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EURICO MONTEIRO AS PESCAS PORTUGUESAS

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EURICO MONTEIRO

AS PESCAS PORTUGUESAS

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FICHA TÉCNICA

TITULO:

As pescas portuguesas

AUTOR :

Eurico Monteiro

EDITOR :

Academia das Ciências de Lisboa

ORGANIZAÇÃO

Academia das Ciências de Lisboa

R. Academia das Ciências, 19

1249-122 LISBOA

Telefone : 213219730

Correio Electrónico : [email protected]

Internet : www.acad-ciencias.pt

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Proibida a reprodução, no todo ou em parte, por qualquer meio, sem autorização do Editor

LAYOUT E PAGINAÇÃO

João Fernandes

Susana Marques

ISBN :

978-972-623-114-1

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AS PESCAS PORTUGUESAS

Eurico Monteiro

Durante anos houve a convicção de que os recursos pesqueiros dos Mares e Oceanos eram

um dom inesgotável da natureza. O exercício da pesca pelo Homem, desde tempos imemoriais,

aliado à utilização de fracos meios tecnológicos, permitiram acalentar essa convicção.

Porém, o advento da revolução industrial acarretou uma grande evolução da tecnologia

pesqueira, traduzida, nomeadamente, numa alteração substancial no que respeita à propulsão dos

navios de pesca, o que permitiu alargar as respectivas áreas de operação. Foram, também,

introduzidos sistemas de congelação a bordo que resolveram, em boa parte, as questões de

conservação colocadas pela natureza perecível do pescado. Paralelamente, a disponibilização de

eficazes meios de transporte aproximou os locais de captura dos locais de consumo. Todos estes

factores tornaram a pesca muito mais eficiente e contribuíram para um aumento exponencial do

consumo e, concomitantemente, das capturas. Evidenciaram, porém, que, afinal, os recursos vivos

dos Mares e Oceanos são esgotáveis.

A pesca tem, naturalmente, impacto no estado dos recursos. Mas não podemos esquecer que

outras actividades humanas produzem idênticos efeitos. As emissões de gases nocivos para a

atmosfera, a poluição das zonas costeiras e os derrames petrolíferos, entre outros fenómenos, têm

consequências desastrosas para os ecossistemas marinhos, afectando-os de forma muito significativa.

A crédito das pescas não podemos, no entanto, deixar de invocar que se trata de uma

actividade com enorme peso a nível do emprego (um emprego no mar cria quatro empregos no sector

secundário), da dinamização de inúmeras comunidades costeiras e do fornecimento de proteína de

elevada qualidade para a alimentação humana. A FAO estima que, de forma directa ou indirecta, e

considerando as pessoas a cargo, cerca de 520 milhões de pessoas são tributárias do sector das

pescas, ou seja, cerca de 8% da população mundial. E o pescado contribui com 15% para o total de

proteínas animais destinadas ao consumo humano.

A produção mundial da pesca extractiva (capturas marinhas) cifrava-se, nos anos 50, em 17

milhões de toneladas, duplicando no espaço de uma década e quadruplicando nos anos 80 (70

milhões de toneladas). O máximo da produção foi atingido em 1996 (87,7 milhões de tons.)

registando-se, a seguir, uma redução das capturas e a sua estabilização, com flutuações anuais, nos

80 milhões de tons (Review of the State of World Marine Fisheries Resources – FAO 2011).

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A II Guerra Mundial funcionou como um período de “defeso de pesca”, permitindo que as

capturas aumentassem, posteriormente, de forma substancial. Essa intensa exploração conduziu,

como não podia deixar de ser, a uma situação de empobrecimento de alguns dos principais

pesqueiros mundiais.

A breve caracterização das pescas portuguesas a que iremos proceder desenvolve-se neste

enquadramento. Abordará, sucessivamente, os indicadores físicos e as condicionanates exógenas, a

evolução das capturas e da frota, a aquicultura, a indústria transformadora e a balança comercial dos

produtos da pesca, concluindo com a proposta de algumas prioridades estratégicas para o sector.

I-INDICADORES FÍSICOS e CONDICIONANTES EXÓGENAS

Graças à sua extensa costa continental e aos arquipélagos dos Açores e da Madeira, Portugal

possui a maior Zona Económica Exclusiva (ZEE), no Oceano Atlântico, de entre todos os Estados

Membros da União Europeia. Ocupa uma área de 1,85 milhões de quilómetros quadrados, e é, grosso

modo, vinte vezes maior que o nosso território.

