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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 2103
AS LIÇÕES DE COISAS NO GRUPO ESCOLAR ANTENSINA SANTANA (ANÁPOLIS/GO)
Sandra Elaine Aires de Abreu1
Introdução
O grupo escolar Antensina Santana foi criado em 1926, com a denominação de grupo
escolar “Dr. Brasil Caiado”, em 1931, passou a ser designado de grupo escolar “24 de outubro”
e em 1949, grupo escolar “Antensina Santana”2.
Com a Lei n. 631, de 2 de agosto de 1918 (reforma João Alves de Castro e Americano do
Brasil), a instrução primária em Goiás foi reformulada, e criados os grupos escolares no
Estado (art.21). O primeiro foi criado em 1919 na cidade de Goiás. Em 1921 uma lei autorizou
a abertura de cinco novos grupos, que começaram a ser implantados a partir de 1923, entre
eles destacamos a criação do grupo escolar de Anápolis. Embora, a lei de criação dos grupos
escolares em Goiás seja de 1918, foi no ano de 1925, através do Decreto n. 8.538 de 12 de
fevereiro, que o governo regulamentou a organização dos grupos escolares em Goiás.
Além de criar os grupos escolares no estado de Goiás, a Lei n. 631, de 2 de agosto de
1918, estabeleceu que nessas unidades escolares o método de ensino seria o método de ensino
intuitivo, que foi mantido pelas legislações que se seguiram, ou seja, o Decreto n. 8.538, de 12
de fevereiro de 1925 e o Decreto n. 10.640, de 10 de fevereiro de 1930 e o Regulamento do
ensino primário do Estado de Goiás de 1937. E as lições de coisas foram prescritas no
Programa de Ensino para as escolas primárias de Goiás de 1930.
1 Estágio pós-doutoral em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia. Doutora em Educação: história, política, sociedade, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologia, da Universidade Estadual de Goiás, e do Centro Universitário de Anápolis. E-Mail: <[email protected]>.
2 Ao longo de sua trajetória, a referida unidade de ensino recebeu várias denominações. Com a Portaria n. 336, de 21 de janeiro de 1975, o grupo passou a oferecer gradativamente de 5ª a 8ª séries e passou a ser denominado de Escola Estadual de 1º Grau Antensina Santana. E quando a escola passou a oferecer o 2º grau ou ensino médio, passou a ser denominada de Colégio Estadual Antensina Santana (nome atual da unidade de ensino). A primeira denominação do grupo escolar, “Dr. Brasil Ramos Caiado”, foi uma homenagem ao Presidente do Estado de Goiás em exercício durante o processo de criação e inauguração do Grupo. A segunda denominação, “Grupo Escolar 24 de outubro”, foi também uma homenagem à data da vitória da Aliança Liberal. A terceira denominação foi uma indicação do vereador João Luiz de Oliveira, com o objetivo de homenagear o seu amigo Moisés Augusto Santana, denominou o Grupo Escolar de Anápolis com o nome da filha de seu amigo que falecera precocemente aos 27 anos de idade, vítima de tuberculose pulmonar. (ABREU; SOUTO, 2015).
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Tendo por base o método de ensino intuitivo, as lições de coisas, e os conteúdos
curriculares prescritos na legislação educacional goiana estabelecemos como objetivo deste
estudo analisar o processo de implementação do método intuitivo e das lições de coisas no
grupo escolar Antensina Santana. Utilizamos para tanto a pesquisa bibliográfica, a análise
documental. Os documentos selecionados foram: legislação educacional estadual (os
regulamentos de instrução do Estado de Goiás, de 1918, 1925, 1930 e 1937, e os programas de
ensino primário de 1925 e 1930); documentos escolares (exercícios literários do 4º ano, do
grupo escolar Antensina Santana, nos anos de 1946, 1948 e 1949).
O método intuitivo e as lições de coisas: fundamentos epistemológicos
No século XIX houve a expansão da escola elementar, no mundo ocidental, e a inserção
das camadas populares neste nível de ensino. Segundo Schelbauer (2005), o método do
ensino intuitivo generalizou-se, nesse século, por ser o método de ensino adequado à
instrução popular, uma vez que a intuição pelos sentidos era o meio de conhecimento mais
natural, do qual o ser humano dispunha, por isso mais acessível a todos, sendo dessa forma o
método de ensino indicado às camadas populares (SCHELBAUER, 2005).
