As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX Cristiano Silva Jesuita Mestrado em Língua Portuguesa Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa, sob a orientação da Professora Doutora Leonor Lopes Fávero. São Paulo 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

Cristiano Silva Jesuita

Mestrado em Língua Portuguesa

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para a obtenção do título de

Mestre em Língua Portuguesa, sob a orientação da

Professora Doutora Leonor Lopes Fávero.

São Paulo

2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

SÃO PAULO

2014

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BANCA EXAMINADORA

_________________________________

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AGRADECIMENTO

À Profa. Dra. Leonor Lopes Fávero, por acreditar no meu trabalho e no meu potencial

para desenvolvê-lo.

À Profa. Dra. Dieli Vesaro Palma e ao Prof. Dr. Agnaldo Sergio Martino pela leitura e

criticas feitas a este trabalho na etapa de qualificação.

À CAPES pelo apoio financeiro que tornou possível a condução da pesquisa .

Aos meus amigos e familiares por tudo !!

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RESUMO

Esta dissertação situa-se na linha de pesquisa História e Descrição da língua portuguesa

do programa de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Tem

por objeto de estudo a Grammatica Portugueza Philosophica, de Ernesto Carneiro

Ribeiro e a Nova Grammatica Analytica da Língua Portugueza, de Charles Adrien

Olivier Grivet ambas publicadas no ano de 1881. Essas gramáticas gerais e filosóficas

publicadas tardiamente demonstram que, ao contrário do que as propostas de

periodização e os trabalhos sobre o período parecem indicar, a produção gramatical

brasileira não vive de rupturas bruscas de orientação, muito pelo contrário, nossa

produção gramatical experimenta um desenvolvimento continuo e com a sobreposição

de diferentes correntes teóricas. Nosso objetivo é observar como o processo de

descrição gramatical presente nas obras reflete o período de transição em que as

orientações da gramatica geral e filosófica começa a dividir espaço nos nossos

compêndios gramaticais com as orientações da gramática “científica”. No que tange à

metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa, apropriamo-nos dos

postulados teóricos da História das Ideias linguísticas formulados por Sylvain Auroux

(1989, 1992).

Palavras-Chave: História das Ideias Linguísticas, Língua Portuguesa, Gramática,

século XIX.

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ABSTRACT

The present dissertation deals with the research of the History and Description of the

Portuguese Language of the post degree course of "Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo". It mainly consists of an essay about the "Grammatica Portugueza

Philosophica" and the "Nova Grammatica Analytica de Língua Portugueza, authored by

Ernesto Carneiro Ribeiro and Charles Adrien Olivier Grivet respectively, both being

published in 1881. These philosophic and generalist grammar compendia of late

publishing, contrary to periodization methods proposed, are the very proof of the

continuous development and culminates with the suppression of the various theoretical

currents. The main goal is to observe how the process of grammatic description found in

the works reflects the changes in the orientation of general and philosophical grammar

of the modern grammatical compendia of scientific aspect. Regarding the methodology,

the theoretical postulates of "História de Ideias Linguisticas" written by Sylvain Auroux

were used as the basis of research (1989, 1992).

Keywords: History of Ideas Linguistics, Portuguese Language, Grammar, nineteenth

century.

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SUMÁRIO

Introdução ..............................................................................................................11

Capítulo 1. Fundamentação Teórica

1.1 Considerações Iniciais......................................................................................15

1.2 A escola dos Annales ......................................................................................16

1.3 A história das ideias linguísticas ....................................................................22

Capítulo 2. Século XIX – Reflexão linguística

2.1 Conhecimento linguístico e identidade nacional ..........................................27

2.2 Propostas de periodização dos estudos linguísticos

no século XIX no Brasil .....................................................................................37

2.2.1 A proposta de Antenor Nascentes ...............................................................37

2.2.2 A proposta de Silvio Elia ..............................................................................40

2.2.3 A proposta de Eduardo Guimarães ............................................................41

2.2.4 A proposta de Ricardo Cavaliere ................................................................42

Capítulo 3. Grammatica Portugueza Philosophica

3.1 O autor ........................................................................................................... 45

3.2 A obra ...............................................................................................................48

3.2.1 Visão geral da obra .......................................................................................50

3.2.2 Divisão da obra e definição de gramática ...................................................53

3.3 Lexicologia ........................................................................................................56

Interjeição ................................................................................................................59

Substantivo ..............................................................................................................59

Pronome ...................................................................................................................61

Adjetivo....................................................................................................................63

Verbo ................................................................................................................... ...65

Preposição ................................................................................................................67

Conjunção ............................................................................................................. ..68

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Adverbio ...........................................................................................................70

3.4 Fraseologia ................................................................................................72

Termos da oração .............................................................................................72

Classificação das proposições ..........................................................................73

Sintaxe de regência e concordância .................................................................75

Figuras ..............................................................................................................75

Capítulo 4. Nova Grammatica Analytica da Língua Portugueza

4.1 O autor ...........................................................................................................78

4.2 A obra .............................................................................................................79

4.2.1 Visão geral da obra .....................................................................................81

4.2.2 Divisão da obra e definição de gramática .................................................83

4.3 Lexicologia

Verbo........................................................................................................................89

Substantivo ..............................................................................................................93

Artigo ......................................................................................................................94

Adjetivo ...................................................................................................................95

Pronome ............................................................................................................... ...96

Particípio .............................................................................................................. ...97

Preposição ................................................................................................................98

Advérbio ..................................................................................................................99

Conjunção ..............................................................................................................100

Interjeição...............................................................................................................101

4.4 Sintaxe

4.4.1 A autonomia da sintaxe na tradição da gramática filosófica ..................101

4.4.2 A sintaxe na Nova Grammatica Analytica da Lingua Portugueza ........103

Considerações finais ............................................................................................108

Referências Bibliográficas...................................................................................110

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Lista de Gráficos

Gráfico 1. Distribuição dos autores citados por Carneiro Ribeiro...........................52

Gráfico 2. Proporção dos autores mais citados na Grammatica Portugueza

Philosophic...............................................................................................................52

Gráfico3.Divisão interna da Grammatica Philosophica Portugueza........................53

Gráfico 4. Proporção da matéria tratada na Lexicologia..........................................58

Gráfico 5.distribuição dos autores citados na Nova Grammatica Analytica da língua

Portugueza................................................................................................................82

Gráfico 6. Proporção dos autores citados na Nova Grammatica Analytica da

LínguaPortugueza....................................................................................................83

Gráfico 7.Divisão interna da Nova Grammatica Analytica da Língua Portugueza.....85

Gráfico 8. Proporção da matéria tratada na Lexicologia.........................................89

Lista de Quadros

Quadro 1.Gramáticos e Filósofos citados por Carneiro Ribeiro..............................50

Quadro 2. Classes de palavras elencadas na obra....................................................56

Quadro 3. Categorias de palavras conforme Carneiro Ribeiro................................57

Quadro 4. Categorias de palavras conforme Augusto Freire da Silva.....................57

Quadro 5. Categorias de palavras conforme Maximíno Maciel..............................58

Quadro 6. Classificação dos pronomes....................................................................62

Quadro 7. Classificação dos adjetivos qualificativos...............................................63

Quadro 8. Classificação dos adjetivos determinativos............................................64

Quadro 9. Classificação dos modos e tempos verbais.............................................66

Quadro 10. Classificação das preposições...............................................................68

Quadro 11. Classificação das conjunções................................................................69

Quadro 12. Classificação dos advérbios...................................................................71

Quadro 13. Classificação das figuras de linguagem.................................................76

Quadro 14. Divisão interna das gramáticas filosóficas............................................84

Quadro 15. Espécies de palavras..............................................................................87

Quadro 16. Classificação das palavras variáveis e invariáveis................................88

Quadro 17. Quadro sinóptico dos modos e tempos verbais....................................90

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Quadro 18. Classificação dos adjetivos determinativos..........................................95

Quadro 19. Classificação dos adjetivos qualificativos.............................................96

Quadro 20. Relação das preposições constantes e acidentais...................................98

Quadro 21. Funções sintáticas das palavras nas proposições ................................103

Lista de Imagem

Imagem 1. Ernesto carneiro Ribeiro com 78 anos de idade....................................46

Imagem 2. Capa da 2ª edição da Grammatica Philosophica Portugueza................49

Imagem 3. Capa da 1ª edição da Nova Gramática Analytica da língua

Portuguesa................................................................................................................80

Lista de Tabela

Tabela 1. Relação dos gramáticas publicadas no Brasil

no século XIX, por ano.............................................................................................30

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INTRODUÇÃO

A história do pensamento linguístico no Brasil é concebida como constituindo-se de

períodos de rupturas mais ou menos definidos. No entanto, nos últimos anos, com o

crescimento das pesquisas sobre a produção gramatical brasileira, historiar a nossa

produção gramatical e determinar os momentos de mudanças de paradigmas (KUHN,

2003) ou de epistême (FOUCAULT, 2002 ) tornou-se cada vez mais difícil.

A produção gramatical brasileira nas últimas décadas do século XIX reflete essa

dificuldade pois, como acreditamos, a relação das concepções da gramática geral e

filosófica com as inovações do método histórico-comparativo são mais complexas do

que o desaparecimento de uma e o surgimento de outra.

Se é verdade que em países como, Alemanha ou França1, a ruptura com a concepção

filosófica da linguagem ocorreu ainda nos oitocentos, não é menos verdade que a

expansão do novo método não ocorreu ao mesmo tempo e da mesma maneira em todos

os países.

Na passagem do século XVIII e início do XIX poucas eram as gramáticas que aqui

circulavam e, dentre elas, podemos destacar a Arte da grammatica da língua portuguesa

(1770), de Antônio José dos Reis Lobato, a Grammatica Philosophica da Língua

Portugueza (18222), de Jerônimo Soares Barbosa e o Epítome da Grammatica

Portugueza (1806), de Antônio Moraes Silva.

A partir da publicação da obra de Moraes Silva o Brasil, sobretudo na segunda

metade do século XIX, assiste a uma explosão de publicações de gramáticas,

dicionários, postilas, manuais e livros didáticos.

Os trabalhos que se debruçam sobre a reflexão gramatical do período, como

Cavaliere (2000) e Fávero & Molina (2006) estão de acordo em reconhecer dois

momentos distintos na reflexão gramatical: o período racionalista ou de orientação da

gramática geral e filosófica que tem seu inicio com a publicação do Epitome de Morais

Silva e o segundo marcado pela publicação da Grammatica Portugueza (1881), de Júlio

1 BOURQUIN, J.( org.) Les prolongements de la grammaire générale em France au XIX siècle.

2 A Grammatica Philosophica Portugueza , publicada em Lisboa 1822, foi escrita pelo menos duas

décadas antes.

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Ribeiro.3 No entanto, no final do mesmo século, algumas gramáticas filosóficas

começam a incorporar no seu processo de descrição gramatical as inovações do método

histórico-comparativo. A esse conjunto de gramáticas damos o nome de gramaticas

gerais e filosóficas tardias.

Essas obras demonstram que, ao contrário do que as propostas de periodização e os

trabalhos sobre o período parecem indicar, a produção gramatical brasileira não vive de

rupturas bruscas de orientação, muito pelo contrário, nossa produção gramatical

experimenta um desenvolvimento continuo e com a sobreposição de diferentes correntes

teóricas.

Como exemplo desse tipo de gramática, neste trabalho, propomos a análise das

seguintes obras: Grammatica Portugueza PhilosoPhica, de Ernesto Carneiro Ribeiro e a

Nova Grammatica Analytica da Lingua Portugueza, de Charles Adrien Olivier Grivet,

ambas publicadas no ano de 1881.

Nosso trabalho apresenta os seguintes objetivos:

Geral:

Contribuir para os estudos da história da gramática no Brasil, focalizando um período

importante da história da produção gramatical brasileira.

Específicos:

(A) Analisar a Grammatica Portugueza Philosophica e a Nova Grammatica

Analytica da Língua Portugueza, como exemplos das gramáticas gerais e filosóficas

publicadas no Brasil nas últimas décadas do século XIX.

(B) Observar em que medida o processo de descrição gramatical presente nas obras

reflete o período de transição em que a tradição da gramática geral e filosófica começa a

dividir espaço nos nossos compêndios gramaticais com os preceitos da gramática

“científica”.

Nosso trabalho justifica-se pelo fato de que, a despeito da grande produção de

trabalhos preocupados em descrever o nosso processo de gramatização e trabalhos que

se dedicam à análise de obras específicas, ainda são poucos os trabalhos que se

3 Para uma outra visão do período conferir Parreira (2011).

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debruçam sobre as gramáticas produzidas neste período de transição. É exatamente aí

que nosso trabalho se insere. Soma-se a isso, o fato de constatarmos a escassez de

pesquisas sobre a obra desses autores. Pouquíssimos são os trabalhos sobre as obras de

Ernesto Carneiro Ribeiro e quase inexistentes os trabalhos que se dedicam à produção

de Charles Adrien Olivier Grivet.

No que tange à metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa,

apropriamo-nos dos postulados teóricos da História das Ideias linguísticas formulados

por Sylvain Auroux (1989, 1992).

Os postulados teóricos que embasaram a pesquisa são os seguintes:

definição puramente fenomenológica do objeto, que subjaz à necessidade de se

ter respeito às terminologias usadas na época em que foi produzido o objeto em

análise;

neutralidade epistemológica, que implica não julgar ou determinar se algo é ou

não ciência;

historicismo moderado, que diz respeito à necessidade de se resgatar os fatos

históricos que permitirão o entendimento do objeto de estudo, sem, contudo,

colocá-los em primeiro plano, sobrepondo-os aos aspectos linguísticos em

análise.

A organização da dissertação se faz em quatro capítulos.

No primeiro capítulo, procuramos explicitar o referencial teórico em que nos

apoiamos para a análise das obras em questão, isto é, a História das Ideias Linguísticas,

observando sua origem e métodos. Destacamos, também, neste capítulo o conceito de

gramatização formulado por Sylvain Auroux.

No segundo, procuramos traçar um breve panorama do século XIX. Ainda neste

mesmo capítulo fizemos uma revisão da produção gramatical do período e das

principais propostas de periodização dos estudos linguísticos no Brasil para, além de

destacarmos os principais momentos do nosso processo de gramatização, sublinhar o

terminus a quo e o terminus ad quem para a produção gramatical do século XIX.

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No terceiro e quarto capítulos deter-nos-emos na análise das duas obras,

respectivamente, Grammatica Portugueza Philosophica, de Ernesto Carneiro Ribeiro,

publicada em 1881 e a Nova Grammatica Analytica da Lingua Portugueza, de Charles

Adrien Olivier Grivet, publicada no mesmo ano. Embora publicadas no mesmo ano, as

gramáticas apresentam diferenças tanto na estrutura quanto nas fontes explicitadas

pelos autores.

Cumpre-nos esclarecer que para facilitar a leitura, faremos uma atualização

ortográfica em todas as citações retiradas das obras do século XIX e, para os originais

estrangeiros, faremos uma tradução.

Para finalizar, julgamos importante destacar que nosso trabalho, além de lançar mais

uma luz a este período de transição dos nossos estudos linguísticos, contribui, também,

para a história da gramática filosófica no Brasil.

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Fundamentação teórica

Neste primeiro capítulo, faremos algumas considerações sobre o conceito de

História, destacando, sobretudo, as mudanças implantadas no século XX pela escola dos

Annales. Num segundo momento, procuramos explicitar o referencial teórico em que

nos apoiamos para a análise das obras em questão, isto é, a História das Ideias

Linguísticas.

1.1 Considerações Iniciais

A Grécia viu o nascimento de uma certa concepção de história: a narrativa das ações

dos homens e heróis dignas de serem lembradas. Assim sendo, podemos equiparar, pela

antiguidade, a história às demais artes, como à poesia e à filosofia4.

Conforme Novais e Forastieri (2011: 20),

[...] a história é muito antiga (como as artes, ou a filosofia) porque se

vincula à ancestral necessidade de constituição da memória social por

intermédio da narrativa do acontecimento. Quer dizer: esse traço – a

narrativa do acontecimento – é inerente e constitutivo desse tipo de

discurso, e remanesce como ponto de resistência incontornável ao

longo de toda a trajetória da historiografia5, apesar das mudanças das

escolas e dos estilos.

Para os historiadores da antiguidade, como Heródoto, Tito Lívio e Tácito, a história

era concebida como memoria, exemplum e, nos dizeres de Cícero, Historia magistra

vitae est. Essa concepção de história perdurou por toda a Idade Média.

4 Como as demais artes a História também tem a sua musa. As musas eram entidades mitológicas a quem

eram atribuídas, na Grécia antiga, a capacidade de inspirar as criações artísticas ou científicas. As musas

eram nove: Calíope (Musa da poesia Épica), Clio (Musa da História), Erato (Musa da poesia Lírica),

Euterpe (Musa da Música), Melpone (Musa da Tragédia), Polémnia (Musa da Música sacra/cerimonial),

Tália (Musa da Comédia), Terpsícore (Musa da Dança) e Urânia (Musa da Astronomia). 5 Desde o seu nascimento a história aparece sob variadas formas de gêneros: mitos, narrativa dos

grandes feitos, crônicas monásticas, biografias, memória política dentre outras.

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Nos séculos XVIII e XIX, o Iluminismo e o Romantismo enfatizaram o aspecto

político como assunto predominante na produção historiográfica. O primeiro

aperfeiçoou as críticas das fontes e, o segundo, com as noções de povo, nação e estado

promoveram a hegemonia da história política.

Conforme Falcon (1997:65),

A promoção do Estado à condição de “objeto por excelência da

produção histórica” significou a hegemonia da história política. Daí

porque, no século, poder é sempre poder do estado – instituições,

aparelhos, dirigentes; os “acontecimentos” são sempre eventos

políticos, pois são estes os temas nobres e dignos da atenção dos

historiadores.

A historiografia predominante no final do século XIX é a construída pela escola

metódica . Essa escola constituída, sobretudo, pelos membros da Revue Historique,

lançada por Grabriel Monod6 em 1876, concebia a história como uma ciência positiva e

o historiador, para alcançar a objetividade e se afastar das influências da filosofia e da

literatura, deveria submeter as fontes a uma crítica rigorosa a fim de comprovar a

veracidade dos fatos.

No entanto, as tendências historiográficas românticas e positivistas não resumem a

totalidade da produção historiográfica dos oitocentos. Podemos destacar algumas

exceções que influenciaram de forma marcante a reflexão historiográfica do século XX.

1.2 A escola dos Annales

Os historiadores dos Annales realizaram feitos admiráveis e a bibliografia sobre o

impacto e os desdobramentos das propostas desses historiadores não para de

aumentar. Porém, a tomada de consciência de que existem outras dimensões além da

história política não foi uma novidade inaugurada pelos fundadores dos Annales.

Ainda no século XVIII, Voltaire (1694-1778) propunha uma nova maneira de pensar

6 Gabriel Monod ( 1844 – 1912 ) historiador francês considerado o “ pai ” da historiografia positivista.

Fundou a Revue Historique que anunciava os novos rumos da historiografia. A revista simbolizava o

rompimento entre a geração romântica e surgimento de um método rigoroso de pesquisa.

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a história. É o que podemos perceber pela leitura de um trecho de uma carta escrita

para o seu editor de Genebra:

Vejo a cronologia e as sucessões de reis como meus guias e não

como objetivo de meu trabalho. Este trabalho seria bem ingrato

se me limitasse a querer aprender em que ano um príncipe

indigno de sê-lo sucedeu a um príncipe bárbaro. Parece-me,

lendo as histórias, que a terra tenha sido feita senão para alguns

soberanos e aqueles que serviram suas paixões ; quase o resto

fica abandonado. Os historiadores se assemelham nisto, a

alguns tiranos dos quais nos falam; sacrificam o gênero humano

a um só homem.

(VOLTAIRE, apud FORASTIERI, 2001: 231-232)

Jacques Le Goff, no seu artigo A Nova História, busca refletir sobre as propostas e os

caminhos trilhados pela Nova História e reconhece, além da importante contribuição da

escola dos Annales, uma influência mais antiga do que comumente se imagina.

Destacamos aqui, como o faz Le Goff, duas influências, no século XIX, de uma nova

maneira de pensar a história: o historiador Jules Michelet7 e o economista e sociólogo

francês Françoise Simiand.8

Profeta da nova história, como diz o próprio Le Goff, Michelet, no prefácio da sua

Histoire de France (1869), faz a recusa de uma história essencialmente política e, ao

mesmo tempo, aspira a uma história total, além de defender algumas propostas caras à

terceira geração dos Annales: uma história mais material, anunciando uma história da

cultura material, uma maior atenção ao clima, aos alimentos e, ao mesmo tempo, uma

história mais “espiritual”.

Ela [a História] possuía anais, e de modo algum uma história. Homens

eminentes a tinham estudado, sobretudo do ponto de vista político.

Ninguém havia penetrado nos infinitos detalhes dos diversos

desenvolvimentos de sua atividade (religiosa, econômica, artística

etc.). Ninguém a havia ainda abarcado na unidade viva dos

elementos naturais e geográficos que a constituíram. Fui eu o

primeiro a vê-la como uma alma e uma pessoa... Mais complicado

7 Jules Michelet (1798–1874) historiador francês, maior representante da tradição romântica na

historiografia francesa. 8 François Simiand (1875–1935) sociólogo e economista francês, considerado um dos fundadores da

escola de sociologia francesa.