Porém, a zona da plataforma continental com profundidades até à isóbata dos 200 metros, ou

seja, a zona que recebe luz solar suficiente para que ocorra o fenómeno da fotosíntese e, portanto, a

zona mais propícia à fixação e desenvolvimento das espécies marinhas, isto é, a zona mais favorável

à actividade pesqueira, não representa mais do que 20.000 quilómetros quadrados.

Temos, portanto, uma enorme ZEE, com uma importante variedade de espécies de elevada

qualidade, mas, seguramente, não temos uma ZEE proporcionalmente rica em abundância de

pescado.

Isso justifica que, desde há séculos, nos tenhamos lançado na busca de novos pesqueiros que

encontrámos quer no Atlântico Norte, quer no Atlântico Sul: a Norte, ao largo do Canadá e da

Gronelândia, vivemos a Epopeia dos Bacalhaus; e a Sul, ao largo da actual Namíbia e República da

África do Sul, reforçámos o gosto pela “pescada” iniciando as primeiras operações de congelação de

peixe a bordo. A campanha da “Menina pescadinha, sempre fresca e mais apetitosa” marcou essa

época.

A relativa escassez de pescado existente na nossa ZEE e a necessidade de procurarmos

pesqueiros alternativos explica que, das duas espécies mais apreciadas pelos portugueses, uma, o

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bacalhau, é inexistente nas nossas águas, e a outra, a pescada, está disponível em quantidades

manifestamente insuficientes para satisfação da procura.

A Pesca do Largo ou Longínqua, que a frota portuguesa praticou como solução

complementar e alternativa, sofreu, porém, um sério revés com o estabelecimento das ZEE, que veio

a ser inscrita na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Assinada em Montego Bay,

em 1982, a Convenção consagrou a tendência, iniciada na década de setenta, de apropriação pelos

Estados Costeiros dos recursos vivos existentes na faixa das duzentas milhas medidas a partir das

linhas de base das suas costas. Com efeito, a criação generalizada de ZEE conferiu aos Estados

Costeiros direitos soberanos sobre 90% dos recursos vivos dos Oceanos.

Esta evolução do Direito Internacional afastou dos pesqueiros tradicionais as nossas frotas e

as de outros países que praticavam a Pesca Longínqua sempre que os Estados Costeiros se

mostraram desinteressados de negociar acordos de pesca bilaterais.

O caso da Namíbia é paradigmático. Declarada a independência, em Março de 1990, a

Namíbia não assinou nenhum acordo de pesca permitindo o acesso de navios de outros países à sua

ZEE, tendo optado por explorar os seus recursos com meios próprios de captura. Portugal perdeu,

por este facto, uma quota de pesca de pescada da ordem das 30.000 toneladas que detinha no quadro

da Organização Internacional que, à data, geria os recursos naquela área (ICSEAF – International

Commission for South East Atlantic Fisheries). Para se ter uma ideia mais concreta das implicações

destas evoluções, verificadas a nível político e do Direito Internacional, basta dizer que a quota de

pescada que Portugal pode capturar na sua ZEE, quota fixada a nível Comumitário e de acordo com

os melhores pareceres científicos disponíveis, foi, em 2011, de, apenas, 3.194 toneladas.

Mas, mesmo quando os Estados Costeiros se disponibilizam a negociar acordos de pesca

permitindo o acesso de navios com pavilhão de terceiros países às suas ZEE, esse acesso é limitado

aos excedentes que as respectivas frotas não estão em condições de capturar. O acesso é, portanto,

feito de forma limitada, controlada e mediante a prestação de contrapartidas financeiras e de outra

natureza.

Portugal teve, em consequência, de adaptar-se a estes novos condicionalismos. A partir do

momento em que a pesca deixou de ser livre para lá da faixa das 12 milhas e os Estados Costeiros

iniciaram o movimento de apropriação dos recursos vivos das suas águas, os países que praticavam a

Pesca Longínqua tiveram que redimensionar as suas frotas e limitar a actividade, de forma

substantiva, às suas fronteiras marítimas. Por estas razões estruturais, que lhe são alheias, Portugal é

hoje, essencialmente, um País de Pesca Local e Costeira e não já da Pesca Longínqua.