No Brasil aconteceu processo semelhante, a consolidação do estado nacional e a
construção das bases da instrução pública ocorreram no século XIX. Nesse período deu-se
ênfase à difusão da escola popular. (ABREU, 2006). A instrução passou a ser vista
como uma das estratégias para civilizar e moralizar o povo brasileiro e propiciar o progresso
intelectual da nação brasileira (ALMEIDA, 2000; FARIA FILHO, 2000; HILSDORF, 2003).
Neste contexto, houve a difusão do ensino intuitivo no Brasil. Outro aspecto que contribuiu
para a difusão do método no país foi o descontentamento em relação ao ensino, expresso em
enquetes e documentos oficiais, o que desencadeou um movimento de renovação pedagógica,
onde o método de ensino intuitivo foi entendido como o instrumento pedagógico capaz de
reverter a ineficiência do ensino escolar. (VALDEMARIN, 1998; SCHELBAUER, 2005).
Há uma relação direta entre o método de ensino intuitivo e as lições de coisas. Alguns
teóricos consideram o método de ensino intuitivo um método geral de ensino que pode ser
utilizado em todos os conteúdos e instrução, outros, o considera adequado somente àqueles
conteúdos cujos objetos de ensino sejam concretos, ou seja, conteúdos que possibilitem
percepções diretas aos sentidos, tais como: desenho, ciências, aritmética elementar etc.
(VALDEMARIN, 2004; SCHELBAUER, 2014; SCHELBAUER, 2015 ).
O método de ensino intuitivo é o caminho metódico para a educação dos sentidos e
para a educação pelas coisas e pela experiência. Nele o conhecimento das coisas que nos
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rodeia é possível pelo fato de termos sentidos que fazem a ligação entre o objeto a ser
conhecido e o sujeito que o conhece, criando ideias. Os sentidos permitem a comunicação
com o mundo, produzindo sensações geradoras de percepções que são retidas pela memória,
dessa concepção sobre a aquisição do conhecimento decorre a proposição de que a escola
elementar deve dedicar-se ao cultivo do hábito da observação, da percepção de semelhanças
entre os objetos para a criação de ideias claras. Trabalho que deve ser dirigido pelo professor.
(VALDEMARIN, 2006).
No que se refere às lições de coisas, alguns estudiosos, as consideram uma parte do
ensino intuitivo, outros, como um processo aplicado a todas as disciplinas. (VALDEMARIN,
2004; SCHELBAUER, 2014; SCHELBAUER, 2015 ).
No Brasil as lições de coisas foram preconizadas pela primeira vez no Decreto n. 7.247,
de 19 de abril de 1879 (Reforma Leôncio de Carvalho). As discussões em torno do método
intuitivo de ensino e das lições de coisas foram as mesmas ocorridas internacionalmente,
principalmente entre Leôncio de Carvalho e Ruy Barbosa, ou seja, se as lições de coisas
deveriam ser matéria específica do programa de ensino (defendido por Leôncio de Carvalho)
ou ser aplicada a todo o ensino (aspecto defendido por Ruy Barbosa). (SCHELBAUER, 2005).
Leôncio de Carvalho (1879 apud SCHELBAUER, 2005) justificou a sua posição em
relação às lições de coisas como matéria especifica do programa, dizendo que as lições de
coisas seriam uma parte do método intuitivo, e que era preciso que o método intuitivo fosse
aplicado aos exercícios de inteligência e os atos de raciocínio. A intuição sensível só serviria
quando preparasse para a intuição intelectual. E a adoção das lições de coisas como matéria
especifica do ensino justificava-se para não incorrer nos equívocos dos exclusivistas dessas
lições que chegaram a banir as teorias de gramática e aritmética sob o fundamento de que o
ensino simples e positivo valeria muito mais.
