concentrados, ou seja, em povoados sobre o controle do Estado e da Igreja agregando

aspectos sociais, políticos e econômicos a partir de práticas ocidentalizadas. Sem

dúvida, as estâncias e o trabalho nelas é um importante locus para pensar este tema. A

redução, como afirma Martins,

foi um projeto político de integração dos índios dentro do sistema colonial,

num esforço em que os sacerdotes, especialmente os regulares, assumiram

um papel de primeira importância. Foi também um método missional que se

caracterizou por uma ação que se pretendia integral, assumindo a vida em sua

totalidade: da educação a vida familiar, do trabalho ao lazer e às festas.

(2006, p. 139).

O trabalho realizado por Guillermo Wilde em Religión y poder em las misiones

de guaraníes (2009), apresentou o processo histórico de formação de uma comunidade

heterogênea no século XVII até meados do século XIX. Ele o fez, a partir de uma série

de situações locais dos povos missioneiros com seus mecanismos simbólicos por meio

dos quais atualizaram seus limites durante os séculos e também o modo de intervenção

dos indígenas, em particular os líderes guaranis missioneiros que interferiram nesse

processo, interagindo com outros setores da sociedade colonial.

Segundo Wilde “Una das claves para compreender la formación de la

organización reduccional es la importación de símbolos y rituales de tradición hispânica

para investir a las autoridades nativas. La formación de este espacio fue un proceso en el

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cual no solo se definieron limites religiosos sino también políticos y culturales” (2009,

p. 51). Neste sentido, torna-se importante verificar o papel das estâncias no processo de

constituição da experiência das reduções, visto que elas deveriam contribuir para dar

suporte material ao projeto.

Artur Henrique Franco Barcelos em O Mergulho no Seculum: exploração,

conquista e organização espacial jesuítica na América Espanhola (2006), analisou a

organização espacial das reduções de guaranis estabelecidas pelos jesuítas nos séculos

XVII e XVIII, apresentando as diversas práticas jesuítas nas ações de exploração,

conquista e organização espacial, além de dar ênfase as origens da Companhia de Jesus,

Província Jesuítica do Paraguai e as diferentes situações em tempo e espaço na América

com a participação dos jesuítas.

De certa forma, algumas considerações de Barcelos encontram sintonia no

trabalho de Jean Baptista em Dossiê Missões O Temporal (2009), que apresentou os

aspectos temporais, os assuntos terrenos da vida no espaço missional, mostrando a

diversidade e complexidade existente nos povoados. O autor destacou como temas

centrais do trabalho os assuntos estruturais dos povoados, constituição dos espaços,

formação social e diversidade étnica, leis e divisões simbólicas missionais. Demonstrou

ser possível, através de um levantamento e análise documental, acompanhar a geração,

constituição e possíveis atributos destinados aos espaços missionais não só por parte dos

inacianos, mas também pelos indígenas.

Para tratar de espaço e definição dos limites do território missioneiro conta-se

com o trabalho de Norberto Levinton em El espacio jesuítico-guaraní: La formación de

una región cultura (2009) que destacou o conceito de região cultural como essência da

macro-região missioneira. Esclareceu como a região cultural foi organizada em funções

de aproveitamento dos recursos naturais e como a divisão dos povos deu origem a

formação de sub-regiões baseadas na existência histórica das chamadas Províncias do

Paraná e do Uruguai.

Eduardo Neumann em Fronteira e identidade: confrontos luso-guarani na

Banda Oriental 1680-1757 (2000) enfatizou as condições fronteiriças das reduções de

guaranis administradas por Jesuítas no Paraguai colonial. Chamando atenção para as

rivalidades existentes nas tropas missioneiras e a frente lusitana principalmente na

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banda oriental e a convivência inter-étnica, que possibilitou que os guaranis

reelaborassem uma nova maneira de perceber seu opositor e de reafirmar sua própria

identidade.