Esta evolução ocorreu, no essencial, até ao período da nossa adesão à, então, Comunidade

Económica Europeia (CEE). O que sucedeu às pescas portuguesas no que respeita ao acesso a zonas

de pesca, não tem, portanto, neste particular, a ver com a nossa adesão. E o processo de adaptação e

modernização que o sector português das pescas, lato sensu, teve que concretizar, teria tido

consequências muito mais nefastas caso Portugal não tivesse beneficiado dos importantes fundos

estruturais disponibilizados pela União Europeia.

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Como veremos a seguir, as capturas portuguesas são insuficientes para as necessidades do

consumo interno, como, aliás, sempre foram, não por falta de uma maior frota de pesca mas, isso

sim, por escassez de recursos na sua extensa ZEE e por dificuldades de acesso a pesqueiros externos.

Para isso contribui, também, o elevado consumo de pescado, per capita, em Portugal, que é o maior,

a nível da União Europeia.

II- CAPTURAS

As capturas portuguesas atingiram, em 2010, as 222.246 tons, das quais 180.182 foram

provenientes de águas nacionais e 42.064 de águas externas. Portugal ocupa, em volume de capturas,

a 7ª posição a nível da União Europeia e a 47ª posição a nível mundial.

O quadro abaixo mostra que as capturas nacionais eram da ordem das 250.000 tons antes da

adesão, tendo aumentado consideravelmente após a entrada na CEE, para depois sofrerem nova

queda até 2000, altura a partir da qual se regista uma tendência para uma ligeira recuperação.

O aumento de capturas nos primeiros anos da adesão contraria a ideia generalizada de que a

União Europeia é a causa de todos os males da pesca portuguesa. O aumento poderá ter a ver com

um diferente tratamento estatístico mas explica-se, sobretudo, por três razões.

Em primeiro lugar, as quotas portuguesas, na Zona NAFO – Northwest Atlantic Fisheries

Organization, tradicional zona de pesca da frota bacalhoeira portuguesa, passaram, no período

1987/90, em média, das 4.000 para as 30.000 tons/ano. Antes da adesão, a posição negocial

portuguesa consistia em não objectar as quotas da NAFO e, no quadro de um entendimento bilateral

com o Canadá, garantir um acesso limitado a quotas de pesca no interior da ZEE deste país. Com a

adesão, Portugal passou a beneficiar da posição negocial comunitária que era, na altura, de objectar

as quotas propostas pela NAFO, quando considerava não haver base científica que as sustentasse, e

fixar, unilateralmente, as quotas por si consideradas mais adequadas.

Em segundo lugar, no âmbito do primeiro acordo bilateral de pescas União Europeia/

Marrocos (1988), Portugal garantiu o licenciamento estável de 45 navios com capturas médias de

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15.000 tons/ano. Ora, antes da adesão, Portugal não tinha nenhum acordo bilateral de pesca com

Marrocos, por não dispor de poder negocial que lhe garantisse acesso aos recursos haliêuticos

marroquinos. Estava em vigor, apenas, um acordo de cooperação ao abrigo do qual este país

disponibilizava algumas possililidades de pesca quando assim o entendia.

Finalmente, e em terceiro lugar, Portugal obteve, em 1993, pela primeira vez, no âmbito do

Acordo do Espaço Económico Europeu, uma quota de pesca de bacalhau na ZEE da Noruega (3260

tons), não obstante ser o primeiro importador mundial desta espécie. Nestes três casos, Portugal

garantiu o acesso a pesqueiros devido ao facto de estar integrado na União Europeia, algo que seria

muito difícil obter de forma isolada.

Relativamente às capturas efectuadas nas águas nacionais é importante sublinhar que apenas

três espécies pelágicas – sardinha, cavala e carapau – representam 50% das capturas totais. Como já

referido, na nossa ZEE dispomos de uma considerável variedade de espécies, de boa qualidade (“o

melhor peixe do mundo”) mas em quantidades reduzidas. É importante referir, também, que, na ZEE

portuguesa, para além da nossa frota apenas opera a frota de Espanha na base de acordos bilaterais

estabelecidos numa base de reciprocidade de acesso.