As lições de coisas de acordo com Buisson (1897 apud SCHELBAUER, 2005) a primeira
forma de intuição ou intuição sensível poderia ser aplicada através de dois sistema: exercício
à parte ou inserida em todo o programa de ensino, Mas, o autor considerava importante que
as lições de coisas fossem inseridas em todo o programa de ensino. Segundo o dicionário
Nouveau Dictionnarie (apud VALDEMARIN, 2004) as lições de coisas não deveriam ser
consideradas uma parte específica do programa de ensino elementar, uma vez que o seu
objetivo principal era ensinar os alunos o uso dos sentidos para a obtenção do conhecimento
de modo que passasse da intuição dos sentidos para a intuição intelectual, preparando-os
para adquirirem novas ideias.
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As lições de coisas abrangiam três acepções: 1) colocar o objeto concreto aos olhos dos
alunos, a fim de levá-los a adquirir uma ideia abstrata; 2)fazer ver, observar, tocar e discernir
as qualidades de certos objetos por meio dos cinco sentidos; 3) conhecer objetos e fatos
através da natureza e da indústria, de modo que fosse aprendidos uma coisa e seu nome, um
fato e sua expressão, um fenômeno e o termo que o designa. (BUISSON, 1897 apud
VALDEMARIN, 2006).
Nas três acepções os objetos eram os suportes didáticos e os sentidos os atributos
humanos que possibilitavam a produção de ideias. As lições de coisas tinham por objetivo
educar os sentidos para a obtenção do conhecimento, nelas a atividade do aluno era falar,
responder perguntas, desenhar, pintar, expressar-se oralmente e por escrito, emitindo sua
compreensão da atividade proposta e esperada pela professor. O objeto diante do aluno
desencadearia perguntas feitas pelo professor e respondidas pelo aluno. (VALDEMARIN,
2006).
As lições de coisas habituavam o aluno a ver por si mesmo e ele poderia depois de sair
da escola, aumentar seus conhecimentos e suas observações, aplicar suas faculdades em um
estudo determinado. As lições de coisas constituíam uma preparação metódica de iniciativa
individual na educação, devendo ser aplicada a partir da escola maternal e prosseguindo no
grau subsequente. (VALDEMARIN, 2004).
Nestes termos, o método intuitivo era o caminho para a educação dos sentidos pelas
coisas e pela experiência e as lições de coisas a “metodologia” utilizada pelo professor para
levar o aluno a realizar uma atividade mental que lhe proporcionasse o desenvolvimento dos
sentidos a partir da observação dos objetos que lhe permitiria formar as ideias, ou seja,
passar da intuição sensível para a intuição intelectual. Assim, se as lições de coisas fossem
adotadas em todo o ensino, esse exercício mental/intelectual teria que ser feito em todas as
disciplinas. Mas, se fosse adotado como uma matéria específica, o aluno teria momentos
específicos durante o horário escolar para realizar tal exercício mental.
Em Goiás a análise da legislação revelou que a opção do poder publico foi pela inserção
das lições de coisas como matéria separada, com momentos e conteúdos específicos,
conforme prescrito nos programas de ensino.
Nas ultimas décadas do século XIX houve a propagação das lições de coisas no mundo
ocidental e também no Brasil. Essa expansão das lições de coisas provocou uma competição
entre os autores de manuais didáticos. Dentre os manuais que circularam no Brasil,
destacamos o do norte americano Norman Allisson Calkins, denominado de: “Primeiras
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Lições de Coisas: manual de ensino elementar para uso dos pais e professores” traduzido
para o português por Rui Barbosa, e o mais utilizado no país.
O manual didático de Calkins apresentava uma proposta de efetivação do método
intuitivo, é um marco significativo de implantação do método no ensino brasileiro, na década
de 1880, em consonância com a renovação pedagógica em curso na Europa e nos EUA.
(VALDEMARIN, 2004).
O manual consistia na exposição do conteúdo a ser ministrado na instrução elementar,
acompanhado de prescrições sobre a forma de transmiti-lo ao aluno. Os procedimentos de
ensino apresentados no manual tinham inicio na educação dos sentidos, visando prepara-los
para a observação acurada que produzira ideias claras e distintas. Essas ideias acrescidas de
imaginação e raciocínio levariam ao desenvolvimento da capacidade de julgamento e
discernimento, com a aprendizagem concomitantemente ao desenvolvimento físico e
intelectual da criança. (VALDEMARIN, 2004).