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ainda, mais amedrontador, era meu problema histórico colocado como

ressurreição da vida integral, não em suas superfícies, mais, sim, em

seus organismos interiores e profundos... Em suma, a história, tal

como eu a via naqueles homens eminentes (e muitos admiráveis) que

eram seus representantes, parecia-me ainda fraca em seus métodos:

muito pouco material, levando em conta as raças, e não o solo, o

clima, os alimentos e tantas circunstancias físicas e fisiológicas. Muito

pouco espiritual , falando de leis, de atos políticos, e não de ideias e

costumes, e não do grande movimento progressivo e interior da alma

nacional. (MICHELET apud LE GOFF, 2011: 150 )

O nome do economista François Simiand merece o destaque de Le Goff sobretudo

pela contribuição de seu artigo Método histórico e ciência social. Neste fecundo artigo

Simiand denuncia os “ três ídolos da tribo dos historiadores”:

1. “O ídolo político’, isto é, o estudo dominante, ou pelo

menos, a preocupação perpétua da história política, dos fatos

políticos, das guerras etc., que chega a dar a esses

acontecimentos uma importância exagerada...”

2. “ O ídolo individual’, ou o hábito inveterado de conceber a

história como uma história de indivíduos, e não como um

estudo dos fatos, hábito que leva ainda comumente a ordenar

as pesquisas e os trabalhos em torno de um homem, e não

em torno de uma instituição, de um fenômeno social, de uma

relação a estabelecer...”

3. “O ídolo cronológico’, isto é, o hábito de se perder nos

estudos de origem, nas investigações de diversidades

particulares, em vez de estudar e compreender inicialmente o

tipo normal, buscando-o e determinando-o na sociedade e na

época em que ele se encontra... (SIMIAND apud LE GOFF ,

op. cit.: 151-152)

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Os “ídolos” elencados por Simiand representavam o que era mais nefasto na produção

historiográfica do século XIX. E demolir o “ídolo político”, o “ídolo individual” e o “ídolo

cronológico” foi o objetivo principal da primeira geração dos Annales

A Escola dos Annales, como ficaram conhecidos os membros da revista, durante

muito tempo foi vista por muitos estudiosos como um grupo uniforme. Porém, por seus

membros apresentarem divergências entre si que modificaram a direção do movimento

durante os mais de sessenta anos de existência da revista, Burke (1997) prefere falar em

um movimento dos Annales e não em uma escola .

As ideias veiculadas pela revista dos Annales promoveram uma nova maneira de

pensar o fazer historiográfico (BURKE 1997, FORASTIERI 2001, DOSSE 2003 e

NOVAES e FORASTIERI 2011), pois propunham substituir a história tradicional

calcada na narrativa de acontecimentos, por uma história-problema, em construir uma

história que alcançasse todas as atividades humanas e não somente a política.

O corolário da história metódica “a história se faz com documentos” e os seus

respectivos conteúdos, predominantemente a história politica, provocaram reações

muito negativas, especialmente em Lucien Febrvre, a julgar pelo tom muitas vezes

“irritado” de seus textos contra o que denominava histoire historisante 9.

Muitos historiadores, e dos bem formados e conscientes, o que é pior,

muitos historiadores se deixam ainda perder pelas pobres lições dos

vencidos de 1870. Ah, eles trabalham muito bem! Eles fazem história

do mesmo modo que suas avós se dedicavam à tapeçaria. Pontinho por

pontinho. Eles são aplicados. Mas quando lhes pergunto por que esse

trabalho todo, a melhor resposta que conseguem dar com um sorriso

de criança, é a palavra cândida do velho Ranke : “ para saber como é

que as coisas aconteceram”. Com todos os detalhes naturalmente.

[....]

Método histórico, método filológico, método crítico: belas

ferramentas de precisão. Eles honram seus inventores e essas gerações

de usuários que as receberam de seus antecessores e as aperfeiçoaram,

utilizando-as. Mas saber manejá-las gostar de manejá-las - eis algo

que não é suficiente para ser historiador. Apenas aquele que se lança

na vida inteiramente – com o sentimento de que mergulhando nela,

banhando-se nela, deixando-se impregnar, assim, pela humanidade

presente – é digno deste belo nome; ele multiplica por dez suas

forças de investigação, seus poderes de ressurreição do passado. De

9 Conforme nos lembra Novaes e Forastieri (2011:39 ) “ Nos vários momentos da história da história, as

“escolas” que sempre se apresentam como novas tendem a exagerar na crítica aos antecessores, chegando

às vezes à deformação. A crítica cerrada da história historizante empreendida pelos Annales na sua

primeira fase não discrepa dessa inescapável tendência (...)”.

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um passado que detém e que, em troca, lhe restitui o sentido secreto

dos destinos humanos.

(FEBRE, 2011 : 82-84)

Se, para os historiadores da escola metódica praticada no final do século XIX, não

havia história sem documentos, paras os historiadores dos Annales, não poderia haver

história sem problemas. Os fatos não estavam à disposição para serem colocados,

empilhados pelo historiador, como se estivessem materializados nos documentos.

Muito pelo contrário, era necessário interrogar e problematizar o passado com base em

hipóteses e conceitos, e, a partir daí, buscar a documentação para comprovar ou refutar

as hipóteses.

Conforme define Burke (1997), a escola dos Annales apresenta três fases distintas;

a primeira, 1920 a 1945, inaugurada por Lucien Febvre e Marc Bloch. Essa primeira

fase é caracterizada principalmente por um ferrenho combate à história tradicional e de

propostas para se construir uma nova história.

A segunda fase, liderada por Braudel quando em 1956 assumiu a direção da revista.

Braudel, com o seu Mediterrâneo, transformou as noções de tempo dividindo-o em:

tempo de longa duração – retrata a relação do homem com o meio geográfico; tempo

de média duração – história das conjunturas econômicas, sociais e políticas, e, por fim,

o tempo curto- o tempo dos acontecimentos. Essa visão tripartite do tempo mascara a

hierarquia das temporalidades pensadas por Braudel e o seu “desprezo” pela história

do tempo de curta duração.

[...] Tanto na teoria quanto na prática Braudel não parece disposto a

aceitar tal igualdade [das temporalidades]. Basta ver as imagens mais

depreciativas com as quais ele expressa sua hostilidade com os

eventos. Eles são vistos (o que não deixa de ser irônico em se tratando

de um historiador do mediterrâneo) como “distúrbios de superfície ,

cristas de espuma que as mares da história carregam em suas costas

poderosas”. São evanescentes como fumaça ou vapor, como flores

solitárias que florescem por um dia para logo desaparecerem;

repousam como poeira sobre objetos mais sólidos do passado.

(CLARK, 2011:187)

Page 21: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

21

A era Braudel, conforme Burke, além da ênfase na história de longa duração10

foi

caracterizada também pela preocupação com uma história total, enfatizando os aspectos

socioeconômicos e as suas relações com o meio geográfico. Por conta disso, a história

das mentalidades, muito presente na geração anterior sobretudo pelo trabalhos de

Febvre, permaneceu praticamente ausente neste segundo momento.

A negação do aspecto político do horizonte do historiador, objetivo número um das

primeiras gerações dos Annales, permite aos historiadores se aventurar cada vez mais a

novos campos e novos objetos de pesquisa. A história, portanto, se desloca das

hierarquias para as relações, das posições para as representações.

Com a terceira geração dos Annales11

, liderada por Le Goff, a história das

mentalidades entra em cena como uma das principais linhas de pesquisa. “As

mentalidades não são mais apreendidas como formações discursivas desvinculadas do

real, mas são parte integrante do estudo da sociedade.” Com esse envolvimento entre a

estrutura social e a estrutura cultura, a história das mentalidades observa não só as ideias

vigentes em um determinado período, mas suas interpretações, construções e relações.

Philippe Ariès sintetiza desta maneira o impacto da História das mentalidades na

historiografia francesa:

No decorrer dos anos 60, o reaparecimento da problemática das

mentalidades pôs de cabeça para baixo a historiografia francesa.

Trata-se de um acontecimento capital. Os índices das revistas

importantes, inclusive as mais conservadoras, passam por uma

mudança, bem como os temas das dissertações de mestrado e as teses

de doutorado. Observam-se, então, no ano de 1970, um declínio dos

assuntos relacionados à sócioeconomia, um desinteresse relativo pelos

temas demográficos da década anterior e, ao contrário, a invasão de

temas outrora desconhecidos ou muito raros. (ARIÉS, 2001:277-278)

Devido à mudança de curso empreendida pela terceira fase dos Annales, a segunda

metade do século XX viu frutificar a história das ideias. Conforme Fávero & Molina

(2006:24), “surgiram, por exemplo, as da pedagogia, da psicologia, das ciências sociais

10

Conforme Burke (op. cit. :55 ) “ A distinção entre curta e longa duração era comum ao vocabulário do

historiador – e mesmo da linguagem comum- antes de 1949. Estudos e temas particulares que se

estendiam por vários séculos não eram incomuns na história econômica, especialmente na história dos

preços. [... ] Contudo, permanece uma conquista pessoal de Braudel combinar um estudo na longa

duração com o de uma complexa interação entre o meio, a economia, a sociedade, a politica, a cultura e

os acontecimentos”. 11

Burke considera mais difícil traçar um perfil para esta terceira geração pelo fato de que ninguém

dominou esse período com o fizeram Febvre e Braudel nas fases anteriores.

Page 22: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

22

e da linguística. Foi nesse momento que se deu, de forma tão produtiva a aproximação

dessa com a história”.

Seguindo os passos de Auroux (1989,1992), Fávero & Molina (op. cit.:24) definem

deste modo o conceito de ideia linguística: ideia linguística “ é todo saber construído

em torno de uma língua num dado momento. Como produto quer de uma reflexão

metalinguística, quer de uma atividade linguística não explícita”. Compreender o

processo de construção e difusão desse saber é o objetivo da História da Ideias

Linguísticas.

1.3 A História das Ideias Linguísticas

Conforme Auroux (1989, 1992), foram muitas as tentativas de contar a história das

ideias linguísticas. De fato, podemos organizar essas tentativas em três categorias

distintas; a) as que visam construir uma base documental para a pesquisa empírica; b)

as que estão em continuidade com uma prática de conhecimento da qual derivam (por

exemplo, o trabalho de um filólogo das línguas clássicas sobre a gramática e a filologia

grega) e, por fim, c) as que têm um papel fundador, e se voltam ao passado com a

finalidade de legitimar uma prática científica contemporânea .

Auroux, sem negar as importâncias dessas iniciativas12

, observa que todas essas

tentativas de contar a história das ideias linguística partilham de uma ideia errônea que

é a de “ querer fazer a história da linguística concebida como uma ciência , isto é, como

uma forma de saber cuja organização e cujas propriedades formais seriam estáveis (...)”

(Auroux 1992:12). O que autor procura com as suas críticas é a negação de uma história

das ciências da linguagem única, universal e linear.

O que Auroux propõe é historiar o processo de construção e difusão dos saberes

sobre a língua a partir do conceito de gramatização , ou seja, “o processo que conduz a

descrever e instrumentar uma língua na base de duas tecnologias, que são ainda hoje os

pilares do nosso saber metalinguístico: a gramática e o dicionário.” (Auroux 1992:65).

12

Para Auroux (1992) as obras da primeira e da segunda categoria são de grande interesse pela sua

riqueza factual. As da terceira teriam um valor epistemológico.

Page 23: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

23

A gramática e o dicionário são os instrumentos linguísticos que tornaram possível o

processo de gramatização massiva das línguas do mundo.

Vamos nos dar o longo prazo da história e considerar globalmente o

desenvolvimento das concepções linguísticas europeias em um

período que vai da época tardo-antiga (século V de nossa era) até o

fim do século XIX. No curso desses 13 séculos de história vemos o

desenrolar de um processo único em seu gênero: a gramatização

massiva , a partir de uma só tradição linguística inicial ( a tradição

greco-latina) das línguas do mundo. (AUROUX op.cit.:35)

O processo de gramatização corresponde a uma transferência de tecnologia de uma

língua para outras línguas, transferência que não é, ressalta o autor, nunca totalmente

independente de uma transferência cultural mais ampla.

O que torna operante o conceito de gramatização formulado por Auroux, é a

consciência da sua estrutura em rede:

Falar da constituição em rede do conhecimento linguístico no

processo massivo da gramatização é mais do que uma simples

imagem. É essa estrutura que torna eficaz o acúmulo de

conhecimentos – ou, se quisermos, a acessibilidade generalizada de

todos os pontos da rede ao menor custo, para os que se situam em

alguns pontos (alemão, inglês, espanhol, francês, italiano, português)

que têm entre si uma relação fortemente conexa, ou, mais

simplesmente para aqueles que conhecem o latim (id. : 45)

Os princípios metodológicos que embasam o programa de investigação proposto por

Auroux são três : definição puramente fenomenológica do objeto, que subjaz à

necessidade de se ter respeito às terminologias usadas na época em que foi produzido o

objeto em análise; neutralidade epistemológica, que implica não julgar ou determinar se

algo é ou não ciência; e por fim, historicismo moderado, que diz respeito à necessidade

de se resgatar os fatos históricos que permitirão o entendimento do objeto de estudo,

sem , contudo, colocá-los em primeiro plano, sobrepondo-os aos aspectos linguísticos

em análise.

Page 24: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

24

O programa de investigação de Auroux, portanto, nos leva a ressignificar a imagem

que fazemos da gramática e, também, nos leva a observá-la tendo como parâmetros não

os conhecimentos sobre a língua que temos hoje, mas considerando os conhecimentos

disponíveis quando da produção da obra.

Nos últimos anos, no Brasil e em Portugal é comum o emprego de termos como

Historiografia Linguística, História das Ideias linguísticas, História da Linguística,

para representar correntes e enfoques possíveis nos estudos historiográficos sobre a

língua portuguesa. Gonçalves (2006) observa que em Portugal, durante um determinado

período, cada denominação representava a influência de uma linha de pesquisa francesa

ou inglesa .

Em la segunda mitad del siglo XX, los estúdios de naturaliza

historiográfica suelen ser reconocidos como “historiografia

linguística”, “ideas linguísticas” e historia de la linguística”,

denominaciones concorrentes que transcienden la mera

variedade denominativa, llegando a denunciar la afiliacion de

los autores a ciertas escuelas o perspectivas dentro del ámbito

historiográfico. Ejemplo cabal de ello es la evidente polarización

entre, por um lado, el modelo anglosajón, que impulso y dio

preferencia a la “historiografia linguística”, (...) y, por outra

parte, el modelo francófono ( si no francófilo ), decantándose

por uma de las expresiones siguientes: “pensamento linguístico”

(...), y por último, “ gramaticografia”, este sí, geneticamente

vinculado a la producción del género metalinguístico conocido

como gramática. (GONÇALVES, 2006: 734) 13

Nas investigações historiográficas no Brasil, nos últimos anos, parece haver uma

tendência ao apagamento da distinção entre os termos história das ideia linguísticas e

historiografia linguística. É o que podemos depreender deste trecho de Altman ( 2009:

129 ):

13

Tradução nossa: Na segunda metade do século XX, os estudos de natureza historiográfica costumam

ser frequentemente reconhecidos como “Historiografia Linguística”, “Ideias Linguísticas” e “História da

linguística” denominações concorrentes que transcendem a mera variedade denominativa, vindo a

denunciar a filiação dos autores à determinadas escolas ou perspectivas dentro do campo historiográfico.

Exemplo cabal disto é a evidente polarização entre, por um lado, o modelo anglo-saxão, que impulsionou

e deu preferência à “Historiografia Linguística”, (...) e, por outra parte, o modelo francófono (para não

dizer francófilo) preferindo uma das seguintes expressões: “pensamento linguístico” e por último,

“Gramaticografia”, este sim, genericamente veiculado à produção do gênero metalinguístico conhecido

como gramática.

Page 25: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

25

No Brasil, ao lado do termo historiografia da linguística, duas outras

designações relativas ao campo têm ocorrido com certa frequência :

historiografia linguística e história das ideias linguísticas,

aparentemente representativas de orientações diferentes que se tem

procurado imprimir ao nosso incipiente trabalho e prática

historiográficas. A oposição entre historiografia e historia das ideias

é, entretanto, uma falsa questão.

Por outro lado, Eni Orlandi (2001: 16) parece ir na contramão no que diz respeito à

aproximação entre História das Ideias Linguística e Historiografia e procura traçar uma

linha divisória entre as duas linhas de pesquisa.

Antes de prosseguirmos é preciso explicitar um ponto fundamental de

nossa pesquisa: nós fazemos história das ideias linguísticas e não

historiografia. Essa é uma diferença com consequências importantes.

Fazer história das ideias nos permite: de um lado, trabalhar com a

historia do pensamento sobre a linguagem no Brasil mesmo antes da

Linguística se instalar em sua forma definida; de outro, podemos

trabalhar a especificidade de um olhar interno à ciência da linguagem

tomando posição a partir de nossos compromissos, nossa posição de

estudiosos especialistas em linguagem. Isto significa que não

tomamos o olhar externo, o do historiador, mas falamos como

especialistas de linguagem a propósito da história do conhecimento

sobre a linguagem. Não se trata de uma história da linguística feita,

externa, o que poderia ser feito por um historiador das ciências

simplesmente . Trata-se de uma história feita por especialistas da área

e portanto capazes de avaliar teoricamente as diferentes filiações

teóricas e suas consequências para a compreensão do seu próprio

objeto, ou seja, a língua.

Assim , nessa concepção, dois enfoques podem ser distinguidos :

(1) O que privilegia uma história “externa” ao pensamento linguístico, enfatizando o

contexto socio-cultural no qual as teorias se desenvolvem.

(2) O que privilegia uma história “interna” enfatizando o estudo da evolução das

correntes linguísticas.

Page 26: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

26

Privilegiaremos, neste trabalho, a “história interna”, isto é, buscaremos historiar os

termos e os conceitos empregados pelos autores no seu trabalho de descrição gramatical .

No entanto, sabemos que muitos dos “fatores internos” só são plenamente

compreendidos se ampliarmos o nosso campo de visão e buscarmos explicações no

contexto sócio-cultural em que a obra se insere. E é isto que pretendemos fazer sempre

que necessário.

Page 27: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

27

2

Século XIX – Reflexão Linguística

Neste segundo capítulo, procuramos apresentar um breve panorama do século XIX.

Em seguida, faremos uma revisão da produção gramatical do período e das propostas de

periodização dos nossos estudos linguísticos, para além de destacarmos os principais

momentos do nosso processo de gramatização, sublinhar o fato de que, ao contrário do

que essas propostas indicam, nossa produção gramatical não vive de rupturas bruscas de

orientação.

2.1 Conhecimento linguístico e identidade nacional

A produção cultural e a reflexão intelectual brasileira no século XIX está

estritamente ligada às mudanças políticas e sociais desse agitado período. O

romantismo, a campanha abolicionista e a criação das primeiras instituições de ensino

superior14

traçam um interessante quadro cujo pano de fundo é a preocupação com a

constituição de um ideal de nação.

No Brasil foi uma elite branca, letrada que se imbuiu da difícil tarefa de delinear uma

nova imagem para uma nação que a todo custo procurava se desvencilhar do incomodo

papel de colônia.

Conforme José Murilo de Carvalho (2003:65) a formação superior da elite brasileira

foi a grande responsável por criar um grupo homogêneo:

Elemento poderoso de unificação ideológica para a elite imperial foi a

educação superior. E isto por três razões. Em primeiro lugar, porque

quase toda a elite possuía estudos superiores, o que acontecia com

pouca gente fora dela. A elite era uma ilha de letrados num mar de

analfabetos15

. Em segundo lugar, porque a educação superior se

14

O ensino superior no Brasil ganha impulso em 1808 com a chegada da corte portuguesa. Uma Real

Academia dos Guardas-Marinha e uma Academia Real Militar foram logo criadas respectivamente em

1808 e 1810, seguidas pelas Escolas de Medicina do Rio de Janeiro e de Salvador criadas em 1813 e

1815. Porém, escolas preocupadas com a formação de uma elite política só foram criadas após a

Independência. Trata-se dos cursos de direito criados em 1827 nas cidades de São Paulo e Olinda. 15

José Murilo de Carvalho (2003: 80) sintetiza deste modo os dados sobre a instrução fornecidos pelo

censo de 1872 “ De acordo com o Censo de 1872, somente 16,85% da população entre 6 e 15 anos

frequentava a escola. E havia menos de 12.000 alunos matriculados nas escolas secundárias numa

população livre de 8.490.910 habitantes. Os dados de ocupação fornecidos pelo Censo de 1872 permitem

calcular o número de pessoas com educação superior no país em torno de 8.000. No que se refere à

educação não há dúvida de que a elite política não podia ser menos representativa da população em geral.

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28

concentrava na formação jurídica e fornecia, em consequência, um

núcleo homogêneo de conhecimentos e habilidades. Em terceiro lugar,

porque se concentrava, até a independência, na universidade de

Coimbra e, após a independência, em quatro capitais provinciais ou

duas, se considerarmos apenas a formação jurídica.

Os gramáticos do século XIX, em sua maioria membros dessa elite cultural e

política, também desempenharam um importante papel no processo de constituição da

nossa identidade. Esses intelectuais foram os responsáveis por articular o processo de

gramatização16

da língua portuguesa, isto é, a produção de um saber metalinguístico

sobre a língua ao processo de constituição da língua e identidade nacional. Eni Orlandi

(2002:203) sintetiza muito bem esse longo processo :

[Com a nossa independência ] a relação com a língua deixa de ser uma

questão da relação com os portugueses para ser de brasileiro para

brasileiro. Começamos, então, a produzir os nossos instrumentos

linguísticos (gramáticas, dicionários, antologias), nossos programas de

ensino (Fausto Barreto), nossas instituições (Colégio Pedro II,

Academia de letras, Bibliotecas) o que muda sobre maneira a relação

do brasileiro com sua língua. Ao mesmo tempo criam-se normas de

estabilização de uma escrita nossa (acordos ortográficos) e uma

escritura (literatura) legitimamente nacional para a nossa língua.