III – FROTA

Em 2010, estavam registadas na frota de pesca portuguesa 8.492 embarcações, ocupando o

nosso país a 4ª posição, a nível comunitário, a seguir à Grécia, Itália e Espanha. Se considerarmos

outros parâmetroa que não o número de embarcações – tonelagem de arqueação bruta ou potência –

Portugal ocupa a sexta posição.

Os quatro Estados Membros com maior número de embarcações registadas são todos países

do sul da Europa, o que se explica pela especificidade das pescarias que praticam e pelas condições

de mar que prevalecem na sua área geográfica.

No caso português, 87% da frota tem menos de 5 GT (toneladas de arqueação) e 90% tem

menos de 12 metros de comprimento de fora a fora. Somos, como já referido, um país de Pesca

Local e Costeira que desenvolve a actividade de pesca sobretudo em águas sob sua soberania ou

jurisdição.

O número de embarcações registadas sofreu um grande decréscimo desde a data da adesão à

CEE, quando estavam registadas 17.997 embarcações.

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Tal facto tem a ver, provavelmente, com ajustamentos de métodos estatísticos mas,

sobretudo, com a necessidade de a frota se adapatar aos recursos de pesca disponíveis, o que tem

levado ao abate selectivo das embarcações mais obsoletas as quais, no actual quadro de operação,

não encontram condições para uma actividade rentável apesar dos apoios financeiros, de vária

ordem, que são disponibilizados.

Porém, a opinião pública tende a considerar que, com uma frota dotada de um maior número

de embarcações, e considerando a extensa ZEE de que dispõe, Portugal poderia aumentar

substancialmente as suas capturas e reduzir a sua dependência das importações de produtos da pesca.

Sobre a riqueza da nossa ZEE já tivemos oportunidade de nos pronunciar. Quanto à dimensão

da frota, convém referir que, a partir de 2000, as capturas têm vindo a aumentar apesar de a frota

continuar a registar uma tendência para decrescer. Isto significa uma maior produtividade da frota e

maior rendimento para os armadores e pescadores. E significa, também, que a frota que possuimos

poderia realizar capturas superiores desde que houvesse recursos pesqueiros disponíveis nas nossas

águas, em águas sob soberania ou jurisdição de terceiros países ou no alto mar, e a eles tivessemos

acesso.

A política de abate selectivo e voluntário de embarções que Portugal tem adoptado revela-se,

a meu ver, adequada, tendo permitido o ajustamento da frota aos recursos pesqueiros disponíveis

com apoios financeiros. Tais apoios, tudo leva a crer, não estarão disponíveis no âmbito da nova

Política Comum das Pescas e do futuro Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e da Pesca que

deverão entrar em vigor em 2013 e 2014, respectivamente.

A dimensão da frota, só por si, não justifica o volume de capturas: o 2º maior produtor da

União Europeia, a Dinamarca, com 653.000 tons, tem uma frota de 2.900 embarcações, de maior

porte, adaptadas às condições de mar onde operam e efectuando capturas maioritariamente

0

5.000

10.000

15.000

20.000

1986 1990 1995 2000 2005 2010

17.997

13.910 11.846

10.750 9.955 8.492

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destinadas a fins industriais. Em Portugal, os métodos de pesca utilizados são mais selectivos e as

capturas destinam-se ao consumo humano.

É muito provável que a frota portuguesa continue a registar uma tendência para a redução.

Tal facto não deverá ter qaisquer implicações a nível do volume de capturas. Com efeito, mais do

que o número de embarcações registadas na frota de pesca, importa contabilizar o número de

embarcações licenciadas para a actividade da pesca. Ora, de acordo com números do Instituto

Nacional de Estatística (Estatísticas da Pesca – INE, 2009) das 8.562 embarcações que se

encontravam registadas na frota de pesca em 2009, apenas 5.128 foram licenciadas.

IV – AQUICULTURA

A produção aquícola cifrou-se, em 2010, em 8.104 tons, registando, na última década,

aumentos pouco significativos. A produção desenvolve-se, sobretudo, em instalações em terra,

utilizando águas salgadas e salobras – 7.063 tons - e está centrada em três espécies – dourada,

ameijoa e robalo. A produção de água doce atinge as 951 tons, essencialmente de truta.

A produção nacional representa, apenas, 3% das capturas, contra 20% na União Europeia e

50% a nível mundial.

Conhecida a relativa escassez de recursos da nossa ZEE e as cada vez maiores dificuldades de

acesso a pesqueiros externos, a aquicultura apresenta-se como um complemento indispensável à

actividade da pesca (captura) para os países que pretendam aumentar a oferta de produtos

haliêuticos.