Calkins (1886) considerava o método intuitivo como um método geral de ensino, que
deveria ser aplicado a todas as áreas do conhecimento, iniciando suas lições sobre as formas
geométricas, fazendo uso de objetos presentes no cotidiano das crianças até chegar a objetos
industrializados e elementos naturais. Para o autor a transposição didática deveria
contemplar várias etapas que ia de objetos concretos até a abstração, que permitiria a
generalização das ideias e a elaboração dos conceitos. Os objetos concretos eram os
elementos sobre quais deveriam ser exercitados os sentidos e o raciocínio para a aquisição do
conhecimento. O elemento já conhecido pela criança deveria ser o ensejo ao exercício dos
sentidos para a aprendizagem. Os passos metodológicos deveriam priorizar a aquisição do
raciocínio científico, a passagem do concreto para o abstrato que é a generalização dos
objetos conhecidos. (CALKINS, 1886).
Calkins (1886) em seus modelos de aulas apresentados aos professores obedecia a
uma rigorosa sequencia de procedimentos, que partindo sempre de um objeto, ascendia à
abstração ( ao conceito e ao principio geral) que possibilitava a generalização para outros
objetos da ideia adquirida. Os sentidos eram o principal instrumento de aprendizagem,
justificando assim o ensino pela intuição, pelo exercício reflexivo dos sentidos e pelo cultivo
da capacidade de observação. Os exercícios deveriam priorizar a observação, criando
condições para o desenvolvimento do raciocínio, a linguagem e a escrita. Os sentidos
permitiam a comunicação com o mundo, produzindo sensações geradoras de percepções que,
por sua vez, produziam concepções que seriam retidas pela memória. Era sobre esse material
que operava o raciocínio e a imaginação, produzindo juízos, decorrendo daí a proposição de
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que a escola elementar deveria dedicar-se ao cultivo do hábito da observação. Os sentidos
eram considerados os canais de acesso ao mundo material.
O método intuitivo e as lições de coisas no estado de Goiás e no grupo escolar Antensina Santana
A análise da legislação educacional goiana no século XX nos permite verificar como foi
prescrita a inserção do método intuitivo e das lições de coisas nos grupos escolares goianos e
para verificar como foi inserido no grupo escolar Antensina Santana nosso foco foi no ensino
da linguagem, por meio da análise dos exercícios de composição dos alunos do 4º ano, nos
anos de 1946, 1948 e 1949.
O método do ensino intuitivo foi inserido nos grupos escolares em Goiás por meio da
Lei n. 631 de, 2 de agosto de 1918: “Art.14° - O ensino primario obedecerá ao methodo
intuitivo e constará de educação moral e cívica, educação intellectual e educação physica”. E
mantido pelo Decreto n. 10.640, de 10 de fevereiro de 1930 e pelo Regulamento de ensino
primário de 1937.
O Decreto n. 8.538, de 12 de fevereiro de 1925 estabeleceu o Regulamento e o
programa de ensino dos grupos escolares goianos. Determinou que os professores devessem
seguir o “methodo analytico” de ensino (Art. 15), e que as lições deveriam ser práticas e
concretas, excluindo as regras abstratas (Art.59), as faculdades intelectuais dos alunos
deveriam ser desenvolvidas por processos intuitivos e sempre desenvolvendo a observação
(Art.61). No Decreto n. 10.640, de 10 de fevereiro de 1930, foi estabelecido que os temas das
lições devessem sempre que possível ser tirados da vida ordinária e ser exposto em termos da
experiência infantil (§ único, art.63).
No capítulo XI, denominado “Do regime pedagógico das aulas” da Lei n. 631 de, 2 de
agosto de 1918, estabeleceu as disciplinas e os conteúdos que deveriam ser ministrados nos
grupos escolares. No que se refere ao ensino da “língua portuguesa” o programa foi dividido
em: ensino da leitura, ensino da escrita e ensino da língua pátria, com conteúdos específicos
para os 4 (quatro) anos do ensino primário.
