as freguesias do distrito do porto nas memórias paroquiais de 1758
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AS FREGUESIAS
DO DISTRITO DO PORTO
NAS MEMRIAS
PAROQUIAIS
DE 1758
Memrias, Histria e Patrimnio
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Coleco PORTUGAL NAS MEMRIAS PAROQUIAIS DE 1758
Volumes publicados:
Vol. 1 As freguesias do Distrito de Braga nas Memrias Paroquiais de 1758. A construo de um imaginrio minhoto
setecentista. Braga, 2003
Vol. 2 As freguesias do Distrito de Viana do Castelo nas Memrias Paroquiais de 1758. Alto Minho: Memria, Histria e Patrimnio. Casa Museu de Mono / Universidade do Minho, 2005
Vol. 3 As freguesias do Distrito de Vila Real nas Memrias Paroquiais de 1758. Memrias, Histria e Patrimnio. Braga, 2006
Vol. 4 As freguesias do Distrito de Bragana nas Memrias Paroquiais de 1758. Memrias, Histria e Patrimnio. Braga, 2007
Vol. 5 As freguesias do Distrito do Porto nas Memrias Paroquiais de 1758. Memrias, Histria e Patrimnio. Braga, 2009
Prximos volumes: Vol. 6 As freguesias do Distrito de Viseu nas Memrias Paroquiais de 1758.
Vol. 7 As freguesias do Distrito de Aveiro nas Memrias Paroquiais de 1758.
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JOS VIRIATO CAPELA HENRIQUE MATOS
ROGRIO BORRALHEIRO
AS FREGUESIAS
DO DISTRITO DO PORTO
NAS MEMRIAS PAROQUIAIS
DE 1758
Memrias, Histria e Patrimnio
COLECO
B R A G A | 2 0 0 9
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NOTA INTRODUTRIA
Em obedincia ao programa editorial da Coleco Portugal nas Memrias Paroquiais de
1758, publica-se agora o volume 5 das Memrias Paroquiais respeitantes ao Distrito do Porto.
Com esta publicao vai-se ao encontro, pelo menos no que diz respeito regio do grande
Porto, de uma rea cultural onde as Memrias Paroquiais foram precocemente e em grande
extenso objecto de interesse e curiosidade local. Elas fizeram parte dos contedos e temas de
referncia de alguns investigadores e historiadores locais que ao longo da 1. metade do sculo
XX se interessaram pela Histria Municipal e Local. Em especial, os autores que mais
intensamente ao longo das dcadas de 1920-1940, em correlao com o surto dos movimentos
regionalistas, municipalistas e descentralizadores, prestaram mais ateno Histria das terras e
para ela procuraram as bases, os fundamentos e as origens histrico-culturais1. Em alguns casos
as Memrias Paroquiais foram mesmo objecto de publicao sistemtica, como base do suporte
da construo da identidade e histria municipal2. Este programa de estudo e publicao das
Memrias teve depois continuidade no ps 1975 com o surto da Histria Local, em muitos casos
em correlao com o revigoramento da vida municipal e apoiada pelos municpios.
Por isso quando iniciamos a reunio de materiais para a publicao deste volume, fomos de
certo modo surpreendidos com o enorme volume de Memrias que j tinham sido dadas
estampa e eram conhecidas da Cultura e Histria das Terras, mais do que da Histria e
Historiografia Nacional. E que de um modo quase geral e sistemtico cobrem os concelhos
envolventes do Porto e a cidade.
o caso das edies mais precoces dos anos de 1920/1930, para os municpios de Vila do
Conde, Paredes e Gondomar, s seguintes das dcadas de 1950-1970 de Santo Tirso,
Matosinhos, Pvoa de Varzim e Porto, at s edies (ou reedies), mais recentes de Vila Nova
de Gaia, Penafiel e Paredes.
A edio do presente volume respeitante ao Distrito do Porto que continua a enquadrar-se
para efeito de arrumao de publicaes nos quadros concelhios e por eles no Distrital
aproxima-se aqui muito de perto do quadro da Diocese Portucalense, dada a proximidade do
desenho do Distrito com o da Diocese.
O quadro diocesano e da sua administrao portuense apresenta-se-nos ento muito robusto3
1 Referem-se aqui alguns desses autores e obras: Dr. Jos do Barreiro Monografia de Paredes, Porto, 1922; Cnego J. Augusto Ferreira Vila do Conde e seu Alfoz. Origens e Monumentos, Porto, 1923; Camilo de Oliveira O concelho de Gondomar (Apontamentos monogrficos), Porto, 4 volumes, 1931-1936; Padre Agostinho de Azevedo A Terra da Maia, Porto, 1939; P. J. Monteiro de Aguiar A Terra de Penafiel, Porto, 1943; Padre M. Vieira de Aguiar Descrio histrica, Corogrfica e Folclrica de Marco de Canaveses, Porto, 1947; Descrio do concelho de Santo Tirso contida no Dicionrio Geogrfico de Portugal do Padre Lus Cardoso, Porto, 1955; Guilherme Felgueiras Monografia de Matosinhos, Lisboa, 1958. E tambm da bibliografia portuense: Cnego J. Augusto Ferreira Memrias Archeolgico-Histricas da cidade do Porto, Braga, 2 volumes, 1923 e 1924; Aurora Teixeira de Castro Monografia da cidade do Porto, Lisboa, 1926; Carlos Bastos (org.) Novas monografias do Porto, Porto, 1938. E tambm a mltipla produo acadmica de autores com vasta produo bibliogrfica sobre o Porto, o municpio, a cidade e o concelho, de Magalhes Basto, Torquato de Sousa Soares e Antnio Cruz. 2 Vide nota introdutria Edio das Memrias, pp. 121-122. 3 So obras de referncia para o estudo histrico da Diocese do Porto: D. Rodrigo da Cunha Catlogo dos Bispos do Porto, Porto, 1623 (2. impresso 1742); Cnego J. Augusto Ferreira Memrias archeolgico-histricas da cidade do Porto, 2 volumes, Braga, 1923-1924; Cndido Augusto Dias dos Santos O Censual da Mitra do Porto. Subsdios para o estudo da
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capaz de fixar e estabilizar precocemente os seus limites, mas tambm resistir s foras da sua
diminuio, vindas sobretudo dos poderes rgios, que do poder senhorial e temporal dos seus
bispos pretende tambm diminuir o seu poder e jurisdio eclesistica. Importante golpe seria o
desferido por Pombal com a criao da Diocese de Penafiel (1770-1778). Mas tal no vingaria
nem sobreviveria ao afastamento do Ministro de D. Jos e do seu projecto de poder regalista de
reordenamento do poder eclesistico e territorial e submisso dos bispos e quadros diocesanos.
Mas este um assunto que tem os seus desenvolvimentos ps 1758. O quadro da diviso e
administrao diocesana muito forte nas referncias dos procos memorialistas que sempre
situam rigorosamente a posio das suas parquias no quadro do ordenamento da diviso e
administrao eclesistico-diocesana, mas tambm no da administrao e governo eclesistico e
pastoral, onde os direitos de padroado e apresentao vo largamente desenvolvidos, a Histria
da Igreja Portucalense regularmente evocada a partir do Catlogo dos Bispos do Porto de D.
Rodrigo da Cunha, obra maior da cultura e identidade poltico-religiosa do clero urbano e rural
da diocese do Porto que poucos procos desconheceriam4. A fora e pregnncia da administrao
diocesana eclesistica, vai expressa no longo espao que toma ainda na obra do Padre Agostinho
Rebelo da Costa, na sua Descrio Topogrfica e Histrica da Cidade do Porto, de finais do
sculo XVIII (1. edio 1788-1789).
Particularmente robusta e desenvolvida a organizao e vida paroquial diocesana. Ela
exprime-se desde logo pelo desenvolvimento mdio da dimenso demogrfica das parquias, e
nelas pela centralidade paroquial das igrejas matrizes e da sua aco cultural e eclesistica.
possvel atravs das Memrias Paroquiais seguir e compor o quadro geral das igrejas matrizes
que em meados do sculo XVIII tm sacrrio e Santssimo Sacramento culto central
actividade eucarstica e paroquial da igreja mas tambm da instalao de algumas confrarias
centrais vida religiosa e administrao eclesistica das parquias, da administrao temporal da
Igreja a confraria do Subsino e outras confrarias devocionais, suportes por excelncia do
enquadramento e desenvolvimento de cultos estratgicos da Igreja Portuguesa. E tambm pelas
demais instituies religiosas de enquadramento da populao, expresso na densidade de capelas,
confrarias e irmandades e outros institutos pios, religiosos e sociais, todas elas contribuindo para
o reforo e relevncia da parquia. E tambm grande e importante o papel social e religioso
que os inmeros institutos e comunidades de religiosos tm na diocese e na cidade, com uma
grande irradiao poltica e cultural. Este desenvolvimento das instituies da administrao
eclesistica no quadro das parquias portuenses, explica tambm, com outros factores, o fraco
desenvolvimento das estruturas civis e polticas da coroa e municpios, nos lugares e nas
vintenas.
Ao lado da Diocese, s a cidade do Porto exerce to grande fora poltica, enquadradora e
centralizadora deste territrio, mas tambm significativa irradiao social e monumental, que
nesta conjuntura ir reforar com o apoio do governo central.
As Memrias Paroquiais urbanas, se bem que pobres para a caracterizao social-
econmica urbana, so por outro lado, ricas de informao sobre as suas instituies religiosas e
tambm da administrao poltica e civil e seus equipamentos. Jaime Ferreira Alves relevou j o
seu contributo para a histria monumental e artstica da cidade no fim do longo ciclo do Barroco
e incio do Neoclassicismo portuense, quando a cidade arranca para novos voos patrimoniais e
urbansticos. Por outro lado, as Memrias rurais, sobretudo das reas peri e circum-urbanas e das
Diocese nas vsperas do Conclio de Trento, Publicaes da Cmara Municipal do Porto, 1973. 4 A obra de D. Rodrigo da Cunha tambm largamente citada por outros procos memorialistas nortenhos da diocese
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terras dos julgados ou ouvidorias que constituem o vastssimo termo do Porto, fornecem
importantes elementos para vincar o papel central e centralizador do Porto neste territrio. A
organizao e estrutura dos julgados e ouvidorias vai, por regra, bem descrita nas suas
instituies poltico-administrativas do governo destes termos concelhios e na sua articulao e
dependncia ao municpio do Porto. Atravs das ouvidorias reforam-se as bases de articulao
cidade, pela constituio de patamares jurisdicionais e territoriais de administrao do territrio
que permitem gerir este vasto termo, nico no quadro nacional pela sua vastido e frmula de
articulao.