O desenvolvimento da aquicultura surge, pois, como uma aposta estratégica fundamental,

sendo necessário diversificar as produções, garantir a qualidade dos produtos e respeitar as regras

ambientais que assegurem uma aquicultura sustentável.

0

2000

4000

6000

8000

10000

1990 1995 2000 2005 2010

4050 5040

7536 6696

8104

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A inauguração, em 2009, da maior unidade mundial de produção de pregado, com 1.800

tanques, ocupando uma área de 570.000 metros quadrados e com capacidade para quase duplicar a

actual produção portuguesa, é um passo importante no sentido da redução do tradicional défice da

balança comercial dos produtos da pesca.

V – INDÚSTRIA

A indústria transformadora de pescado foi responsável pela produção, em 2009, de 203.017

tons de produtos transformados. A evolução registada nos últimos anos mostra uma clara tendência

para o aumento das produções, apesar da redução do número de unidades activas.

Considerando o valor da produção da indústria transformadora, Portugal ocupa a 9ª posição a

nível comunitário ( 717 milões de euros).

O subsector dos congelados é o que assume maior relevo em volume de produção (109.470

tons), seguido do subsector dos secos e salgados (53.016) e das conservas (40.531). Porém, o

subsector das conservas é o único em que Portugal é excedentário, o que também é revelador do

baixo consumo interno deste tipo de produtos.

A indústria transformadora soube adaptar-se às novas condições de mercado e aproveitou os

fundos disponíveis para se modernizar e adequar-se às exigentes regras higio-sanitárias que está

obrigada a cumprir. Soube, também, inovar (bacalhau seco ultra congelado e demolhado) e

diversificar as produções (pratos pré cozinhados).

A principal debilidade deste segmento tem a ver com a grande dependência relativamente a

parte substancial da matéria que utiliza para laborar. Referimo-nos, nomeadamente, às importações

de bacalhau, para a indústria da salga e seca e, em menor escala, às importações de atum para a

indústria de conservas.

VI – BALANÇA COMERCIAL

A balança comercial dos produtos da pesca apresenta, tradicionalmente, um saldo negativo.

Em 2010 exportámos 155.867 tons de produtos da pesca e importámos 381.918 tons, com um saldo

negativo de 226.051 tons. e um défice comercial de 666 milhões de euros.

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Importações

382 mt

Capturas

222 mt

Aquicultura

8mt

612 mil tons

Exportaç

156 mil tons

Utilizações não alimentares

n.d.

Mercado

456 mil tons

Este défice crónico explica-se por diferentes ordens de factores.

Desde logo porque, como tentámos demonstrar, possuimos uma extensa ZEE que não é

proporcionalmente rica em quantidade de espécies capturáveis. Esse facto estará na origem da nossa

vocação para a chamada Pesca Longínqua. Porém, com a criação generalizada de Zonas Económicas

Exclusivas vimo-nos afastados de pesqueiros tradicionais onde realizávamos importantes capturas de

duas das espécies mais apreciadas pelos portugueses, como vimos, o bacalhau e a pescada. E, mesmo

no Alto Mar, a actividade da pesca é actualmente gerida por Organizações Regionais de Gestão das

Pescas e, em consequência, com o acesso muito limitado e controlado.

Todos estes desenvolvimentos, mais evidentes após as negociações que culminaram com a

assinatura, em 1982, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, têm por objectivo

garantir uma pesca sustentável. Mas, inevitavelmente, impuseram a necessidade de profundas

alterações no padrão de actividade das frotas de todos os países, especialmente daqueles que

praticavam a Pesca Longíngua.

Porém, Portugal, mesmo quando havia liberdade de pesca para lá das 12 milhas, já

apresentava uma balança comercial dos produtos da pesca deficitária.

É que Portugal é o maior consumidor de produtos da pesca a nível da União Europeia ( 55,6

Kg/per capita/ano) e o teceiro maior consumidor a nível mundial, logo após a Islândia (90,9 Kg) e o

Japão (61,2 Kg).