Na busca pelo reconhecimento de uma literatura e uma escrita brasileira surgiram

algumas polêmicas17

entre autores brasileiros e portugueses. Dentre elas, destacamos,

aqui, a troca de farpas entre o romancista brasileiro José de Alencar e o escritor

português Pinheiro Chagas.

No momento em que Alencar lançou o seu romance Iracema em 1865, surgiram

uma série de críticas vindas de brasileiros puristas e classicizantes, como Henrique Leal,

e de alguns portugueses dentre os quais Pinheiro Chagas.

No seu pós-escrito de Iracema (1870), Alencar cita textualmente as críticas que

Pinheiro Chagas teceu sobre a sua obra:

16

Entendemos por gramatização o processo que conduz a descrever uma língua na base de duas

tecnologias: a gramática e o dicionário. ( Auroux , 1992 ) 17

A imprensa brasileira no século XIX foi o palco privilegiado de disputas acerca de questões literárias e

gramaticais. Além da troca de farpas entre José de Alencar e Pinheiro Chagas, recordemos, também, a

polêmica entre o jornalista e político Carlos Laet e o escritor português Camilo Castelo Branco, motivada

pelas críticas do autor português aos poetas brasileiros. A questão da língua portuguesa também gerou

polêmicas entre autores brasileiros, como a polêmica entre Ernesto Carneiro Ribeiro e Rui Barbosa,

motivada pela revisão do código civil.

Page 29: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

29

Não, esse não é o defeito que me parece dever notar-se na Iracema,

o defeito que eu vejo em todos os livros brasileiros e contra o qual não

cessarei de bradar intrepidamente é a falta de correção na linguagem

portuguesa ou antes a mania de tornar o brasileiro uma língua

diferente do velho português por meio de neologismos arrojados e

injustificáveis, que (tenham cautela) chegarão a ser risíveis se se

quiserem tomar as proporções de uma insurreição em regra contra a

tirania de Lobato. (ALENCAR, apud PINTO, 1978:73)

Sobre a corrupção do velho idioma e a acusação de excesso de neologismos em sua

obra, Alencar responde desta maneira ao ilustre escritor português:

Acusa-nos o sr. Pinheiro Chagas a nós escritores brasileiros do

crime de insurreição contra a gramática de nossa língua comum. Em

sua opinião estamos possuídos da mania de tornar brasileiro uma

língua diferente do velho português.

Que a tendência, não para a formação de uma nova língua, mas

para a formação profunda do idioma de Portugal, existe no Brasil, é

fato incontestável. Mas em vez de atribuir a nós escritores essa

revolução filológica devia o senhor Pinheiro Chagas, para ser corrente

com a sua teoria buscar o germe dela e o seu fomento no espírito

popular no falar do povo, esse “ignorante sublime” como lhe chamou.

( id : ibid)

A polêmica de Alencar e Pinheiro Chagas demonstra que nesse momento a literatura

e a gramática são lugares de construção e representação da nossa identidade nacional. E,

portanto, o gramático e o escritor estão ambos participando ativamente na busca de uma

identidade linguística e cultural para o Brasil.

Não é por acaso que podemos descrever o século XIX como “o século da gramática”

no Brasil. A partir da publicação da obra de Moraes Silva o Brasil, sobretudo na

segunda metade do século XIX, assiste a uma explosão de publicações de gramáticas,

dicionários, postilas, manuais e livros didáticos. Gally (2013) traz uma amostra não só

da quantidade, mas também da variedade dos trabalhos publicados no período e que

transcrevemos a seguir:

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34

Do conjunto das obras elencadas por Gally, podemos destacar como representantes

das gramáticas produzidas sob a orientação da gramática geral e filosófica o Breve

compendio de grammatica portuguesa ( escrito em Salvador entre os anos de 1817 e

1819 ), de Frei Caneca, o Compendio de língua nacional (1835 ), de Antônio Álvares

Pereira Coruja, obra que, segundo Antenor Nascentes (1939) , inaugura os nossos

estudos gramaticais, a Grammatica portuguesa (1866 ),de Francisco Sotero dos Reis,

obra “ que reinou nos bancos escolares brasileiros antes do programa de Fausto Barreto”

(Fávero & Molina 2006:92).

A grande maioria dos trabalhos historiográficos que se debruçam sobre este período

está de acordo em reconhecer os momentos que marcaram uma mudança de orientação

na produção gramatical brasileira. O primeiro momento corresponde à publicação da

gramática de Júlio Ribeiro (1881).

O que se nos afigura é que se apressurou o Sr Júlio Ribeiro a de

chofre quebrar a rotina, fosse como fosse, embora ainda não houvesse

assimilado o quanto lera nos filólogos estrangeiros .

Entretanto, remasnesce-lhe certo mérito de haver sido o primeiro a

transladar para o compendio didático a nova orientação, invertendo os

alicerces da rotina e servindo de norma para algumas Gramáticas que

se publicaram em S. Paulo (MACIEL, 1928 :500)

A censura de Maciel ao fato de Júlio Ribeiro “de chofre quebrar a rotina fosse como

fosse embora ainda não houvesse assimilado o que lera nos filólogos estrangeiros”

reflete um comportamento recorrente nos gramáticos do século XIX: a busca de, se

inteirar, a todo custo, das inovações que se iam consolidando no período:

A leitura mais perfunctória dos textos mais representativos do

pensamento brasileiro sobre a língua nos cem anos que vão de 1820 a

1920, já faz emergir esta verdade que é a raiz de muitas outras: - A

falta de formação e de informação linguística , não só – o que seria

justificável – por parte dos leigos, aos quais coube,

predominantemente o tratamento do assunto, mas também por parte

dos especialistas. (....)

Além disso, ainda entre os que conseguiram manter uma linha segura

ou pelo menos una de pensamento, de maneira que não se pode

acompanhar com facilidade uma trajetória até as fontes da influência

ou filiação a esta ou àquela teoria linguística. O que ressalta à

primeira vista é a afoiteza e o ecletismo, na adoção e aplicação de

doutrinas estrangeiras: as citações de obras e autores, que começam

a surgir depois de 1880, com maior frequência , embora não com

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35

método, comprovam a leitura, mas nem sempre a assimilação de

conhecimentos: e consequentemente, a perfilhação de teorias às vezes

reciprocamente excludente18

s. (PINTO, 1978: XLV-XLVI).

A retórica “polêmica”19

e o tom muitas vezes “agressivo” de Júlio Ribeiro

ajudaram a marcar a sua ruptura teórica com a tradição da gramática filosófica e fez eco

nas obras publicadas posteriormente. Essa retórica de ruptura aponta para duas

direções: primeiro para uma ruptura com as concepções antigas e, num segundo

momento, para a aclamação da nova tradição de pesquisa. Assim, após Júlio Ribeiro, à

tradição da gramática geral e filosófica são atribuídos alguns juízos de valor: “estudos

abstratos e metafísicos”, “velha tradição”, “velho modelo”.

A recepção positiva à nova orientação científica nos estudos da linguagem é

confirmada mais uma vez por Maciel no seu Breve retrospecto sobre o ensino da língua

portugueza. Nesse trabalho, ele aponta o segundo momento de mudança de orientação

na reflexão gramatical brasileira o programa de ensino (1887) de Fausto Barreto:

Mas no vetusto arcabouço das doutrinas de então foi Fausto Barreto ,

quem de vez e definitivamente vibrou o golpe de morte, proferindo-as

por incompatíveis com o grau da nova cultura filológica (...)

Nomeado catedrático do Colégio Pedro II e depois da então Escola

Normal, ascendera à culminância do magistério oficial, de onde

poderia definitivamente difundir e firmar as novas doutrinas; e, com

êxito mais do que todos, orientar o ensino da língua vernácula.

(MACIEL:1928:501)

O programa de português para os exames preparatórios organizados por Fausto

Barreto, professor do Colégio Pedro II20

, mudou o cenário da nossa produção

gramatical.

18

Grifos nossos. 19

Recordamos aqui um artigo publicado no Diário de Campinas em 1879 que iniciou uma polêmica entre

Júlio Ribeiro e Augusto Freire da Silva “Com efeito à parte os trabalhos monumentais de Adolpho

Coelho, de Theophilo Braga e de Pacheco Junior (trabalhos desgraçadamente pouco vulgarisados) o que

vem à luz em Portuguez sobre grammatica é repetição do que disse Sotero dos Reis, que repetiu o que

disse Soares Barbosa, que repetiu o que disse Lobato, que repetiu o que disse padre Bento Pereira, que

repetiu o que disse Amaro de Roboredo [...]”

Para a réplica de Freire da Silva sobre as criticas de Júlio Ribeiro conferir a coletânea de artigos reunidos

pelo próprio Júlio Ribeiro no volume “ questão gramatical” (1887). 20

O Colégio Pedro II, criado em 2 de dezembro de 1837 pela transformação do Seminário São Joaquim,

foi a grande referência do ensino secundário do período.

Como bem diz Haidar ( 1972, p.95 ) “A história do ensino público secundário na Corte reduz-se, durante

o Império, à história do Colégio de Pedro II, o único estabelecimento público dessa natureza existente na

cidade do Rio de Janeiro. Em tais condições o conhecimento das intenções que nortearam as inúmeras

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36

Eni Orlandi (2001: 25), traz um breve resumo sobre o conteúdo do programa:

O programa se organiza em torno de 46 itens. Os 5 primeiros tratam

de “observações gerais sobre o que se compreende por gramática

geral, por gramática histórica ou comparativa e por gramática

descritiva ou expositiva. Objeto da gramática portuguesa e divisão de

seu estudo. Fonologia: os sons e as letras; classificação dos sons e das

letras; vogais; grupos vocálicos; consoantes; grupos consonânticos;

sílaba; grupos silábicos; vocabulários; notações lexicais. O item 6

compreende: “Morfologia: estrutura da palavra; raiz; tema;

terminação; afixos; do sentido das palavras deduzidos dos elementos

morfológicos que os constituem; desenvolvimento dos novos sentidos

das palavras”. Os itens 7 a 11 dizem respeito às classes de palavras. O

item 12 trata do “ Grupos de palavras por famílias e por associação de

idéias. Dos sinônimos, dos homônimos e dos parônimos”. Os itens de

17 a 20 têm por objeto a formação das palavras e os itens 21 a 28 a

etimologia portuguesa. Os itens 30 a 41 tratam da sintaxe. O item 41

trata da colocação dos pronomes pessoais ( este é um elemento

constante das discussões que incidem sobre as diferenças entre o

português do Brasil e o de Portugal). Os itens 42 a 46 tratam da

retórica e da estilística .

Inspirado nas ideias positivistas, Barreto desenvolveu um programa de ensino que

serviu de base não só para os exames preparatórios, mas também para a elaboração de

gramáticas. A partir desse momento, tornou-se obrigatório nos nossos compêndios

gramaticais a presença de autores como Adolfo Coelho, Diez, Littré, Whiteney dentre

outros.

Após esse breve percurso pela produção gramatical do século XIX, podemos perceber

uma mudança de orientação a partir da década de oitenta. No entanto, acreditamos que

devemos observar também um período de transição, pois, nesse período há autores que

contestam as mudanças, há os que aceitam novas propostas com os pés ainda fincados

nas antigas e os que abraçam as novas propostas para se alinharem às novidades do

momento. Por tudo isso, a dificuldade de organizar a nossa produção gramatical em

períodos mais ou menos delimitados torna-se uma tarefa cada vez mais complexa.

reformas sofridas pelo colégio criado por Vasconcelos equivale, de certo modo, ao conhecimento do

pensamento oficial acerca da natureza e dos objetivos do ensino secundário.

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37

2.2 Proposta de periodização da produção gramatical do século XIX no Brasil

A história do pensamento linguístico normalmente é concebida como constituindo-se

de períodos de ruptura mais ou menos bem definidos. No entanto, nos últimos anos, a

crescente pesquisa sobre a produção gramatical brasileira multiplicou a complexidade

das questões a serem respondidas e, consequentemente, historiar a nossa produção

gramatical e determinar os momentos de mudança de paradigma ( KUHN, 2003 ) ou

de epistême ( FOUCAULT, 2002 ) tornou-se cada vez mais difícil. A produção

gramatical brasileira nas últimas décadas do século XIX reflete essa dificuldade, pois,

como acreditamos, a relação das concepções da gramática geral e filosófica com as

inovações do método histórico-comparativo são mais complexas do que o simples

desaparecimento de uma e o surgimento de outra.

No Brasil não foram muitos os autores que empreenderam a difícil tarefa de tentar

organizar a nossa produção gramatical em períodos mais ou menos definidos. A

maioria destas propostas se fundamenta em fatos políticos, econômicos, sociais ou

culturais que acompanham o desenvolvimento da gramática brasileira, por exemplo, a

influência da gramática lusitana, o sentimento nacionalista, a independência política do

país ou a criação de instituições educativas.

O primeiro autor que traçou uma visão retrospectiva sobre os estudos filológicos e

linguísticos no Brasil foi Antenor Nascentes (1975), a segunda proposta foi a Silvio

Elia (1975), a terceira a de Guimarães (1996) e a quarta, talvez a mais divulgada nos

últimos anos, é a proposta de Cavaliere (2001). Na sequencia, examinaremos com mais

atenção cada uma dessas propostas.

2.2.1 A proposta de Antenor Nascentes

Uma das primeiras tentativas de traçar um panorama retrospectivo da produção

gramatical brasileira aparece com Antenor Nascentes (1939)21

. Nessa proposta

Nascente reconhece quatro períodos distintos na nossa produção gramatical.

21

Antes de Antenor Nascentes outros autores se aventuraram a historiar a nossa produção gramatical. O

primeiro foi Maximino Maciel no seu Breve retrospectiva sobre a língua portuguesa que aparece em

apêndice a sua gramática descritiva. Lembramos ,também , de Laudelino Freire nas suas Breves notas

para a historia da literatura filológica nacional (1923). Nesse trabalho Freire traz pequenas notas

biográficas e uma relação das obras dos autores selecionados por ele em ordem cronológica. Alguns anos

depois, Leite de Vasconcelos, em mais ou menos duas páginas e meia do seu A filologia portuguesa que

Page 38: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

38

1) Embrionário: Início da cultura brasileira e se estende até o ano de 1835, ano

da publicação do Compêndio da Gramática da Língua Nacional, de

Antônio Álvares Pereira Coruja. Conforme Nascentes, esse período é

marcado pela influência da gramática portuguesa.

2) Empírico: Inicia-se com a obra de Coruja , segundo Nascentes , a primeira

obra de valor escrita por um brasileiro e se estende ao ano de 1881, data da

publicação da Gramática Portuguesa de Júlio Ribeiro. Esse período

também assiste à inauguração dos estudos de dialetologia no Brasil, com a

publicação da Coleção de vocábulos e frases usados na província de S.

Pedro do Rio Grande do Sul, da autoria de Coruja.

3) Gramatical: inicia-se em 1881 e se estende até 1939. Período marcado pela

intensa produção gramatical e a fundação da Faculdade Nacional de

Filosofia da Universidade do Brasil.

4) A partir de 1939, inicia-se uma nova fase na nossa produção gramatical.

Nascentes, num tom otimista, faz a seguinte previsão para o futuro dos

nossos estudos filológicos:

Com a criação da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do

Brasil no corrente ano de 1939, considero inaugurado o quarto período

científico. A Filologia, que já havia deixado o empirismo, que já

passara pela fase das gramáticas normativas, vai agora assentar em

bases científicas. [...]

Vai cessar o autodidatismo. A mocidade terá a seu dispor mestres

experimentados, livros, revistas e outros elementos de estudo. Tudo,

por conseguinte, se poderá esperar dela. (NASCENTES, 2003: 204)

Em um artigo publicado na revista Confluência (2006), Estudos historiográficos de

Antenor Nascentes, Ricardo Cavaliere faz uma revisão crítica sobre a “produção

aparece no vol. IV dos seus Opúsculos, traz apenas os nomes de alguns autores representativos da nossa

produção gramatical.

Page 39: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

39

historiográfica”22

do autor e tece alguns comentários sobre o seu seminal texto de

1939.

Não obstante, a coerência sistêmica , alguma crítica se pode conferir a

certos critérios norteadores desse quadro periódico. Primeiro, é

controverso definir em que época começou a cultura brasileira , razão

por que igualmente controverso o termo a quo do denominado

período embrionário. Se considerarmos a produção literária no Brasil

- e basta ficarmos por aqui – como critério norteador para o

estabelecimento do início da cultura nacional, não seria coerente

incluir em seus domínios a obra de Anchieta? E a produção nacional

dos setecentos não terá sido nacional ? [...] No entanto, a postura de

Nascentes com respeito a esse primeiro período é de flagrante

menosprezo , sob a constatação de que “obedece exclusivamente a

orientação portuguesa”

Ao cuidar, por exemplo, do Epítome da gramática da língua

portuguesa, de Antônio Moraes Silva , concebido em 1802 e

publicado em 1806, Nascentes opta por desconsidera-lo como obra

genuinamente brasileira: “ rigorosamente falando , se pode considerar

um livro português ,pois não se detém nas diferenças que já

apresentava o falar brasileiro” ( Nascentes 2003:188) . Dessa

observação abstrai-se um conceito de nacionalidade textual imiscuído

com o de compromisso nacionalista que traz severas consequências

historiográficas. (CAVALIERE, 2006: 69/70)23

Além de excluir a obra de Moraes Silva da produção gramatical do século XIX ,

causa uma certa estranheza o fato de Nascentes considerar a obra de Antônio Pereira

Coruja “ como a primeira obra de valor escrita por um brasileiro”. A rigor acreditamos

que a obra de Coruja não difere muito dos outros compêndios publicados no Brasil

sobre a orientação da gramática filosófica.

22

Sobre a reflexão historiográfica de Nascentes, Cavaliere destaca os seguintes textos : A Filologia

Portuguesa no Brasil ( 1939 ), Panorama atual dos estudos filológicos no Brasil (1939) Études

dialectologiques aux Brésil (1952 ), Diretrizes atuais da Filologia , A Filologia Românica no Brasil

(1961 ). Poderíamos destacar outros textos, tais como, Adolfo Coelho e a Etimologia ( 1949 ),

Figueiredo, esse mal julgado ( 1955 ), Leite de Vasconcelos e o Brasil ( 1958 ) e o memorialístico O

Colégio Pedro II e a Filologia Portuguesa ( 1939 ). Todos esses textos encontram-se reunidos na nova

edição de Os estudo filológicos (2003 ) organizado pela Academia Brasileira de letras. 23

Se a influência da gramática portuguesa fosse um critério para excluir obras e autores da nossa

produção gramatical, teríamos que considerar como portuguesas, a maioria das obras produzidas no

século XIX.

Page 40: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

40

2.2.2 A Proposta de Silvio Elia

A segunda proposta de periodização coube a Silvio Elia (1976) que, seguindo

Antenor Nascentes, considera que a nossa produção gramatical começa apenas no

século XIX “o primeiro período conforme A. Nascentes observa exclusivamente a

orientação portuguesa e, por isso vamos aqui pô-lo de parte para melhor nos determos

nas fases que os estudos filológicos ganham progressivamente autonomia entre nós”.

Por esse motivo, Elia reconhece apenas dois grandes períodos na nossa produção

gramatical.

1) Vernaculista: Inicia-se em 1820 data aproximada da nossa independência

política e se estende até 1880 data aproximada da publicação da Gramática

portuguesa de Júlio Ribeiro.24

Segundo Elia, esse primeiro grande período é

marcado sobretudo pela contradição entre, por um lado, as preocupações

puristas e classicizantes de alguns autores e as reivindicações de uma nova

geração que ansiava por mudanças .Conforme Fávero & Molina (op.cit.: 48)

“(...) foi o momento bipolar de encontro da corrente classicizante – dos que

queriam a língua portuguesa colada no modelo lusitano – com a dos reformistas

– dos que aceitavam os vários falares que começavam a constituir a língua

portuguesa do Brasil”.

2) Científico: esse segundo período se inicia em 1881 e se estende até o ano de 1960.

O autor divise este período em duas fases:

A) De 1881 a 1900. Fase caracterizada como um momento de transição, “ em

que a renovação prevalece sobre o conservadorismo da época anterior”

(Fávero & Molina 2006:48). Cabe destacar que este também foi o

momento da implantação do programa de língua portuguesa do Colégio

Pedro II , cujo conteúdo, como sabemos, norteou a orientação de muitas

gramáticas.

24

Aqui percebemos claramente a heterogeneidade de critérios que muitas vezes norteiam a periodização

dos nossos estudos linguísticos.

Page 41: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

41

B) De 1900 a 1960. Fase caracterizada pelo combate à orientação normativa.

Elia reconhece três diferentes gerações de filólogos e gramáticos nesse

segunda fase. Fávero & Molina (2006:48) sintetizam bem as principais

características dessas diferentes gerações nos seguintes termos :

A primeira [geração] ,que vai de 1900 a 1920, inicia-se com o

combate à base normativa de direção vernaculista, por Heráclito Graça

e Mario Barreto e tem como representantes: Pacheco Junior, Said Ali

e Otoniel Mota. A segunda geração , de 1920 a 1940, é formada pelos

estudiosos que aprenderam nas lições dos grandes nomes da filologia

portuguesa: Augusto Magne, Antenor Nascentes, Silva Ramos e Silvio

de Almeida. A última geração, de 1940 a 1960, contemporânea de

Silvio Elia, representa a transição entre o didatismo das gerações

anteriores e a formação universitária.