Nas Memrias, na zona circundante cidade, correspondentes a um primeiro crculo (
Thunem) de organizao do territrio e suas actividades econmicas em funo do grande centro
e mercado urbano, bem visvel, por um lado, o papel e tarefas daquelas freguesias dos actuais
concelhos da Maia, Matosinhos, Vila Nova de Gaia e Valongo que se especializam no
fornecimento de vveres e produtos industriais e matrias primas cidade, mas tambm no
suporte e articulao da cidade ao vasto territrio minhoto e duriense. Por outro lado possvel
seguir o papel que tem a rede hidrogrfica na construo e unificao econmica deste territrio
e sua articulao ao Porto. As Memrias Paroquiais produzem por todo o lado importantes
descries dos rios, em toda a sua extenso, perfis e ligao s terras. H aqui Memrias
particularmente ricas de descries dos grandes cursos de gua que se articulam ao Douro (mas
tambm ao Ave), e particularmente ao papel do Douro como unificador e construtor de grande
centro porturio, mercantil e econmico da regio e de todo o Norte, que a cidade do Porto.
*
A presente obra segue no essencial o esquema dos anteriores volumes. Nela colaboraram de
um modo particular na leitura e composio dos textos e elaborao de ndices e roteiros Sandra
Castro, Jos Jorge Capela e Ariane Almendra de Sousa, Bolseira do Projecto de Investigao
PTDC/HAH/65120/2006 A Parquia Rural e as Comunidades Locais Portuguesas no Sculo
XVIII. Fontes para o seu estudo: As Memrias Paroquiais de 1758 (Bragana, Porto, Viseu,
Aveiro), financiado pela Fundao para a Cincia e a Tecnologia e Eurico Loureiro na
elaborao dos mapas da diviso administrativa.
Agora que se d estampa este 5. volume, j no est entre ns o Rogrio Borra-lheiro.
Com ele idealizmos este projecto de estudo e publicaes e com entusiasmo esteve envolvido
na preparao deste volume. Em sua memria, com o estmulo da sua enorme paixo pela
Histria, a Histria Local e a Cultura Popular, vamos continuar este Projecto, sempre recordados
da sua amizade e alegria de viver. Por isso est sempre presente entre ns e nos nossos coraes.
JOS V. CAPELA
HENRIQUE MATOS
bracarense e brigantino-mirandesa. A obra acabar de ser reimpressa em 1742, dando-se-lhe maior expanso.
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PORTUGAL MODERNO
A CONSTRUO E DESCRIO DO TERRITRIO
A construo do paradigma
da descrio histrico-geogrfica local no sculo XVIII *
As Memrias Paroquiais de 1758
1. PORTUGAL NO MUNDO E NA IBRIA: COSMOGRAFIAS E COROGRAFIAS
A representao cartogrfica e por ela a viso do Mundo Moderno constri-se, na sntese de
Vitorino Magalhes Godinho, sob o efeito das duas revolues cientficas: a do sculo XIII, construindo
a ecmena em volta do eixo mediterrneo e da teia caravaneira euro-asitica, e a de 1420-1450 a 1550, a
qual traa a carta universal do Globo, graas aos novos eixos cientficos em latitude5. Elas so o
resultado de grandes expanses geogrficas, de novos e alargados contactos entre espaos at a fechados
e entre outras e diferentes civilizaes e culturas. No final resulta um Mundo desoculto e desmitificado,
articulado e global, para cujo desenho da carta planisfrica contriburam decisivamente as viagens de
descoberta e a obra cientfica dos Portugueses da poca de Quatrocentos e Quinhentos. Os Roteiros de D.
Joo de Castro, o Planisfrio portugus annimo vulgarmente conhecido por Cantino (1502), exprimem a
enorme condensao e registo de experincias e avanos cientficos que foi possvel fazer do horizonte da
cultura e nutica cientfica portuguesa, depois de quase um sculo de descobertas, roteiros e cartografia
cientfica.
O espao passa a ser objecto de medidas astronmicas e de orientaes relativamente precisas pela
bssola e pela posio do meridiano do sol; o tempo medido pelos relgios mecnicos que afastam as
clpsidras medievais. O nmero e a preciso descritiva envolvem e impregnam progressivamente os mais
diversos planos da vida humana e social.
Na descrio do espao e territrios, o fantstico cede ao real; o tpico convencional, o esteretipo
clssico cede descrio objectiva, inveno e construo da paisagem real, com envolvncia humana e
diferenciao social. O econmico, o administrativo, sempre articulados ao espao, s apropriaes e
configuraes sociais, emergem agora num plano novo e autnomo, fixando-se a perspectiva
civilizacional e a definio humana, enquanto expresso de construo poltica e scio-cultural. Tal est
presente nos mapa-mundi, nos planisfrios, mas tambm nas descries locais e regionais. E ganham
espao nas obras de referncia desta abertura, no Esmeraldo, na Peregrinao, nos Lusadas, nalgumas
Crnicas. E tambm nas descries pelas quais se descobrem os espaos regionais do Reino, em Mestre
Antnio, Rui Fernandes, Cristvo Rodrigues de Oliveira e tambm as cidades, em Lus Marinho de
Azevedo, Gabriel Pereira de Castro, Antnio de Sousa de Macedo, Lus Mendes de Vasconcelos, Joo
5 * Este parte do texto j publicado em As Freguesias do Distrito de Bragana nas Memrias Paroquiais de 1758, Braga, 2007, pp. 13-29 (correcto e revisto). Vitorino Magalhes Godinho Mito e mercadoria, utopia e prtica de navegar, scs. XIII-XVIII, Difel, Lisboa, 1990.
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Brando, Damio de Gis, Andr de Resende, Francisco de Holanda6. E tambm nas descries dos
territrios e domnios ultramarinos, das suas praas e fortalezas, do Norte de frica ao ndico que os
Roteiros nuticos e de viagens articulam com as indicaes necessrias viagem e navegao. Nelas a
terra plana e o espao imvel, de homogeneidade esttica, d origem perscrutao das dinmicas locais,
regionais e mundiais, sua articulao e organizao por centros, periferias e semiperiferias7. Cosmografia
plano de descrio que envolve o clculo matemtico e Corografia que pinta os lugares conjugam-
se para descrever os diversos planos deste Novo Mundo globalizado. O ideal busca conjugar os dois
nveis de descrio para que esta se volva completa. Para tal Joo de Barros intentou escrever uma
Cosmografia e uma Corografia de Portugal. E para a Histria de Portugal que projectou pode fixar-lhe,
apesar de praticamente no se afastar de Lisboa, como bem explanou Antnio Jos Saraiva, uma
concepo planetria, consubstanciada na ligao estreita entre a Histria e a Geografia, segundo uma
escala planetria e um mundo observado de um ponto de vista mltiplo. Os acontecimentos vo a
situados e referidos ao espao e tudo comea pelo mapa e se possvel a representao cartogrfica escala
mundial. Por outro lado, o ponto de vista mltiplo, assenta no pressuposto de que cada civilizao tem a
sua Histria8.
O Estado, e em Portugal mais intensamente o Estado mercador de Quatrocentos e Quinhentos o
agente por excelncia desta expanso geogrfica, globalizao e apreenso descritiva e promover o
conhecimento numrico e quantitativo das suas populaes e recursos; a vida administrativa, econmica e
social vir a ser progressivamente integrada em relaes numricas e quantitativas. Dos prelos nacionais
saem logo as Prticas de Aritmtica, tratados em que a cincia do nmero serve em particular e
ferramenta essencial do comrcio, da navegao, do registo e contabilidade pblicas9.
2. PORTUGAL, O ESTADO DO RENASCIMENTO E DA RESTAURAO (SCULOS XVI-XVII)
Sob o signo da construo do Estado do Renascimento lanam-se os principais instrumentos da
fixao e delimitao territorial das fronteiras, da organizao, unificao e integrao social e poltica do
territrio. A fronteira da raia seca fixa-se em termos polticos e estabiliza entre os ltimos anos do sculo
XV e 1540.
A fronteira martima e terrestre, com as alfndegas e o controlo do movimento fronteirio instala-se
ao longo do sculo XVI com as aduanas das sacas (D. Joo II) e os portos secos de 1559. Os postos de
sade promovero a defesa sanitria contra as ameaas de origem martima, a fronteira mais aberta e
concorrenciada, e pelos livros de visita s embarcaes pode medir-se o movimento martimo e at
comercial, Duarte dArmas por ordem rgia cartografar as fortalezas terrestres fronteirias e F. lvares
Sco pde por 1534-39, elaborar a primeira representao cartogrfica de Portugal como um todo (ed. de
Roma de 1561). uma representao realizada por estimativas, no h possibilidades de medir as
longitudes com rigor10. E fazem-se esforos para a descrio corogrfica e administrativa do territrio.
O Estado e a Sociedade, sados dos Descobrimentos, ganham agora a sua primeira arquitectura
orgnica. As traves mestras da arquitectura social e poltica pela primeira vez lanadas nas Ordenaes
Afonsinas (1446-47) ganham de seguida outra compleio com as Ordenaes Manuelinas (1512-1521),
Legislao e Ordenamentos posteriores que impressos ganham outra pregnncia. A reforma dos forais
6 J. Romero Magalhes O enquadramento do espao nacional, in Histria de Portugal (Dir. de Jos Mattoso) 3. vol., pp. 13-61, Ed. Crculo de Leitores, Lisboa, 1993. 7 I. Wallerstein O Sistema Mundial Moderno, Edies Afrontamento, Porto, 1990. 8 Antnio Jos Saraiva Para a Histria da Cultura em Portugal, vol. II, Publicaes Europa-Amrica, Lisboa, 1961. 9 Tratado de pratica darismetyca ordenado por Gaspar Nicolas, edio com introduo por Lus Albuquerque, Porto. 10 J. Romero Magalhes O enquadramento do espao nacional, in Histria de Portugal (Dir. de Jos Mattoso) 3. vol., pp. 13-61, Ed. Crculo de Leitores, Lisboa, 1993.
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(1500-1525) e a reorganizao administrativa do nova e mais integrada arrumao ao territrio11.
possvel entretanto recolher conjuntos de informao para a governao, da populao, do oficialato, das
rendas rgias metropolitanas12 do Estado da ndia13 e do Brasil14 que permitiro organizar os primeiros
oramentos da Coroa. O processo de construo da Repblica e Ptria comum atinge o plano de mais
lato desenvolvimento na fixao da Lngua, pela Gramtica mas tambm pela busca da perfeio esttico-
literria que contraponha o Portugus, ao Latim e ao Castelhano. E pela escrita da Histria de Portugal
escala Planetria: na Histria Antiga, pela busca de razes, ainda que v a Tubal; na Histria Moderna
que sirva directamente a governao, mais arreigada a uma descrio crtica e cientfica da Histria de
Portugal de forte compleio geogrfica; na Histria do Futuro, que no contexto da Unio Dinstica se
volve inclusive autonmica (Monarquia Lusitana) e que sob uma viso Providencialista quer organizar o
prximo V Imprio Cristo Portugus (Padre Antnio Vieira)15.
