As profecias que não se cumpriram

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BRASÍLIA: AS PROFECIAS QUE NÃO SE CUMPRIRAM SILVESTRE GORGULHO Brasília nasceu predestinada. Sob fogo cruzado da oposição, da elite e da mídia brasileira, Brasília nasceu também precoce- mente julgada e terrivelmente condenada. Estigmatizada! Os brasilienses candangos sempre buscaram resgatar a história da construção da nova Capital com muita emoção, com sentimento de humor e de alegria. Mas não foi bem assim para quem habitava o vasto e belo litoral brasileiro. Não há dúvida: no seu Centenário, em 2060, os historiadores vão colocar a construção de Bra- sília como uma das três datas mais importantes do Brasil como Nação. As outras duas seriam o Descobrimento e a vinda de D. João VI. A própria Independência ficará em quarto plano, como conseqüência da transferência da Corte de Lisboa para o Rio de Janeiro. Da mesma forma que, pela Brasília de hoje, desfilam heróis, a começar pelo presidente JK, Lucio Costa e Oscar Niemeyer, no final dos anos 50 desfilaram também vários profetas do caos. E é muito bom conhecê-los. São aqueles que queriam abortar o sonho de interiorizar a Capital. Pior: que condenaram o sonho e teimaram em não aceitar a realidade. Em 1974, ao falar no Senado Federal sobre o desenvolvimento de Brasília, Lucio Costa não escondeu sua emoção: “É estranho o fato, esta sensação de ver aquilo que foi uma simples idéia na minha cabeça se transformando nesta cidade enorme, densa, imensa, viva, que é Brasília hoje. Peço licença aos senhores. Me dêem um pouco de tempo. Estou muito emocionado”. No plenário, um silêncio profundo. A emoção contagiou a todos. Hoje, talvez, seja fácil justifi- car a obra, bendizer a epopéia de sua construção e se emocionar. Mas não foi assim. Brasília está indissoluvelmente ligada à teimosia e à ousadia de homens que ultrapassaram obstá- culos aparentemente intransponíveis. Até mesmo antes da posse de Juscelino. Conhecer algumas destas profecias que, felizmente, não se cumpriram, é também um momento de emoção.

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As profecias que não se cumpriram

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Brasília: as profecias que não se cumpriram

SILVESTRE GORGULHO

Brasília nasceu predestinada.

Sob fogo cruzado da oposição, da elite e da mídia brasileira, Brasília nasceu também precoce-mente julgada e terrivelmente condenada. Estigmatizada!

Os brasilienses candangos sempre buscaram resgatar a história da construção da nova Capital com muita emoção, com sentimento de humor e de alegria. Mas não foi bem assim para quem habitava o vasto e belo litoral brasileiro.

Não há dúvida: no seu Centenário, em 2060, os historiadores vão colocar a construção de Bra-sília como uma das três datas mais importantes do Brasil como Nação. As outras duas seriam o Descobrimento e a vinda de D. João VI. A própria Independência ficará em quarto plano, como conseqüência da transferência da Corte de Lisboa para o Rio de Janeiro.

Da mesma forma que, pela Brasília de hoje, desfilam heróis, a começar pelo presidente JK, Lucio Costa e Oscar Niemeyer, no final dos anos 50 desfilaram também vários profetas do caos. E é muito bom conhecê-los.

São aqueles que queriam abortar o sonho de interiorizar a Capital. Pior: que condenaram o sonho e teimaram em não aceitar a realidade.

Em 1974, ao falar no Senado Federal sobre o desenvolvimento de Brasília, Lucio Costa não escondeu sua emoção: “É estranho o fato, esta sensação de ver aquilo que foi uma simples idéia na minha cabeça se transformando nesta cidade enorme, densa, imensa, viva, que é Brasília hoje. Peço licença aos senhores. Me dêem um pouco de tempo. Estou muito emocionado”.