Vale destacar que Silvio Elia faz referência unicamente ao trabalho de Antenor

Nascentes passando em silencio outros autores que se dedicaram a traçar um olhar

retrospectivo sobre a nossa produção gramatical, como, Maximino Maciel no seu

Breve retrospecto sobre o ensino de língua portuguesa e Mattoso Câmara Junior no seu

breve artigo publicado na revista Vozes (1969 ) Os estudos de Português no Brasil

mais tarde reunido, com outros ensaios, no volume Dispersos organizado por Carlos

Eduardo Falcão Uchoa (1975) .

2.2.3 A proposta de Eduardo Guimarães

O terceiro modelo de periodização corresponde à proposta de Eduardo Guimarães

(1996) que, do mesmo modo que Nascentes, reconhece quatro períodos distintos na

nossa produção gramatical. Guimarães constrói a sua proposta de periodização baseado,

sobretudo, em dois critérios: o Político e o Institucional.

1) O primeiro período inicia-se com o “ descobrimento” e estende-se até

meados do século XIX, momento em que, segundo o autor, é marcado pelas

Page 42: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

42

polêmicas acerca da língua falada no Brasil e caracteriza-se por não ter

ainda estudos sobre a língua portuguesa falada em nosso país.

2) O segundo período se inicia em 1881, ano da publicação da Grammatica

portugueza de Júlio Ribeiro, e se estende até o ano de 1939 ano da fundação

da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade Brasil. Esse segundo

momento também é marcado por uma intensa produção gramatical ,

destacando-se , por exemplo, os Estudos de Língua Portuguesa, de Mario

Barreto e Dificuldades de língua Portuguesa , de Said Ali.

3) O terceiro período tem seu início no final dos anos 1930 e se estende até

meados da década de 1960, ano em que a linguística se torna obrigatória no

Brasil. Nesse período aparecem algumas obras de referência para a nossa

produção gramatical, tais como, A formação histórica da Língua

Portuguesa , de Silveira Bueno e Princípios de linguística Geral, de

Mattoso Câmara Junior.

4) O quarto período se inicia em 1965 e se estende até os dias atuais. Esse

período conhece o desenvolvimento de diversas correntes de investigação

linguística: estrutural, funcional, gerativa , pragmática, as teorias da analise

do discurso.

2.2.4 A proposta de Ricardo Cavaliere

A quarta proposta de periodização é a de Ricardo Cavaliere ( 2001 ) . O próprio

Cavaliere explicita os critérios que o levaram a organizar a nossa produção gramatical:

Julgo possível uma tentativa de periodização heterogênea, com fulcro

em dois fatores : as fontes teóricas que dão feição às novas ordens no

desenvolvimento e difusão nos estudos linguísticos, e as obras

representativas desses momentos de ruptura. As fontes teóricas

conferem unicidade e identidade ao período, ao passo que as

publicações atuam como marcos históricos de sua vigência.

(CAVALIERE, 2001: 56)

Page 43: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

43

Cavaliere, da mesma forma que Nascentes e Guimarães, reconhece quatro

momentos distintos da nossa produção gramatical :

1) Embrionário : Inicia-se com o descobrimento e se estende até 1802 ano em

que Moraes Silva termina de escrever a sua gramática , que somente será

publicada em 1806.

2) Racionalista: Inicia-se em 1802 e se estende até 1881, data da publicação da

Grammatica Portugueza de Júlio Ribeiro.

3) Científico, que se inicia em 1881 e se estende até 1941. Esse período se

divide em duas grandes fases:

A) Fase Fundadora: (1881–1920) tem como marco inicial a publicação da

gramática de Júlio Ribeiro.

B) Fase Legatária: (1920 –1941) fase em que, conforme Fávero& Molina, “os

pesquisadores preocupam-se exclusivamente com o fato em língua vernácula”.

4) Linguístico: Inicia-se em 1941 e se estende até os nossos dias. Período , segundo

o autor, marcado pelo estruturalismo e a especialização dos estudos linguísticos .

Apesar da importância para a visão de conjunto da nossa produção gramatical,

reconhecemos que a heterogeneidade25

dos critérios adotados para dividir a nossa

produção gramatical em períodos nos levam a uma visão distorcida do nosso processo

de gramatização. Além disso, a maioria desses autores não deixa claro os critérios que

os levaram a afirmar que determinada obra pertence a determinado período.

Acreditamos que se traçarmos uma periodização baseada nas obras e na metalinguagem

adotada por determinados autores, a introdução do método histórico-comparativo

25

Fávero & Molina( 2006 : 49-50) nos informam da proposta de periodização apresentada por

Leodegário Azevedo Filho em 2000 que divide a nossa produção gramatical em cinco períodos distintos

1) Período de estudo inicial das línguas indígenas em contato com o português. 2) período de imitação da

gramática portuguesa. 3) período purista e de diferenciação idiomática . 4) período vernaculista e de

evolucionismo linguístico. 5) período filológico e lingüístico.

Page 44: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

44

deveria recuar a data de 1875, momento da publicação da obra de Augusto Freire da

Silva. É o que também observa Parreira (2011:24):

[...] com anterioridade a la reforma de la enseñanza y la

publicación de la gramática de Ribeiro, Freire ya apresentaba em su

obra influencias de las fuentes teóricas de las doctrinas historicistas.

Apesar de que el autor no menciona explicitamente la mayoria de las

fuentes históricas y de que conserva las bases tradicionales -

característica también bastante presente em la gramática de Ribeiro - ,

el tratado de freire demonstra que la orientação histórico-comparativa

ya habia sido introducida em la tradición brasileña.26

Sendo assim, ao contrario do que as propostas de periodização parecem indicar,

acreditamos que a produção gramatical brasileira não vive de rupturas bruscas de

orientação, muito pelo contrário, nossa produção gramatical experimenta um

desenvolvimento continuo caracterizado pela sobreposição de diferentes correntes

teóricas. É o que acontece com o que denominamos de gramáticas gerais e filosóficas

tardias do século XIX , gramáticas que, se por um lado, mantêm suas bases nas

orientações da gramática geral e filosófica, por outro, incorporam ou dialogam com as

inovações do método histórico-comparativo e o positivismo linguístico.

26

Tradução nossa: [...] com anterioridade à reforma de ensino e a publicação da gramática de Ribeiro,

Freire já apresentava em sua obra as influencias das fontes teóricas das doutrinas historicistas. Apesar do

autor não mencionar explicitamente a maioria de [suas] fontes históricas e de conservar as bases

tradicionais – característica também muito presente na obra de Ribeiro - , o tratado de Freire demonstra

que a orientação histórico-comparativa já havia sido introduzida na tradição brasileira.

Page 45: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

45

3

Grammatica Portugueza Philosophica.

ERNESTO CARNEIRO RIBEIRO

Neste capítulo, deter-nos-emos na análise da Grammatica Portugueza Philosophica,

de Ernesto Carneiro Ribeiro. Para tanto, inicialmente, traçamos uma breve biografia do

autor e, posteriormente, na análise da obra, procuramos demonstrar que, embora a

gramática siga as orientações da gramatica geral e filosófica, em muitos momentos o

autor incorpora no seu processo de descrição as inovações das novas correntes de estudo

da linguagem.

3.1 O AUTOR

No dia 12 de setembro de 1839, na cidade de Itaparica, nasce o segundo filho do

casal José Carneiro Ribeiro e D. Claudeana Ramos. Deram-lhe o nome de Ernesto

Carneiro Ribeiro.27

Após concluir os primeiros estudos na cidade de Itaparica, embarca para Salvador

onde se matricula no Liceu Provençal, renomada escola da época. Danilo Carneiro

Ribeiro (1939), no seu relato memorialístico, relembra as dificuldades do seu avô

Ernesto Carneiro Ribeiro nessa época de estudante:

Esses anos de acurado estudo foram-lhe de extraordinário

aproveitamento moral e espiritual, mas, penosamente passado, em

relação a sua situação de estudante pobre. Não poupava e não media

sacrifícios para aumentar as parcas rendas. Tinha que manter-se sem o

auxílio de casa. ( RIBEIRO,1939:.32)

Carneiro Ribeiro ingressa no magistério no ano de 1857, no Colégio São João. O

“menino filósofo” assume a cadeira de filosofia em substituição ao famoso professor

Dr. Salustiano Pedrosa. O ano de 1858 havia passado e Carneiro Ribeiro termina os

27

Os dados biográficos se encontram em Danilo Ribeiro (1939).

Page 46: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

46

preparatórios e ingressa na faculdade de medicina. Ainda no primeiro ano do curso é

convidado a lecionar inglês e francês no ginásio baiano28

.

Imagem 1. Ernesto Carneiro Ribeiro Com 78 anos

28

Neste período dois meninos sentavam-se nos bancos do renomado colégio: Ruy Barbosa e Castro

Alves.

Page 47: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

47

Os anos de trabalho no ginásio baiano incutiram no jovem o gosto pelo magistério:

A proveitosa estada naquela importante casa de educação, em que

tão suaves se me passaram os primeiros tempos da mocidade, a que

posso chamar – meu aprendizado de mestre - devo, sinceramente, o

confesso, tudo, tudo, o que na difícil arte de dirigir os primeiros

tentames da mocidade na vida colegial. Daí, foi que me veio esse

gosto de viver da mocidade, para a mocidade e pela mocidade.

(RIBEIRO, 1939 : 44 )

Em 1860 com vinte anos de idade o jovem professor, presta o primeiro concurso para

a cadeira de francês do Liceu Provincial. Porém, desta vez é reprovado no concurso.

Sempre levando o magistério com o curso de medicina, obtém o grau de doutor em

medicina com a tese “ Relação da medicina com as ciências filosóficas”.

Em 1871, no Liceu Provençal abre-se uma vaga para a cadeira de gramática

filosófica. Deixando alguns concorrentes pelo caminho, a decisão no certame fica entre

Ernesto Carneiro Ribeiro e Guilherme Rebello. Os juízes sem poderem decidir entre um

ou outro concorrente acabam decidindo o certame na sorte29

.

Felizmente a sorte sorri a Carneiro Ribeiro e com a tese “ Origem e filiação da língua

portuguesa” assume a cadeira de gramática filosófica do Liceu.30

No ano de 1873, contando com apenas trinta e quatro anos, em parceria com o

cônego Emílio Lobo, funda o Colégio Bahia. Alguns anos depois, funda outro

estabelecimento de ensino que leva o seu próprio nome. Posteriormente, por conta do

novo código de ensino elaborado pelo ministro Epitácio Pessoa, o Colégio Carneiro

Ribeiro passa a chamar-se Ginásio Carneiro Ribeiro.

Em 1902, o Dr. J.J. Seabra confiou-lhe a revisão dos oito volumes do projeto do

Código Civil brasileiro, do jurista e magistrado Clóvis Belviláqua (1859/1944),

publicado pela Imprensa Nacional. Consta que, por razões políticas, Rui Barbosa, de

quem Seabra era antigo desafeto político, iniciou uma grande polêmica em torno da

29

Conforme relata Danilo Carneiro Ribeiro( id. 86-87): “ O presidente, para resolver o problema da

igualdade e de competência, consoante o voto do júri examinador, fez escrever pelo prof. Sebastião Pinto

duas cédulas semelhantes, lendo-se numa ‘ tive mérito e não tive sorte’ e na outra ‘ tive mérito e a sorte

me ajudou’ colocando-as numa urna. 30

Carneiro Ribeiro permanece na cadeira de gramática filosófica do Liceu por cerca de dezenove anos.

Page 48: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

48

revisão do projeto. Envolvido a contra gosto na polêmica, o gramático refutou as

críticas de seu célebre ex-aluno. Carneiro Ribeiro, o “Tolstoi Bahiano”, faleceu em

Salvador, aos treze de novembro de 1920

3.2 A OBRA

Dedicada à memória de Guilherme Pereira Rebello, A Grammatica Philosophica da

Língua Portugueza31

é o segundo trabalho gramatical de Carneiro Ribeiro. O primeiro

trabalho é a sua tese de concurso Origem e Filiação da Língua Portuguesa, publicada

no ano de 1871. A data de publicação da Gramática, apesar de trazer no frontispício da

sua primeira edição a data de 1881, Deraldo I. de Souza, no prefácio à segunda edição

da obra, publicada em 1957 no volume Estudos Gramaticais e Filológicos, apresenta

uma outra data para a sua da obra32

.

A gramática Filosófica, nada obstante trazer no frontispício a data

de 1881.data esta indicada nas bibliografias de Ernesto Carneiro

Ribeiro, foi escrita em 1877, e começada a sua impressão no referido

ano, como se pode ver no Parecer do Conselho Superior de Instrução

Pública (...) . Ademais já tivemos em mãos um exemplar com

frontispício diferente, nos caracteres gráficos e na disposição, e bem

assim trazendo no fim da página a data de 1877. (SOUZA apud

RIBEIRO,1957: 385)

31

Doravante Gram. Phil. 32

Utilizamos para o nosso trabalho esta segunda edição da obra, revisada e prefaciada por Deraldo I. de

Souza.

Page 49: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

49

Imagem 2. Capa 2ª edição da Grammatica Portugueza Philosophica.

Page 50: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

50

3.2.1 Visão Geral da Obra

Logo em suas primeiras páginas, na introdução da obra, Carneiro Ribeiro destaca os

nomes de alguns filósofos e gramáticos que se dedicaram ao desenvolvimento dos

estudos da linguagem. A longa lista de autores reflete não só o conhecimento do autor

sobre a longa tradição dos estudos gramaticais, mas indica também que o autor estava

atento ao que vinha sendo discutido na época.

Quadro1. Gramáticos e Filósofos citados por Ernesto Carneiro Ribeiro.

Gramáticos e filósofos citados por Ernesto Carneiro Ribeiro33

Antiguidade Clássica

Platão

Aristóteles

Ennio

Appolonio de Alexandria

Dionísio da Tracia

Séculos XVI e XVII

Fernão de Oliveira

João de Barros

Pedro Ramos

Erasmo

Júlio Cesar Scalígero

Vossio

Vaugelas

Arnauld & Lancelot

Dangeau

33

Em muitos momentos Carneiro Ribeiro utiliza a opinião desses autores como um argumento de

autoridade a serviço da sua argumentação.

Page 51: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

51

Século XVIII

Duclos

Dumarsais

Condillac

Court de Gébelin

Harris

Sylvestre de Sacy

Destuut de Tracy

Século XIX

Adelung

Vater

Jones

Adolpho Coelho

Colebroucke

Leo Meyer

Bopp

Diez

Max Muller

Schegel

Humbouldt

Potti

Grim

O corpus literário da Gram. Phil. gira em torno de setenta e dois autores.34

Na sua

grande maioria autores portugueses dos séculos XVI e XVII, como, Luiz de Camões,

João de Barros, Padre Manuel Bernardes, Pe. Antônio Vieira. Exceção a esta regra é o

nome de Alexandre Herculano, também citado muitas vezes na obra como exemplo de

correção e boa linguagem. Como podemos perceber pelo levantamento, embora o

século dezenove fosse um momento de intenso debate sobre a língua nacional, Carneiro

Ribeiro parece não estar preocupado em destacar nenhum autor brasileiro.

34

Embora a obra apresente inúmeras citações de autores latinos, por exemplo, Cicero, Ovídio, Virgílio e

autores franceses , tais como, Molière, La Fontaine, incluímos neste número apenas autores em língua

portuguesa.

Page 52: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

52

O gráfico a seguir procura ilustrar a distribuição dos autores citados nas duas partes

analisadas da obra, isto é , a Lexicologia e a Sintaxe.

Gráfico 1. Distribuição dos autores citados por Carneiro Ribeiro.

Conforme demonstra o gráfico 2, os autores mais citados na obra são,

respectivamente , Luiz Vaz de Camões, Pe. Antônio Vieira e Alexandre Herculano.

Gráfico 2. Autores mais citados na Grammatica Portugueza Philosophica.

Somados Camões e Vieira atingem um pouco mais de trinta por cento do total das

citações presentes na obra. As 567 citações presentes nas duas partes analisadas na obra

0

5

10

15

20

25

XIV XVXVI

XVIIXVIII

XIX

XIV

XV

XVI

XVII

XVIII

XIX

16%

15%

7% 62%

Camões

Vieira

Herculano

outros

Page 53: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

53

são distribuídas da seguinte maneira; 91 são atribuídas a Camões, 87 ao Pe. Antônio

Vieira e Alexandre Herculano com 38 citações.

3.2.2 Divisão da Obra e Definição de gramática

Carneiro Ribeiro divide a sua gramática em quatro partes, adotando, portanto, a

tradicional divisão.

O autor define as quatro partes da gramática da seguinte maneira : 1) Fonologia35

é a

parte da gramática que estuda os sons da língua e todas as suas modificações. 2)

Ortografia é a parte da gramática que estuda a representação dos sons por meio de sinais

gráficos. 3) Lexicologia é a parte da gramática que tem por objetivo as palavras

consideradas em relação ao seu valor, a sua etimologia, classificação, inflexões ou

desinências gramaticais. 4) Fraseologia ou Sintaxe é a parte da gramática que trata da

análise da proposição entre si e da sua estrutura e construção.

Gráfico 3. Divisão interna da gramática

35

Na obra a fonologia corresponde à prosódia e à ortoépia .

10%

13%

58%

19% Fonologia

Ortografia

Lexicologia

Fraseologia

Page 54: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

54

Conforme observa Cavaliere (2000:59), a reflexão gramatical de Carneiro Ribeiro

revela uma tensão entre a tradição da gramática geral e filosófica e as inovações do

método histórico-comparativo e do naturalismo linguístico:

Lida da sofreguidão, sem o necessário acompanhamento das

mudanças axiológicas nos conceitos linguísticos do autor, a obra de

Carneiro Ribeiro pode parecer mesmo paradoxal, tamanho é o embate

de ideias em colisão frontal. A primeira fase da produção acadêmica

de Carneiro Ribeiro é francamente apoiada nos cânones da gramática

filosófica, não obstante aqui e ali o mestre baiano refutasse conceitos

que a teoria metafísica já havia consagrado.

A primeira obra gramatical do mestre baiano, isto é, a sua tese para o concurso

Origem e Filiação da Língua Portuguesa, publicada em 1871, revela o pensamento

oscilante do autor.

A leitura da Origem revela um Ernesto Carneiro Ribeiro flutuante

entre os fundamentos da gramática metafísica e os novos rumos da

gramática científica. De início, o próprio tema da tese e o apoio

metodológico utilizado em seu desenvolvimento – extraído da

classificação das língua indo-européias de E. Renan – revelam grande

interesse pelos novos conceitos que aqui afluíam dos grandes centros,

como Leipzig e Paris. Carneiro Ribeiro, entrementes, sustenta com

competência um confronto ideológico que dá à tese uma conotação

híbrida, mesclada, sem que ali se possa, a rigor, determinar a diretriz

efetiva do pensamento linguístico do autor. (id. ibid.)

A oscilação no pensamento de Carneiro Ribeiro reflete, por um lado o período de

transição pelo qual passava a reflexão gramatical no Brasil e, por outro, a preocupação

sempre presente do intelectual brasileiro de se inteirar das inovações que iam surgindo

no período.

A definição de gramática apresentada por Carneiro Ribeiro parece revelar uma certa

influência das inovações que chegavam da França e Alemanha.

GRAMÁTICA é a ciência de enunciar nossos pensamentos

segundos as regras estabelecidas pela razão e pelo bom uso; mais

geralmente, porém, considerada, pode-se definir a gramática como a

ciência da linguagem. (RIBEIRO, 1957: 389)

Page 55: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

55

Na tradição da gramática geral e filosófica, a gramática é definida como arte,

conforme a definição oriunda do modelo greco-latino que percorreu toda a idade média

e, no Brasil, perdurou durante grande parte do século XIX.

Assim, podemos observar algumas definições de gramática desse período:

A gramática é a arte que ensina a declarar bem os nossos pensamentos, por meio de

palavras. (Moraes Silva, 1806)

Gramática portuguesa é a arte que ensina a falar, ler e escrever corretamente a

língua portuguesa. (Frei Caneca, 1817)

Ao definir a gramática como ciência, Carneiro Ribeiro parece se afastar da tradição

da gramática geral e filosófica.

O próprio Cavaliere encontra uma explicação para esta definição avant la lettre

presente na gramática:

Uma explicação plausível para este inusitado “ecumenismo

linguístico”, em que se fundem conceitos metafísicos e científicos,

talvez esteja na utilização mais frouxa de alguns termos-chave da nova

ciência linguística, como o próprio termo ciência além de lei e estudo

analítico. Ribeiro certamente não impunha ainda ao termo lei (Gesetz

) o sentido doutrinário da escola comparativa alemã. ( CAVALIERE,

op. cit.: 61)

A gramática pode ser geral, particular36

ou comparada.: “A [ gramática] geral tem por

assunto os princípios invariáveis, imutáveis e universais da língua”(RIBRIRO, op.cit.

391). A particular “ é a que faz aplicação destes princípios aos usos, às instituições

arbitrárias de uma língua. Esta é a que mais comumente se define a arte de ler , escrever

e falar corretamente uma língua” (idi,ibid). A gramática particular se desdobra em uma

gramática elementar e uma gramática filosófica. “A [gramática] é elementar quando

limita-se ao estudo das regras sem elevar-se aos princípios gerais de que se deduzem as

tais regras, é filosófica quando estuda as regras gramaticais, prendendo-as e ligando-as

aos princípios gerais, que as explicam e as justificam.” “ A gramática elementar é arte, a

36

Conforme Fávero (1996), a distinção entre uma gramática geral e uma gramática particular constituí o

aspecto mais original da teoria gramatical dos enciclopedistas.

Page 56: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

56

filosófica é uma ciência-arte”( Id:.392).37

E, por fim, “ comparada é a que estuda dois

ou mais idiomas, investigando suas analogias e semelhanças, comparando seus fatos,

suas transformações.” (id,ibid).