O Portugal Restaurado ps 1640 constri-se na base do reforo da ideia e do princpio unitrio
monrquico, que assenta no progresso das ideias e programas do Absolutismo. Ultrapassadas as
veleidades parlamentares, aristocrticas, burguesas e populares do tempo da Fronda, da crise de
meados do sculo XVII, a Monarquia Portuguesa refora o seu poder, submete e enquadra a aristocracia
fidalga, nobilirquica e letrada sob o horizonte da construo do ideal social da Contra-Reforma e do
Barroco e estruturar mais intensamente as suas rendas e bases econmicas nas receitas alfandegrias e
ultramarinas e no Brasil para alm da Dcima sobre os rendimentos internos e desenvolver a
construo de um mais adequado maquinismo burocrtico, incluindo o militar16. Tal reforo e construo
do poder monrquico faz-se com o crescente recurso a bases de dados com informao numrica e
quantitativa, descrio desenvolvida dos territrios e domnios onde o econmico e o administrativo
ganham relevo, acompanhado muitas vezes da descrio cartogrfica. Avanos neste domnio tinham j
sido particularmente desenvolvidos no perodo da Monarquia Dual (1580-1640), sob o governo dos
Filipes. E matriz do Inqurito das Relaciones Topogrficas de Filipe II (1578) que os Inquritos
portugueses vo buscar as perguntas essenciais17.
Para servir a construo do Estado Restaurado autnomo e independente de Espanha
desenvolvem-se as descries globais e a construo de informaes gerais que sirvam o Poder
Monrquico. E em paralelo, por sobre o dinamismo das economias regionais em especial dos espaos
mais articulados ao surto da economia brasileira do reforo da sociedade nobre e fidalga e do poder da
Igreja no contexto da Reforma Catlica e do Absolutismo, desenvolver-se-o descries parcelares,
modernas e histricas, dos diferentes espaos econmicos e territrios, da Sociedade nobilirquica
(secular e eclesisticas), das suas instituies e dos seus referentes.
Romero de Magalhes fixou os dois planos da evoluo da descrio literrio-geogrfica por onde se
desenvolve a descrio de Portugal na passagem do sculo XVI para o XVII: ao surto estadualista do
Humanismo e do Renascimento corresponder uma descrio geogrfica sensvel quantificao e ao
rigor, visando uma descrio do todo nacional; e ao Estado e Sociedade do Barroco, corresponder uma
fixao na descrio corogrfica e regionalista, de configurao senhorial e localista18. descrio
nacional, volver-se-, em fora to s no sculo XVIII. A este esquema pode fazer-se corresponder e
11 Marcello Caetano Histria do Direito Portugus (sculos XII-XIV). Subsdios para a Histria das Fontes do Direito em Portugal no sculo XVI, Ed. Verbo, Lisboa, 4. ed., 2000. 12 Vitorino Magalhes Godinho Finanas, in Dicionrio de Histria de Portugal (Dir. de Joel Serro), Iniciativas Editoriais, Lisboa, 1963-1971. 13 Vitorino Magalhes Godinho Les Finances de ltat Portugais des Indes Orientales (1517-1635), Fundao Calouste Gulbenkian, Paris, 1982. 14 Diogo de Campos Moreno Livro que d razo do Estado do Brasil (1612). 15 Eduardo Loureno Portugal como destino seguido da Mitologia da Saudade, Gradiva, Lisboa, 2. ed., 1999. 16 Vitorino Magalhes Godinho Restaurao, in Dicionrio de Histria de Portugal (Dir. de Joel Serro), Iniciativas Editoriais, Lisboa, 1963-1971. 17 Juan Vil Valent El conocimiento geogrfico de Espaa. Gegrafos e obras geogrficas, Editorial Sintesis, Madrid, 1990, p. 53. 18 J. Romero Magalhes As descries geogrficas de Portugal: 1500-1600. Esboo de problemas, in Revista de Histria Econmica e Social, Lisboa, n. 5, 1980 (Jan.-Jun.), pp. 15-56.
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sobrepor a dos vectores e momentos mais expressivos da construo do Estado Portugus e com ele e por
ele, a do maior dinamismo social-burgus na Sociedade Portuguesa do sculo XV ao sculo XVIII, na
cronologia de V. Magalhes Godinho19.
A aproximao descrio provincial e local do territrio e Sociedade Portuguesa parece-nos no
obstante uma preocupao sempre presente, que vai constantemente articulado aos programas de
descrio do conjunto do Estado, Territrio e Sociedade Portuguesa. Coroa e Monarquia Portuguesa
sempre se tornaram necessrios os dois planos, complementares, da descrio e conhecimento do Reino e
do territrio, o poltico estadual e o corogrfico20. O primeiro, co-natural e necessrio definio do
Estado Absoluto e Mercantilista e ao controlo dos seus meios e instrumentos de actuao,
designadamente a um conhecimento actualizado da fora da populao, dos impostos, da milcia, dos
equipamentos militares, da organizao administrativa e seu oficialato rgio, obediente e disponvel. Para
tal, desde cedo a Coroa fixou esta descrio e levantamento estatstico e at cartogrfico nas comarcas e
concelhos, malha territorial e administrativa mais homognea e coerente. E desde o encabeamento das
sisas, ao longo do sculo XVI, o plano concelhio e a aco das cmaras rgias se volvero o quadro e a
estrutura bsica e preferencial para este programa e realizao. Efectivamente a implementao de
programas nacionais de descrio e levantamento estatstico de dados e recolha de informaes, levada a
cabo no quadro das etapas de maior reforo e aumento do poder poltico estadual, por a se realizaro.
Mas em paralelo do conhecimento estatstico-poltico das foras e recursos e equipamentos da Coroa,
corre tambm a necessidade do conhecimento com ele correlacionado das foras e poderes que estruturam
a Sociedade e o Territrio em toda a sua extenso. Da tambm a necessidade da descrio e do
conhecimento Corogrfico, que naturalmente do plano e quadros administrativos (rgios) pode envolver e
atingir tambm o plano provincial e o local-paroquial, onde o plano estatstico e administrativo prprio
definio e articulao com o Estado no abandonado. Essa uma descrio e um tarefa que a Coroa
pode levar a cabo com o apoio e a colaborao das outras instituies e grupos sociais, detentores de
poder pblico e senhorial, melhor situados e equipados para localmente proceder a essas tarefas, que
procedem tambm por sua conta a tais realizaes.
A essa contribuio sobretudo a da organizao eclesistica para os informes local-paroquiais e em
especial para a populao sempre recorrer Coroa e at uma poca tardia. E tal colaborao ser
institucionalizada com D. Joo V com a criao da Academia Real de Histria (1720) a quem ser
encomendada, ex-ofcio, a escrita da Histria Antiga e Moderna do Reino de Portugal, a Eclesistica e a
Civil. A colaboraro activa e intensamente os quadros da elite e cultura da Sociedade Eclesistica e Civil,
com as da Ordem Rgia, na construo e descrio da Histria de Portugal, que ser em toda a extenso
uma empresa monrquica e da ordem nobilirquica portuguesa.
E do quadro, ambiente e confluncias de interesses da Igreja e da Monarquia que se configuraro
os itens mais correntes para as descries territoriais locais diocesanas que a ordem rgia utilizar nos
seus inquritos. Para alm dos Inquritos ordinrios promovidos motu proprio pela Igreja para a
administrao pastoral, religiosa e at conduo moral das suas dioceses, parquias e paroquianos e para
alm das informaes colhidas no mbito das visitaes, as dioceses e seus ordinrios, os bispos, foram
chamados a colaborar com a ordem monrquica na escrita da Histria Eclesistica e Secular do Reino de
Portugal encomendada por D. Joo V Academia Real da Histria (1720) para que colaborariam na
resposta aos inquritos para tal lanados. Para tal os comissrios nomeados pela Academia encarregues de
proceder recolha de elementos para cumprir o plano nacional traado, recorrero redaco de
inquritos diocesanos e paroquiais e at concelhios, solicitando a colaborao dos eruditos locais, dos
historiadores. Os inquritos ao nvel dos concelhos foram realizados pelas autoridades municipais quando
se revelaram altura; os inquritos paroquiais pelos procos. A descrio seguindo o Plano da Academia
abordaria, no plano mais geral, provincial e diocesano, os seguintes itens: 1. - A descrio da diocese e
19 Godinho, Vitorino Magalhes A Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa, 3. ed., Arcdia, Lisboa, 1977. 20 Antnio Manuel Hespanha As vsperas do Leviathan. Instituies e poder poltico. Portugal. Sculo XVI, 2 vols., Lisboa, 1986.
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provncia; 2. - Vida dos seus prelados e conclios; 3. - Cabido e Colegiadas da Diocese; 4. - Donatrios
e imagens religiosas; 5. - Igrejas seculares; 6. - Mosteiros de religiosos; 7. - Mosteiros de religiosas;
8. - Seminrios, recolhimentos, casas de rfos, misericrdias e hospitais; 9. - Procisses e votos e
romagens; 10. - Casos milagrosos; 11. - Sucessos notveis; 12. - Vares ilustres. No que diz respeito
composio secular, concelhia, comarc e paroquial, os procos deveriam seguir os seguintes itens: 1. -
Em que provncia fica situada a freguesia e a que bispado, comarca e termo pertence; 2. - Qual o seu
orago e quem os fundou; 3. - De quem a apresentao do proco; 4. - Quantos vizinhos tem; 5. -
Quantas capelas ou ermidas h na freguesia, quais so do povo, quais de instituidores particulares, e se
alguma frequentada de concurso de gente, por ter imagem milagrosa; 6. - H na igreja ou capelas da
freguesia alguma relquia insigne; 7. - H na freguesia casa de misericrdia, hospital ou recolhimento?
Em que anos se fundaram e por quem; 8. - Existem algumas irmandades, quantas e de que santos; 9. -
Quais so os letreiros das sepulturas e capelas e que tem; 10. - H memrias antigas no cartrio da igreja
de qualquer prerrogativas que lhe fossem concedidas ou sucedidas; 11. - H memria de que a
florescessem ou dela sassem alguns homens insignes por virtudes, letras ou armas; 12. - H algum
castelo, torre antiga, ou edifcio notvel; 13. - H na freguesia alguma fonte ou lagoa clebre? As suas
guas tm qualidades especiais; 14. - Tem pontes de cantaria ou de pedra? Quantas e em que stios?21.
Multiplicam-se as descries regionais, com cartografia e tabelas e inmeras corografias de
circunscries administrativas, de praas e fortalezas feitas pela Coroa e seus magistrados locais (neste
caso em relao com as necessidades da Guerra da Restaurao). No plano da construo social do Estado
e para a fixao dos referentes e legitimao social dessa construo, desenvolve-se em todo o esplendor,
a Histria e a Historiografia da nobreza e fidalguia (de sangue e titulada, letrada e militar) em especial nas
Genealogias. Particular desenvolvimento tem a Histria Eclesistica, em particular a Histria dos
Bispados e Dioceses e a Histria das Religies (das Ordens e Mosteiros). Nelas ganha um particular
relevo e autonomia a Histria Religiosa, nas Hagiografias e Hagiologias.
