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105 RESUMO AS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA: IMPACTOS DE CURTA OU LONGA DURAÇÃO? Recebido em 15 de novembro de 2010. Aprovado em 30 de novembro de 2010. Matt Ferchen O artigo foca as relações de negócios e investimentos entre China e América Latina na década de 2000. Há três interpretações principais, distintas e relacionadas, sobre esse conjunto de relações: para a primeira, a América Latina, uma região com recursos naturais abundantes, exporta produtos primários para uma China em expansão, mas carente de tais recursos. Sustentam essa interpretação aqueles, incluindo muitos representantes proeminentes do governo, que afirmam as relações econômicas entre China e América Latina serem fundamentalmente complementares, tendo um efeito positivo para ambas as partes. Em contrapartida, outros observadores têm destacado que o que é visto como complementaridade é na verdade apenas uma forma renovada de dependência latino-americana. Esses autores alegam que, apesar da rápida expansão dos negócios e investimentos trazer benefícios no curtoprazo para ambos os lados, essa natureza de relações baseada em commodities reforça os padrões disfuncionais de desenvolvimento da América Latina que muitos países da região há muito tempo renunciaram e têm tentando deixar para trás há mais de meio século. Tomando essa discussão como referência, apresenta-se, em primeiro lugar, uma visão geral das relações de comércio e investimentos entre China e América Latina, destacando o papel importante da demanda chinesa por commodities latino-americanas. Em segundo, descreve-se as diferentes interpretações sobre o que conduz essa relação comercial e quais são as suas conseqüências. Em terceiro, apresenta-se o argumento, por nós defendido, sobre como nós deveríamos entender o que tem conduzido as relações econômicas entre China e América Latina e o que está em jogo. Conclui-se explorando as implicações das nossas descobertas para a idéia de que a China oferece um modelo único de economia política doméstica e internacional. PALAVRAS-CHAVE: negócios; investimentos; dependência; China; América Latina. I. INTRODUÇÃO 1 “A mistura de ilusões, planejamentos, esperanças e medos que emergem das relações [China-América Latina] são tão poderosas em seu impacto na [América Latina] como são seus os negócios e eventos [...] no entanto, o maior impacto vindo da China virá do que ela leva a região a sonhar e o que a América Latina encontra ao acordar” (ELLIS, 2008, p. 288). Essa afirmação, um elemento de uma recente, mas crescente onda de interesse de acadêmicos, meios de comunicação, governos e empresários no crescimento econômico chinês e nas relações políticas do país com regiões do mundo em desenvolvimento como a América Latina, a África e o Sudeste Asiático, capta uma idéia importante, porém muitas vezes subvalorizada 2 . Especifica- mente, as percepções e expectativas de governos e líderes empresariais, bem como de cidadãos comuns de países na América Latina terão um 1 Este artigo foi originalmente apresentado na Conferência Anual da Associação de Estudos Asiáticos na Filadélfia, EUA, em 24 de março de 2010, e novamente no primeiro Seminário Anual Sino-Brasileiro: Desenvolvimento Econômico e Segurança Internacional em Porto Alegre, Brasil, em 12 de abril de 2010. O autor gostaria de agradecer aos participantes de ambos os eventos, em particular Victor Shih e Scott Kennedy, assim como Josh Gordon, Mike Glosny, Jean-Marc Blanchard e Alicia García- Herrero, por seus estimulantes comentários. 2 O foco principal deste artigo é o impacto político e econômico das relações comerciais da China com a América Latina. No entanto, muitos aspectos da economia baseada em commodities exercida pela China e seus laços de investimento com países em desenvolvimento na África, assim como com economias desenvolvidas, como da Austrália, compartilham importantes similaridades com os laços que a China mantém com a América Latina. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 105-130, nov. 2011

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 105-130 FEV. 2011

RESUMO

AS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA:IMPACTOS DE CURTA OU LONGA DURAÇÃO?

Recebido em 15 de novembro de 2010.Aprovado em 30 de novembro de 2010.