3.3 LEXICOLOGIA

Carneiro Ribeiro define a Lexicologia como a “parte da gramática que tem por objeto

a classificação das palavras conforme as suas funções” (p. 467). O gramático reconhece

oito funções que as palavras podem exercer nas proposições:

Quadro 2. Classes de palavras elencadas na obra.

Classes de Palavras

Interjeição Uma espécie de grito, de que usamos, para

exprimir as paixões, os sentimentos

súbitos de nossa alma.

Substantivo Palavras que exprimem determinadamente

os seres pela ideia de sua natureza.

Pronomes Palavras que indicam seres determinados

designando-os pela ideia de sua pessoa.

Adjetivo Palavras que exprimem seres

indeterminados, designando-os por uma

ideia precisa, mas acidental à natureza

comum determinantemente indicada pelos

apelativos.

Verbos Palavras que exprimem seres

indeterminados, designando-os pela ideia

precisa da existência intelectual com

relação a um atributo.

Preposição Parte da oração que serve para exprimir a

relação entre duas palavras.

Conjunção Parte elementar do discurso que serve para

mostrar as relações que as proposições têm

entre si.

Advérbio Palavra que modifica o adjetivo, o verbo e

o próprio advérbio.

37

Nesta definição podemos perceber o desejo do gramático de conciliar a tradição da gramática geral e

filosófica com as inovações do método histórico comparativo.

Page 57: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

57

O mestre baiano , baseando-se, nas categorias aristotélicas de substância, qualidade

e relação agrupa as oito partes da proposição em três categorias distintas: palavras

denominativas, palavras modificativas, palavras conjuntivas.38

Quadro 3. Categorias de palavras conforme Carneiro Ribeiro.

Grammatica Portugueza Philosophica ( 1881 )

Palavras Denominativas

Substantivo

Pronome

Palavras Modificativas

Adjetivo

Advérbio

Verbo

Palavras Conjuntivas Preposição

Conjunção

Conforme lemos em Fávero & Molina (op. cit.: 103) encontramos quase a mesma

proposta de classificação na Gramática Portuguesa de Augusto Freire da Silva (1877 )

e na Gramática Descritiva de Maximino Maciel ( 1894 ).

Quadro 4. Categorias de palavras conforme Augusto Freire da Silva.

Gramática Portuguesa ( 1877 )

Palavras Nominativas Substantivo

Pronome

Palavras Modificativas Adjetivo

Advérbio

Palavras Conectivas Verbo

Preposição

Conjunção

38

Cabe destacar que a Interjeição não aparece em nenhum das três categorias de palavras pelo fato de não

ser considerada pelo autor como palavra discursiva.

Page 58: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

58

Quadro 5. Categorias de palavras conforme Maximino Maciel.

Gramática Descritiva ( 1894 )

Palavras Nominativas Substantivo

Pronome

Verbo

Palavras Modificativas Adjetivo

Advérbio

Palavras Conectivas Preposição

Conjunção

Na obra a parte dedicada ao estudo da Lexicologia apresenta cento e setenta e duas

páginas. A partição da matéria tratada apresenta a seguinte proporção:

Gráfico 4. Proporção da matéria tratada na Lexicologia.

3% 16%

15%

18%

30%

7% 5%

6% Interjeição

Substantivo

Pronome

Adjetivo

Verbo

preposição

Conjunção

Advérbio

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59

INTERJEIÇÃO

A gramática dedica apenas cinco páginas ao estudo da interjeição. Como aparece na

maioria dos compêndios gramaticais do período, a interjeição é definida como um mero

“grito” não fazendo , portanto, das palavras discursivas.39

A interjeição é definida como

“ uma parte de grito de que usamos para exprimir as paixões, os sentimentos súbitos de

nossa alma” (RIBEIRO, op.cit. : 471).

As interjeições são divididas em próprias ou naturais. São naturais “todas as

[palavras] monossílabas, não são em geral mais que vozes, a, e, i ,o, u pronunciadas

com uma entonação particular, e com um certo grau de aspiração, que depende do

sentimento da comoção imprevista da alma”. (id:472) Já as interjeições convencionais

são definidas pelo gramático como “desvios” ou “corrupções” do uso de certos

elementos gramaticais.

SUBSTANTIVO

Os substantivos, do mesmo modo que os pronomes, pertencem à classe das palavras

denominativas.Como na maioria das gramáticas do período, a classificação dos

substantivos apresenta critérios morfológicos e semânticos. Nesse sentido, seguindo a

gramática de Port-Royal, os substantivos são classificados quanto a “carga extensional”

do seu conceito. Conforme Carneiro Ribeiro, “ a extensão consiste no número de

indivíduos a que é atualmente aplicável a ideia da natureza comum exprimida pelo

nome” (id:476).

No que concerne à natureza e à extensão do seu significado, os substantivos são

divididos em próprios e apelativos.40

Os substantivos próprios “ designam os seres pela

ideia singular de uma natureza individual. Os substantivos apelativos designam os seres

39

O autor incluí entre as palavras afetivas, além das interjeições, as onomatopeias e os mimologismos.

Os mimologismos consistem na imitação da voz ou do modo de falar de alguém. 40

Os substantivos apelativos são classificados em coletivos e compostos.

Page 60: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

60

pela ideia geral de uma natureza comum” (RIBEIRO, op cit.:476). Quanto a sua forma

os substantivos são classificados em primitivos e derivados. Os primitivos “ são os que

não se derivam de outro da mesma língua” (id:480). Os derivados são os substantivos

que são formados a partir dos substantivos próprios.

O gramático, partindo de um critério semântico, inclui diversas palavras que hoje

classificaríamos como pronomes na classe dos substantivos :

Afora estes diferentes substantivos apelativos há uma classe

particular de nomes, que coloca-os erradamente a maioria dos

gramáticos já na classe dos pronomes, já na dos adjetivos, e que outra

coisa não são que nomes gerais de pessoas ou de coisas, nomes

indefinitos ou sintéticos. Tais são os nomes isto, isso, aquilo, nada

tudo, quem, alguém, ninguém, outrem, fulano sicrano e em certas

frases o vocábulo o (...) (RIBEIRO, op.cit.: 479)

São dois os acidentes dos substantivos: o gênero e o número. O autor funda a sua

distinção do gênero dos substantivos partindo da diferença sexual dos seres.

O gênero dos [substantivo] são fundados na distinção natural dos

seres animados relativamente ao sexo. E como segundo o sexo todos

os animais naturalmente se dividem em animais do sexo masculino e

animais do sexo feminino, nas línguas só deviam ter gênero os nomes

que indicassem animais, correspondendo ao gênero masculino os

animais machos e o feminino aos animais fêmeas; todos os mais

nomes de seres que não entrassem na classe dos animais não deviam

ter gênero, isto é, deviam ser do gênero neutro. (id:.484 )

Por fim, vale destacar que no estudo dos substantivos, Carneiro Ribeiro, retomando o

critério de extensão do significado dos substantivos, faz uso do mesmo substantivo no

masculino e feminino para demonstrar o caráter mais geral dos substantivos femininos.

O feminino é sempre mais geral, e o masculino mais particular. Os

nomes a que convém o primeiro gênero encerram em sua significação

alguma coisa mais vaga, mais indeterminada que seus sinônimos do

gênero masculino, este tem um sentido mais preciso (... ) (id:493)

Como exemplo do caráter mais geral dos substantivos femininos, o gramático elenca

os seguintes exemplos: “O vocábulo fruta,41

por exemplo, é aplicável a toda a produção

vegetal; o fruto, porém, é uma espécie de fruta; o madeiro é uma espécie de madeira; o

41

Essa concepção do Gramático de que a apalavra feminina tem maior extensão do que a palavra

feminina parece ser o resquício da concepção do neutro plural latino.

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61

bago, uma espécie de baga; o saco, uma espécie de saca; o jarro uma espécie de

jarra”( id,ibid).

Cabe sublinhar que nos dias atuais as gramáticas no que concerne ao gênero dos

substantivos reconhecem o caráter mais geral dos substantivos masculinos e mais

particular dos substantivos femininos. Esse fato podemos observar no seguinte trecho

retirado da Moderna Gramática Portuguesa de Evanildo Bechara:

É pacífico [entre os estudiosos da linguagem] a informação de

que a oposição masculino – feminino faz alusão a outros

aspectos da realidade, diferentes da diversidade de sexo, e serve

para distinguir os objetos substantivos por certas qualidades

semânticas, pelo quais o masculino é uma forma mais geral, não

marcada semanticamente, e o feminino expressa uma

especificação qualquer: Barco/Barca (= barco grande),

Jarro/Jarra (= Um tipo especial de Jarro). (BECHARA, op.

cit.2009)

PRONOMES

A gramática dedica vinte quatro páginas ao estudo dos pronomes. Contrariando o que

pregavam muitos gramáticos, Carneiro Ribeiro não considera os pronomes como meros

substitutos dos substantivos.

(...) Considera-los na classe dos adjetivos, como Jeronimo Soares e

outros gramáticos é de todo desconhecer a natureza deste elemento.

A maioria dos gramáticos enganados por ventura pela etimologia

do vocábulo pronome ( pro e nome ), dizem ser este uma palavra que

se põe em lugar do nome. Fácil é demonstrar o inexato dessa

definição. Com efeito, se assim fosse seriam pronomes todas as

palavras empregadas metaforicamente , e grande número de adjetivos.

(id. :501)

No processo de descrição dos pronomes, o mestre baiano, parece seguir de perto as

lições dos enciclopedistas, Beauzée e, sobretudo, Du Marsais quando defende o caráter

discursivo dos pronomes:

Os verdadeiros pronomes, diz Du Marsais, são as denominações

precisas das pessoas gramaticais , isto é, de pessoas consideradas

Page 62: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

62

somente segundo uma certa ordem, que tem no discurso. Um fala; é

dele que vem esse discurso: é a primeira pessoa; aquele ou aqueles a

quem se dirige o discurso, são a segunda pessoa; enfim entende-se por

terceira pessoa tudo o que faz a matéria do discurso. (Id.:502 )

Quanto à classificação dos pronomes, o gramático se afasta da tradicional

classificação: “A distinção dos pronomes em possessivos, demonstrativos, relativos e

indefinitos é completamente falsa, e provem de não terem os gramáticos pela maior

parte penetrado na natureza desse elemento gramatical, sobre o qual deram as maiores

noções inexatas(...) (id. :502)

São verdadeiros pronomes somente os pessoais42

“ Vê-se , portanto, que só merecem

o nome de pronome o que os gramáticos denominam pessoais, a que chamaremos

simplesmente pronomes” (id. ibid.)

O autor classifica os pronomes da seguinte maneira:

Quadro 6. Classificação dos pronomes.

Singular Plural

1ª pessoa Eu, me, mim, migo Nós, nos , nosco

Singular Plural

2ª pessoa Tu, te, ti, tigo Vós, vos, vosco

Singular Plural

3ª pessoa Ele, ela, lhe, se ,si, sigo ,o,

a

Eles, elas, lhes , se, si, sigo,

os, as

O processo de descrição dos pronomes termina com uma longa discussão sobre o

papel sintático do pronome se. Ao analisar as diversas ocorrências deste pronome, o

autor critica a opinião de alguns gramáticos que defendem o emprego do pronome se

como sujeito, ou seja, como um equivalente do pronome on francês.

42

As outras palavras que hoje classificaríamos como pronomes, o gramático as inclui, na maioria das

vezes, na classe dos adjetivos.

Page 63: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

63

ADJETIVO

Na gramática são dedicadas trinta páginas ao estudo dos adjetivos. Do mesmo modo

que os verbos e advérbios, os adjetivos pertencem à classe das palavras modificativas.

Os adjetivos são palavras que “exprimem seres indeterminados, designando-os por uma

ideia precisa, mas acidental à natureza comum determinantemente indicada pelos

apelativos” ( RIBEIRO op.cit.523). A gramática apresenta a tradicional divisão dos

adjetivos em qualificativos e determinativos. Os qualificativos “modificam a

compreensão dos apelativos, sem determinar-lhes a extensão”. Os determinativos ou

artigos “modificam a extensão dos apelativos, sem nada ajuntar à compreensão destes”

(id: 524) . A gramática apresenta a seguinte classificação para os adjetivo:

Quadro 7. Classificação dos adjetivos qualificativos

Positivos

Bom

Adjetivos

qualificativos

Comparativos

Melhor

Superlativos

Ótimo

Positivo

Bom

Page 64: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

64

Quadro 8. Classificação dos adjetivos determinativos.

O autor esvazia a noção de classe gramatical dos adjetivos, uma vez que ele

compartilha as noções de gênero e número dos substantivos.

Os adjetivos por si mesmos não têm gênero, nem número; porque

são abstrações, a que não podemos propriamente dar sexo, nem

pluralidade; mas recebem essas propriedades dos substantivos a que se

ajuntam para melhor estabelecer e firmar as relações que com estes

tem. ( RIBEIRO,op.cit.:525)

Como podemos perceber, Carneiro Ribeiro constrói a classificação dos adjetivos a

partir de critérios semânticos. Deste modo, muitas palavras que hoje consideraríamos

pertencentes à classe dos pronomes ou numerais no século XIX oscilavam entre uma ou

outra classe gramatical.

Adjetivos

Determinativos

Indicativos

o,a,os,as

Conotativos

Universais

Partitivos

Negativos

Nenhum,

Nenhuma

Coletivos

toda, todo

Distributivos

cada

Indefinitos

algum,

qualquer, etc

Definitos

Positivos

Numerais

um, trigésimo,

triplo etc

Possessivos

meu, seu, etc

Demonstrativos

este, esse, aquele

Page 65: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

65

VERBO

O verbo é a classe gramatical que recebe a maior atenção do autor. Os verbos são

definidos como “ palavras que exprimem seres indeterminados, designando-os pela

ideia precisa da existência intelectual com relação a um atributo” (RIBEIRO,

op;cit..:554). Na sequência os verbos são classificados em abstratos43

e concretos. Ao

primeiro “dão igualmente o nome de substantivo, metafísico, copulativo; aos concretos

chamam também adjetivos”. (id. :554)

Quanto à conjugação, a obra segue a tradicional divisão em quatro conjugações. A

quarta conjugação é formada pelo verbo pôr e seus compostos. Em relação aos

complementos verbais, Carneiro Ribeiro abandona a tradicional classificação dos verbos

em ativos, passivos e neutros para adotar a classificação dos “gramáticos modernos44

”.

Os gramáticos modernos, considerando os verbos mais pelo modo

como o atributo é neles enunciado, pelo papel que representam na

frase, pelo modo por que se ajuntam aos outros elementos da oração,

do que pela natureza do atributo neles encerrado, os dividem em

absolutos ou intransitivos e relativos ou transitivos. Esta divisão,

menos filosófica, é verdade, que a primeira é a que seguiremos aqui

(...) (RIBEIRO,op.cit..:559)

São intransitivos os verbos “que em si mesmos têm sentido determinado e

completo”, transitivos “os que em si não têm um sentido completo, sendo mister um

complemento ou regime para determinar-lhes e completar-lhes o sentido” (id.:559) Os

verbos transitivos dependendo do complemento são classificados em transitivos diretos

e transitivos indiretos.

Em relação à forma, os verbos são classificados em regulares, irregulares, defectivos

e pronominados. Regulares são os verbos que estão de acordo com a sua conjugação,

irregulares os que “se afastam do verbo de tipo da sua conjugação”, defectivos são os a

que “faltam algum tempo, modo, número ou pessoa e, por fim, os pronominados são os

que “ em toda a conjugação se acompanham de um pronome regime direto ou indireto,

real ou aparente” (id. :564).

O quadro a seguir ilustra a descrição dos modos e tempos verbais presentes na

gramática.

43

O verbo ser é o único verbo abstrato. 44

Os modernos aos quais Carneiro Ribeiro faz referência são gramáticos como Bopp, Diez e Adolpho

coelho.

Page 66: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

66

Quadro 9. Modos e Tempos verbais .

Modo Indicativo

Presente ( Amo) Indica que uma coisa se faz no momento

da palavra: este momento não se pode

dividir, por que a atualidade porque a

atualidade não pode ser mais ou menos

presente.

Passado imperfeito ou simultâneo

(Amava)

Indica uma ação passada mas presente

relativamente à outra em um tempo

igualmente passado; as duas ações ,pois,

são simultâneas

Passado definito (Amei) A que chamam geralmente pretérito

perfeito indica uma ação feita em tempo

determinado circunscrita inteiramente no

passado.

Passado indefinito (Tenho amado) Indica uma ação feita em um tempo

indeterminado.

Passado mais que perfeito (Amara) Exprime uma ação não só passada em si,

senão passada relativamente à outra ação

igualmente passada.

Futuro imperfeito (Amarei) Indica que a existência ou a ação será ou

far-se-á em um tempo posterior ao ato da

palavra.

Modo condicional

Presente (Amaria) Indica que uma coisa se faria no tempo

mediante certa condição.

Passado (Teria amado) Indica que uma ação se teria sido feita no

passado se se tivesse cumprido a condição

de que dependia.

Modo subjuntivo

Presente (Ame) Designa uma ação que coincide com o

presente.

Imperfeito (Amasse) Denota uma ação passada em respeito ao

ato da palavra, mas considerada presente

relativamente a outra ação igualmente

passada.

Passado (Tenha amado) Indica um passado sem nenhuma outra

Page 67: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

67

ideia acessória, além da dependência e

subordinação que caracteriza todas as

formas do subjuntivo.

Mais que perfeito (Tivesse amado) Indica uma ação passada anterior a outra

igualmente passada.

Futuro (Amar) Exprime já um futuro anterior ou posterior

a outro, já um futuro que coincide com

outro.

Futuro passado (Tiver amado) Indica uma ação futura, mas sempre

acabada e anterior a outra igualmente

futura.

Modo infinitivo

Presente (Amar) Denota presente em relação ao tempo do

verbo.

Passado (Ter amado) Denota passado em relação ao tempo do

verbo.

Modo participial

Presente ou gerúndio (Amando) Não exprime tempo algum considerado

só, mas posto em relação no contexto da

frase com outro verbo denota uma

coincidência de tempo já com um

presente, já com um passado, já com um

futuro.

Passado (Amado) Indica sempre um passado.

PREPOSIÇÃO

A gramática apresenta onze páginas dedicadas ao estudo da preposição. A preposição

é definida como “uma parte da oração que serve para exprimir a relação entre duas

palavras”. (RIBEIRO, op. cit.:603)

Conforme Carneiro Ribeiro, resulta da natureza da preposição que:

Page 68: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

68

1ª A preposição não pode existir sem os dois termos entre os quais estabelece a

relação de que é sinal.

2ª Que a preposição, indicando apenas uma relação simples, não se deve decompor,

porque, se assim não fosse , ajuntaria à relação exprimida por um de seus elementos a

ideia indicada pelo outro, e não significaria já uma ideia simplíssima, uma pura relação.

Do mesmo modo, indicando a declinação e a variabilidade nos vocábulos diversas

ideias acessórias, que se ajuntam à ideia matriz ou fundamental que estas exprimem,

não pode a preposição, sinal de uma pura e simples relação, declinar-se nem variar.

3ª que a preposição não pode ser antecedente nem consequente de outra; porque

exprime só e puramente uma relação entre dois termos, devendo por isso excluir-se do

catálogo das preposições toda palavra que for complemento de outra, ou que tiver um

complemento precedido de outra preposição.

As preposição são agrupadas em duas classes: preposições de estado, existência ou

repouso e preposições de ação ou movimento45

.

Quadro 10. Classificação das preposições.

Preposições que indicam estado, existência ou repouso.

Ante, Após, Contra, Em, Entre, Sob, Sobre

Preposições que indicam ação e movimento

A, Até, De, Desde, Para, Per, Por.

CONJUNÇÕES

A gramática dedica nove páginas ao estudo das conjunções. A conjunção é a “ parte

verdadeiramente conectiva e sistemática do discurso: por ela as proposições ligam-se às

proposições constituindo as frases, estas encadeiam-se uma com as outras formando o

discurso” (RIBEIRO, op. cit.:613)

45

Nesta classificação o autor parece seguir de perto a doutrina de Soares Barbosa ( Cf.Fávero 1996: 37)

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69

As conjunções são divididas em simples e compostas. Simples são as que “não se

podem decompor, as compostas são as que se compõem de dois ou mais elementos,

formando uma locução” ( RIBEIRO, op. cit. 612)

Conforme o significado da relação estabelecida, as conjunções são classificadas em:

conjunções de simples ligação ou conexivas e conjunção de subordinação ou

subjuntivas.

As conjunções conexivas são as que deixam subsistir uma

igualdade perfeita entre as proposições que elas ligam; as de

subordinação estabelecem uma subordinação de umas proposições

relativamente às outras; as primeiras, pois, coordenam; as outras

subordinam. ( id. :614)

Quadro 11. Classificação das conjunções.

Conjunções conexivas

Copulativas: estabelecem entre

proposições semelhantes uma relação

de unidade, fundada em sua

semelhança mesma.

Ex. e, nem e as locuções conjuntivas

também, outro sim , bem assim etc.

Disjuntivas: designam entre

proposições compatíveis uma ligação de

comparação ou escolha, fundada na

incompatibilidade mesma.

Ex. ou. o autor apresenta como variante

desta conjunção o uso repetido de alguns

advérbio como, já...já, quando...quando,

ora...ora etc.

Adversativas: as que ligam proposições

incompatíveis em algum ponto,

mostrando entre elas uma ideia de

oposição definida e positiva.

Ex. mas, porém e as locuções conjuntivas

todavia, contudo, ainda assim, entretanto,

no entanto, ao contrário etc.

