As influências do vento e das trocas por radiação na ... · A diferença máxima entre as...
Transcript of As influências do vento e das trocas por radiação na ... · A diferença máxima entre as...
As influências do fluxo de ventos e das trocas térmicas por radiação nos registros da temperatura externa do ar
Francisco Vecchia Marcos José de Oliveira
Departamento de Hidráulica e Saneamento Escola de Engenharia de São Carlos
Universidade de São Paulo EESC USP
RESUMO ABSTRACT
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por principal objetivo mostrar a influência da velocidade do fluxo
de ventos e das trocas térmicas por radiação no processo de monitoramento contínuo e de
forma automática dos registros da temperatura externa do ar. O artigo procura também
evidenciar a atuação dos abrigos meteorológicos destinados à proteção dos sensores de
temperatura do ar.
Observações de medições realizadas em estudos de clima urbano realizados por Modna &
Vecchia (2005) evidenciaram a importância da posição dos pontos de medição, sensores e
abrigos meteorológicos na leitura dos registros de temperatura que podem variar até 50C,
dependendo de cada caso. Na literatura científica são reduzidas as publicações que tratam
do referido tema e, sobretudo das repercussões das possíveis variações (erros) nas leituras
da temperatura do ar.
O propósito deste artigo igualmente se deve à importância dos resultados obtidos que
demonstram a influência das trocas térmicas por convecção e por radiação,
respectivamente, determinadas pelo fluxo de ventos e pela radiação (pelos ganhos
térmicos impostos pela radiação global incidente e pelas perdas por “radiação noturna”).
O experimento foi realizado em um conjunto de quatro sensores (termopares tipos T)
introduzidos em quatro abrigos meteorológicos compostos por tubos de 100 mm de PVC,
cor branca, com e sem isolamento térmico (foil) e, da mesma forma, com e sem aspiração
forcada do ar. Os resultados obtidos permitiram chegar à conclusão de que a ventilação é
o efeito atenuante mais significativo, confirmando a tendência esperada pelos resultados
obtidos em etapa de pesquisa anterior.
A diferença máxima entre as temperaturas obtidas foi de 2,3ºC, entre o abrigo sem
proteção (isolamento térmico) contra os efeitos da radiação solar direta e sem aspiração
forçada quando comparado ao abrigo com proteção e com ventilação forçada em dia
representativo de céu limpo, ensolarado. Os dados da radiação solar e da velocidade dos
ventos foram coletados, consistidos e a, partir deles, foram realizadas estimativas da
influência desses dois parâmetros tomados isoladamente.
Verificou-se que as diferenças entre os valores das medições da temperatura do ar são
diretamente proporcionais aos valores da radiação solar global e, inversamente,
proporcionais aos valores da velocidade do vento. Isso significa que, quanto maior a
intensidade de radiação solar global e quanto menor for a velocidade externa do ar,
maiores são as diferenças da temperatura do ar registradas nos diferentes tipos de abrigos
meteorológicos.
Os quatro dispositivos de leitura da temperatura externa do ar foram expostos ao ar livre
(exterior) a uma altura de 2 metros de solo gramado, com leituras tomadas a cada 20
segundo e totalizadas a cada meia hora, por meio de medição automática, com datalogger
CR10X, Campbell Scientific Inc.. Os registros obtidos foram analisados por meio do
conceito de episódios representativos do clima, de acordo com Vecchia (1997), que segue
a definição de clima como encadeamento sucessivo e habitual de sistemas atmosféricos,
proposto por Monteiro (1967), que é peculiar a determinadas regiões.
A abordagem metodológica utilizada considerou, portanto, a relação entre o ritmo
climático e o regime predominante de ventos, no Sudeste brasileiro, adotando-se a escala
espacial de abordagem espacial microclimática. O experimento foi realizado na região de
São Carlos, estado de São Paulo.
O ritmo climático pode ser expresso por episódios climáticos, Vecchia (1997), e que
obedecem à formulação de Monteiro (1967), que propõe duas etapas principais: a Pré e a
Pós-Frontal que, por sua vez, se subdividem em duas fases, respectivamente, prenúncio e
avanço, sucedidas pelo domínio e pela transição.
Nessas duas etapas, de Pré e de Pós-Frontal, o deslocamento dos anticiclones Polar e
Tropical dão origem a uma ruptura no regime de ventos predominantes, alterando a sua
direção e a sua velocidade, de acordo com a posição geográfica, no Sudeste de nosso país,
o que permite entender e definir o seu regime predominante.