A Histria de Portugal, volve-se pois, no Estado e Sociedade da Restaurao, a sntese das Histrias
e contributos das Casas Nobres e Religies, das Terras e suas Figuras ilustres que contriburam em
conjugao com a Casa de Bragana e nova Monarquia para a Restaurao e Refundao de Portugal e
para a qual buscam a construo de um Destino comum.
3. A COROGRAFIA PORTUGUESA DE CARVALHO DA COSTA (1706-1712): DA COSMOGRAFIA, COROGRAFIA E TOPOGRAFIA
Entrelaando mais fortemente nessa escrita da Histria de Portugal, ao contributo nobre e fidalgo,
civil, eclesistico e militar, o contributo das terras, a Corografia Portuguesa (1706-1712) de Carvalho da
Costa no deixar de dar ainda mais extenso social a este projecto. Nela se enlaar mais activamente o
Padre Carvalho da Costa, a Corografia na definio de J. B. Castro22, a descrio de todo um Reino ,
com a Topografia, representao e descrio de uma s Provncia ou cidade, isto , das suas partes. Por
ela se far a fixao e divulgao dos elementos essenciais da construo e referenciao do Estado e
Monarquia, ps Restaurada, designadamente nos seus fundadores iniciais e se articular de um modo
activo construo desse quadro social e poltico, o papel e o lugar do territrio, pelos contributos que
arrancam da mais pequena freguesia rural, e se estendem Comarca, Provncia, ao Bispado, Corte e se
21 Tom de Tvora e Abreu Notcias geographicas e histricas da Provncia de Trs dos Montes (ms. 221 da BNL), transcrio de Jlio Montalvo Machado, in Revista Aquae Flaviae, n. 2, Chaves, 1989; Academia Real da Histria Portuguesa Collecam dos Documentos, Estatutos e Memrias (), Lisboa, 1721_1736; Jernimo Contador de Argote Memrias para a Histria Eclesistica de Braga, Primaz das Espanhas, 3 tomos, Lisboa, 1732-1744; Maria Jos Mexia Bigotte Choro Inquritos promovidos pela Coroa no sculo XVIII, in Revista de Histria Econmica e Social, n. 21, Livraria S da Costa, Lisboa, 1987 (Set.-Dez.), pp. 93-130. 22 Joo Baptista de Castro Mapa de Portugal Antigo e Moderno, 2. edio, Lisboa, 1762-1763 (1. ed., 1745-1758).
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configuram e articulam ao todo Nacional.
Matemtico e Astrnomo por formao, para a escrita desta obra suspender o Padre Carvalho da
Costa estas competncias. O verdadeiro amor Ptria e o patrocnio do Monarca, D. Pedro II, a quem
dedica a obra, levaram-no a tomar a deciso de interpolar os estudos Astronmicos a que me inclinavam
com maior simpatia, o gnio e a curiosidade, sujeitando-me s apertadas obrigaoens de Historiador e
trocando pelos infalveis computos da Esfera, os duvidosos documentos da Histria23. Articular, assim,
o plano macro, histrico-topogrfico, astronmico e cosmogrfico, com o plano micro, sem o que entende
no ser possvel ultrapassar erros de descrio de obras maiores. Para tal adopta o modelo descritivo de
base anatmico: no se devem buscar nesta obra mais do que as noticias ou se nos licito dize-lo assim,
huma anatomia do Reino de Portugal, em que se vero miudamente delineadas as partes interiores de que
se compem este grande corpo at agora to pouco examinadas dos autores (do Prlogo).
Para tal no deixou de fazer largo giro pelo Reino, observando a arrumao das povoaes, as
distancias entre umas e outras, as alturas das principais, servindo-nos a este fim o estudo que sempre
cultivamos da Matemtica. E com pena sua no pde juntar a esta descrio o que muito lhe agradaria,
as plantas da Topografia de Portugal que ter elaborado o Padre Joo dos Ris, da Companhia de Jesus,
alemo, bom matemtico e insigne na perspectiva e pintura que faria questo de juntar numa 2. edio.
A obra no juntou as plantas, mas referenciou para as principais terras, as coordenadas astronmicas
da latitude e longitude. E no final, em Index alfabtico e em Tbua final, cada freguesia vai tambm
referenciada diviso e organizao dos Correios, que completa deste modo o da referncia situao
relativamente Diocese e Concelho, introduzindo aqui um novo quadro de referncia, que ultrapassa o
quadro esttico da tradicional referenciao topogrfica, para a integrar na dinmica da circulao,
centralizao e unificao social e poltica promovida por este moderno servio pblico de comunicao
de correspondncia24.
A estrutura da obra adopta o plano descritivo da diviso por Provncias, comarcas, concelhos, coutos
e honras e dentro destas vo enumeradas as freguesias nas suas vilas e cidades e termos dos concelhos.
A Provncia abre-se com uma breve caracterizao geral, donde constam as referncias e
coordenadas essenciais: etimologias do nome, extenso, limites, serras e rios, pontes e fontes (com maior
ou menor desenvolvimento em captulos apartados), diviso comarc, fertilidade. Segue-se a descrio
das terras de cada Comarca que integram a Provncia. A descrio das vilas e cidades, cabeas de
comarcas, necessariamente a mais extensa. Para alm daqueles dados da Topografia Geral, aqui as
descries alargam-se e aprofundam-se no plano sobretudo da Descrio Social das terras, daqueles
elementos integradores na ordem social e poltica da Coroa e Monarquia, por aqui se completando,
aprofundando e eventualmente ultrapassando algum esgotamento do referencial nacional a precisar de
vivificao: senhorios, doaes, privilgios das terras e moradores, factos e figuras da Histria local-
nacional mais relevantes, com largos discursos histricos, polticos, genealgicos, sobre a fidalguia e a
nobreza (laica e eclesistica), sobre a Ilustrao e vares ilustres, os mosteiros, igrejas e capelas e outras
instituies eclesisticas relevantes, com largo espao para a Hagiografia. E tambm para o urbanismo e
equipamentos civis com espao relativamente alargado para a descrio da administrao poltica,
municipal e camarria, sem abrir porm espao referenciao dos nomes dos seus elementos locais que
em muitas terras de mais baixo padro poltico-social no poderiam vir a esta Histria e construo social.
Nem to pouco os estratos mercantis e profissionais do mundo urbano. Segue-se a descrio das
freguesias, em modelo padro, de forma breve, com excepo daquelas freguesias que pela sua Histria e
Sociedade, o texto deva ser, naturalmente, mais desenvolvido. As referncias fazem-se pelo nome e orago
da terra, ttulo do benefcio paroquial, seu padroeiro/apresentador, ordem paroquial/beneficial, fogos de
moradores.
De onde vem esta informao? No essencial os elementos so colhidos na produo bibliogrfica de
23 Antnio Carvalho da Costa Corografia Portugueza e descripam topografica, 3 tomos, Lisboa, 1706-1712 (2. ed., Braga, Typographia de Domingos Gonalves Gouvea, 1868-1871). 24 As Comunicaes na Idade Moderna (coordenao de Margarida Sobral Neto), Fundao Portuguesa das
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referncia da poca mas tambm no largo labor de inqurito e recolha de informaes do Autor. Esta obra
fixa, exemplarmente, no plano histrico as diferentes construes e contribuies da Historiografia do seu
tempo por onde se constri a Histria de Portugal nos seus imaginrios, messianismos e profetismos e
tambm no contributo das partes, da Sociedade sobretudo a militar, a literria, a letrada, sempre nobre,
civil ou eclesistica , mas agora tambm dos territrios, tambm por eles enquadrados na construo da
Monarquia Portuguesa. As referncias historiogrficas, geogrficas e literrias so as mais expressivas
dos campos da produo da cultura portuguesa antiga e tambm moderna. A se fixam em referncias
que preciso procurar e descortinar ao longo do texto as obras e autores maiores da Histria Ptria,
secular e eclesistica, expressa sobretudo na obra maior e seus autores, a Monarquia Lusitana e Fr.
Antnio Brando, Fr. Bernardo de Brito; mas tambm ao Prncipe dos Poetas, Lus de Cames e os
Cronistas Joo de Barros e Diogo Couto e Manuel Faria e Sousa; da Crnica e Histria Civil,
Genealogica e Nobilirquica (dos Cronistas Azurara e Joo de Barros; Nobilirio do Conde D. Pedro,
com as notas do Marqus de Montebelo); da Crnica, Histria e Historiografia Monstica e suas
Hagiografias (Fr. Bernardo de Brito, Cister; Fr. Lus de Sousa e Fernando de Castilho, Dominicanos; Fr.
Bento de Santa Maria, Fr. Leo de S. Toms e Fr. Antnio de Yepes, Beneditinos; Gonzaga, Franciscano;
D. Nicolau de Santa Maria, Regrante de Santo Agostinho e outras referncias a escritos eclesisticos de
Fr. Bernardo de Braga, Fr. Joo de Apocalipse, Fr. Gil de S. Bento); da Histria, Geografia e Corografia
Moderna e Antiga, sobretudo com a insistncia em Estao (Antiguidades de Portugal) e tambm Gaspar
Barreiros, o Doutor Joo de Barros. Com citaes tambm a obras de referncia em lngua castelhana (Fr.
Atansio de Lobera, Grandezas de Leo; Sandoval, Igreja de Tui; Florio de Ocampo; Garibay; Rodrigo
Mendes da Silva; Argote de Molina)25.
A Corografia Portuguesa oferece-nos assim a partir da descrio das partes, ordem social, ordem
administrativa, as Provncias, as comarcas, os concelhos, as freguesias, uma descrio ordenada e do
conjunto de Portugal. A descrio topogrfica no diminui a viso de conjunto, naturalmente pela
referenciao das coordenadas cosmogrficas e geogrficas, pelo modelo descritivo usado e aplicado
uniformemente na descrio social, mas certamente tambm pelo rigor da recolha de dados, que no
sabemos se foi feito essencialmente por inqurito geral, ou qual a parte da recolha pessoal de dados. A.
M. Hespanha pode comprovar pela correlao interna dos dados demogrficos contidos na Corografia, a
elevada coerncia global e fiabilidade destes dados26. A apreciao destes dados foi feita tambm por
Joaquim de Carvalho e Jos Pedro Paiva27. O volume de informao permitir na mesma base,
naturalmente compor sries para tratamento estatstico e comparativo para a globalidade do territrio
nacional. No foi pois incompatvel, bem pelo contrrio, a descrio topogrfica com a corogrfica
descrio geral do pas como se realizou superiormente com esta Corografia Portuguesa de Carvalho
da Costa. Obra destinada a ter um enorme papel no s na fixao das matrizes da produo corogrfica e
monogrfica das terras portuguesas, mas tambm no fornecimento de contedos para a escrita da Histria
de Portugal.