Explicativas: as que, designando uma

relação de identidade, ligam entre si

duas orações das quais é uma

explicação das outras.

Ex. as locuções conjuntivas são ; isto é, a

saber, sobretudo, principalmente etc.

Transitivas: Indicam entre duas

proposições uma ligação de afinidade

fundada no concorrerem ambas ao

mesmo fim.

Ex. Pois ( posposto ), o advérbio ora

(quando não repetido) e as fórmulas

transitivas mais, de mais, na verdade,

além disso, etc.

Ilativas: as que designam entre as

proposições uma ligação de conclusão

ou consequente para princípios ou

premissas.

Ex. o advérbio logo, e as fórmulas

conjuntivas portanto, pelo que, por isso,

por conseguinte, em fim , por fim,

finalmente, etc.

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70

Conjunções subordinativas

Circunstanciais: ligam duas

proposições das quais uma indica uma

circunstancia da outra.

Ex: como e as fórmulas conjuntivas logo

que, tanto que, em quanto, como quer que,

até que etc.

Causativas: ligam entre si duas

proposições das quais a primeira se

acha contida na segunda, como o efeito

na causa.

Ex. como e as fórmulas conjuntivas

porque, visto que, porquanto, pois, pois

que, já que etc.

Condicionais: ligam duas proposições

pela relação de condição em que está

uma relativamente a outra.

Ex: se e senão

Subjuntivas: liga duas proposições, das

quais uma se subordina à outra.

Ex: que

ADVÉRBIO

O advérbio é a parte mais criticada da gramática, conforme lemos no parecer do

Conselho Superior de Instrução Publica:

Pensa porém a comissão que o autor deva corrigir e reconsiderar

o seguinte ponto: a definição do advérbio e a teoria que desenvolve o

autor para justifica-la não são satisfatórias, porque não combatem com

vantagem a doutrina de Destutt de Tracy. ( RIBEIRO, op. cit..:387)

Em resposta ao parecer negativo do Conselho Superior de Instrução Publica,

Carneiro Ribeiro justifica deste modo a sua doutrina:

Este modo de considerar o advérbio, e a doutrina que aqui

expomos parece não agradaram aos dois distintos membros do

conselho superior de instrução publica, encarregados de apresentar seu

parecer relativo à presente gramática; entretanto a opinião que sustentamos é a substância do que sobre o assunto tem escrito

gramáticos modernos de grande nomeada. (id. :622)

No tratamento do advérbio, o gramático se afasta da doutrina da gramática filosófica

e se aproxima das definições da gramática “científica”. O advérbio é definido como a

“palavra que modifica o adjetivo, o verbo e o mesmo advérbio” (id. :621)

Page 71: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

71

Na tradição da gramática filosófica, o advérbio era considerado como a palavra que

equivale a um nome acompanhado de uma preposição. Tal definição é criticada

duramente por Carneiro Ribeiro:

Não é logo o advérbio a redução em uma só palavra de uma

preposição com seu consequente, bem que em apoio de tal doutrina

militam as autoridades de gramáticos eminentes, como Lancelot,

Duclos, Condillac, Beauzée, de Tracy e Jeronimo Soares. (RIBEIRO,

op.cit..622)

Quadro 12 Classificação dos advérbios.

Quantidade Modo Lugar Tempo

Mais, muito, assaz,

pouco, tão, quão,

menos, apenas etc.

Bem,

honestamente,

prudentemente, não

sim, não, talvez etc.

Onde, aqui, algures,

aí, cá, lá, além,

acolá, dentro, etc.

Já, ainda, cedo,

tarde, hoje, ontem,

depois, antes, etc.

Carneiro Ribeiro aproxima a classe dos advérbios à classe dos adjetivos pelo fato de

ambos retirarem os seus acidentes das palavras que acompanham.

Visto que os adjetivos, como já deixamos dito, denotam abstrações, e

não tem estas nem sexo nem pluralidade, segue-se que são estas

espécies de palavras invariáveis por sua natureza.

E como por si mesma não tem gênero nem número as palavras que o

advérbio modifica, é sempre invariável este superadejetivo

vulgarmente denominado advérbio. (id..624)

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72

3.4 FRASEOLOGIA

Ao estudo da Fraseologia são dedicadas cinquenta e cinco páginas da gramática. No

total da obra, a lexicologia ocupa 58% e a fraseologia ocupa 19%. Portanto, assim como

em gramáticos anteriores ,a sintaxe ocupa um lugar muito menor na obra.

Carneiro Ribeiro define a fraseologia como “ a parte da gramática que ensina a

compor as orações e as frases" (p..641). Portanto, o estudo da fraseologia compreende a

sintaxe e a construção.

Seguindo o modelo da gramática filosófica, Carneiro Ribeiro estabelece uma

distinção entre sintaxe e construção:

A ordem das palavras, diz respeito à combinação e ao

arranjamento destas na oração. A sintaxe dá regras para o

emprego das terminações dos vocábulos, ensina as varias formas

que devem estes tomar para entrar na constituição das frases.

(id. :641)

TERMOS DA ORAÇÃO

Seguindo os teórico de Port-Royal , para Carneiro Ribeiro a oração considerada do

ponto de vista lógico “ não é outra coisa do que a enunciação de um juízo”(p.:642). O

juízo que toma a forma de uma proposição é composto por três elementos essenciais:

sujeito, verbo, atributo ou predicado.

Os termos essenciais da oração são definidos da seguinte maneira:

O sujeito de uma proposição é o objeto de que se afirma ou nega

alguma coisa; o predicado ou atributo é aquilo que se afirma ou nega

do sujeito.

Verbo é a palavra que, exprimindo a existência intelectual com

relação a um atributo liga este ao sujeito (id. :642)

Page 73: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

73

As orações são classificadas como simples “ conforme é o seu sujeito só ou só o seu

atributo”, compostas “ quando o sujeito não exprime uma unidade de ideia” e o atributo

“exprime mais de uma maneira de seu sujeito”, complexa “ quando o sujeito é

modificado por algum acessório” e quando o atributo tem alguma acessório que o

modifique”, incomplexa “quando nenhum termo acessório modifica o sujeito e o

atributo” (RIBEIRO, op. cit. :642).

Além dos termos essenciais da oração há os elementos gramaticais da oração: o

aposto , os complementos e o compelativo. Complemento é “ toda palavra que se ajunta

à outra para lhe completar o sentido”(id..:644). O complemento é direto ou imediato

quando “ pedido imediatamente pela significação do verbo, completando-lhe o sentido

sem a interposição de preposição”(id. ibid), indireto ou mediato é o complemento que

apresenta a “interposição de uma preposição [ para completar] o sentido do verbo ou

qualquer palavra suscetível de complemento” (id. ibid.). O aposto “é qualquer palavra

que vindo imediatamente após outra exprime com esta uma só e mesma coisa”

(id.:644). Por fim, compelativo é “ a palavra que serve para exprimir a pessoa ou coisa a

que nos dirigimos falando”(id. :643).

CLASSIFICAÇÃO DAS PROPOSIÇÕES

As proposições são divididas em absolutas e relativas. A proposição é absoluta

“quando para integridade de seu sentido não necessita de outra” e relativa quando

supõe outra para lhe completar o sentido”(id:645) . Por sua vez a proposição relativa

pode ser principal ou primordial e subordinada ou secundária.

As orações subordinadas ou secundárias podem ser de primeira ou segunda ordem.

As orações de primeira ordem “indicam um sentido parcial, que não sendo

complemento de alguns dos termos de outra oração depende, todavia, de uma principal

que lhe determine e subordine”(id.:647) As orações de segunda ordem podem ser

incidentes ou integrantes. As incidentes são “as que fazem parte de outra ampliando ou

Page 74: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

74

restringindo alguns de seus termos” (id. ibid.). Quando a oração incidente amplia algum

termo da oração principal é chamada ampliativa ou explicativa.

Assim temos o seguinte exemplo:

Assim na frase Deus, que é omnipotente, é infinitamente bom e

justo, a oração é ampliativa, porque desenvolve o sentido do sujeito da

principal sem lhe restringir a extensão (RIBEIRO, op. cit..647)

Restritiva ou determinativa é a oração incidente que restringe algum termo da oração

principal. É o que ilustra o autor no seguinte exemplo:

Quando , ao contrário, dizemos o homem que é justo respeita os

direitos de seus semelhantes, é restritiva a oração que é justo porque

determina a extensão do sujeito homem fazendo aplicar-se a uma

classe menor de indivíduos. (id.:647)

As orações integrantes são classificadas em puras ou simples e comparativas ou

correlativas. Integrantes simples “são as que fazem parte de outra oração, servindo-lhe

de sujeito, atributo ou complemento” e integrantes comparativas ou correlativas são

“as que inteiram o sentido de outra oração ou palavra de outra oração”(id. :648)

No que concerne à nomenclatura das orações, percebemos que Carneiro Ribeiro

segue de perto a tradição da gramática geral e filosófica e, portanto, não se diferenciava

da maioria dos compêndios da época.

SINTAXE DE REGÊNCIA E CONCORDÂNCIA

As relações de identidade e determinação aplicadas à sintaxe constituem o

fundamento da sintaxe de concordância e regência. Assim temos duas sintaxes: “uma

regula as relações de identidade; é a sintaxe de concordância; outra as relações de

determinação; é a sintaxe de regência”(RIBEIRO, op. cit..:652).

Page 75: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

75

Os sinais de concordância são de três espécies:

1ª As terminações genéricas e numerais dos adjetivos, as pessoas e os números dos

verbos.

2ª O emprego das conjunções

3ª A colocação e a posição das palavras

Quanto à regência, Carneiro Ribeiro a define deste modo:

Regência outra coisa não é que a dependência das várias partes da

proposição cujo sentido é determinado por uma delas por meio de

adjetivos, advérbios, verbos ou preposições (RIBEIRO, op. cit..:667)

Na sintaxe de regência distinguem-se partes regentes e partes regidas. As partes

regentes são “as preposições, os adjetivos, que pedem complementos” e as regidas

“podem ser todas as que entram na composição da oração”(id. 667.).

FIGURAS

A gramática dedica nove páginas ao estudo das figuras. As figuras não são definidas

como desvios ou corrupções, como aparece em alguns compêndios da época, mas sim

como parte integrante do sistema linguístico.

Carneiro Ribeiro (p. 674-675), define deste modo as figuras de sintaxe:

As figuras não são desvios excepcionais, simples caprichos ou

vícios de construção, corruptelas mais ou menos consideráveis,

introduzidas na linguagem usual pelo falar descurado do vulgo; ao

contrário são elas formas necessárias a que recorre o espírito na

enunciação de conceitos e juízos; ligam-se tanto, associam-se tão

intimamente e profundamente com o pensamento, com ele se

identificam de tal modo, que constituem uma necessidade real, e

fundamental do mesmo pensamento, quando vasado no molde que

oferecem as línguas.

Page 76: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

76

As principais figuras de sintaxe são as seguintes:

Quadro 13. Classificação das Figuras de Linguagem.

Elipse Figura que para dar mais rapidez à

expressão suprime palavras que a

construção gramatical exige, as quais

facilmente se subentendem.

Zeugma Figura pela qual uma palavra já foi

exprimida em uma oração se subentende

na outra que lhe é análoga ou ligada

Pleonasmo Figura pela qual se empregam palavras

que, bem que não sejam necessárias para a

perfeita expressão do pensamento, lhe dão

todavia mais graça, força e energia

Silepse Figura pela qual uma palavra não

concorda com a palavra a que se refere

gramaticalmente, mas com a ideia que se

tem no espírito.

Inversão Construção que se afasta da ordem da

sucessão analítica do pensamento, sem

quebrar a ligação imediata das palavras

Hipérbato Construção que se afasta da ordem da

sucessão analítica do pensamento,

quebrando a ligação imediata que tem as

palavras umas com as outras.

Enálage Figura pela qual se emprega uma palavra

exercendo função gramatical diversa da

que naturalmente exerce.

Repetição Figura pela qual se repetem as mesmas

palavras ou locuções.

Assíndeto Figura pela qual se tiram da oração todas

as conjunções

Polissíndeto Figura pela qual se empregam muitas

conjunções na mesma frase ou a mesma

muitas vezes

Por fim, concluímos que obra de Carneiro Ribeiro é o resultado do trabalho de um

professor e de um pesquisador experiente. A longa lista de gramáticos citados

demonstra não só o conhecimento da longa tradição da gramática geral e filosófica, mas

também indica que o autor estava atento ao que vinha sendo discutido na época. A

gramática apresenta como maior influência a tradição racionalista francesa. É frequente

na obra referencias a autores como Du Marsai, Beauzée e Condilac.

Page 77: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

77

O Corpus de registro linguístico presente na gramática, composto em sua maioria por

autores dos séculos XVI e XVII reflete o caráter conservador e purista da obra. Do

mesmo modo que as gramáticas do inicio do século, os modelos de correção e boa

linguagem são autores como Luiz Vaz de Camões e Pe. Antônio Vieira.

Por fim, podemos observar que a Grammatica Portugueza Philosophica reflete a

preocupação de um autor em modernizar a gramática Brasileira. Por exemplo, na

definição de gramática como “Ciência-Arte” ou no processo e de descrição do sistema

verbal e na definição de advérbio o autor parece dialogar com as inovações das novas

correntes de estudo da linguagem.

Page 78: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

78

4

Nova Grammatica Analytica da Língua Portugueza

Charles Adrien Olivier Grivet

Neste capítulo , deter-nos-emos na análise da Nova Grammatica Analytica da Lingua

Portugueza. Na análise procuramos observar em que media o processo de descrição

gramatical presente na obra reflete um período de transição em que as orientações da

gramática geral e filosófica começa a dividir espaço, nos nossos compêndios

gramaticais, com as inovações da gramática “científica”.

.

4.1 O Autor

Charles Adrien Olivier Grivet nasceu no ano de 1816 em Villars-lê-Terroir, cantão

de Vaud, na Suíça. Desde 1827 até 1836, em Friburgo, estudou língua francesa, latina e

grega, história, geografia, retórica, filosofia, matemática, física, química e, finalmente o

direito. No ano de 1837 aceita o convite para lecionar na Rússia, retornando à Suíça em

1843, para ocupar uma cadeira de professor na escola de medicina de Friburgo.

Em 1856, por conta da elevação ao poder de um partido político contrário ao seu,

emigra para o Brasil com a intenção, posteriormente frustrada, de abrir uma escola para

meninos. Lecionou em vários colégios, alguns por ele fundado, como em Vassouras.

Teve no Brasil uma vida marcada por dificuldades financeiras e tragédias familiares,

mas firmou solida reputação.

Em 1865 publicou a Pequena Grammatica da língua Portugueza, refeita e finalizada

em 1874 e publicada posteriormente em 1881 com o titulo de Nova Grammatica

Analytica da língua Portugueza. Charles Adrien Grivet faleceu em 14 de janeiro de

1876.

Page 79: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

79

4.2 A OBRA

A Nova Grammatica analytica da Língua Portugueza foi finalizada em 1874, mas

somente publicada postumamente no ano de 1881, momento em que as gramáticas

gerais e filosóficas perdiam espaço, no Brasil, para as inovações dos estudos histórico-

comparativos.

Após a nota biográfica, em que se afirma a publicação póstuma da obra, aparece um

relatório sobre a gramática com a data de 1876, assinado pelo conselheiro Dr. Francisco

Octaviano de Almeida Rosa e pelo Comendador J.B. Calógeras . O relatório começa

expondo não só as qualidades da obra, mas a sua diferença em relação às publicadas

anteriormente.

Esta obra, pela robusteza da logica e pela vasta erudição que a rege

desde o princípio até o fim, destaca-se completamente de todas as

outras de igual natureza até hoje conhecidas. Classificadas as matérias

segundo as mais vigorosas exigências da linguagem, cada parte é

tratada com magistral proficiência. As regras, amplamente expostas

são sempre acompanhadas de valiosíssimas reflexões sobre a sua

aplicação, sendo estas corroboradas , a cada passo, pelo exemplo e

pela autoridade dos escritores clássicos de melhor nota; e assim

firmadas, tanto as regras como a sua genuína aplicação, põem

naturalmente em relevo as incorreções que o uso tem pouco a pouco

introduzido na prática. ( GRIVET, 1881:. XIX )

Na sequência, o relatório traz uma breve descrição do conteúdo discutido nas cinco

partes da gramática46

. Na conclusão, os autores reafirmam a superioridade da obra em

relação às publicadas anteriormente e expressam o desejo de vê-la utilizada nos

estabelecimentos particulares e públicos de ensino secundário.

46

Os autores justificam nos seguintes termos a presença do resumo da gramática presente no relatório:

“ Para formar um juízo seguro a cerca desta obra, seria preciso lê-la toda, não havendo nela palavra

alguma supérflua. Mas, sendo isto incompatível com muitas e importantes incumbências a cargo de V.

Ex.ª, apresentamos alguns extratos a fim de proporcionar-lhe, pelo menos, uma ideia geral do

merecimento do trabalho do Sr. Grivet”. (p. xix )

Page 80: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

80

Imagem 3. Capa 1ª edição da Nova Grammatica Analytica da Língua Portugueza

Page 81: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

81

4.2.1 Visão geral da obra

A gramática possui uma forte orientação pedagógica. Conforme Fávero & Molina

(2006: 111), “É uma gramática destinada aos professores” O trecho abaixo demonstra o

desejo do gramático de a obra fosse utilizada nas instituições de ensino.

Oferecendo à consideração dos mestres esta nova gramática,

comprazo-me na esperança de que lhe achem os requisitos que

faltavam à que publiquei em 1865, para que fosse um bom livro

escolar, e nela encontrem mormente, além de um tratado completo

sobre a matéria, o método mais apropriado para a introdução nas

aulas, do estudo sistemático dos clássicos, sem o qual, por mais que se

faça, a resignação da linguagem não passará de uma quimera .

(GRIVET, 1881.: XV)

A leitura atenta da obra e o exame dos autores citados como exemplo de boa

linguagem, permitem-nos observar o caráter purista da gramática. O gramático

justifica desse modo o seu apego a tradição dos autores clássicos da língua portuguesa:

(...) pareceu-me que o meio, senão único, ao menos mais adequado

para reagir com eficácia contra a decadência crescente da linguagem,

era o de por em frequente confronto as loquelas espúrias do tempo

presente com as lições do beneméritos das letras, que acomodando

genialmente a arte das palavras aos ditames do bom senso, isto é, da

lógica bruxilaram o padrão perene das feições características da língua

portuguesa. ( Id. Ibid.)

O corpus de registro linguístico da Nova Grammatica Analytica da Língua

Portugueza gira em torno de cinquenta autores. Na sua grande maioria autores

portugueses dos séculos XVI e XVII, por exemplo, Pe. Antônio Vieira, Pe. Manoel

Bernardes, João de Barros, Duarte Nunes Leão, Raphael Bluteau, Fernão Mendes Pinto

entre outros. Como podemos perceber pelo levantamento dos autores citados, a

gramática não apresenta nenhum autor brasileiro. “Na época das polêmicas serem

travadas sobre a língua nacional, este gramático não nos brinda com nenhum exemplo

de autor brasileiro.” (FÁVER & MOLINA op. cit. : 113)

O gráfico a seguir ilustra a distribuição dos autores citados na obra.

Page 82: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

82

Gráfico5 .Distribuição dos autores citados por Grivet.

Conforme demonstra o gráfico 6 a seguir, o número de autores citados na obra

poderia ser reduzido à apenas dois nomes: Pe. Antônio Vieira e Pe. Manoel Bernardes.

0

5

10

15

20

25

XIVXV

XVIXVII

XVIIIXIX

XIV

XV

XVI

XVII

XVIII

XIX

Page 83: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

83

Gráfico 6. Proporção dos autores mais citados na nova Grammatica Analytica da

Língua Portugueza

As 1495 citações presentes nas duas partes analisadas, isto é, Lexicologia e Sintaxe, são

distribuídas da seguinte maneira; 925 são atribuídas ao Pe. Antônio Vieira, 203 ao Pe.

Manoel Bernardes e as 367 citações restantes são distribuídas entre os outros autores.

4.2.2 Divisão da obra e definição de gramática

A. Grivet divide sua gramática em cinco partes, não adotando, portanto, a

tradicional divisão em quatro partes47

.

O quadro 14 a seguir procura ilustrar as diferentes propostas de divisões de

gramáticas gerais e filosóficas publicadas no Brasil:

47

Conforme Fávero (1996:94) “ A divisão da gramática em quatro partes vem desde o período medieval (

talvez desde Prisciano que foi o primeiro a reconhecer a existência de uma sintaxe que é o estudo “da

disposição que visa à obtenção da oração perfeita”), com Alexandre de Villedieu (Doctrinale

puerorum,1200 ): ortografia, etymologia, dyasintástica (= sintaxe ) e prosódia, divisão essa que

permaneceu até o século XVI ou até mais porque ainda se encontra, em fins do século XVIII, por

exemplo, em Soares Barbosa.

62% 14%

24%

Pe. Antônio Vieira

Pe. Manoel Bernardes

outros

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84

Quadro14. Divisão interna das gramáticas filosóficas.

Divisão interna das gramáticas gerais e filosóficas

Moraes Silva

( 1806 )

Frei Caneca

( 1817 )

Coruja

( 1835 )

S. dos Reis

( 1866 )

A. Freire

(1875)

A. Grivet

(1881)

Livro I Etimologia Etimologia Etimologia Lexicologia Lexicologia

Livro II Ortografia Ortografia Ortografia Sintaxe Sintaxe

Prosódia Prosódia Sintaxe Semiologia Ortografia

Sintaxe Sintaxe Prosódia Prosódia

Pontuação

Como demonstra o quadro anterior, a etimologia é uma parte integrante das

gramáticas gerais e filosóficas, porém, Grivet não a concebe como parte integrante da

sua gramática.