Seguindo essa linha, Lía Quarleri em Rebelión y Guerra en las Fronteras del

Plata: guaraníes, jesuitas e imperios coloniales (2009), explorou a participação dos

guaranis em alguns fatos, atentando para a diversidade de atitudes e posturas, as práticas

e comportamentos desapegados, os sentidos das atribuições a suas ações e ideias

expressadas como bases argumentativas e de resistências. A partir disso, é possível

entender a integração dos guaranis com os outros atores envolvidos, além das

transformações das ações, concepções, motivações e interesses durante o episódio

abordado. Esclarecendo conflitos e suas compreensões e interpretações dentro de uma

dimensão histórica, política, econômica e simbólica mais ampla, partindo do

pressuposto que os eventos convulsivos da década de 1750 condensaram um conjunto

de determinantes históricos e influências culturais associadas com a dinâmica regional e

com o desempenho dos guaranis na configuração das relações coloniais cruzadas por

múltiplas e flexíveis fronteiras.

Arno Kern em Entre os mitos e a história: as Missões jesuíticas Platinas (2011),

esclarece que através de pesquisas históricas e arqueológicas é possível discernir com

muita clareza os muitos aspectos das complexidades em torno dos mitos na história das

missões jesuítico-guaranis. O autor apresentou a situação social de contemporaneidade

de duas sociedades com tradições culturais distintas, aspectos sociais que persistiram e

que se perderam além da ação dos jesuítas frente aos indígenas e as inovações

tecnológicas europeias. Destacando que as missões jesuíticas foram uma tentativa bem

sucedida de instalação e desenvolvimento de uma vida comunitária cristã, com grupos

de índios guaranis que eram levados pelos jesuítas, gradualmente, para uma situação de

inserção gradual à sociedade espanhola e à religião cristã.

Em Atlas territorial y urbano de las misiones jesuiticas de guaraníes. Argentina,

Paraguay y Brasil.Sevilla de Ernesto Maerder e Ramón Gutierrez, ( 2009), encontra-se

reunido um material cartográfico com a estrutura urbana das missões, localização e

identificação de seus edificios, distribuição dos espaços, bairros de moradias e periferias

destes povos. A partir desse material é possível identificar desenhos de planos

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elaborados pelos jesuitas, administradores que os sucederam ou até mesmo visitantes

ocasionais. Esse trabalho falicitou não só a localização geográfica das missões, como

também as dimensões demográficas com mapas e quadros estatísticos, servindo como

apoio as investigações mais pontuais sobre aspectos urbanísticos e cartográficos das

missões.

No referente a criação de gado as estâncias substituíram as primitivas

fazendas de gado e adquiriram nesta época grande importância. Do ponto de

vista territorial, os povoados localizados na margen do rio Uruguai serão os

que irão establecer as estâncias de maior extensão, ganando vastos campos de

pastagem para suas fazendas, no espaço virtualmente vazio do Rio Grande.

As estâncias de maior extensão foram as de Yapeyú e San Miguel, nas quais

o gado se achava distribuído em numerosos locais. (MAEDER,

GUTIERREZ, 2009, p. 27)

Segue o mapa com a localização das estâncias maiores, que correspondem a

treze povoados do rio Uruguai.

Povos e estâncias das missões

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8 Fonte: MAEDER, Ernesto; GUTIERREZ, Ramón. Atlas territorial y urbano de las misiones jesuiticas de

guaraníes. Argentina, Paraguay y Brasil.Sevilla: Instituto Andaluz del Património Historico, 2009, p.26

No trabalho Estas terras e seus donos: políticas de espacialidade e

territorialidade em La Cruz e no mundo guarani missioneiro (1629 – 1828), (2012),

Helenize Serres tratou das relações existentes entre as estâncias missioneiras e as

reduções jesuíticas, especialmente entre a estância de La Cruz, no lado oriental do rio