4. A ACADEMIA REAL DA HISTRIA (1720) E O MAPA DE PORTUGAL ANTIGO E MODERNO DE J. BAPTISTA DE CASTRO (1745-1762)
4.1. A Academia Real da Histria, a nova Histria Eclesistica e Secular
Comunicaes, 2005. 25 Diogo Ramada Curto O discurso poltico em Portugal (1600-1650), Universidade Aberta, 1988; Joaquim Verssimo Serro A Historiografia Portuguesa, Editorial Verbo, Lisboa, 3 volumes, 1972-1974. 26 Antnio Manuel Hespanha As vsperas do Leviathan. Instituies e poder poltico. Portugal. Sculo XVI, 2 vols., Lisboa, 1986. 27 Joaquim Carvalho e Jos Pedro Paiva A Diocese de Coimbra no sculo XVIII. Populao, Oragos, Padroados, Ttulos dos Procos, separata de Revista de Histria das Ideias, vol. 11, Faculdade de Letras, Coimbra, 1987.
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A Corografia e a Topografia de Carvalho da Costa um ponto de chegada, mas tambm um ponto
de partida da descrio histrico-geogrfica de Portugal. Ponto de chegada da Histria e Historiografia
seiscentista de matriz Barroca e Providencialista que progressivamente dar lugar Histria e
Historiografia, documental, crtica e cientfica da Academia Real de Histria que sob o impulso das
Cincias, em particular os progressos da Matemtica e com esta das Cincias Fsicas, Naturais,
Experimentais, da Geografia, mas tambm sob o efeito do desenvolvimento da Sociedade e do Estado e
das necessidades da Governao, iro dar novo desenvolvimento ao campo da Histria. Ponto de chegada
tambm da Topografia que do plano genrico dos seus desenvolvimentos e quadro da descrio barroca
da histria local, com os novos desenvolvimentos cientficos e estatsticos do sculo XVII e 1. metade
do sculo XVIII, avanar para um plano mais desenvolvido e aprofundado de descrio topogrfica e
histria local-paroquial.
A escrita de uma nova Histria Eclesistica e Civil do Reino de Portugal encomendada recm-
criada Academia Real da Histria por D. Joo V e a edio do Mapa de Portugal Antigo e Moderno do
acadmico J. B. de Castro entre 1745-1762, volver-se-o os dois planos essenciais de realizao do
programa da escrita de uma Histria e Geografia de Portugal Antiga e Moderna. Por eles se avanar
decisivamente na construo de uma Nova Histria fortemente articulada Geografia mas tambm
Histria Moderna, de actualidade, sem romper tambm com a Histria Antiga, em ultrapassagem da
clssica disputa e polmica entre Antigos e Modernos28.
conhecido o quadro filosfico-doutrinrio, mas tambm dos desenvolvimentos poltico-sociais que
do corpo reunio e produo de condies que presidem no sculo XVII abordagem laica e cientfica
da Sociedade e da Natureza e por elas tambm a uma nova abordagem da Histria29. As anlises
totalizantes da Sociedade e Natureza humanas do passado cedem agora lugar a abordagens sectoriais e
crticas que colocam em causa o sistema universal, teolgico e finalstico de explicao do Universo e
fins da Humanidade, colocando no terreno o papel da Razo e da Luz Natural e por elas, a maior
liberdade do Homem na Sociedade e na conquista da Verdade. Este ser o verdadeiro campo de progresso
das Cincias e tambm da Histria. A Histria abordar de um ponto de vista laico o estudo da origem e
do devir das Sociedades, do Homem e das realizaes humanas como facto tangveis, no reduzidos
Histria dos Indivduos, mas Histria da Sociedade. A Histria como Cincia Humana e Social
objecto de tratamento emprico e cientfico e deve ser tratada e abordada, na linha do pensamento de
Voltaire e Condorcet, como a Filosofia e como as Cincias30.
possvel na produo histrica e geogrfica da Academia seguir alguns planos do desenvolvimento
da nova Histria e ruptura com a tradio e paradigma historiogrfico barroco e por ela tambm dos
novos campos para a descrio do territrio e sociedades locais31. Esses avanos vieram sobretudo da
produo e da contribuio para a elaborao do texto e da investigao historiogrfica do campo
cientfico dos acadmicos Matemticos e Filsofos, mas tambm dos Gegrafos. A Matemtica,
desempenhar, de per si, mas tambm por via da Geografia, um papel decisivo nos avanos da descrio
histrica. E o Mapa de Portugal Antigo e Moderno de J. B. de Castro volver-se- o principal suporte e
quadro dessa nova construo histrica.
aqui oportuno lembrar a largueza dos horizontes cientficos e da aplicao da Matemtica no
nosso sistema escolar e cientfico antigo. Nos termos da prpria intitulao de um texto didctico de um
dos Matemticos mais conhecidos do sculo XVIII, ligado escola dos Matemticos jesutas Incio
Monteiro (1724-1812) e o seu Compendio dos Elementos da Matemtica na formula do subttulo da
28 Rmulo de Carvalho A Fsica Experimental em Portugal no sculo XVIII, Biblioteca Breve, Lisboa, 1982. 29 Joaquim Barradas de Carvalho Da Histria-Crnica Histria-Cincia, Livros Horizonte, Lisboa, 1972; Henry Kamen O Amanhecer da Tolerncia, trad. de Alexandre Pinheiro Torres, Editorial Inovar Limitada, 1. ed., 1968. 30 Joaquim Barradas de Carvalho Da Histria-Crnica Histria-Cincia, Livros Horizonte, Lisboa, 1972. 31 Fernando Castelo Branco Significado Cultural das Academias de Lisboa no sculo XVIII, in Bracara Augusta, vol. XXVIII, 1974, n.os 65-66 (77-78), pp. 31-57; Norberto Ferreira da Cunha Elites e acadmicos na cultura portuguesa setecentista, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2001; Idem Histria e mtodo na historiografia portuguesa da 1. metade do sculo XVIII, in As freguesias do Distrito de Viana do Castelo nas Memrias Paroquiais de 1758. Alto Minho: Memria, Histria e Patrimnio, Braga, 2005, pp. 637-647.
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referida obra, estes elementos so Necessrios para o estudo das Cincias Naturais e Belas Letras
(1754_1756). A se explana que no estudo da Matemtica e seus Elementos vo as partes essenciais
Descrio Geogrfica e em particular feitura de Cartas Geogrficas: a aritmtica, a lgebra, a
geometria e a trignometria; os captulos mais importantes da fsica, a astronomia, a geografia e a
cronologia32. cincia essencial da vida e a conservao do Estado, di-lo Azevedo Fortes o engenheiro-
mor do Reino em 1729, na Geometria prtica sobre o papel e fortificao, ofensa e defensa das praas33.
Pela Geografia e pela Cronologia traz-se um contributo essencial para a Histria que se renova pelas
novas coordenadas e dimenses introduzidas pelo tempo e pelo espao. Por isso os sbios acadmicos, em
1721, na distribuio dos trabalhos que fizeram entre os seus membros, encomendariam a Azevedo Fortes
os pontos geogrficos da mesma Histria e a fabrica dos Mapas ou Cartas Geogrficas () porque
todos reconhecem a grande facilidade que do as Cartas Geogrficas para a inteligncia das
histrias34. Caetano de Lima, tambm membro da Academia, que inaugura a Geografia Histrica
Moderna, apoiada nos novos conhecimentos cientficos, matemticos e astronmicos, para as observaes
astronmicas, representao das latitudes e longitudes, recorreu a Azevedo Fortes, a Manuel Pimentel e
ao Coronel Jos da Silva Pais, que lhe fizeram os mapas, aprofundando a Histria poltico-administrativa
e ainda a Histria Econmica35. Para tal a nova Geografia desempenha um papel essencial para a Histria
e vice-versa: hum historiador que no gegrafo, h como hum pintor sem desenho, como hum piloto
sem carta de marear e como hum general sem mapa do Paiz (sesso da Academia de 19 de Agosto de
1723)36.
4.2. Joo Baptista de Castro e o Mapa de Portugal Antigo e Moderno (1745-1762)
Os mapas, com as respectivas coordenadas astronmicas das latitudes e longitudes desde Azevedo
Fortes, Baptista de Castro e Caetano de Lima devem fazer parte integrante da nova Histria, sobretudo a
Moderna. O invento dos Mapas, diz Baptista de Castro, foi a mais engenhosa idea em que os homens
tinham dado; pois em breve espao e a huma vista nos mostra todo o mundo e por elle conhecemos o sitio
e a grandeza de cada Reino, Provncia e lugar. E acrescenta: O mais util dos Mapas a inteligncia da
sua graduao37. Ao Mapa de Portugal (na 2. edio, ltima parte, parte V), junta Baptista de Castro um
Roteiro Terrestre, o 1. digno desse nome, composto a partir da informao dos Correios. Antes tal havia
sido intentado por Filipe IV em 1638 e tambm, como se referiu, pelo Matemtico e Corgrafo Padre
Carvalho da Costa que prometera um Roteiro breve de Lisboa para as principais cidades do Reino38.
Conforme escreve entrou a delinear O Itinerario Moderno, constituindo a cidade e corte de Lisboa,
centro de todos os Roteiros, que distribuo para as principais povoaes das Provncias e desta fao
produzir e derivar outras vias por travessas que servem como ramos, que vo pegar nos lugares
circunvezinhos mais notveis. Isto , o Portugal poltico-administrativo ficava agora articulado pelo
desenho de um Roteiro de viagem e circulao que era o que os Correios tinham plasmado no terreno,
conjugando certamente centros de irradiao poltico-administrativa local e regional com condies
fsicas de circulao no territrio. Para a melhor enumerao dos lugares por longitudes e latitudes
recorreu s informaes, conjuntas, do Mapa de J. B. Hommau de 1736 e Manuel Pimentel.
No Mapa de Portugal (na 2. edio designada por Antigo e Moderno) recolhe e fixa Joo Baptista
de Castro os novos horizontes cientficos e histricos da descrio do Pas numa descrio de conjunto,
32 Miguel Corra Monteiro Incio Monteiro (1724-1812), um jesuta portugs na disperso, Lisboa, 2004. 33 M. Azevedo Fortes O Engenheiro Portugus, Lisboa, 1728-1729. 34 M. Azevedo Fortes Tratado do mais fcil e mais exacto de fazer cartas geogrficas (), Lisboa, 1722. 35 Lus Caetano de Lima Geografia Histrica de todos os Estados Soberanos da Europa, Lisboa, Of. de Jos Antnio da Silva, 2 vols., 1734-1736 (2. ed., Coimbra, 1844). 36 Academia Real da Histria Portuguesa Collecam dos Documentos, Estatutos e Memrias (), Lisboa, 1721-1736. 37 Joo Baptista de Castro Mapa de Portugal Antigo e Moderno, 2. edio, Lisboa, 1762-1763 (1. ed., 1745-1758). 38 Antnio Carvalho da Costa Corografia Portugueza e descripam topografica, 3 tomos, Lisboa, 1706-1712 (2. ed., Braga, Typographia de Domingos Gonalves Gouvea, 1868-1871).