Analisando comparativamente o Decreto n. 8.538, de 12 de fevereiro de 1925 e a obra
“As primeiras lições de coisas: manual do ensino elementar para uso dos pais e professores”
identificamos semelhanças entre a obra e algumas prescrições legais no programa de ensino
goiano.
Calkins (1886) ao discorrer sobre o cultivo da faculdade de observação e uso das
palavras mencionou os “exercícios em colóquios” e disse que as primeiras lições na escola
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deveriam ser em conversas e com simplicidade para despertar o espírito e desenvolver os
hábitos de observação e ensinar o aluno no emprego da linguagem. O assunto que aluno
mostrasse mais interesse seria o tema inicial da palestra e indicaria o ponto inicial da lição.
Essas lições seriam dirigidas sem formalidades, induzindo a criança discorrer sobre as coisas
que usa, vê, consome e formular perguntas e responder a que lhes fossem feitas. Esses
exercícios seriam apropriados aos alunos que ainda não soubessem ler. O Decreto n. 8.538,
de 12 de fevereiro de 1925, ao estabelecer que a leitura devesse constituir a parte mais
importante das disciplinas escolares e que antes de iniciar o ensino o professor deveria
conversar com os alunos em linguagem simples, assemelha-se ao prescrito no manual de
Calkins, o que permitir inferir que a legislação goiana baseou-se em alguns aspectos no
referido manual.
Para o ensino leitura deveria ser adotado o livro de leitura. No 1º ano, as primeiras
sentenças do livro adotado deveriam ser escritas no quadro pelo professor. Logo que os
alunos reconhecessem as sentenças, algumas palavras deveriam ser destacadas, as que
representem coisas concretas. Desde as primeiras lições os alunos deveriam se habituar a ler
as sentenças como um todo. Depois que o aluno conhecesse bem as palavras estas seriam
decompostas em silabas e estas em letras. Depois que os alunos pudessem ler o livro sem
esforço as lições seriam: leitura oral e leitura silenciosa. (Art. 63. Decreto n. 8.538, de 12 de
fevereiro de 1925).
No segundo ano os alunos reproduziriam em linguagem própria os pensamentos
essenciais e o professor faria a inserção da sinonímia e deveria estimular a leitura extraclasse
e o aluno em aula deveria relatar o autor e os pontos interessantes do livro lido em casa. (Art.
63. Decreto n. 8.538, de 12 de fevereiro de 1925).
No terceiro ano o aluno já deveria ler perfeitamente. E para julgar a leitura silenciosa
deveria ser feito alguns testes semanais, por meio de perguntas de um trecho escolhido pelo
professor e as respostas deveriam ser escritas em folha com sentenças completas. No quarto
ano o aluno deveria ler com expressão e naturalidade. (Art. 63). No ensino da escrita a
preocupação seria com legibilidade, regularidade e rapidez com que a letra é traçada. (Art.
64). Decreto n. 8.538, de 12 de fevereiro de 1925).
De acordo com o Decreto n. 8.538, de 12 de fevereiro de 1925 o ensino da língua pátria
era de grande importância para o individuo ser eficiente na sociedade; era também o mais
poderoso vínculo da federação brasileira. (Art.65).
No primeiro ano ensinaria o aluno a falar com relativa correção, falar em publico e com
voz clara. As regras gramaticais seriam deduzidas dos exemplos para despertar no aluno o
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gosto pela observação e indução. No segundo ano deveria desenvolver a imaginação do aluno,
introduzindo diálogos, escrevendo pequenas notas, convites de festas. No terceiro os
exercícios escritos deveriam ser frequentes, merecendo especial atenção as composições, que
seriam lidas em sala de aula para as correções. As regras de gramática seriam ensinadas em
caráter prático, aproveitando os trabalhos escritos dos alunos. No quarto ano, seriam feitos
exercícios de cartas e documentos oficiais. Aproveitando as lições de história pátria, fazendo
redações. E as regras gramaticais seguiriam as dos anos anteriores. (Art. 65. Decreto n.
8.538, de 12 de fevereiro de 1925).