Uruguai – localizada na fronteira oeste do atual Estado do Rio Grande do Sul, Brasil; e

a redução de La Cruz, do lado ocidental do mesmo rio, - localizada na fronteira leste da

atual Província de Corrientes, Argentina, no período de 1629 a 1828. A autora

apresentou que a partir da perspectiva da administração colonial da América espanhola

e do papel da Igreja Católica Romana nesse território foi possível entender e discutir a

organização e a produção interna de toda a Província Jesuítica do Paraguai. Abordou as

relações entre o povo da Cruz com grupos indígenas como as nações dos charruas e dos

minuanos no espaço alegadamente pertencente à coroa Espanhola. E por fim enfatizou o

papel das estâncias missioneiras no território das Missões Orientais do Uruguai, em

especial a estância de La Cruz, em um período de várias discussões diplomáticas entre

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as coroas Ibéricas, sob disputas e conflitos que determinavam aproximação e

distanciamento com a população indígena.

A criação das reduções e suas estâncias, como forma de organização e

desenvolvimento possibilitou um crescimento e valorização do espaço onde

se situavam. Por exemplo, as estâncias, que se encontravam como reservas

econômicas e territoriais das reduções, além de vigiar as fronteiras servindo

de barreira para o avanço de invasores, além, ainda, da evangelização com

objetivo de conversão e integração das parcialidades indígenas e mais a

manutenção e exploração dos recursos naturais do espaço povoado. (Serres,

2012, p. 193).

O desenvolvimento econômico foi um fator importante na Província Jesuítica do

Paraguai, possibilitando sua subsistência e determinando a fundação de mais povos. A

produção concentrava-se na zona rural, mais especificamente nas estâncias

missioneiras. Nesses espaços encontravam-se a criação do gado além de outros produtos

tais como cultivo de trigo, a cevada, a cana-de-açúcar, o algodão e o fumo.

As estâncias foram base da economia das missões jesuíticas da América

espanhola, causando efeitos no desenvolvimento econômico através da produção do

gado vacum, do gado muar e do plantio. A agropecuária foi o pano de fundo da

economia missioneira, apresentou forte crescimento ao longo das décadas e destacou-se

de forma geral. As estâncias foram responsáveis pelo desenvolvimento e pelo sustento

da redução e, portanto, indiretamente nos laços comerciais com outros centros coloniais.

Quando a produção estancieira crescia mais povos eram fundados devido ao aumento de

excedente e também da população indígena, pela melhoria da qualidade de vida.

Segundo Lugon,

As estâncias estendiam-se por centenas de hectares. Eram cercadas de

muralhas, de cercas vivas de cactos, de sebes ou valados. Cada estância

estava dividida em vários distritos ou rodeios, contendo cada um cinco mil

cabeças de gado. As estâncias dos guaranis eram as mais belas de todo o

país... Cada fazenda tinha a sua capela, seu laranjal, e outras árvores fruteiras,

de que ainda se encontram vestígios... Todos os estabelecimentos eram

magníficos. (1977, p. 128).

Eram grandes extensões de terras, demarcadas por limites naturais, como matas,

rios e montes. As reduções criaram dispositivos administrativos para que os povos

pudessem gerenciar, separadamente, a grande quantidade de gado disponível em tais

espaços produtivos. Destas eram feitas as extrações do gado e seus derivados e de

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outros produtos necessários para o abastecimento das reduções. Como expressa Aurélio

Porto “Cada estância subdividia-se em postos ou pequenas invernadas, sobre as ordens

de um posteiro. Quer nas estâncias quer nos postos erigiam-se pequenas capelas, que se

tornaram núcleos de futuras povoações e cidade”. (1954, p. 216).

As estâncias missioneiras mantinham-se atreladas às suas reduções específicas.

Cada redução possuía uma área de exploração agrícola, pastoril, mercantil ou mineira.

Essas extensões de terra abarcavam não apenas campos e matas, mas também,

armazéns, entrepostos e guardas. A todo esse ente, chamava-se estância e, cada uma era

administrada por uma redução. Tal relação, assim como os demais procedimentos e

posturas administrativas, era determinada pela redução, que, por seu turno, era

administrada pelos jesuítas. Essas áreas produtivas, por abrangerem espaços amplos e

abertos, inclusive no sentido de serem separadas apenas por limites naturais,

necessitavam de uma vigilância diferenciada.