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apoiada em mapas, medida e desenhada pelas lgoas astronmicas e por roteiros de viagem. Abre-se o
Tomo I (1. parte) com a descrio poltico-administrativa e fsica e a econmica do Reino; no captulo III
por uma descrio circular pela margem martima e terrestre, seguindo no seu interior a diviso
moderna pelas Provincias (cap. V); no captulo VI os montes, promon-trios e serras de maior nome;
no captulo VII os rios, ribeiras e lagoas mais considerveis; no captulo VII as pontes mais notveis;
no captulo IX as caldas; no captulo X a fertilidade do Reino em comum; no captulo XI os
minerais; no captulo XII as moedas; no captulo XIII da lngua e costumes; no captulo XIV do
gnio e costumes portugueses. Aqui vo lanados campos novos descrio territorial onde inclusive se
faz uma incurso pioneira no gnio e costumes dos portugueses, onde o elemento popular tem entrada. Ao
Tomo II ficaro reservados temas clssicos da tradicional descrio de base fidalgo-eclesistica da
sociedade barroca: da descrio da sociedade eclesistica e imaginrio religioso, s Letras e s
Universidades (seus cultores e elementos mais ilustres), aos mais famosos escritores dos mais diferentes
ramos, sociedade militar. No Tomo III vo lanados as tabelas topogrficas, quadros sinpticos de
referncias essenciais para os lugares mais importantes, vilas e cidades, ainda que s se lancem os dados
referentes Provncia da Estremadura. Essas referncias podem agrupar-se em dois conjuntos essenciais:
o 1. de 5 tabelas diz respeito localizao administrativa e geogrfica: nome das povoaes, comarca,
diocese, altura do plo e distncia a Lisboa; o 2. conjunto a 7 elementos de referenciao social da terra:
foral, parquias (do respectivo termo), conventos, mosteiros, ermidas, fogos, donatario e feiras. A tabela,
o nmero e quantitativo, a relao numrica de grandeza e riqueza, esto agora omnipresentes neste
programa de descrio que o Mapa de Portugal.
Seria no territrio do Sul do Brasil que o desenho e a pintura das cartas e a descrio econmica e
social e estatstica dos territrios progredir intensamente ao longo deste perodo e reinado de D. Joo
V, numa das aplicaes mais conhecidas e concretas dos novos conhecimentos e tcnicas aplicadas
cartografia. Com o objectivo de reconhecer, delimitar e exercer o domnio sobre aqueles territrios
brasileiros de delimitao indefinida e ameaa do domnio e concorrncia internacional de Frana e
Espanha, por efeito da aplicao da linha do Tratado de Torde-silhas , se proceder mais intensa e
moderna descrio e cartografia daquele territrio. Ao modo da Cartografia francesa tambm em Portugal
se enveredar pela produo de uma Cartografia que sirva e se torne mesmo tambm Cartografia de
Estado para afirmar a Soberania naquelas partes do territrio, disputado39. Nesse sentido D. Joo V
recorrer ao contributo dos padres matemticos, jesutas, a quem encomendou mapas graduados pela
latitude e longitude, com referncias s principais terras, caminhos, estradas e limites da jurisdio do
territrio sul brasileiro, zona de minerao de grande interesse para a Coroa e concorrncia castelhana. A
descrio cartogrfica do Sul do Brasil vir a atingir um particular desenvolvimento no conjunto da
cartografia e descrio territorial portuguesa.
A contribuio dos Matemticos jesutas vem tambm de encontro aos planos de desenvolvimento
cartogrfico dos cientistas e instituies portuguesas. H neste contexto referncias s observaes
astronmicas e seus registos feitos por Capassi em Lisboa, Porto e Braga, entre 1726 e 1727 para a
publicao, nunca realizada, de uma Lusitnia Astronmica Ilustrada (A. Ferrand de Almeida, remete
para o IAN/TT, Cartrio dos Jesutas, Mao, n.os 57 e 58)40. Neste mbito deve-se referir o especial
contributo de Azevedo Fortes que em 1722 publica o Tratado do modo mais fcil e o mais exacto de fazer
as Cartas Geogrficas () para servir de instruo fabrica das Cartas Geogrficas e apoiar a publicao
de Histria Eclesistica e Secular de Portugal, que o Monarca encomendar Academia. uma obra para
Engenheiros que por este modo pretende articular com esta tarefa da composio Histrica Moderna.
um Tratado que entende fazer compor e anteceder por uma questo de mtodo ao desenho das cartas e
fixao dos pontos geogrficos da mesma Histria, j que lhe era impossvel proceder ao levantamento
dos dados e elaborao de todas as cartas necessrias e deste modo permitir que outros engenheiros se
39 Andr Ferrand de Almeida A formao do espao brasileiro e o projecto do Novo Atlas da Amrica Portuguesa (1713-1748), Comisso Nacional para as Comemoraes dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 2001; Maria Helena Dias (coordenao) Os Mapas em Portugal. Da tradio aos novos rumos da cartografia, Edies Cosmos, Lisboa, 1995.
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aplicassem ao trabalho e dele resultasse obra uniforme.
A vo explanadas as tcnicas e os meios para tal execuo, explicando o modo com que se deve
dar princpio carta geogrfica de huma Provncia ou Bispado (cap. VI). Como a Histria iria ser
composta por Bispados ou Provncias, era absolutamente necessrio que todos praticassem o mesmo
petip, as mesmas coordenadas, de modo que se ajustem humas com as outras pelos seus confins ou
limites e que de todas resulte a Carta Geral do Reino. E para tal efeito refere-se ao Roteiro Portuguez
onde vo impressas as taboadas das longitudes da navegao e onde tambm se podero ver as latitudes e
longitudes dos principais lugares (cap. VI).
Os conhecimentos que permitem Azevedo Fortes produzir a obra so o resultado do seu trabalho de
anos na pratica de tirar plantas e cartas de diferentes praas (Tratado do mais fcil, o.c.) mas tambm
do estudo da Literatura francesa, bem avanada na Cartografia Militar e Arte das Fortalezas. Azevedo
Fortes faz parte, alis, do notavel Corpo de Engenheiros Militares que na continuidade da Aula de
Fortificao e Arquitectura Militar (1642) instalada no contexto da Guerra da Restaurao, continuada
nas Academias militares joaninas, haveriam de promover este campo de trabalho e estudo. E que nos
legariam uma enorme produo de mapas e cartografia de praas e fortalezas militares da poca da
Restaurao e posterior de grande valor artstico e preciso descritiva, arquitectnica e militar.
Em conjugao da investigao Histrica centralmente dinamizada pela Academia e Acadmicos da
Academia Real os correspondentes locais da Academia, que por vezes se organizaram em Academias
Provinciais haveriam tambm de prestar uma particular ateno Histria. Eles esto na origem de um
geral desenvolvimento deste ramo de conhecimento, legaram-nos importantes descries e contributos de
Histria local e esto na origem de um grande florescimento de Histrias e Memrias locais,
desenvolvimento cultural e social provincial.
Os itens so os seguintes (com pontuao e grafia actualizada):
O QUE SE PROCURA SABER DESSA TERRA O SEGUINTE
Venha tudo escrito em letra legvel, e sem abreviaturas
1. Em que provncia fica, a que bispado, comarca, termo e freguesia pertence?
2. Se do rei, ou de donatario e quem o ao presente?
3. Quantos vizinhos tem (e o nmero de pessoas)?
4. Se est situada em campina, vale ou monte e que povoaes se descobrem da e qual a distncia?
5. Se tem termo seu, que lugares ou aldeias compreende, como se chamam e quantos vizinhos tem?
6. Se a parquia est fora ou dentro do lugar e quantos lugares ou aldeias tem a freguesia todos pelos
seus nomes?
7. Qual o orago, quantos altares tem e de que santos, quantas naves tem; se tem irmandades, quantas e
de que santos?
8. Se o proco cura, vigrio, reitor, prior ou abade e de que apresentao e que renda tem?
9. Se tem beneficiados, quantos e que renda tem e quem os apresenta?
10. Se tem conventos e de que religiosos ou religiosas e quem so os seus padroeiros?
11. Se tem hospital, quem o administra e que renda tem?
12. Se tem casa de misericrdia e qual foi a sua origem e que renda tem; e o que houver notavel em
qualquer destas coisas?
13. Se tem algumas ermidas e de que santos e se esto dentro, ou fora do lugar e a quem pertencem?
14. Se acodem a elas romagem, sempre ou em alguns dias do anno e quais so estes?
15. Quais so os frutos da terra que os moradores recolhem em maior abundancia?
40 Ibidem.
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16. Se tem juz ordinrio, etc., camara ou se est sujeita ao governo das justias de outra terra e qual
esta?
17. Se couto, cabea de concelho, honra ou behetria?
18. Se h memria de que florescessem, ou dela sassem alguns homens insignes por virtudes, letras ou
armas?
19. Se tem feira e em que dias e quantos dura, se franca ou cativa?
20. Se tem correio e em que dias da semana chega e parte; e se o no tem, de que correio se serve e
quanto dista a terra aonde ele chega?
21. Quanto dista da cidade capital do bispado e de Lisboa capital do reino?
22. Se tem alguns privilegios, antiguidades, ou outras coisas dignas de memria?
23. Se h na terra ou perto dela alguma fonte, ou lagoua clebre e se as suas guas tem alguma especial
qualidade?
24. Se for porto de mar, descreva-se o stio que tem por arte ou por natureza, as embarcaes que o
frequentam e que pode admitir?
25. _Se a terra for murada, diga-se a qualidade de seus muros; se for praa de armas, descreva-se a sua
fortificao. Se h nela ou no seu distrito algum castelo ou torre antiga e em que estado se acha ao
presente?
26. Se padeceu alguma ruina no Terremoto de 1755 e em qu e se est reparada?
27. E tudo o mais que houver digno de memria, de que no faa meno o presente interrogatorio.
O QUE SE PROCURA SABER DESSA SERRA O SEGUINTE
1. Como se chama?
2. Quantas lguas tem de comprimento e de largura; onde principia e onde acaba?
3. Os nomes dos principais braos dela?
4. Que rios nascem dentro do seu stio e algumas propriedades mais notveis deles: as partes para onde
correm e onde fenecem?
5. Que vilas e lugares esto assim na serra, como ao longo dela?
6. Se h no seu distrito algumas fontes de propriedades raras?
7. Se h na terra minas de metais; ou canteiras de pedras ou de outros materiais de estimao?
8. De que plantas ou ervas medicinais a serra povoada e se se cultiva em algumas partes e de que
gneros de frutos mais abundante?
9. Se h na serra alguns mosteiros, igrejas de romagem ou imagens milagrosas?
10. A qualidade do seu temperamento?
11. Se h nela criaes de gados ou de outros animais ou caa?
12. Se tem alguma lagoua ou fojos notveis?
13. E tudo o mais houver digno de memria?
O QUE SE PROCURA SABER DESSE RIO O SEGUINTE
1. Como se chama assim o rio, como o stio onde nasce?
2. Se nasce logo caudaloso e se corre todo o ano?
3. Que outros rios entram nele e em que stio?
4. Se navegvel e de que embarcaes capaz?
5. Se de curso arrebatado ou quieto, em toda a sua distncia ou em alguma parte dela?
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6. Se corre de norte a sul, se de sul a norte, se de poente a nascente, se de nascente a poente?