Por meio de reduzidas séries de dados meteorológicos é então possível determinar os
valores dos elementos climáticos, tomados de forma separada, no caso particular: radiação
solar global e velocidade dos ventos. Para isso foi necessário acompanhar a penetração de
frentes frias, verificando as variações da radiação solar global e do fluxo de ventos nas
fases de prenúncio e avanço, assim como nas de domínio e de transição.
As etapas de Pré e de Pós-Frontal descrevem o ritmo climático do regime de ventos
predominantes, considerando-se a definição de Monteiro (1967) de que o clima pode ser
entendido como o encadeamento sucessivo e habitual de tipos de tempo e da Organização
Mundial de Meteorologia (OMM) que define o clima como a totalidade de elementos
meteorológicos que, em suas sucessões habituais e em um dado período, caracteriza o
estado da atmosfera.
FIGURA 1 – Localização da região de monitoramento situada entre as latitudes de 22 01’ 04” & 22 02’ 07”; longitudes 47 47’ 47” & 48 48’ 48” e altitude de aproximadamente 980 metros.
2. MATERIAL E MÉTODOS
Descrição do local da coleta de dados.
Para avaliação dos objetivos propostos utilizou-se de um conjunto constituído por
quatro tubos de PVC, de cor branca, 100 mm, dispostos horizontalmente em suporte tubular
metálico à altura de 2 metros de solo gramado, típico destinado às estações meteorológicas,
com os respectivos sensores termoelétricos (termopares cobre-constantin) no interior de cada
tubo. As Figuras 1 e 2 ilustram respectivamente a disposição e a composição desse conjunto ,
além de cada abrigo.
1 2 3 4N
S
LO
Ventoinhas
Suporte metálico
Abrigos sem foil
45 cm
4 pol
30 c
m
Abrigos com foil
Figura 1 – Representação esquemática do conjunto de medição com os quatro sensores e os respectivos abrigos meteorológicos, vista em planta, incluindo a disposição dos abrigos de proteção.
1
2
3
4
Figura 2 – Representação gráfica do conjunto de termopares protegidos pelos diferentes abrigos de PVC de 4 polegadas. 1- Abrigo de PVC com aspiração interna natural e sem isolamento térmico; 2-Abrigo de PVC com aspiração interna artificial, que ocorre por meio da utilização de uma ventoinha de 12 Volts; 3- Abrigo de PVC com aspiração artificial e com isolamento térmico por barreira de radiação (foil); e, finalmente, 4- Abrigo de PVC com isolamento térmico e sem aspiração interna artificial.
A Figura 3, a seguir, apresenta fotos do conjunto experimental no local, área externa do Laboratório Ecotecnologias: novos materiais e procedimentos, Departamento de Hidráulica e Saneamento, Escola de Engenharia de São Carlos (EESC USP), onde também se encontra instalado o dispositivo de aquisição de dados e estação meteorológica automática.
Os sensores de temperatura utilizados foram termopares do tipo T (cobre-constantin),
conectados a um multiplexador AM 416/32 da Campbell Scientific Inc., de 32 canais,
protegida dentro de uma caixa ambientalmente selada do meio exterior, conforme normativas
para estações meteorológicas. Os dados obtidos foram registrados por meio de datalogger
CR10X (sistema automático de aquisição e de armazenamento de dados meteorológicos) e
coletados para análise de consistência e, posterior, elaboração de planilhas e gráficos.
3. RESULTADOS OBTIDOS
Baseando-se na definição de episódios climáticos representativos, elaborados de
acordo com VECCHIA (1997) e do conceito de dia típico representativo, de caráter
experimental (VECCHIA, 2005), considerando-se ainda as necessidades de análise foi
adotado um único dia representativo, típico de inverno para a análise dos resultados. Ressalte-
se que esse referido dia foi o escolhido dentre um conjunto mais amplo de dados
meteorológicos, que compuseram vários episódios climáticos. Dessa forma, baseado nas
diferenças de um único dia, foi realizado a comparação entre os quatro sistemas de abrigo
meteorológico.
Sob o conceito da abordagem dinâmica, em escala microclimática, a Figura 4
apresenta o comportamento da temperatura externa do ar, ao longo do dia 13 de maio de
2006. Esse dia foi o que apresentou a maior diferença de temperatura entre os abrigos,
registrando uma diferença de 2,3 ºC entre o abrigo sem isolamento térmico (foil) e sem
ventilação forçada (abrigo #1, representado pela cor vermelha) em comparação com o abrigo
com isolamento térmico (foil) e com ventilação forçada (abrigo #3, representado pela cor
azul).