Matt Ferchen

O artigo foca as relações de negócios e investimentos entre China e América Latina na década de 2000. Hátrês interpretações principais, distintas e relacionadas, sobre esse conjunto de relações: para a primeira,a América Latina, uma região com recursos naturais abundantes, exporta produtos primários para umaChina em expansão, mas carente de tais recursos. Sustentam essa interpretação aqueles, incluindo muitosrepresentantes proeminentes do governo, que afirmam as relações econômicas entre China e AméricaLatina serem fundamentalmente complementares, tendo um efeito positivo para ambas as partes. Emcontrapartida, outros observadores têm destacado que o que é visto como complementaridade é na verdadeapenas uma forma renovada de dependência latino-americana. Esses autores alegam que, apesar darápida expansão dos negócios e investimentos trazer benefícios no curtoprazo para ambos os lados, essanatureza de relações baseada em commodities reforça os padrões disfuncionais de desenvolvimento daAmérica Latina que muitos países da região há muito tempo renunciaram e têm tentando deixar para tráshá mais de meio século. Tomando essa discussão como referência, apresenta-se, em primeiro lugar, umavisão geral das relações de comércio e investimentos entre China e América Latina, destacando o papelimportante da demanda chinesa por commodities latino-americanas. Em segundo, descreve-se as diferentesinterpretações sobre o que conduz essa relação comercial e quais são as suas conseqüências. Em terceiro,apresenta-se o argumento, por nós defendido, sobre como nós deveríamos entender o que tem conduzido asrelações econômicas entre China e América Latina e o que está em jogo. Conclui-se explorando asimplicações das nossas descobertas para a idéia de que a China oferece um modelo único de economiapolítica doméstica e internacional.

PALAVRAS-CHAVE: negócios; investimentos; dependência; China; América Latina.

I. INTRODUÇÃO1

“A mistura de ilusões, planejamentos,esperanças e medos que emergem das relações[China-América Latina] são tão poderosas em seuimpacto na [América Latina] como são seus osnegócios e eventos [...] no entanto, o maiorimpacto vindo da China virá do que ela leva aregião a sonhar e o que a América Latina encontraao acordar” (ELLIS, 2008, p. 288). Essaafirmação, um elemento de uma recente, mas

crescente onda de interesse de acadêmicos, meiosde comunicação, governos e empresários nocrescimento econômico chinês e nas relaçõespolíticas do país com regiões do mundo emdesenvolvimento como a América Latina, a Áfricae o Sudeste Asiático, capta uma idéia importante,porém muitas vezes subvalorizada2. Especifica-mente, as percepções e expectativas de governose líderes empresariais, bem como de cidadãoscomuns de países na América Latina terão um

1 Este artigo foi originalmente apresentado na ConferênciaAnual da Associação de Estudos Asiáticos na Filadélfia,EUA, em 24 de março de 2010, e novamente no primeiroSeminário Anual Sino-Brasileiro: DesenvolvimentoEconômico e Segurança Internacional em Porto Alegre,Brasil, em 12 de abril de 2010. O autor gostaria de agradeceraos participantes de ambos os eventos, em particularVictor Shih e Scott Kennedy, assim como Josh Gordon,Mike Glosny, Jean-Marc Blanchard e Alicia García-Herrero, por seus estimulantes comentários.

2 O foco principal deste artigo é o impacto político eeconômico das relações comerciais da China com a AméricaLatina. No entanto, muitos aspectos da economia baseadaem commodities exercida pela China e seus laços deinvestimento com países em desenvolvimento na África,assim como com economias desenvolvidas, como daAustrália, compartilham importantes similaridades comos laços que a China mantém com a América Latina.

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 105-130, nov. 2011

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papel crucial na determinação de como sedesenvolverão as relações econômicas e políticasentre seus países e a China. Por seu turno, a Chinatem consistente e positivamente caracterizado a suaexpansão do comércio e de investimentos comregiões do mundo em desenvolvimento, emparticular com a América Latina, África e SudesteAsiático, como uma parceria com benefíciosmútuos (“win-win”)3. Por meio de canais oficiaisda diplomacia e da mídia, a China tem enfatizadoque os laços mutuamente benéficos com essasregiões são um resultado lógico das relações coma China, em si um país ainda em desenvolvimento.Nesse cenário de benefício mútuo, a China alegaque essas interações deveriam ser interpretadascomo um resultado natural das relações “Sul-Sul”4.

Entretanto, dentro da América Latina e daÁfrica, bem como para observadores interessadosde outras partes do mundo, as percepções sobreas relações de países em desenvolvimento com aChina variam muito. Por um lado, está o otimismoque a China aponta como uma nova e alternativaferramenta para promover comércio einvestimentos para países em desenvolvimento.Esse otimismo é por vezes ligado à noção de quea China também serve como um modeloeconômico alternativo de desenvolvimento ediplomacia internacional (RAMO, 2004;KURLANTZICK, 2007). Por outro lado, está oceticismo e o medo sobre as intenções einfluências que advirão dessa maior atuaçãoeconômica e política da China na região (HALPER,2010). Grande parte desse controverso debatereflete-se no rápido crescimento das discussõesna academia e na mídia a respeito das idéias sobreum provável “Consenso de Beijing” ou “ModeloChinês” de desenvolvimento5. Uma das principaisquestões levantadas é sobre se o atual ritmoacelerado de expansão dos negócios einvestimentos da China com o mundo em

desenvolvimento é uma relação de igualdade e denatureza sustentável ou se é similar às relaçõeshistóricas entre países desenvolvidos e emdesenvolvimento.