7. Se cria peixes e de que espcie so os que trs em maior abundancia?
8. Se h neles pescarias e em que tempo do ano?
9. Se as pescarias so livres ou de algum senhor particular, em todo o rio ou em alguma parte dele?
10. Se se cultivam as suas margens e se tem arvoredo de fruto ou silvestre?
11. Se tem alguma virtude particular as suas guas?
12. Se conserva sempre o mesmo nome ou o comea a ter diferente em algumas partes; e como se
chamam estas ou se h memria de que em outro tempo tivesse outro nome?
13. Se morre no mar ou em outro rio e como se chama este e o stio em que entra nele?
14. Se tem alguma cachoeira, represa, levada ou audes que lhe embarassem o ser navegavel?
15. Se tem pontes de cantaria ou de pau, quantas e em que stio?
16. Se tem monhos, lagares de azeite, pizes, noras ou outro algum engenho?
17. Se em algum tempo ou no presente, se tirou ouro das suas areias?
18. Se os povos usam livremente das suas guas para a cultura dos campos ou com alguma penso?
19. Quantas lguas tem o rio e as povoaes por onde passa, desde o seu nascimento at onde acaba?
20. E qualquer outra coisa notavel que no v neste interrogatorio.
5. EM DIRECO S MEMRIAS PAROQUIAIS DE 1758
5.1. A descrio diocesana e paroquial
Ao longo da 1. metade do sculo XVIII sero cristalizados os tpicos essenciais da descrio
regional e local de Portugal. Sob o impacto dos trabalhos e orientaes da Academia Real de Histria e
labor cientfico dos seus membros, ela iria evoluir e ultrapassar o quadro da descrio barroca fixada por
A. Carvalho da Costa na Corografia e Topografia. O plano e o contedo da descrio pretendia-se agora
mais complexo e integrado, para o que o contributo dos novos conhecimentos cientficos determinante e
deve ser participante. Para tal tarefa a Monarquia criar ex-ofcio a Academia que encarrega de escrever a
Histria Antiga e a Moderna, tanto a Eclesistica como a Secular. Nela a Histria voltar-se- agora
tambm para a explicao e descrio da actualidade e nela se envolver activamente a participao a
historiografia eclesistica e a secular. A Histria produzida pela Academia exprime tambm o quadro da
evoluo da inteligncia portuguesa e como se acolhem entre a ilustrao eclesistica e secular, as
novas correntes de pensamento, em particular o cientfico-matemtico e o geogrfico e tambm o
histrico para a descrio das comunidades e territrio. O referencial bibliogrfico utilizado directamente
sem dvida uma das pistas a seguir e a explorar para a definio destes horizontes.
O Mapa de Baptista de Castro mostra bem agora os novos planos que devem ser abordados nesta
Histria Antiga e Moderna nos desenvolvimentos dos planos da descrio local e regional e na
complexidade dos temas a tratados. No essencial devem-se referir os novos campos e as novas
abordagens que se abriram descrio scio-institucional, poltico-administrativa, mas sobretudo
fsica e econmica do territrio. Para o tratamento destes ltimos planos, a descrio e caracterizao das
serras e dos rios ganha campos de desenvolvimento autnomo e so abordados como entidades
absolutamente essenciais composio e apreenso dos processos de articulao do territrio e
estruturao das comunidades. Eles viro a constituir dois novos campos de arrumao dos itens do
Inqurito, que se juntam ao 1. sobre a terra ou lugar/parquia.
O quadro da descrio geogrfico-territorial que no Estado do Renascimento, por regra se organiza a
partir dos territrios da administrao civil, as Provncias e sobretudo as Comarcas e os Concelhos,
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evoluir progressivamente at se fixar no quadro diocesano. Ainda esse quadro de diviso descritiva de
A. Carvalho da Costa. Mas ambos os planos podem estar ainda presentes: o comarco-concelhio; o
diocesano-paroquial. Mas este que agora ganha primazia. Tal evoluo exprime bem as mudanas
estruturais verificadas na configurao poltica da Sociedade Portuguesa ps Restaurao e tambm a
nova configurao do Poder nos Territrios. A evoluo scio-poltica exprime o mais elevado papel
desempenhado pela Igreja, pelos Bispos e Ordens religiosas no plano local, regional e nacional na
construo do poder poltico, da cultura e restaurao da nova ordem Monrquica, como suportes e
agentes essenciais neste domnio. O reforo da organizao e diviso diocesana a mais elevada
expresso da configurao local e social do poder dos Bispos, que se realiza pela mais forte reivindicao
e uso do Direito Cannico e Pastoral e exprime na construo e organizao de um poder e imaginrio
religioso de base eclesisticos na histria das dioceses, dos bispos, das suas Hagiografias e
Hagiologias e por via das parquias e do Direito cannico-beneficial constri a mais forte unificao da
comunidade local e sua articulao hierrquica, Igreja e Coroa. De facto sob a aco das igrejas
diocesanas construra-se progressiva e continuadamente, desde a Contra-Reforma, um poder regional
definido no mbito das dioceses e um poder local no mbito das parquias. Bispos e procos so
chamados activamente construo da Ordem e Sociedade poltica da Monarquia. Por isso o quadro
diocesano volver-se- um plano privilegiado de actuao monrquica e ele ser o nico que sofre
adaptaes e configuraes poltico-territoriais ao longo da poca Moderna, em resposta aos desgnios e
projectos poltico-territoriais da Monarquia. E no fim de contas, a partir dele que se olha e pensa o
Territrio e a Sociedade local.
5.2. Novos itens do Inqurito de 1758
O essencial dos contedos e itens dos Inquritos mandados fazer no mbito dos Bispados ao longo
do 2. quartel do sculo (1720-1750)41 para a escrita da Histria Eclesistica e Secular de Portugal passar
ao Inqurito de 1758. Mas este contm porm algumas alteraes significativas relativamente aos
anteriores, designadamente ao de 1732 constante do Dicionrio Geogrfico de 1747-1751 de Lus
Cardoso de que pretende ser e est na continuao. So alteraes que consideramos significativas e que
exprimem a sua mais forte utilizao para fins poltico-administrativos pela Coroa, mas sobretudo
avanos no que diz respeito aos parmetros da descrio do territrio que nos interessa aqui sobrelevar,
entre os quais os numrico-quantitativos, em especial os relativos a Tempos e Distncias de Roteiros e
posies topo-geogrficas dos principais centros poltico-administrativos (incluindo as sedes dos
Bispados) entre si e cabea a capital do Reino, Lisboa.
Deixamos de lado a questo sobre os danos do Terramoto, pergunta que no nova porque um
especial inqurito para tal fim tinha sido gisado em 1756. A colocao de novo neste Inqurito de 1758 da
questo ter a ver certamente com as falhas/faltas da resposta ao Inqurito anterior.
O mais significativo tem a ver com a incluso de dois novos itens, um relativo aos Correios, sua
periodicidade de chegada e partida e se o no tem de que correio se serve, outra relativa distncia da
parquia capital do Bispado e capital do Reino. Estas questes esto em relao directa com a
publicao recente do Mapa e do Roteiro de Baptista de Castro que na edio de 1747 do Roteiro acabara
de publicar os dados essenciais dos Correios e das distancias entre as terras e por eles um novo plano de
descrio geogrfica do territrio. De facto estas duas questes alteram substancialmente o quadro de
referenciao topo-geogrfico em que tradicionalmente se faz a descrio local e paroquial. Por eles a
parquia deixa de se fixar adentro de quadros genricos de referncia poltico-jurisdicional, que no
sendo em regies de domnio rgio so quadros de referncia sempre descontnua, de qualquer forma com
referncia a um quadro local e regional que o da Provncia ou Diocese. Pela nova descrio, para alm
41 Maria Jos Mexia Bigotte Choro Inquritos promovidos pela Coroa no sculo XVIII, in Revista de Histria Econmica e Social, n. 21, Livraria S da Costa, Lisboa, 1987 (Set.-Dez.), pp. 93-130; Rocha Madahil Novas fontes de histria local portuguesa. As informaes paroquiais da diocese de Coimbra pedidas pela Academia Real de Histria em 1721,
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de se alargar o quadro das referncias e enquadramentos civis, a parquia fica agora ligada por correio e
por distncia, a um quadro de referncia que sempre se articula a posies centrais e centralmente ligadas
e articuladas a Lisboa, capital do Reino, por dados numricos e quantitativos de distncias e tempos de
viagem.
A envolvncia numrico quantitativa o outro plano em que a descrio cientfico-estatstica mostra
mais claramente o seu plano de evoluo. De facto estas informaes quantitativas informam agora outros
itens do Inqurito. Para alm dos tradicionais dados pedidos sobre os fogos e moradores (vizinhos e
pessoas), vem agora associados s novas perguntas e relaciona-se com a medio de distncias
geogrficas, a saber: quanto dista da terra aonde elle (correio) chega (item 20); quanto dista da cidade
capital do Bispado e quanto de Lisboa, capital do Reino. E tambm nos novos conjuntos de questes
(itens) sobre a serra e os rios se introduz a informao quantitativa sobre as distncias e extenso sobre as
serras: quantas legoas tem de comprimento e quantas de largura e sobre os rios: quantas legoas tem o
rio
No seu conjunto, porm, o que mais releva na configurao deste Inqurito de 1758, so os 2
captulos de questes relativas s serras e aos rios. Pela primeira vez se pretende atingir uma descrio e
conhecimento to desenvolvido e pormenorizado destes espaos do territrio nacional e comunitrio, sem
dvida em relao com o crescimento da importncia social e econmica que eles ento vinham
ganhando. Por eles verdadeiramente se atingir uma mais extensa, profunda e orgnica descrio do
territrio e das suas comunidades. Em resposta a eles se produziro tambm os textos literrios mais
interessantes.
J. V. C.
Coimbra Editora, Coimbra, 1934.
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A Parquia Rural Portuguesa
A parquia rural portuguesa o quadro e horizonte donde se escrevem as Memrias Paroquiais do
ano de 1758. Por elas pretende inquirir o Governo rgio um vasto e minucioso leque de questes para
compor e organizar o seu conhecimento estatstico e geogrfico do territrio que extravasa de muito
largo os interesses da administrao, conjugando-se para a um mais abrangente e histrico volume de
questes para o conhecimento das populaes e territrios. Por outro lado, a parquia o local e o quadro
donde os procos memorialistas ripostam ou respondem ao Questionrio de 1758.