Observando-se os perfis de valor da temperatura do ar, pôde-se ainda verificar
considerável diferença entre esses valores, melhor evidenciada no intervalo de máxima
incidência de radiação solar do dia, que ocorre das 14 às 17 horas. Da mesma forma,
A B
analisando-se, isoladamente, cada um dos parâmetros envolvidos, a radiação e o fluxo do ar,
pode-se perceber uma redução mais acentuada da temperatura externa do ar no caso em que
foi minimizado o efeito do fluxo de ar interno ao abrigo meteorológico de PVC, com a
utilização da ventoinha.
9
11
13
15
17
19
21
23
25
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24
Horário
T (
ºC)
1 - sem foil/ vent ila çã o na tura l
2 - sem foil/ vent ila çã o força da3 - com foil/ vent ila çã o força da
4 - com foil/ vent ila çã o na tura l
Figura 3 - Comportamento da temperatura externa do ar, tomado ao longo do dia 13 de maio de 2006, para os diferentes abrigos meteorológicos em estudo.
-0,5
0
0,5
1
1,5
2
2,5
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24
Horário
∆T (
ºC)
T 1 - T 3
T 2 - T 3
T 4 - T 3
Figura 4 – Diferenças de temperatura ao longo do dia 13 de maio de 2006 para os diferentes abrigos em estudo. T1, T2, T3 e T4 correspondem respectivamente às temperaturas dos abrigos #1, #2, #3 e #4.
De outra forma, para o caso da minimização da ação exercida pela radiação solar
global incidente, com a presença de isolante térmico (foi)l o efeito constatado é pouco
considerável. Por meio da Figura 5 é possível observar as diferenças existentes entre as
temperaturas do ar entre os distintos abrigos. Nota-se uma diferença máxima de 2,3 ºC entre
os abrigos #1 e #3, além de um valor de cerca de 2,0 ºC entre os abrigos #2 e #3. Percebe-se
igualmente uma diferença de e 0,6 ºC entre os abrigos #4 e #3. Portanto, por meios dessas
curvas no gráfico, é possível inferir que a ventilação forçada (ventoinha) é o fator com maior
influência atenuante das diferenças entre os valores de temperatura, sendo que a utilização do
isolamento térmico (foil) representa influência de pouco significativa.
Para a análise da Figura 5 foi tomado como referência o valor da temperatura
registrada no abrigo #3 (com isolamento térmico e com ventilação forçada), de acordo com as
recomendações que se têm observado na literatura específica da área de Meteorologia. A
partir dessa consideração foi possível determinar o erro relativo dos demais abrigos.
Analisando-se todo o intervalo de dados meteorológicos disponível, os gráficos de
distribuição foram gerados, conforme apresentados, a seguir, na Figura 6.
Nesse gráfico, por um lado, é possível observar, no histograma A, que ocorre maior
concentração dos erros positivos para o abrigo #1 (sem isolamento térmico-foil e sem
aspiração forçada), devido ao fato deste se apresentar sujeito às maiores interferências da ação
da radiação solar global incidente sobre o abrigo. Por outro, verifica-se menor influência da
velocidade do fluxo de ar interno sobre o sensor, na ponta do termopar e no interior do mesmo
abrigo.
0
100
200
300
400
500
600
-2,5 -1,5 -0,5 0,5 1,5 2,5
T1 - T3 (ºC)
Oco
rren
cia
(nº
caso
s)
-2,5 -1,5 -0,5 0,5 1,5 2,5
T2 - T3 (ºC)-2,5 -1,5 -0,5 0,5 1,5 2,5
T4 - T3 (ºC)
Figura 5 – Histogramas: distribuição das diferenças relativas ao abrigo 3. A: Diferença de temperatura entre os abrigos 1 e 3; B: Diferença de temperatura entre os abrigos 2 e 3; C: Diferença de temperatura entre os abrigos 4 e 3. Obs.: escala vertical idêntica para os três gráficos; escala horizontal com subdivisões em 0,1ºC.
A B C
Comparando-se os histogramas se percebe, evidentemente, melhor desempenho do
abrigo #2 (sem foil e com ventilação forçada) no gráfico B, da Figura 6, pois obteve maior
concentração dos pontos acumulados em intervalos de diferenças pequenas.
Para o gráfico A, 90% das diferenças relativas se encontram entre os valores –1,0 e
1,0ºC de temperatura do ar; enquanto que para o gráfico B, 90% das diferenças se encontram
no intervalo entre –0,2 a 0,2 ºC. Finalmente no gráfico C, 90% das diferenças existentes
podem ser notadas no intervalo de –0,8 a 0,8 ºC.