Este elevado consumo explica-se, nomeadamente, pelo facto de sermos grandes

consumidores de bacalhau salgado seco. Com efeito, para preparar um Kg de bacalhau salgado seco,

são necessários, aproximadamente, 3Kg de bacalhau à saída da água. E, em termos estatísticos, para

este fim, o que é contabilizado é o peso do peixe no momento da captura e não o peso do peixe

depois de passar pelo processo de salga e seca.

A média anual do consumo de pescado na União Europeia é de 22Kg/ per capita e, a nível

mundial, é de 16Kg.

Se o nosso consumo de pescado se situasse dentro destes parâmetros, Portugal seria auto-

suficiente, considerando o volume de capturas da sua frota e a produção aquícola.

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VII – PRIORIDADES ESTRATÉGICAS

1. PROMOVER PESCAS SUSTENTÁVEIS E DESENVOLVER AS ZONAS

COSTEIRAS

A viabilidade económica e a competitividade do sector das pescas pressupõem a definição

de estratégias que tomem em consideração o estado dos recursos ( a avaliação científica é

fundamental), única via para garantir a sua exploração sustentável.

Segundo dados da FAO, 57,4% dos recursos, a nível mundial, estão plenamente explorados,

29,9% estão sobreexplorados e só 12,7% dos recursos não estão plenamente explorados.

O elevado consumo de pescado por parte dos portugueses, as características da sua ZEE e as

reduzidas capturas que a sua frota efectua em águas sob soberania ou jurisdição de países terceiros e

no Alto Mar, tornam o país altamente dependente das importações de pescado.

Para o aumento da produção nacional poderão contribuir, a prazo, a utilização de artes de

pesca mais selactivas e, por exemplo, a implantação de recifes artificiais que criam condições

favoráveis à fixação e reprodução das espécies e, simultaneamente, inviabilizam práticas de pesca

destrutivas em zonas sensíveis. No Algarve foi construído o maior sistema recifal da Europa,

ocupando uma área de 50 Km2. Um outro recife artificial está em construção ao largo da Nazaré.

A Ocean 2012/New Eonomic Foundation (NEF) considera que, em 2012, Portugal atingiu o

Dia da Dependência do Pescado – dia a partir do qual deixa de ser auto suficiente – a 30 de Março

(face a 6 de Julho para a União Europeia).

Será importante que os hábitos de consumo dos portugueses se vão alterando, passando a

consumir, preferentemente, espécies mais abundantes nas suas águas (espécies pelágicas – verdinho,

sarda, cavala) por forma a reduzir as importações de certas espécies, nomeadamente o bacalhau.

Paralelamente, os consumidores têm que adoptar uma postura mais exigente, informando-se

sobre a origem do pescado e optando por comprar espécies provenientes de uma exploração

sustentável dos recursos.

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Esta necessidade de garantir pescas sustentáveis, aproximando as capturas do rendimento

máximo sustentável, poderá exigir uma redução adicional da frota, embora Portugal já venha

percorrendo este caminho através do abate selectivo, ao longo de anos, das embarcações de pesca

mais obsoletas, sempre numa base voluntária.

A redução da frota é um dos temas principais em discussão no âmbito da nova Política

Comum das Pescas que deverá entrar em vigor em Janeiro de 2013.

A Comissão pretende acabar com os apoios financeiros ao abate de embarcações,

apresentando como alternativa para a redução da frota o estabelecimento de um sistema de

Concessões de Pesca Transferíveis. Os armadores passariam a ser proprietários, por períodos

mínimos de 15 anos, de direitos de pesca que poderiam utilizar ou vender o que, como está

demonstrado, conduziria a uma concentração de possibilidades de pesca em empresas detentoras de

maior capacidade financeira. A concentração de direitos de pesca, sobretudo em países

maioritariamente da pesca artesanal, pode levar a uma desagregação das pequenas comunidades

pesqueiras, com importantes consequências a nível social.

A proposta tem sido contestada por Portugal, alguns outros Estados Membros e, até, por

Organizações Ambientalistas, por considerarem que o sistema, em si, não garante uma melhor gestão

dos recursos, sendo desejável que os Estados Membros possam escolher o sistema de gestão das

pescarias mais ajustado às suas especificidades.

2. REFORÇAR, INOVAR E DIVERSIFICAR O SECTOR AQUÍCOLA

O aumento e diversificação da produção aquícola surge, naturalmente, como a via mais

adequada para Portugal reduzir o crónico défice da sua balança comercial de produtos da pesca.