Etimologia é a declaração da procedência ou da constituição complexa

de uma palavra. (...) Sendo assim um processo de indagação

essencialmente aplicável a cada palavra em particular, a etimologia

não é do domínio da Gramática, ciência de generalização: pertence

exclusivamente à Lexicografia, que é a arte de compor os dicionários.

(GRIVET, op. cit.: 110)

Cavaliere (2000: 243) descreve o processo pelo qual a etimologia perde espaço com

o advento da gramática científica:

“A etimologia, por seu turno, que no modelo da gramática filosófica

dos séculos XVIII e XIX, incumbia-se da significação e classificação

das palavras, e nos primeiros anos da gramática científica passara a

constituir subdivisão da morfologia para tratar da origem e da

formação dos vocábulos, aos poucos se vai afastando dos grandes

troncos da sinopse gramatical, até constituir apêndice e, mais tarde ,

restringir-se aos manuais de gramática histórica”.

Grivet define as partes da gramática da seguinte maneira: 1) Lexicologia é a parte

da gramática que ensina a natureza e as formas da palavra. 2) Sintaxe é a parte que

assinala as relações que entre elas ocorrem na enunciação do pensamento. 3) Ortografia

é parte que determina o modo mais acertado de escrever as palavras. 4) Prosódia é a

Page 85: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

85

parte que trata de sua pronunciação métrica. 5) Pontuação é a parte da gramática que

regula a separação dos pensamentos escritos por meio de sinais marcando as pausas

naturais da elocução.

As cinco partes da Nova Grammatica Analytica da Língua Portugueza seguem a

seguinte proporção:

Gráfico 7. Divisão interna da nova grammatica Analytica da Língua portugueza.

A. Grivet , como a maioria dos autores deste período, define a gramática como

Arte, seguindo a conceituação do modelo greco-latino.

Ars é a tradução do grego. Aristóteles, na Metafísica atribui ao termo

o sentido de ofício, habilidade para fazer algo; artesão é o que possui

essa habilidade e conhece as coisas pelos efeitos, não causas. Dionísio

chamou sua obra de arte gramatical, por não ser ela especulativa, mas

prática. (Fávero, 2001:61)

O conceito de Arte aparece no título de muitas gramáticas, por exemplo, na Arte de

Gramática mais usada na costa do Brasil (1554), Pe. José de Anchieta; Arte da língua

35%

45%

4% 1% 15%

Lexicologia

Sintaxe

Ortografia

Prosódia

Pontuação

Page 86: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

86

brasílica (1621), Pe. Luís Figueira; Arte de Gramática Abreviada (1710), Manuel

Carlos de Almeida; Arte de Gramática da Língua Portuguesa (1770), Antônio José dos

Reis lobato. (Fávero, 2001:62). O mesmo conceito de Arte se expande e passa a fazer

parte da própria definição de gramática: “Gramática é a arte que ensina a falar, ler e

escrever corretamente a língua portuguesa” ( Frei Caneca); Gramática (...) é a arte que

ensina a declarar bem os nossos pensamentos por meio de palavras” (Coruja);

“Gramática(...) é a arte de falar e escrever corretamente a língua portuguesa”, (Sotero

dos Reis).

Seguindo a tradição da Gramática Geral e Filosófica, Grivet define a gramática desta

maneira:

“ Gramática é a arte de falar e escrever corretamente(... ) Fala e

escreve corretamente quem se conforma com as regras sancionadas

pelos ditames da boa razão, e segundo os usos respeitáveis pelo

assenso que granjearam dos doutos” (GRIVET, 1881 : 1) .

Nessa definição de gramática já aparece a noção de correção, relacionada ao uso de

uma determinada classe social, os “doutos”. “Essa valorização da norma culta como

fator de prestígio, pela imitação dos “clássicos”, dos “beneméritos das letras” é a mesma

que se encontra em quase todos os gramáticos anteriores como Moraes Silva e Soares

Barbosa” (Fávero & Molina, 2006.:113).

4.3 LEXICOLOGIA

A. Grivet define a lexicologia como “ a parte da gramática que ensina a natureza e

as formas das palavras”( p.1). Considerando a natureza das palavras, o autor reconhece

dez espécies de palavras:

Page 87: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

87

Quadro 15. Espécies de palavras

Espécies de Palavras48

Verbo Palavra que enuncia um fato.

Substantivo Palavra que designa entes ou abstrações.

Artigo Palavra que, antepondo-se essencialmente

aos substantivos, e acidentalmente a

pronomes ou mesmo a verbos no infinitivo

confere-lhes um sentido preciso.

Adjetivo Palavra que se acrescenta medita ou

imediatamente aos substantivos ou

pronomes ou mesmo a verbos no infinitivo

para os qualificar ou determinar.

Pronome Palavra que, dispensando a frequente

reprodução dos substantivos, supre-os em

todas as suas funções.

Particípio Palavra que, procedendo do verbo,

coadjuva-o na conjugação, ou porta-se

como mero adjetivo junto a substantivos

ou pronomes.

Preposição Palavra que se antepõe essencialmente a

substantivos, pronomes ou verbos no

infinitivo, e acidentalmente a advérbios

para marcar uma relação.

Advérbio Palavra que se ajunta a um verbo,

particípio, adjetivo, ou até outro advérbio,

para modificar-lhes o alcance de

significação.

Conjunção Palavra que liga partes de uma oração, ou

orações completas, para denunciá-las

como conexas ou opostas.

Interjeição Palavras que implicitamente abrange todos

os elementos de uma proposição ou

pensamento.

Para distinguir as diferentes espécies de palavras, o gramático recorre a critérios

sintático-semânticos e ao da declinabilidade ou variação49

. O critério de declinabilidade

48

O uso da terminologia “espécies de palavras” indica a influência da corrente “científica” dos estudos da

linguagem..

Page 88: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

88

utilizado por gramáticos como, Soares Barbosa e Moraes Silva dentre outros, para

distinguir as diferentes classes de palavra surge conforme, Fávero (1996), com os

Enciclopedistas, sobretudo, com Beauzée :

Le fondement de cette distinction est ‘perspectiviste’: les mots

déclinables désignent des êtres (réels ou abstraits) qui sont

susceptibles d’être envisagés sous différents aspects, alors que

les mots indéclinables ne désignent que idées qu’on ne peut

envisager que que sous um aspect immuable50

. ( Mot. E. M.

apud FÁVERO,1996: 215 )

Seguindo o critério da declinabilidade, as dez espécies de palavras são divididas da

seguinte maneira:

Quadro 16. Classificação das palavras variáveis e invariáveis

Palavras variáveis e invariáveis

Variáveis são as palavras que, sem

saírem de sua espécie, passam por uma

ou mais alterações de letras e

pronúncia.

Verbo

Substantivo

Artigo

Adjetivo

Pronome

Particípio

Invariáveis são as palavras que, a não

saírem de sua espécie, não podem

passar por nenhuma alteração de letras

nem de pronúncia.

Preposição

Advérbio

Conjunção

Interjeição

Na obra, a parte dedicada à lexicologia apresenta duzentas e onze páginas. E só o

estudo do verbo representa quase a metade dessas páginas, fato que demonstra a

importância que o gramático atribuía a essa classe de palavras.

49

Este critério se baseia na constatação de que as palavras possuem características morfológicas de

gênero, número, pessoa, tempo e modo. 50

Tradução nossa: O fundamento desta distinção é ‘perspectivista’: as palavras declináveis designam

seres (reais ou abstratos) que são suscetíveis de serem considerados sob diferentes aspectos, enquanto que

as palavras indeclináveis designam ideias que apenas podemos considerar sob um aspecto imutável.

Page 89: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

89

Gráfico 8. Proporção da matéria tratada na lexicologia

VERBO

Diferentemente das gramáticas filosóficas e gerais do século XIX, a gramática inicia

o estudo das espécies de palavras pelo verbo, concebendo-o como a palavra por

excelência . “Não é possível emitir um pensamento sem que nele ocorra expressa ou

tacitamente, ao menos um verbo”. (GRIVET,1881: 8)

Grivet distingue nos verbos feições e formas, fato, segundo o autor, geralmente

ignorado ou confundido pela maioria dos gramáticos. “Tendo geralmente os gramáticos

confundido as feições e as formas do verbo não será fora de proposito extremar o

sentido que cada um dos termos compete”. (Id:.7) Segundo o gramático, a forma do

verbo é a sua manifestação pela fala ou pela escrita. “ Assim é que trabalho é uma só e

única forma do verbo trabalhar; não é, porém, sua feição. Já a feição são os conceitos

que se manifestam de uma mesma forma verbal. “Assim é que trabalho depara-se com

uma feição de modo, que é o indicativo, uma feição de tempo, que é o presente, com

uma feição de número, que é o singular; enfim com uma feição de pessoa, que é a

48%

4%

2%

16%

10%

3% 4%

5% 7%

1% Verbo

substantivo

Artigo

Adjetivo

Pronome

Particípio

Preposição

Advérbio

Conjunção

Interjeição

Page 90: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

90

primeira” (Id. Ibid.) Desse modo, uma única forma verbal pode apresentar quatro

feições diferentes.

No que concerne às conjugações, o gramático reconhece três : “ Da circunstância de

todos os verbos com exceção de pôr e seus congêneres acabarem em Ar, Er, Ir originou-

se a sua distribuição em três conjugações” (GRIVET, 1881:.25 ). O verbo pôr é

colocado em uma categoria à parte “porque considerando que, além de se desenvolver

em modificações pouco harmônicas, só serve de norma a verbos que dele procedem”

(id:78). Cabe destacar que muitos gramáticos posteriores mantiveram a ideia de incluir

uma quarta conjugação formada pelo verbo pôr e seus compostos.51

A noção de tempo gramatical é vinculada à noção de tempo cronológico: “Por

associações de ideias, todo e qualquer conjunto de formas verbais recordando uma

mesma época de duração veio a ser chamado em Gramática tempo do verbo”(p.9).

Quadro 17. quadro sinóptica dos modos e tempos verbais

Indicativo

1º Tempo52

Presente ( amo )

2º Tempo Passado imperfeito ( amava )

3º Tempo Passado perfeito ( amei )

4º Tempo Passado perfeito composto ( tenho amado)

5º Tempo Passado mais que perfeito ( amára )

6º Tempo Passado mais que perfeito composto

(tinha amado)

7º Tempo Futuro (amarei)

8º Tempo Futuro composto ( terei amado)

51

Conforme sublinha Cavaliere ( op.cit. 284) “ A usual subdivisão dos verbos portugueses em quatro

conjugações gozava de ampla aceitação, visto considerar-se o verbo pôr e seus derivados (à época,

compostos ) como integrantes de um paradigma próprio. Tal procedimento fundava-se no princípio de que

o infinitivo constituía base de classificação do verbo quanto à conjugação.” 52

A partir deste momento, o autor passa a identificar os tempos verbais pelo número de cada modo: “

Em vez de passado mais que perfeito composto do indicativo, diga-se, portanto, simplesmente : Sexto

tempo do indicativo, e assim dos demais.” (p.12)

Page 91: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

91

Condicional

1º Tempo Presente-Passado-Futuro próprio ( amaria)

2º Tempo Passado próprio ( teria amado )

3º Tempo Presente-Passado-Futuro suplementar

(amára )

4º Tempo Passado suplementar (tivera amado )

Imperativo

Tempo Único Futuro ama (tu)

Subjuntivo

1º Tempo Presente-Futuro ( ame )

2º Tempo Presente-Passado-Futuro próprio ( amasse)

3º Tempo Presente-Passado-Futuro suplementar

(amára)

4º Tempo Pretérito perfeito ( tenha amado )

5º Tempo Passado mais que perfeito próprio

(tivesse amado)

6º Tempo Passado mais que perfeito suplementar

(tivera amado )

7º Tempo Futuro (amar )

8º Tempo Futuro composto ( tiver amado )

Infinitivo

1º Tempo Presente-Passado-Futuro impessoal

(amar)

2º Tempo Presente-Passado-Futuro pessoal (amar )

3º Tempo Passado impessoal ( ter amado )

4º Tempo Passado pessoal ( ter amado )

5º Tempo Gerúndio simples ( amando )

6º Tempo Gerúndio composto ( tendo amado )

Page 92: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

92

Embora a lexicologia trate da natureza e forma das palavras e a sintaxe das relações

estabelecidas entre elas, Grivet não segue rigorosamente essa divisão. Na sequência do

estudo do verbo, o gramático tece alguns comentários sobre as noções de sujeito,

predicado e complemento53

.

Dependendo da significação do verbo, o sujeito pode apresentar-se com autor (ele

julga) ou como objeto (ele é julgado). Podem exercer a função de complemento direto,

que não exige preposição, “substantivos, pronomes ou verbos nos quatro primeiros

tempos do infinitivo”(GRIVET, 1881:16) . Os complementos indiretos, que exigem

preposição, “ substantivos, pronomes , verbos em seja qual for o tempo do infinitivo, e

enfim de advérbios e locuções adverbiais” (id. ibid.) . Não seguindo a tradicional

nomenclatura, Grivet fala em predicado não em atributo, termo que, a partir de Port-

Royal, aparece em muitas gramáticas gerais e filosóficas. “Predicado, a que a maior

parte dos gramáticos chamam atributo, é a palavra ou conjunto de palavras que enuncia

uma qualidade, propriedade ou situação do sujeito mediante um verbo de estado”

(id:.17).

Seguindo o estudo do verbo, o autor afirma que “ a distinção dos tempos primitivos

e derivados é um mero artifício de método para sistematizar formas anormais, porém

artifício útil (...)” (id.:56). Finalizando o estudo minucioso do verbo, Grivet sublinha a

dificuldade de classificar os verbos:

Dentre as dificuldades que se podem originar da aplicação das tabelas

conjugativas e aos exercícios analíticos, nenhuma se ostenta mais

saliente de que a determinação dos tempos em que o acaso fez

perfeitamente idênticos de formas, embora, por pertencerem a modos

diferentes, tenham assim necessariamente um alcance diverso de

sentido. (GRIVET, 1881: 58)

Para resolver esse problema, propõe seguir os princípios do método experimental,

isto é, os princípios da gramática histórico-comparartiva.

53

As noções de sujeito, predicado e complemento são tratadas com mais vagar na sintaxe.

Page 93: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

93

Não é sem estranheza que se nota como o principio da substituição,

um dos mais valiosos promotores hodiernos do progresso nas ciências

físicas, adapta-se com o mesmo acerto e proficiência aos estudos

filológicos , verificando-se assim novamente a superioridade do

Método experimental sobre o Dogmático. (GRIVET, 1881:60 )

SUBSTANTIVOS

Em relação ao estudo do substantivo, a gramática mantém a distinção entre

substantivos e adjetivos que surge na tradição escolástica. “ os gramáticos gregos e

latinos não consideram [substantivos e adjetivos] uma classe à parte, mas uma

subdivisão do nome; a distinção substantivo-adjetivo é devida à escolástica.

(Fávero,1996:195).

No modelo classificatório dos substantivos, percebemos a presença de critérios

semânticos e morfológicos . Na distinção entre os substantivos próprios e comuns o

autor se vale do critério semântico, seguindo o modelo da Grammaire de Port-Royal.

“Tal como na Grammaire de Port-Royal, os substantivos podem ser divididos quanto à

‘carga extensional’ do conceito de que são o signo, em próprios e comuns ou

apelativos” (Fávero, 1996:217). Conforme Grivet,

Os substantivos são próprios ou comuns quando designam um ente

segregadamente dos da mesma espécie. São comuns quando designam

um ente promiscuamente com os da mesma espécie (...). (GRIVET,

op. cit. : 107)

Na discussão do gênero dos substantivos, Grivet parece apoiar-se na corrente

naturalista:

Nos substantivos de entes animados cuja distinção sexual

importava à propriedade da linguagem, o gênero ficou determinado

pelo sentido, vindo assim a ser masculinos os nomes de machos e

femininos de fêmeas (...) Desaparecendo, porém, a oportunidade da

distinção sexual, caso que se dá com a maior parte dos animais, um

único substantivo, já masculino, já feminino, abrangeu o macho e a

fêmea de cada espécie ( id. 109)

Page 94: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

94

Na distinção entre substantivos simples e compostos é o critério morfológico que

prevalece : “Considerados na sua forma, os substantivos, quer próprios , quer comuns,

são simples ou compostos”. São simples os substantivos “ quando constam de uma só

palavra” e compostos quando “constam de mais de uma palavra” (id.: 108)

ARTIGO

Historicamente, o artigo não existia em latim como classe gramatical autônoma . O

nosso artigo provém do demonstrativo latino Ille, Illa, Illud (Coutinho Gram. Hist,

1974:251). O fato de diacronicamente originar-se de uma outra classe gramatical fez

com que o artigo oscilasse entre uma classe gramatical própria e participante da classe

dos adjetivos ou dos pronomes. Cavaliere sintetiza desse modo o estatuto do artigo no

final do século XIX:

A figura do artigo, entrementes, sofria uma avaliação conceitual

deveras diversificada no primeiro momento da gramática científica,

ainda no século XIX, de tal sorte que não só era incomum inseri-lo nas

searas de outras classes , mormente na do adjetivo e do pronome,

como também não era incomum distribuí-lo, segundo a espécie

(definidos e indefinidos) em classes diferentes. ( CAVALIERE,

2000.:258)

O artigo pertence à classe das palavras variáveis e tem a função de “antepor-se

essencialmente aos substantivos, e acidentalmente a pronomes ou mesmo a verbos no

infinitivo, tornar-lhe o sentido mais preciso”(GRIVET, op. cit.:115). Além disso, o

artigo tem a função de “determinar, por suas formas características, o gênero e o

número das palavras a que se prendem pela concordância” (Id. Ibid.).

Conforme Cavaliere, não era comum nos gramáticos do século XIX reconhecer a

função “determinante” dos artigos:

Não se confere ao artigo, nos estudos taxionômicos da gramática

científica, a função categórica que hoje lhe reconhecemos, para

determinar o gênero e o número do nome, senão por brevíssima

referência de João Ribeiro na Grammatica portuguesa: Praticamente

Page 95: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

95

assinalam o gênero e o numero dos nomes” (CAVALIERE, 2000:

259).

ADJETIVO

Na gramática, o adjetivo, excetuando o verbo, é a classe de palavras que recebe a

maior atenção. Os gramáticos do período conceituavam o adjetivo como uma palavra

qualificadora ou determinadora do substantivo. Porém, para Grivet, os adjetivos se

ligam não apenas aos substantivos. O adjetivo é “uma palavra variável que se acrescenta

mediata ou imediatamente aos substantivos, aos pronomes, e até aos verbos no

infinitivo, para qualificar ou determinar” (GRIVET, op. cit..119).

Os adjetivos determinativos “denunciam uma ideia de numeração de situação, de

pertença, ou de quantidade indecisa” (id.ibid.). Os adjetivos qualificativos “despertam

absoluta ou relativamente uma ideia de agrado ou de desagrado, conforme enunciam

uma qualidade ou um defeito, quer moral, quer físico” (id. ibid.). Grivet classifica deste

modo os adjetivos determinativos e qualificativos:

Quadro 18. Classificação dos adjetivos determinativos

Adjetivo

Determinativo

Numeral

Possessivo

Demonstrativo

Indefinido

Page 96: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

96

Quadro 19. Classificação dos Adjetivos qualificativos

No que concerne ao estudo dos adjetivos, o gramático não apresenta novidades no

processo de descrição dessa classe gramatical.

PRONOME

No que concerne à conceituação do pronome, Grivet destaca a sua função textual.

Fato que, conforme Fávero & Molina, (op. cit 116) , “ só seria discutido muitos anos

depois com o advento dos estudos do texto”. O pronome é definido desse modo pelo

gramático:

Pronome é uma palavra variável que, substituindo-se aos substantivos,

e até a pronomes de espécie diversa, faz todas as funções próprias do

substantivo, com a dupla vantagem de aclarar a dicção pela

simplificação das formas, e de suavisá-la pela eliminação de

repetições fastidiosas. (GRIVET, 1881: 151)

Adjetivo

Qualificativo

Positivo

Comparativo

Superlativo

Page 97: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

97

Quanto à classificação dos pronomes, distingue os pronomes possessivos “que como

sujeitos, constituem as três pessoas da dicção, quer no singular quer no plural, e que

como complemento ou predicado, a estão concordando” (id :153). Os outros pronomes

são os mesmos arrolados na classe dos adjetivos quando não acompanhando nenhuma

outra palavra. São pronomes demonstrativos “ não só os mesmos adjetivos

demonstrativos quando desligados de todo e qualquer substantivo ou outro pronome,

senão também mais alguns vocábulos que com eles se aparentam pelo sentido” (id.159).

São pronomes possessivos “os mesmos adjetivos possessivos quando de todo e qualquer

substantivo ou pronome, exercem de per si mesmo as funções de sujeito ou de

complemento (...)” (id.:163). Pronomes indefinitos são os mesmo adjetivos desligados

de qualquer substantivo ou pronome”(Id.:167). E, por fim, os pronomes relativos que

são caracterizados “por uma imprescindível referencia a um antecedente expresso ou

apenas subentendido (...)” ( id:165 ).

PARTICIPIO

A gramática dedica seis páginas ao estudo do particípio. Os particípios, dependendo

da função exercida na frase, podem ser inseridos na classe das palavras variáveis ou

invariáveis. “ Particípio é uma palavra, já variável, já invariável, que, procedendo do

verbo, a ele reverte muitas vezes para a formação dos tempos compostos, ou porta-se

em tudo como um mero adjetivo qualificativo” (GRIVET, 1881 173).