O Regulamento de instrução primária de 1930 estabeleceu que o ensino nos grupos
escolares fosse de 3 anos (Art.15), diferentemente do Decreto n. 8.538, de 12 de fevereiro de
1925, que havia prescrito um curso de 4 anos. Assim, o Programa de Ensino para a escola
primária de 1930 do Estado de Goiás prescreveu as disciplinas, os conteúdo a ser ministrado,
e as metodologias de ensino aprendizagem nos três anos de escolaridade do grupo escolar. As
disciplinas existentes nos três anos são: leitura, caligrafia, linguagem (oral e escrita),
aritmética, desenho, geografia, história, instrução moral e cívica, música trabalhos manuais e
ginástica. No 1º e 2 anos a disciplina acresce-se a formas e a lições de coisas. No 3º ano,
geometria e ciências físicas e naturais.
O programa de ensino previa para o 1º ano, no que se refere ao ensino de leitura, o
método analítico, e em linguagem, que as lições caminhassem paralelamente com as lições de
coisas, para que a linguagem fosse sempre o resultado das observações realizadas. As lições
de coisas teriam como conteúdo noções de ciências físicas e naturais, com objetos à vista e à
mão dos alunos, ou então por meio de uma estampa. Essas lições não constituíam o ensino
científico, apenas visavam o desenvolvimento intelectual pelo cultivo das faculdades de
observação, tendo como preocupação o ponto de vista educativo e utilitário. Indicava que
sempre que possível como o mesmo objeto a diversas lições do dia de modo que a unidade de
impressão dessas diversas formas de ensino deixasse um traço mais duradouro no espírito da
criança. A ordem das lições deveria se regulada pela ordem da estação para que a natureza
pudesse oferecer os objetos das lições, assim as crianças teriam o hábito de observar
comparar e julgar.
No 2º ano para a classe de leitura era prevista leitura corrente, com desembaraço e
dicção clara. Para a linguagem, desta classe em diante alternavam-se os exercícios de redação
com elocução e de vocabulário. E nos trabalhos de linguagem o professor só permitiria que o
aluno escrevesse palavras que conhecesse o significado e a grafia. Na linguagem oral o
professor cuidaria do desenvolvimento da língua materna de modo mais ativo, atrativo e
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proveitoso. E as lições de coisas continuariam ensinando a criança a ver, descrever e ordenar
e precisar os resultados da observação. No 3º ano na classe de leitura deveria ser possível
conseguir uma boa leitura corrente. Na linguagem o aluno deveria ser preparado para um
novo gênero de composição. Os exercícios de redação deveriam ser variadíssimos, mas
poderiam ser agrupados em três gêneros: descritivo, narrativo e epistolar. Sendo a
observação fonte primordial das ideias dever-se-ia iniciar pelo exercício de observação que
corresponderia a descrição e as narrações. Nestes exercícios os alunos deveriam descrever e
contar o que viam e o que sentiam. Depois deveriam ser iniciados na redação das cartas com
motivos práticos e fáceis que fossem reais. (Programa de Ensino para as Escolas Primárias de
1930).
O Regulamento do ensino primário do Estado de Goiás de 1937 estabeleceu que o curso
primário no Estado de Goiás realizado nos grupos escolares seria de quatro anos e manteve o
ensino intuitivo e as lições de coisas, como pode ser verificado no trecho que se segue:
As matérias que constituem o ensino primário [...] devem ser ensinados como se fossem [...] meios de desenvolver o raciocínio, o julgamento e a iniciativa das crianças oferecendo-lhes a oportunidade de exercer o seu poder de observação, de reflexão e de aplicar as noções adquiridas (Art.50). As lições devem ser organizadas de forma que se mantenham ao nível de desenvolvimento mental as crianças [...] (Parágrafo único).
O Regulamento prescreveu que o programa de ensino dos grupos escolares seria
publicado no “Correio Oficial” até o dia 14 do mês de janeiro de cada ano. (Art.55,
Regulamento de 1937).
A análise do método intuitivo e das lições de coisas no grupo escolar Antensina
Santana, deu-se por meio do conteúdo disciplinar, linguagem, analisando os exercícios
escolares de composição nos anos de 1946, 1948 e 1949.