Para avaliar essas percepções concorrentes –otimista versus pessimista –, este artigo centra-se nas relações de negócios e investimentos entreChina e América Latina na última década. Comfoco especial nos laços entre China e AméricaLatina, essas percepções apresentam-se em doisconjuntos distintos, embora relacionados, deinterpretações de um consenso geral sobre umconjunto de fatos: América Latina, uma região comrecursos naturais abundantes, que exportaprodutos primários para uma China em expansão,mas carente de tais recursos. Ao lado desse debateemergente estão aqueles, incluindo muitosrepresentantes proeminentes do governo, queafirmam que as relações econômicas entre Chinae América Latina são fundamentalmentecomplementares, tendo, portanto, um efeitopositivo para ambas as partes. Em contrapartida,outros observadores têm destacado que o quevêem como complementaridade é na verdadeapenas uma forma renovada de dependêncialatino-americana. Eles alegam que, apesar darápida expansão dos negócios e investimentostrazer benefícios no curto-prazo para ambos oslados, essa natureza de relações baseada emcommodities reforça os padrões disfuncionais dedesenvolvimento da América Latina que muitospaíses da região há muito tempo renunciaram etêm tentado deixar para trás há mais de meioséculo.

Cada versão dessas narrativas concorrentespode representar, mesmo que às vezes de maneiracontraditória, elementos importantes sobre asrelações de investimento e comércio da China coma América Latina. Entretanto, faltando em ambasas perspectivas de “complementaridade” e“dependência” está um foco específico nasforças motoras que estão por trás da expansãodo comércio e dos investimentos na AméricaLatina (para não mencionar também a África e aAustrália, por exemplo). Em particular,especialistas da expansão das relaçõeseconômicas entre China e América Latinafreqüentemente deixam de analisar as forçaseconômicas e as políticas governamentais dentroda China que têm direcionado a demanda chinesapor commodities específicas como minério de

3 Para mais informações sobre a diplomacia “win-win” daChina para o Sudeste Asiático ver Michael A. Glosny(2006).4 Para mais informações sobre as relações entre a China ea América Latina como “Sul-Sul”, ver Monica Hirst(2008) e Jiang Shixue (2005).5 Para estudos recentes sobre esses conceitos, ver ScottKennedy (2010), Barry Naughton (2010), Suisheng Zhao(2010) e Matt Ferchen (no prelo).

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ferro, cobre ou soja. Como resultado, vertentesteóricas de complementaridade ou dedependência também ficam aquém dasexpectativas por não proverem uma maiorcompreensão mais completa das relacionadasconseqüências econômicas e políticas daexpansão das relações econômicas entre Chinae América Latina. Este artigo, por-tanto,demonstrará como aparentemente o sensocomum de que a América Latina simplesmentepossui os recursos naturais “necessários” aorápido desenvolvimento econômico da Chinaatrapalha a compreensão de detalhes importantessobre o momento e as razões para a rápidaelevação nas exportações de commodities dospaíses latino-americanos ricos em recursosnaturais para a China no início dos anos 2000.

Suposições de que a demanda chinesa pormatéria-prima da América Latina e de outroslugares é simplesmente uma função natural dorápido e constante desenvolvimento econômicoda China nos últimos mais de 30 anos sãoincompletas, na melhor das hipóteses, e enga-nosas, na pior. Esse tipo de compreensão nãoleva em conta importantes mudanças naeconomia política doméstica da China no iníciodos anos 2000, as quais foram acompanhadaspor um aumento abrupto dos laços de comércioe investimentos com o mundo emdesenvolvimento e outros países grandesprodutores de commodi-ties, como a Austrália.De maneira mais específica, iniciando por voltade 2002 e 2003, e revertendo tendências queestavam em vigor desde o começo das reformasno final da década de 1970, a economia chinesaentrou em um período de acelerado uso de capitalintensivo para o cresci-mento de sua indústriade base. Isso, na verdade, alavancou a demandapor matérias-primas, incluindo uma variedade deminerais, mentais e fontes de energia, para suprirsua indústria de base. Para satisfazer essademanda a China tem crescentemente se voltadopara os países ricos em commodities da AméricaLatina, África e outros lugares. Assim, ademanda chinesa por matérias-primas – queexigiu em si a manutenção de laços estreitos compaíses-chave, ricos em commodities, na trajetóriade desenvolvimento da indústria de base da últimadécada –, funciona como pilar de sustentaçãode seu relacionamento com muitos dos maiorese mais importantes países latino-americanos eoutros grandes produtores de produtos