Page 98: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

98

PREPOSIÇÃO

Ao estudo da preposição, a gramática dedica apenas oito páginas. A preposição é

definida como “ uma palavra invariável que se interpõe entre outras de espécie diversa

para marcar uma relação” (GRIVET, 1881178)

Conforme Grivet ,

Perscrutada no seu sentido etimológico ( palavra anteposta) , a

preposição designa fielmente a sua propriedade mais característica,

que é a de não apresentar de per si mesma uma ideia apreciável, e sim

tão somente com a adjunção de uma palavra posterior, à qual se dá o

apelido de regime, e com a qual ela constitui um complemento

indireto. (Id. 179)

As preposições são classificadas em constantes e acidentais: “são constantes os

vocábulos, que a não formarem uma locução com outra palavra invariável, em caso

algum prescinde de um regime (...); são preposições acidentais os vocábulos que,

deixando de atuar em regime, revertem para uma espécie de palavra outra que a

preposição” (id.180 )

Quadro 20. Relação das preposições constantes e acidentais.

Preposições constantes

A Dentre Para

Afora Des Per

Ante Desde Perante

Após Durante Por

Com Em Sem

Contra Entre Sob

De

Mediante Sobre

Page 99: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

99

ADVÉRBIO

Grivet define o advérbio como “palavra invariável que, juntando-se a um verbo ,

particípio, adjetivo ou até mesmo a outro advérbio, modifica-lhes o alcance de

significação” (GRIVET, 1881: 185). Uma característica do advérbio é a de equivaler

semanticamente a um complemento indireto: “ o advérbio nunca deixa de ser

analiticamente resolúvel em um complemento indireto” (Id.:186)

A ideia de que o advérbio equivale semanticamente a um complemento indireto, isto

é, um nome seguido de preposição já estava presente na gramática de Port-Royal:

A vontade que os homens têm de abreviar o discurso ocasionou o

aparecimento do advérbio, já que a maior parte dessas partículas serve

apenas para significar, numa só palavra, aquilo que não se poderia

indicar senão por uma preposição e um nome, como sapienter –

sabiamente, por cum sapientia, com sabedoria. (GGR54

,2001:80)

Du Marsais segue de perto os teóricos de Port-Royal na sua definição do advérbio;

Ce qui distingue l’adverbe des autres espèces de mots, c’est que

l’adverbe vaut autant qu’une préposition et um nom; il a la valeur

d’une préposition avec son complément; c’est um mot qui abrège; par

54

Gramática Geral e Razoada de Port-Royal.

Preposições acidentais

Até Salvo

Conforme Segundo

Exceto Suposto

Não obstante Visto

Page 100: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

100

sagement vaut autant que avec sagesse.55

( Du Marsais apud

CARDOSO, op. cit.: 109 )

Por fim, na mesma linha da teoria dos gramáticos de Port-Royal, Du Marsais, e

Soares Barbosa diz que: “Advérbio não é outra coisa mais do que uma redução ou

expressão abreviada, da preposição com o seu complemento em uma só palavra” (G.F.

1871: 234) Conforme destaca Cavaliere, o advérbio é a classe de palavra de maior

estabilidade na nossa tradição da gramatical.

O advérbio é daquelas classes gramaticais em que mais se logra obter

convergência conceptual. Sua definição mais disseminada, até hoje

praticamente imutável nos estudos vernáculos, é de palavra invariável

modificativa do verbo, do adjetivo e de outro advérbio.O conceito de

advérbio, entre nós, não vai além do que residia na gramática latina,

até porque esse é o conceito que conseguiu igual amparo nas

principais gramáticas de língua vernácula estrangeira.(CAVALIERE,

op.cit.299)

No que concerne a classificação e descrição do advérbio, Grivet parece seguir as

orientações da gramática geral e filosófica, não apresentando, portanto, nenhuma

novidade.

CONJUNÇÃO

Seguindo de perto os gramáticos de Port-Royal e Soares Barbosa, Grivet define a

conjunção como elemento de ligação entre palavras e orações: “Conjunção é uma

palavra invariável que liga partes de uma oração, ou orações completas, para entre as

ideias ou os pensamentos assinalar, já conexão, já oposição” (p. 195 )

Conforme Fávero &Molina, (op. cit :116), reconhecer que a conjunção também tinha

a propriedade de ligar não só orações mas também palavras não era ponto pacifico entre

os gramáticos da época.

55

O que distingue o advérbio das outras espécies de palavras é o fato de o advérbio equivaler a uma

preposição e um nome, ele tem o valor de uma preposição com o seu complemento; é uma palavra

abreviada, sabiamente é o mesmo que com sabedoria.

Page 101: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

101

Em relação ao modo que intervém no discurso “ as conjunções são distribuídas em

três categorias: copulativas, subordinativas e preventivas56

” As conjunções conjuntivas

são três: E, Nem, Ou. “ tanto se encontram dentro de uma proposição, como entre

proposições, e até entre orações” (id. 196 ). As conjunções subordinativas são duas: Que

e Se, “ com todas as mais conjunções ou locuções conjuntivas implicando ostensível ou

ocultamente Que e Se.” ( id:197). Por fim, as preventivas, cerca de doze conjunções,

que não têm outra função senão a de encaminhar o espírito a considerar as ideias ou

pensamentos como consenscientes ou dissidentes” ( id:.208 )

INTERJEIÇÃO

A gramática dedica apenas três páginas ao estudo da interjeição. O gramático define

a interjeição como “uma palavra invariável que implicitamente abrange todos os

elementos de uma preposição ou pensamento ( 208). As interjeições são distribuídas em

próprias e impróprias. São próprias as interjeições que “constando das vozes ou

vocábulos que soltamos quando nos comove algum afeto vivo, não podem reverter para

nenhuma outra espécie de palavra” ( 209) . A gramática apresenta os seguintes

exemplos para as interjeições próprias: Arre!- Hum!- caluda!- Eia! (... ) . São

impróprias as interjeições que “ deixando de enunciar implicitamente um pensamento,

revertem para outra espécie de palavra.” (p. p.209 )

4.4 A SINTAXE

4.4.1 A autonomia da sintaxe na tradição da Gramática Geral e Filosófica

A sintaxe foi a última parte a ser incorporada à estrutura da gramática. Nas primeiras

gramáticas das línguas vulgares, a sintaxe não era mais do que uma “extensão” da

morfologia. Somente em 1660, com a publicação da gramática de Port-Royal, a sintaxe

começa a ganhar a sua autonomia .

E conforme Cardoso,

56

Soma-se a este número as conjunções iterativas a que o autor também faz menção ( cf. p.206)

Page 102: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

102

Os teóricos de Port-Royal, ao debruçarem-se sobre a análise da

linguagem, quer do ponto de vista da gramática, quer do ponto de

vista da lógica, visam a instauração de uma sintaxe. Fazendo da

afirmação a mola real do verbo, fundam a sintaxe sobre um princípio,

clara e distintamente percebido, que a separa da morfologia; enquanto

a morfologia apenas permite conceber as ideias, a sintaxe permite

formular um juízo, isto é, isolar no discurso as proposições. Esta

análise, que define uma unidade superior à palavra – a proposição -

abre as portas para uma análise mais profunda das estruturas da língua

e marca, de modo decisivo, o percurso futuro da gramática. (

CARDOSO, op. cit. 36)

Para os teóricos de Port-Royal o julgamento, que toma a forma de uma proposição, é

composto por três termos: o sujeito, o atributo e uma ligação estabelecida pelo verbo

ser.

O julgamento que fazemos das coisas, como quando digo “ a terra é

redonda”, se chama PROPOSIÇÃO; e assim toda proposição encerra

necessariamente dois termos: um chamado sujeito, que é aquilo do

que se afirma algo, como terra; o outro, chamado atributo, que é o

que se afirma, como redonda – além dessa ligação entre os dois

termos: é . (GGR, p. 29 )

O verbo ser é o verbo por excelência, pois marca a afirmação de uma proposição. O

verbo substantivo está presente em todos os outros verbos, uma vez que podemos

decompor qualquer verbo pela seguinte estrutura; verbo ser + particípio presente.

A partir do século XVIII, sobretudo na França, a sintaxe começa a receber uma

maior atenção dos filósofos e dos gramáticos da época. Conforme Cardoso, Du Marsais

foi o primeiro a dar um passo adiante em relação às reflexões dos gramáticos de Port-

Royal no que concerne ao desenvolvimento de uma sintaxe autônoma:

Du Marsais é o primeiro a refletir sobre o sentido da palavra sintaxe e

seu objeto, considerando a sintaxe como uma parte da gramática . Du

Marsais estabelece a distinção entre a construção e a sintaxe até ai

confundidas. A partir daí a sintaxe adquire o seu verdadeiro estatuto

de autonomia. ( CARDOSO, op. cit. :112 )

A distinção entre sintaxe e construção permitiu a distinção entre uma gramática

geral e uma gramática particular. A sintaxe é do domínio da gramática geral, isto é, a

Page 103: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

103

mesma para todas as línguas; a construção é do domínio da gramática particular, varia

de língua para língua.

4.4.2 A sintaxe na Nova Grammatica Analytica da Lingua Portugueza

Ao estudo da sintaxe são dedicadas duzentas e setenta e cinco páginas. “Não estamos

mais sobre a influência da gramática geral e filosófica e de Sánchez (1587) para quem a

sintaxis est finis grammaticae” (Fávero & Molina op. cit: 116).

A sintaxe é definida como “ a teoria das funções57

que as palavras exercem na

enunciação dos pensamentos aí entre elas ocorrem”( p. 222) . Na gramática, o capítulo

de sintaxe é todo organizado a partir das funções que os termos exercem na proposição,

por esse motivo a obra não apresenta a tradicional divisão formal da sintaxe em sintaxe

de regência, sintaxe de concordância, sintaxe de construção.

Segundo Grivet, as palavras podem exercer sete diferentes funções: fato, sujeito,

complemento direto, complemento indireto, predicado, aposição e ligação.

Quadro21. Funções sintáticas das palavras na proposição

Funções sintáticas das palavras na proposição

Fato Enunciado por um verbo

Sujeito Enunciado por um substantivo ou pronome

e, acidentalmente, por verbo no infinitivo.

Complemento Direto Enunciado por um substantivo ou pronome

e, separadamente por um verbo no

infinitivo.

Complemento Indireto Enunciado, explicitamente, por um

substantivo ou pronome, um infinitivo e

locução adverbial, implicitamente por um

advérbio.

57

Segundo Grivet , “ Porquanto só A FUNÇÃO é permanente, universal, absoluta em Gramática; tudo o

mais é contingente, ilusivo, inconsistente “ (p. 212 )

Page 104: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

104

Predicado Enunciado, essencialmente, por um

adjetivo ou um particípio variável,

acidentalmente, por um substantivo, um

pronome ou particípio.

Aposição Enunciado, essencialmente, por um

adjetivo, um adjetivo ou um particípio

variável, acidentalmente, por um

substantivo, um pronome ou verbo no

infinitivo.

Ligação Enunciada , isoladamente, por uma

conjunção ou locução conjuntiva,

contrastamente , por todo pronome

adjetivo ou advérbio implicando ostensiva

ou disfarçadamente.

O fato representado pelo verbo tem a função de emitir um juízo expresso pelo

pensamento. No que concerne ao sujeito, a gramática apresenta a tradicional divisão

entre sujeito simples e composto. Para Grivet, não são só os substantivos, pronomes e

verbos no infinitivo que podem exercer a função de sujeito, mas qualquer palavra

substantivada58

pode exercer essa função. Uma consequência desse processo de

substantivação é o fato de que “uma palavra substantivada pode vir não só a formar um

sujeito, mas pode ainda formar cada um dos outros termos em que o substantivo

compete exercer uma função”. (p.347)

Os complementos são divididos em diretos e indiretos. Complemento direto “ é o

termo que abrange a palavra ou conjunto de palavras inteirando o sentido de um verbo

sem intervenção de preposição(... )” (p. 361). O complemento indireto que exige uma

preposição para completar o sentido do verbo. As espécies de palavras que exercem a

função de complementos indiretos são os substantivos, pronomes, verbos no infinitivo e

advérbios. O fato de , por exemplo, os advérbios exercerem a função de complemento

indireto revela que o autor concebia o complemento indireto de um modo muito

diferente do que concebemos hoje. Fávero & Molina (op. cit.:118) destacam que

(...) este termo não é entendido por Grivet como complemento de um

verbo transitivo indireto como hoje fazemos, diferentemente, o autor

compreende como tal também o termo que completa um nome (o que

designamos hoje de complemento nominal) ou dá uma circunstância

ao verbo (o que hoje designamos de adjunto adnominal .

58

Conforme Grivet, Toda e qualquer palavra pode vir a ser tomada em sentido substantival caso em que,

para denunciar a sua transmigração para essa classe, ela costuma amparar-se de um artigo ou de um

adjetivo determinado. (p.347)

Page 105: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

105

O predicado é a palavra ou conjunto de palavras que mediante um verbo de estado

“declara uma qualificação ou situação do sujeito”. As principais características dos

predicados e ligar-se imediatamente a um verbo de estado e semanticamente referir-se a

ao sujeito da proposição.

A aposição é toda palavra “que prende-se diretamente pela concordância possível a

um substantivo, pronome ou infinitivo para tornar-lhe o sentido mais preciso”

(GRIVET:403). As aposições podem ser essenciais ou acidentais. Essenciais são

artigos, adjetivos e particípios, as acidentais são os substantivos, pronomes e verbos no

infinitivo. A Ligação é “a palavra ou conjunto de palavras que por interposição, torna os

termos compostos, as proposições conexas”(id.418). Para o autor, as ligações

estabelecem o mesmo tipo de relação quer nas preposições quer entre as orações.

Por fim, o gramatico faz algumas observações sobre os idiotismos presentes na

língua portuguesa. Os idiotismos são definidos desse modo:

Idiotismo é toda a locução que embora de sentido claro, porque de uso

comum, nega-se entretanto às leis gerais da análise sintática, já porque

as palavras que a compõem exorbitam as relações que lhe são

próprias, já porque, cotejadas, em sentido genuíno, as mesmas

palavras se mostram avessas a formar uma com as outras um conjunto

racional. (GRIVET, op.cit..:418)

Diferentemente do que poderíamos esperar pelo caráter normativo e conservador da

obra, Grivet não se posiciona contrário aos idiotismos

Apesar de sua excentricidade gramatical, os idiotismos, quando

estremes de vulgarismos ou de alusões repulsivas, não são fórmulas

reprováveis, muito pelo contrário: discretamente espalhados na dicção

temperam-na por assim dizer, de um certo saber pátrio ao qual, com

muita propriedade, literatos modernos chamam de

vernaculidade.(id:418)

Na sequência, Grivet, faz severas críticas à teoria do verbo substantivo e, portanto, se

afasta das orientações da gramática geral e filosófica. A teoria do verbo substantivo

surge com a gramática de Port-Royal, mas é creditada erroneamente a Noël e Chapsal:

Page 106: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

106

(...) ela [ a teoria do verbo substantivo] veio a dominar soberanamente

na gramática portuguesa; e hoje não há, neste assunto, autor que não

deixe de lhe fazer a devida continência , embora, nem todos pareçam

igualmente convencidos de sua desmarcada eficácia.

A verdade é que, tanto em relação ao francês, como às outra

línguas, nunca se imaginou tamanho absurdo, tão qualificada

parvoiçada. (...)

Tão maravilhoso achado, só comparável ao descobrimento da

pedra filosofal , não podia vir a predominar na ciência, sem ser

caracterizado por um título condigno; daí a aparição, no programa dos

estudos de uma Gramática Filosófica59

, assim denominada por se

incumbir de explicar a linguagem que todo mundo entende

(GRIVET:op.cit. 227-228)

Segundo Fávero & Molina, “ o alvo de suas críticas ferinas é Sotero dos Reis e sua

Grammatica Portugueza , extensamente citado, mas não nomeado” Fávero & Molina,

(op. cit :117). Conforme Grivet,

Verbo, diz o mais eminente dentre eles, porque também é o único

que, na sinceridade de sua fé, e no ardor de seu proselitismo, não se

esquivou ao dever de deduzir de seus princípios as mais longínquas

consequências, verbo é a palavra que serve para afirmar a existência

da qualidade na substancia, pessoa ou coisa, e por conseguinte o

Nexo ou Cópula que une o atributo ao sujeito da proposição, frase,

sentença ou enunciado do juízo.(p. 228)

Ainda conforme Fávero & Molina, Grivet “reforça suas críticas a propósito da

análise que Sotero apresenta à página 130 de sua obra, sobre o verbo haver, com sujeito

oculto e a significação de existir, afirmando tratar-se de idiotismos da língua”(p.118).

O reparo deste erro vulgaríssimo é na verdade atendível: engana-se

porém o autor, quando ao bom falar que recomenda chama idiotismo;

porque se Há homens, Havia festas, etc. fosse realmente discordância

de número entre sujeito e verbo, nem se deveriam nem se poderiam

desculpar; a ilusão está em cuidar-se que o verbo haver significa

existir. Logo que se advirta em que haver é derivado do latim habere ,

e com o mesma significação de ter , fica manifesto que o,

erroneamente chamado sujeito ou agente, não é senão complemento

59

Grivet aponta a existência de outras gramáticas além da filosófica: “ Quanto à outra ou outras

gramáticas, que não tratam de tão pasmosas transmutações, destas ninguém faz caso, e só se sabe que elas

existem, porque havendo uma filosófica, força é que haja que não o sejam” (p. 228)

Page 107: As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX

107

objetivo ou paciente; é que o agente ou sujeito real se deixou oculto,

para conformar com o uso recebido. Assim, há homens completa-se

deste modo: O mundo há ( isto é tem ) homens60

. (GRIVET, op.cit.

233)

Após discorrer sobre a colocação das palavras no discurso, o gramático se detém na

discussão das figuras de sintaxe que define como desvios da linguagem. A sintaxe “diz-

se figurada por se chamarem figuras os diversos desvios que se produzem na

enunciação dos pensamentos” (p. 227). As figuras de sintaxe são cinco: Elipse,

Pleonasmo, Silepse, Inversão e Exclamação.

Por fim, após o estudo das figuras, o autor volta a discorrer sobre as diversas espécies

de palavras, transformando, assim, a sintaxe numa extensão da lexicologia.

A obra de Grivet representa o final de um longo processo que se iniciou com a

gramática de Port-Royal e, no Brasil, perdurou até o final do século XIX. Ao mesmo

tempo, a gramática incorpora no seu processo de descrição gramatical muitos preceitos

das novas correntes de estudo da linguagem. Na leitura que propomos, esse

“sincretismo linguístico” não decorre da idiossincrasia de um ou outro autor, mas reflete

um momento de transição na produção gramatical brasileira.

60

A mesma opinião já aparece em Moraes Silva: “ Haver é sempre ativo, e nunca significou existir, como

diz Argote, e outros. Tanto é incorreto dizer = Há homens = por existe homem, como supor, que na

significação de ter é idiotismo português concordar com sujeitos no plural. Há homens é uma sentença

elíptica, com sujeito no singular, isto é, o mundo, a espécie humana tem homens” ( apud Fávero &

Molina, op. cit. : 68 )

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Considerações Finais

Em nosso trabalho analisamos duas gramáticas publicadas no final do século XIX; a

Grammatica Portugueza Philosophica, de Ernesto Carneiro Ribeiro e a Nova

Grammatica Analytica da Língua Portugueza, de Charles Adrien Olivier Grivet. Essas

gramáticas filosóficas tardias demostram que, ao contrário do que as propostas de

periodização e os trabalhos sobre o período parecem indicar, a produção gramatical

brasileira não vive de rupturas bruscas de orientação, muito pelo contrário, nossa

produção gramatical experimenta um desenvolvimento contínuo e com a sobreposição

de diferentes correntes teóricas. Como demonstramos, a confluência de doutrinas que

caracterizam as gramáticas desse período deve-se ao compromisso dos autores em

modernizar a reflexão gramatical brasileira.

Após a leitura das obras, podemos concluir que as gramáticas analisadas

incorporaram de maneiras diferentes as inovações das novas correntes de estudos da

linguagem. A obra de Carneiro Ribeiro apresenta como influência a tradição racionalista

francesa. É marcante na gramática referências a autores como Du Marsais, Beauzée e

Condilac. Assim, mesmo que a todo momento o autor busque dar um caráter de

modernidade a sua obra, concluímos que a gramático incorpora as inovações com os

“pés” ainda fincados na tradição anterior.

Já na obra de Grivet, percebemos um maior afastamento em relação às orientações da

gramática geral e filosófica. Apesar de textualmente não ter explicitado a linha teórica

que norteia o seu processo de descrição gramatical, concluímos que em muitos

momentos o gramático se vale das inovações das correntes “científicas”. Cabe destacar

que em muitos momentos fica evidente o desacordo do gramatico com os preceitos da

gramática filosófica; é o que acontece, por exemplo, com a crítica à teoria do verbo

substantivo e à teoria das elípse

O exame do corpus de registro linguístico revelou que as gramáticas apresentam um

caráter purista e conservador. Nas obras destacam-se como exemplo de correção e boa

linguagem autores dos séculos XVI e XVII.

Por fim, concluímos que as gramáticas refletem o período de transição pelo qual

passavam os estudos linguísticos no Brasil. Cada uma das obras analisadas pretende

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renovar a gramática brasileira com as orientações mais modernas do seu tempo, porém,

sem romper com a tradição anterior. Sem dúvida, o pensamento oscilante e em alguns

momentos contraditório presente nas obras analisadas abriu caminho para a renovação

da reflexão gramatical do final do século XIX.

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