No plenário, um silêncio profundo. A emoção contagiou a todos. Hoje, talvez, seja fácil justifi-car a obra, bendizer a epopéia de sua construção e se emocionar. Mas não foi assim.

Brasília está indissoluvelmente ligada à teimosia e à ousadia de homens que ultrapassaram obstá-culos aparentemente intransponíveis. Até mesmo antes da posse de Juscelino. Conhecer algumas destas profecias que, felizmente, não se cumpriram, é também um momento de emoção.

1. “Não vou baixar nenhum decreto considerando a área do novo Distrito Federal de utilidade pública. Considero a medida intempestiva e uma providência utópica”. Do ex-presidente Café Filho, em abril 1955, quando o marechal José Pessoa, presidente da Comissão de Localização da Nova Capital levou para ele os estudos técnicos definindo a área do Distrito Federal.

2. “Afirma-se a necessidade da mudança da capital para garantir maior desenvolvimento econômico ao nosso hinterland. O argumento pró-mudança não tem nenhuma força”. Correio da Manhã (editorial) - 14 de outubro de 1956.

3. “Brasília será a maior ruína da história contemporânea. A diferença das outras, é que nunca será habitada por ninguém, já que não ficará pronta”. Carlos Lacerda - 1957.

4. “Brasília será para JK, o que as pirâmides são para os faraós: seu túmulo”. Carlos Lacerda - 1957.

5. “Afinal de contas para que tanta pressa? Para satisfação da vaidade? Bobagem. Quando se efetivar a mudança, daqui a 4, 8 ou 10 anos, far-se-á um obelisco monstro à entrada do El Dorado com a inscrição de que tudo aquilo é devido ao doutor Juscelino e dar-se-á o seu nome à Praça dos Três Poderes. Creio que assim ficará bem para a posteridade”.Editorial “Variações sobre a mudança”, de All Right. Correio da Manhã - 08/05/1958.

6. “O sr. Cardia, da censura, interrompeu o locutor Luiz Jatobá que lia uma crônica do jornalista Darwin Brandão, no programa “Noite de Gala”, da TV Rio. Houve protestos de Jatobá e do patrocinador do programa Abraão Medina. A crônica começava assim: “Nosso assunto hoje é a história de uma obsessão e de um obcecado. A obsessão: Brasília. O obcecado: JK”. A leitura da crônica foi interrompida depois da frase: “Surgiu uma conversa! Brasília não

existe”. O Globo (primeira página) – 30/09/1958.

7. “Antigamente era negócio da China: hoje se diz negócio de Brasília”. “Meta número um (Brasília) já está paralisada: falta dinheiro para obras”. Três coisas estão prontas:1) O palácio (do Presidente)2) O hotel (dos turistas)3) A cachoeira (que Deus fez)Reportagem do jornalista Adirson de Barros. Tribuna da Imprensa - 03/09/1958.

8. “Dificilmente a nova capital será inaugurada em 1960 como deseja o senhor Juscelino Kubitschek”.Engenheiro João Carlos Vital (ex-prefeito do Distrito Federal - RJ) - 15 de outubro de 1958.

9. “Brasília jamais será habitada. O poder executivo pode até levar sua estrutura para o Planalto Central, mas e os outros dois, Legislativo e Judiciário, são favoráveis à mudança?”.Diário de Notícias (editorial) – 15/10/1958.

10. “Brasília será o símbolo da leviandade e da inconsciência de um governo ou, antes, de um homem dominado pela vaidade de imortalizar-se, como os faraós, construindo porém, não para o próprio túmulo, mas o túmulo das finanças e do crédito brasileiro”. Diário de Notícias (editorial) – 15/12/1958.

11. “A nova capital só fica pronta no prazo fixado se a Novacap se transformar em fada madrinha de história da Carochinha e em vez de vigas de aço vindas da América do Norte, a peso de ouro, se utilize uma varinha de condão”.Editorial do Diário de Notícias – 17/12/1958.