O contedo e os termos destas Memrias so, por isso, em primeira mo, o resultado da resposta
directa dos procos grelha das perguntas do Inqurito, que muitos deles j conhecem de outros
Inquritos. Elas exprimem, muitas vezes, a forte envolvncia e as capacidades dos procos para lhes
corresponder e o fazer com mais ou menos desenvoltura, fazendo convergir para a o fundo da cultura
eclesistica e at o concurso dos procos vizinhos com que se concertam para responder a questes gerais
e comuns. So deste ponto de vista, textos muito marcados por esta agncia e envolvncia dos curas
paroquiais. Mas os textos das Memrias Paroquiais, extravasam frequentemente esta composio
individual. E pela voz e letra do proco vo muitas vezes a compaginadas, em referncias directas e
indirectas, a respostas e sentimentos da comunidade no seu conjunto. Elas volvem-se, deste modo, com
frequncia, em apresentao das comunidades por si prprias de que o proco parte integrante, fundindo
o sentimento e as referncias comunitrias. So a Memria descritiva, crtica e histrica da comunidade,
na fuso dos seus elementos constitutivos, identitrios, representativos, auto e hetero-referenciais.
Torna-se por isso necessrio apresentar ao leitor das Memrias Paroquiais, em texto inicial, o
contexto principal da escrita destas Memrias, a Parquia, que o quadro, a referncia toponmica,
geogrfica, econmica, social e humana mas tambm histrica, cultural, religiosa, enfim civilizacional
da vida e vivncia da grande maioria das populaes portuguesas do tempo.
1. A CONSTRUO DA COMUNIDADE LOCAL E PAROQUIAL
1.1. O casal, o lugar e a aldeia, clulas da vida social e agrria
A comunidade rural nortenha do Antigo Regime tem na aldeia ou lugar o seu quadro territorial e social por excelncia de estruturao e definio. Por vezes pode mesmo definir-se ao nvel do casal ou
mesmo da quinta como se verifica frequentemente na rea do Douro vinhateiro e regio brigantina42
quando sua volta se organiza o essencial da vida scio-comunitria, em termos equivalentes aos de lugar
ou aldeia.
Esta comunidade local, estrutura-se em primeiro lugar a partir de quadros agrrios que criam laos
de forte constrangimento social e comunitrio das populaes. Na base, est a economia do casal
agrcola43 e tambm o direito que o suporta, em especial o direito enfitutico mas tambm o costume
agrrio. O lugar, a aldeia, construiu-se muitas vezes na base de um s casal, primitivo, outras vezes em
mais casais fortemente interligados entre si por condicionalismos fsicos, geogrficos e jurdicos.
frequente o casal em resultado da sua subdiviso, e tambm a quinta, deram origem muitas vezes a
ncleos de povoamento muito dispersos, constituindo lugares muito isolados e separados. Nele se
estrutura a partilha equilibrada de bens e recursos agrrios que permitem o funcionamento da economia e
42 Gaspar Martins Pereira As Quintas do Oratrio no Porto no Alto Douro, in Revista de Histria Econmica e Social, n. 13, Jan.-Jun. 1984, pp. 13 e ss. 43 Alberto Sampaio As villas do Norte de Portugal, in Estudos Histricos e Econmicos, Porto, 1923 (1. ed., Portuglia, 2, 1899-1903).
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autonomia do casal agrcola ou domstico. E pela constituio de casais encabeados que
responsabilizam o cabea de casal ou pessoeiro pelas obrigaes dos consortes, estrutura-se um forte e
coeso ordenamento jurdico-social. Constri-se assim uma unidade e corpo social-agrrio fortemente
estruturado no direito e na economia.
O casal no s o fundamento do funcionamento da economia agrcola, como o tambm em
grande parte da ordem social comunitria. Com efeito a partir do casal agrcola e em relao com ele e
com as suas partes, se organiza e divide tambm alguma parte do patrimnio colectivo da comunidade, a
saber, a propriedade dos montes baldios, das guas e servides. Por sobre o casal ergue-se o edifcio das
instituies jurdico-sociais que o conformam e constituem o direito enfitutico e mais direito agrrio.
Este um quadro social naturalmente dominado e construdo pelos proprietrios e de entre estes, pelos
cabeceiros e pessoeiros, que no essencial regulam esta economia sua medida, atentando na
sobrevivncia de caseiros, cabaneiros, jornaleiros, artistas, pastores, que so tambm a base e suporte
desta pequena economia e sociedade.
Nos montes baldios estrutura-se um importante suporte desta economia e sociedade e tambm desta
organizao colectiva pelos matos, lenhas, pastos, guas, recursos florestais e minerais que fornecem. Os
modos de apropriao e uso so muito variveis, que podem estender-se por formas de apropriao
privada j muito avanada (isto , de repartio e agregao directa pelos casais e fazendas agrcolas)
ainda que sujeitas a constrangimentos e obrigaes comuns , como a formas mais extensas de uso
comum e genrico a todos os membros da comunidade alde. Mas a propriedade e uso comum dos
recursos estende-se tambm aos rios e ribeiros e tambm a algumas prticas de uso colectivo por sobre as
propriedades privadas, dos campos e sobretudo das veigas, onde a livre pastagem, o compscuo (a nossa
vaine pature), se aplica em muitos casos, abrindo os campos, em regra, no fim das colheitas, livre
pastagem e circulao dos gados. Como esto ainda presentes em muitas terras direitos e usos comuns a
certos espaos e produtos mais agrestes e silvestres (colheita de alguns frutos, como a castanha, usos e
servides como as das ervas dos valados). Esta uma economia estruturada no costume agrrio, no
direito e usos consuetudinrios da comunidade, que em conformidade de suas prticas e instituies (com
em sem regimentos escritos) organiza a fruio dos principais bens e recursos e por sobre ela constri o
principal do ordenamento e constrangimentos sociais da comunidade44.
Num plano de grande continuidade e contiguidade com este povoamento e sociedade, devem referir-
se tambm as suas instituies de natureza religiosa, elementos essenciais a esta definio e constituio
social e comunitria. A aldeia ou lugar, por regra, estrutura e organiza ainda as instituies, os
equipamentos e as prticas de uma ordem religiosa prpria com grande funcionamento e independncia
da parquia, que por todo o lado se quer construir como quadro de vida scio-religiosa local de
referncia. Ela est em geral presente na existncia da capela para uso do lugar que administrada em
padroado comum aos moradores, com maior ou menor presena do proco. Nela se venera um santo,
particular padroeiro do lugar. Nela se levam a cabo actos de culto, eventualmente missa dominical. Nela
se suporta a instalao das espcies consagradas para levar em vitico aos moradores doentes e in
articulo mortis. A enorme profuso de capelas na nossa paisagem rural naturalmente a expresso por
excelncia das formas de povoamento no lugar ou na aldeia e da sua constituio social e econmica de
base. volta da capela do lugar se estruturaro ainda muitas vezes actos sociais importantes destas
comunidades: a festa devota e festiva ao santo e outros actos festivos e religiosos ao longo do ano, as
procisses, votos e romarias; a persistncia no largo da capela, de comrcio, feira e mercado e tambm a
realizao de certos actos de divertimento profano. O suporte econmico e administrativo da capela e as
prticas devocionais do lugar so obra colectiva dos moradores.
Esta organizao e estrutura de base local tem que se bater ao longo dos tempos e em
particular ao longo do sculo XVIII (e intensamente desde a 2. metade do sculo) por 2 movimentos que
contribuiro para a sua desestruturao: as foras e tendncias do individualismo agrrio que corroero as
44 Jos Viriato Capela Economia agrria/subsistncias, in As freguesias do Distrito de Viana do Castelo nas Memrias Paroquiais de 1758. Alto Minho: Memria, Histria e Patrimnio, Braga, 2005, pp. 605-610.
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foras e os constrangimentos da economia do casal e comunitarismo do lugar; as foras e os
desenvolvimentos da ordem religiosa e eclesistica que centraro e concentraro as foras e a unidade
religiosa-social na parquia. As foras do individualismo agrrio concorrero para a mais forte
apropriao privada da terra, dos recursos e da renda agrcola. um envolvimento e concorrncia vinda
do capitalismo comercial e da sociedade rentista que com o forte apoio das cmaras dos concelhos pem
em causa esta sociedade e economia agrria, tradicional, de forte base social comunitria. E sofre
tambm a forte concorrncia da organizao eclesistico-paroquial, que na freguesia e igreja matriz quer
concentrar o essencial do funcionamento da vida social-paroquial volta da igreja matriz e do proco.
Conjugam-se para a sua sobrevivncia e resistncia, para alm destes elementos de base cultural e
civilizacional agrria, as dificuldades s comunicaes que impem fortes localismos e at em algumas
reas, relativa abundancia de clero rural para servio local.
1.2. A parquia, quadro de vida social e religiosa
A parquia constituir-se- ao longo dos Tempos Modernos (sculos XV a XVIII) como a principal
instituio de agrupamento e organizao scio-poltica das comunidades locais portuguesas.
A definio e construo da parquia , como sabido, uma realidade essencialmente eclesistica e
religiosa45. So conhecidas as principais instituies e os regimentos publicados pela Igreja e sua
reorientao particularmente depois do Conclio de Trento para a reforma eclesistico/pastoral, com
implicaes paroquiais. Elas enviam-nos para aqueles textos normativos e enquadradores essenciais da
vida paroquial e eclesistica portuguesa local de Antigo Regime, a saber, as 1.as Constituies Sinodais
dos Bispados: no Porto, as Constituies do bispo D. Diogo de Sousa de 1496; em Braga, as que ele
mesmo aprovou em 1505 logo entrado na nova diocese. E as suas sucedneas, ainda adentro do sculo
XVI: do Porto de 1541 e 1555; de Braga, de 153846. Na diocese de Miranda (diocese criada em 1545), os
1.os estatutos confirmados pelo papa em 1564 constituem como que as suas primeiras Constituies
Sinodais)47. E tambm os Regimentos de Visitadores, o Registo Paroquial (previsto nas Constituies
Bracarenses de 1538 e nas de Lisboa de 1537), a feitura dos Tombos das Igrejas e a criao de outros
instrumentos para o governo eclesistico-paroquial e social dos fregueses, como os que se instalaram na
diocese bracarense com a instituio do Registo Geral (1590), e dos Livros de Usos e Costumes,
institudos pela Pastoral de 1706. Por elas se instalaria o poder e o domnio eclesistico do proco na
parquia48. Na Diocese do Porto a composio dos 2 mais importantes inventrios de propriedades,
ttulos, bens e rendimentos da Diocese o Censual da Mitra (de 1542) e o Censual do Cabido esto na
continuidade da publicao das novas Constituies Sinodais de D. Fr. Baltazar Limpo, de 1541.
possvel no que Diocese de Braga diz respeito por ela abrangendo-se deste modo quase todo o
Norte de Portugal , medir e seguir as etapas da colocao de alguns dos instrumentos mais visveis deste
poder e ordenamento paroquial: na realizao dos Tombos das Igrejas, prtica universalmente realizada
no sculo XVI, sobretudo ao longo da dcada de 40 que fixaro rigorosamente os limites da parquia,
quadro territorial definitivamente estvel; no processo de implantao do Registo Paroquial, presente em
todas as parquias, pelo menos tambm desde meados do sculo XVI, a instituir o definitivo quadro e
corpo dos fregueses. Por eles sero fixados os 2 elementos essenciais para o exerccio do poder e
jurisdio paroquial, um territrio e uma populao_49. E tambm os equipamentos de suporte ao