Quando comparamos a nossa produção, obtida quase exclusivamente a partir de viveiros e de

tanques instalados em terra, com os volumes atingidos a nível comunitário e mundial, não podemos

deixar de nos interrogar sobre os motivos que estarão na base de produções tão reduzidas da nossa

aquicultura.

É certo que, embora tendo uma extensa linha de costa, as condições de mar não são as mais

adequadas para a instalação de estruturas flutuantes sendo, por isso, difícil concorrer com a

produção de certos países do Mediterrâneo ou mesmo do norte da Europa.

Para ultrapassar estes constrangimentos importa reforçar as parcerias entre as entidades de

investigação e o sector produtivo e estabelecer um plano de ordenamento da actividade aquícola que

estimule o estabelecimento de novas unidades, incluindo unidades offshore.

É, também, fundamental que o desejável aumento da produção se faça de forma sustentável,

diversificando as espécies produzidas, garantindo produtos de qualidade e respeitando as regras

ambientais.

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3. CRIAR MAIS VALOR E INTERNACIONALIZAR A INDÚSTRIA

TRANSFORMADORA

A indústria transformadora tem-se adaptado às novas exigências, quer de âmbito higio-

sanitário, quer de mercado.

Essa tendência deve consolidar-se e aprofundar-se apostando mais na transformação de

produtos da pesca e aquicultura nacionais, como forma de criar mais valor e reduzir a dependência

de matéria-prima importada.

Como objectivos prioritários podem identificar-se a verticalização da produção, a

internacionalização das empresas, com aumento das exportações e abertura de novos mercados e o

investimento em factores intangíveis de competitividade incluindo a formação profissional, a criação

de marcas próprias e o marketing.

4. REFORMULAR O MODELO ORGANIZATIVO DO SECTOR

PRODUTIVO

Como consequência de sermos um país de Pesca Local e Costeira as empresas armadoras são,

maioritariamente, pequenas empresas familiares, por vezes com deficiências a nível da gestão e da

exploração e com estruturas financeiras pouco consolidadas. Algumas destas fragilidades estão,

também, presentes nos subsectores da indústria transformadora e, sobretudo, da aquicultura.

As organizações representativas do sector, Organizações de Produtores e, sobretudo,

Associações, existem em número excessivo , por vezes com pouca representatividade e pouco

profissionalismo a nível da gestão, e com insuficiente intervenção a nível dos circuitos de

comercialização.

A necessidade de reformulação deste modelo organizativo deve ser assumida pelos

profissionais do sector. Ela é ainda mais importante se considerarmos que estamos integrados na

União Europeia e que as pescas e a agricultura constituem as duas áreas em que mais se avançou em

termos de política comum. Significa isso que os regulamentos comunitários são directamente

aplicáveis nos Estados Membros e são eles que fixam as principais normas em matéria de acesso,

gestão e conservação dos recursos, como, também, em matéria de organização dos produtos da

pesca. Embora com importantes excepções, os grandes pincípios em vigor são o da igualdade de

acesso aos recursos, o da liberdade de circulação de pessoas e bens e a definição de estratégias a

nível regional, considerando a União Europeia e não cada Estado Membro. A defesa dos interesses

de cada Estado Membro passa, sem dúvida, pela capacidade política e técnica dos Governos e das

respectivas Administrações Públicas. Mas passa, também, pela capacidade de afirmação e de

intervenção das empresas, Associações e Organizações de Produtores nos pesqueiros, nos mercados

e junto dos orgãos nacionais e comunitários que gerem o sector das pescas.

NOTA: os dados estatísticos utilizados têm como fonte publicações da Direcção Geral de

Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (ex Direcção Geral das Pescas e Aquicultura),

Page 16: AS PESCAS PORTUGUESAS€¦ · Portugal teve, em consequência, de adaptar-se a estes novos condicionalismos. A partir do momento em que a pesca deixou de ser livre para lá da faixa

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Instituto Nacional de Estatística, Direcção Geral dos Assuntos Marítimos e Pesca (Comissão

Europeia) e FAO.

Para mais desenvolvimentos pode consultar-se, entre outras publicações, o “Plano Estratégico

Nacional para a Pesca, 2007-2013”, edição da ex Direcção Geral das Pescas e Aquicultura, a edição

de 2010 de “A Política Comum da Pesca em números” e a “Review of the state of world marine

fishery resources”, FAO 2011.