O resultado dessa observação é compatível com a análise anterior do dia
representativo, ou seja, pode-se perceber que a ventilação forçada é o fator de maior
influência na atenuação das diferenças de valores da temperatura externa do ar. Ao contrário,
a aplicação do isolamento térmico (foil) pouco atenua a influência da incidência da radiação
solar global incidente no aquecimento indesejado da superfície do abrigo de PVC.
Adotando-se como referência os valores da temperatura do ar registrados no abrigo #3,
é possível estabelecer adequada correlação entre esses valores com a dos demais abrigos
meteorológicos, resultando assim na obtenção dos gráficos mostrados na Figura 7.
R 2 = 0,9888
8
14
20
26
32
8 14 20 26 32
T1 (ºC)
T3
(ºC
)
R 2 = 0,9986
8 14 20 26 32
T2 (ºC)
R 2 = 0,9951
8 14 20 26 32
T4 (ºC)
Figura 6 – Correlação dos valores das medidas de temperatura. A: correlação entre os abrigos 3 e 1; B: correlação entre os abrigos 3 e 2; C: correlação entre os abrigos 3 e 4. Obs.: escala vertical idêntica para os três gráficos.
Pela figura #6 é possível perceber que o gráfico B apresenta aceitável concordância
entre os valores das temperaturas registradas no abrigo #1, de referência, e no abrigo #2. Fato
que reforça a hipótese de que a influência da velocidade do ar no interior do abrigo, forçado
pela utilização da ventoinha, tem maior relevância quando comparado à influência do uso de
isolamento térmico (foil) na mitigação dos efeitos provocados pelo aquecimento dos abrigos
devido a incidência da radiação solar global.
A B C
Dessa análise, uma última conclusão é fornecida pela Figura #8, na qual se nota que as
diferenças entre os valores da temperatura do ar registradas nos abrigos são distribuídas ao
longo dos horários do dia, utilizando-se todos os dados disponíveis no período de medições.
Constata-se pelo gráfico B, dessa referida figura que, uma vez mais a hipótese de que a
ventilação forçada é a medida mitigadora de maior eficiência na diminuição das diferenças
entre os valores das temperaturas registradas nos distintos abrigos. O que vale tanto durante o
dia quanto durante o período da noite.
T1 – T3
-2
-1
0
1
2
3
0 4 8 12 16 20 24
Horário
Dife
renç
a (º
C)
T2 – T3
0 4 8 12 16 20 24
Horário
T4 – T3
0 4 8 12 16 20 24
Horário
Figura 7 – Correlação dos valores das medidas de temperatura. A: correlação entre os abrigos #3 e #1; B: correlação entre os abrigos #3 e #2; C: correlação entre os abrigos #3 e# 4. Observação: escala vertical idêntica para os três gráficos.
É interessante observar o fato de que existem diferenças negativas consideráveis nos
casos A e C, para o período noturno de aquisição dos dados, com diferença máxima negativa
de –1,5 e –0,6ºC, respectivamente, nos abrigos #1 e #4. O abrigo #2, segundo o gráfico B,
apresentou diferença máxima negativa de apenas –0,3 ºC.
Essas diferenças negativas noturnas podem melhor ser entendidas por meio da
abordagem dinâmica do clima, sob a ótica da sucessão habitual, encadeada e sucessiva, de
sistemas atmosféricos, o que permite definir dos episódios climáticos representativos.
Tal abordagem é ilustrada por um dado período de medições, da série total de dados
meteorológicos coletados, e está apresentada pela Figura #9. Essa figura se refere às variações
dos valores da temperatura externa do ar, diferenças dos valores de temperatura entre os
abrigos, valores das velocidades, máxima e média, do vento exterior e, finalmente, pelos
valores da radiação solar global.
A B C
9
13
17
21
25
T (
ºC)
1234
-1,5
-0,5
0,5
1,5
2,5
∆T (
ºC)
T 1 - T 3T 2 - T 3T 4 - T 3
0,0
2,0
4,0
6,0
Vel
ocid
ade
(m/s
)
Má ximaMédia
0
200
400
600
800
5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28Dia
Rad
iaçã
o So
lar
(W/m
2 )
Figura 8 – Mês de maio, sob escala de abordagem de episódios climáticos. A: Perfis de temperatura para os diferentes abrigos; B: Diferenças de temperatura entre os abrigos; C: Velocidades máxima e média do vento exterior; D: Radiação solar local. Obs. Escala horizontal idêntica para os gráficos.
4. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
VECCHIA, F. (1997) Clima e Ambiente Construído. A abordagem dinâmica aplicada ao Conforto Humano. São Paulo, FFLCH USP Tese Doutoramento