O corpus documental é composto por 12 composições classificadas como: descrição,
narração, carta e convite. Assim, distribuídos: no ano de 1946, três composições: Descrição,
narrativa e convite. A descrição foi intitulada “Um pique-nique”, a narrativa, “O prêmio de
Alexandre” e o convite foi dirigido a uma das professoras convidando-a para ser a paraninfa
dos formando do 4º ano. Os do ano de 1948, num total de quatro com os seguintes gêneros
textuais: uma carta, e três descrições. A carta era de uma amiga para outra contando as
novidades. As três descrições foram intituladas: “Na fazenda”. No ano de 1949 foram cinco
trabalhos do tipo descrição, três intitulados: “Que menina asseada” e um “Rumo diferente” e
outro “Caminho diferente”.
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As composições revelam traços do método do ensino intuitivo e das lições de coisas e o
cumprimento das prescrições legais goianas. O Decreto n. 10.640, de 10 de fevereiro de 1930,
estabelece que: as professoras deveriam exigir que os trabalhos escolares fossem sempre bem
cuidados escritos com capricho. (Art.312). E que os exercícios de linguagem fossem
frequentes com especial atenção às composições (Decreto n. 8.538, de 12 de fevereiro de
1925). O que é possível observar pelo registro escolar de tais exercícios, considerando que os
que foram transcritos para o livro ata provavelmente foram os considerados melhores pelos
professores. Os que atendiam as regras gramaticais, e a capacidade de observação e de escrita
de acordo com os princípios estabelecidos pela legislação e programas do ensino primário.
A composição feita pela aluna Benedita Ramos em 1946 além dos aspectos acima
mencionados revela outros traços, como por exemplo, respeitar que a ordem da lição levasse
em consideração a ordem da estação para que a natureza oferecesse os objetos da lição. O que
pode ser verificado no trecho que se segue:
Nós, da classe de D. Consuelo, pedimos a diretora para fazer para o 4º ano um pique-nique. Ela consentiu mas, disse que só quando desse uma chuva. No dia 8 choveu muito. Ficamos alegres e, segunda-feira foi marcado para o dia seguinte, 10 de setembro, o nosso passeio. As 7 horas da manhã já estavamos no grupo. O dia estava fresco próprio mesmo para um pique-nique. (1946).
A composição da aluna Lázara Miranda de 1948, é uma descrição de suas ações na
fazenda ao se levantar e destaca que respirava o ar fresco da manhã, ou seja, uma observação
sobre a natureza e sobre o cotidiano. Aspecto preconizado pelo método intuitivo e pelas lições
de coisas, ou seja, sempre partir da realidade do aluno e observar usando os cinco sentidos.
“Eu me levantava cedo, escovava os dentes e lavava o rosto em água fria da bica,
respirava o ar fresco da manhã [...]” (1948).
De acordo com as prescrições legais as lições deveriam ser práticas e concretas, com
conteúdos utilitários e que fossem reais e os alunos deveriam descrever e contar o que viam e
sentiam. Aspectos que podem ser observados nas composições acima e na que se segue:
Veneranda dona Belmira Temos o prazer de convidá-la para nossa madrinha. Temos a honra de fazer-lhe esse convite por saber, por intermédio da nossa diretora, que a senhora foi professora durante 31 anos. Estragou sua mocidade, deu sua vida moça pelos homens de amanhã. Esperamos a sua presença para ser a paraninfa do 4º ano. Hélio Fernandes Em nome do 4º ano.
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O aluno Hélio Fernandes escreveu o gênero convite, com um assunto prático e que fazia
parte da realidade que toda a turma estava experenciando.
Considerações Finais
Em Goiás foi implementado o método intuitivo e as lições de coisas foram inseridas
como matéria específica, especificamente no programa de ensino de 1930. No grupo escolar
Antensina Santana os exercícios de composição do 4º anos nos anos de 1946, 1948 e 1949
revelaram que o método intuitivo e as lições de coisas foram implementadas pela unidade de
ensino.
Certamente há vários outros indícios do método intuitivo e das lições de coisas no
grupo escolar em questão. Como esta pesquisa está em andamento as nossas considerações
são realmente preliminares.
Referências
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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 2114
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