12. “Penso que os deputados não irão para Brasília. Suponho que seria o caso de uma nova Lei revogando a anterior e dilatando o prazo para a mudança da capital”.Deputado Carvalho Neto (UDN-PI) – 18/12/1958.

13. “Nada justificava e nem justifica a mudança da capital. Os motivos alegados a favor da mudança não convencem a ninguém que possua um mínimo de bom senso”.Senador Othon Mader (UDN-PR). JB - 02/04/1959.

14. “É um desatino!”.Deputado Adauto Lúcio Cardoso (UDN/ GB), chefe da Comissão Mista da Câmara que visitou as obras da construção de Brasília. Jornal do Brasil - 1º/05/1959.

15. “Que o perigo existe, não há dúvida, porque chuvas fortes e prolongadas não enchem os poços abertos, até 25 metros (...)”. “Estará errada Brasília ou somos nós que estamos errados, argumentando contra ela. O futuro dirá”. (**)Maurício Joppert da Silva, ministro dos Transportes no governo José Linhares e presidente do Clube de Engenharia. Artigo - Jornal do Brasil - 12/07/1959.

(**) O argumento de que o lago não iria encher foi usado também por Gustavo Corção. Tanto que JK mandou um lacônico telegrama a Corção quando da inauguração da barragem do Paranoá: “- ENCHEU, VIU?!”.

16. “Brasília jamais terá energia elétrica ou telefonia. Nunca se comunicará com o restante do País”.Gustavo Corção - crítico, colunista do Diário de Notícias e de O Globo. Pensador católico e especialista em telecomunicações da época.

17. “As decantadas maravilhas da região são ilusórias. Os seus característicos de riquezas naturais são os mesmos das pobres savanas tropicais do Brasil Central”. São palavras de Lucas Lopes (Eng. Lucas Lopes, ex-Ministro dos Transportes nos governos Café Filho e Nereu Ramos, um homem realmente de visão. Se as tivesse ouvido no devido tempo, o dr. Juscelino estaria livre do abacaxi que o atormenta e que duvido muito seja descascado até 21 de abril de 1960”.Correio da Manhã. Editorial “Homem de Visão” – 31/07/1959.

18. “O sr. Juscelino, na sua paranóia progressista, continua a acelerar a construção de Brasília, como se o Brasil não estivesse sendo atingido pela crise. A crise social o persegue; sua mania de grandeza é Brasília”.Correio da Manhã. “O Feijão e o Delírio” - 15/09/1959.

19. “É preciso que alguém advirta às autoridades brasileiras que é perigoso transformar todo visitante estrangeiro numa espécie de camelô de Brasília. Que isto se faça com sr. Charles Asnavour, o Marajá de Maroda, ou artistas de cinema. Mas que se procure induzir visitantes oficiais a ir a Brasília dizer coisas simpáticas não parece elegante, para dizer pouco...”.Jornal do Brasil. “Camelôs de Brasília” - 14/10/59.

20. “Belém Brasília é estrada das onças. Liga o nada a lugar nenhum”. Presidente Jânio Quadros - 1961.

21. “Brasília é uma cidade fria e sem alma. Uma ilha da fantasia. Nem esquina a cidade tem. As pessoas não têm onde se encontrar”. De intelectuais cariocas, um conceito que acabou tomando conta do Brasil.

CONCLUSÃOA força da personalidade e do destino de JK era tão grande que, se ele não tivesse construído Brasília naqueles exatos cinco anos da grande arrancada do desenvolvimento nacional, em que tudo nascia das entranhas da História, talvez Brasília jamais tivesse sido construída. Jânio Quadros não iria fazê-la, pois era contra Brasília. João Goulart, cercado por crises de todos os lados, muito menos. E os militares não teriam imaginação para tanto. Brasília continuaria sendo um belíssimo sonho constitucional. Imagine, hoje, o presidente Lula tentando construir Brasília. Não teria licença ambiental do Ibama nem para fazer o Catetinho.

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