The role of Jesuit ranching and farming must be placed within the context of

the expanding Spanish frontier. The Society’s activity was more participatory

than innovative. Their massive landholdings helped to provide a bulwark

against encroaching and marauding Indians, and their continual trading

activity helped to cement and advance economic and commercial ties with

other colonial centers. (CUSHNER, 1983, p. 05).

Através de mais fundações dos povos foi possível controlar as invasões e saques

dos índios infiéis, pois cada um tinha uma organização militar que ajudava tanto na sua

proteção como também na dos povos vizinhos, fortalecendo os laços econômicos e

políticos da Província Jesuítica do Paraguai. A expansão dessas reduções e estâncias

criava uma barreira para inimigos de todos os tipos e nacionalidades.

A Província Jesuítica do Paraguai mesmo incentivando o estreitamento dos laços

entre os povos, não podia evitar alguns distanciamentos e desavenças. Os pleitos entre

as reduções mostram as muitas disputas por terras, gado e água. Essas disputas

geralmente se resolviam em longo prazo. Espanhóis e outros grupos indígenas também

participavam dessas disputas, que ocorreram de forma mais intensa nos séculos XVII e

XVIII.

Pleitos or lawsuits involving individual Jesuit farms and ranches occurred in

the seventeenth and eighteenth centuries, and they spanned the entire

spectrum of possible disputes. Land, land use, water rights, boundaries, and

donations were the chief subjects, usually with other Spaniards but at times

with Indian groups. (CUSHNER, 1983, p. 24).

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A disputa pelo direito à terra na Província Jesuítica do Paraguai era algo

contínuo, principalmente entre os índios cristianizados e os infiéis, ocorrendo muitas

invasões nas reduções e estâncias. Ocasionando vários conflitos, esses litígios

provocavam destruições e prejuízos. Segundo Cushner “Disputes with Indians occurred

more frequently than perhaps has been supposed. Land encroachments, water rights, and

jurisdiction over Indians were the chief causes of litigation”. (1983, p. 25).

Assim, a partir desses trabalhos que trazem temas como a organização política

dos povoados, o desenvolvimento agropastoril, as rotas comerciais, o impacto colonial

nos povos missioneiros, ou discutem conceitos de redução jesuítica, rituais coletivos;

experiências festivas, as situações locais dos povos, a participação dos líderes guaranis;

as práticas jesuíticas, diversidade étnica das missões, sua formação social e muitos

outros estudos, torna-se possível perceber que a cada geração de historiadores que

estudaram as Missões Jesuíticas, “novos olhares” sobre elas são apresentados. Percebe-

se, também, a escassa atenção que recebeu a pesquisa sobre as “estâncias missioneiras”

e a importância de contribuir com a historiografia sobre elas.

Todavia, torna-se importante destacar que documentos inéditos vêm sendo

publicados ao longo dos anos, juntamente com obras bibliográficas trazendo novas

respostas e perguntas que se transformam em pesquisas, dissertações e teses, e mesmo

aqueles documentos que já tinham sido publicados e analisados evidenciam novas

perspectivas.

Esse conjunto de trabalhos, dos quais apenas alguns foram citados nesse estudo,

possibilita as ferramentas para entender temas que ainda não ganharam atenção

merecida. Um desses temas são “as estâncias missioneiras” que tiveram um importante

papel no desenvolvimento das missões jesuíticas e ainda deixam uma lacuna na

Historiografia. Assim, estudar as “estâncias missioneiras” torna-se possível mesmo

através de estudos que tratam indiretamente desse tema através de cruzamentos de

informações. Além, ainda dos materiais e fontes disponíveis em Arquivos, tais como

correspondências, registros, informes, circulares, relatórios das estâncias e reduções das

Missões orientais com instruções sobre os mais distintos aspectos de funcionamento do

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sistema das reduções e estâncias, desde atitudes cotidianas com os indígenas até a

organização do espaço que permitem abordar o tema da maneira proposta.

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