primários. O rápido aumento das importaçõesde matérias-primas feitas pela China de paísesda América Latina, África e outros lugares é umdos principais indicadores de um aumento súbitodas commodities, que tem apresentado elevadosvolumes e preços de certos minerais, de energiae de produtos agrícolas. Esse rápido incrementode preços tem sido a base econômica, e tambémpolítica, que sustenta os renovados laços daChina com muitas nações em desenvolvimentonão só da América Latina, mas também de outraspartes do globo.

Essa tendência de intensa demanda da Chinapor commodities, muitas das quais foramdirecionadas para abastecer o capital intensivodo país, crescimento e desenvolvimento daindústria de base, tem somente sido exposta pelaresposta da China à crise financeira global. Emparticular, o pacote de estímulos e as políticasde relaxamento da concessão de crédito da Chinaestimularam investimentos ainda maiores eminfraestrutura, desenvolvimento da propriedadee indústria de base. Mesmo antes da crisefinanceira havia preocupações dentro e fora daChina de que seu afastamento de uma trajetórialeve para uma pesada trajetória dedesenvolvimento estava criando potenciaisresultados desestabilizadores, especialmente nocampo de segurança energética. Essasadvertências têm somente se intensificado à luzda resposta chinesa à crise financeira.

No entanto, essa mudança no padrão domés-tico de crescimento da China e seu papel funda-mental em conduzir o crescimento súbito dascommodities têm estado visivelmente ausente naacademia, na mídia e em análises governamentaissobre a expansão das relações da China comregiões do mundo com abundantes recursosnaturais. O fracasso em identificar essa origemda expansão da demanda chinesa por recursosnaturais da América Latina e de outros lugarestem também impedido uma compreensão maisacurada sobre as consequências potenciais parao longo-prazo da saúde e da estabilidade dos laçosde investi-mento e comércio, sem mencionar opolítico, da China com parceiros ricos emrecursos. O laço político, por sua vez, temfacilitado um descompasso entre as altasexpectativas e o aumento dessas sobre o papelque a China vai continuar desempenhando napromoção do crescimento da América Latina e

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dos muitos desafios que a China enfrenta paramanter seu ritmo acelerado de desenvolvimento.O último resultado é uma subavaliação de comoo recente e súbito aumento das relações entreChina e América Latina está sustentado em basesestreitas e fundamentos econômicos mais frágeisdo que o comumente entendido.

A estrutura deste artigo é a seguinte. Primeiro,apresentarei uma visão geral das relações decomércio e investimentos entre China e AméricaLatina, destacando o papel importante da demandachinesa por commodities latino-americanas.Segundo, descreverei e avaliarei as diferentesinterpretações sobre o que conduz esse relaciona-mento comercial e quais são as conseqüênciaspara a relação. Na seqüência, apresentarei entãoo meu argumento sobre como nós deveríamosentender o que tem conduzido as relações econô-micas entre China e América Latina e o que estáem jogo segundo minha compreensão. Naconclusão exploro as implicações das minhasdescobertas segundo a idéia de que a Chinaoferece um modelo único de economia políticadoméstica e internacional.

II.COMÉRCIO E INVESTIMENTOS ENTRECHINA E AMÉRICA LATINA: OS FATOSESTILIZADOS

Antes de explorar as explicações mais comunssobre a expansão dos laços econômicos entreChina e América Latina e as interpretações con-correntes sobre as conseqüências desses laços,apresento primeiramente um retrato básico dasrelações de comércio e de investimento entre aChina e a América Latina. A força motriz por trásdos laços econômicos em expansão entre a Chinae a América Latina é a demanda chinesa porminérios, energia e commodities agrícolas. Emtroca de suas exportações de matérias primas, aAmérica Latina importa uma variedade de benschineses manufaturados (ver o Gráfico 1). Alémdisso, o rápido aumento dos laços comerciais, emescala e velocidade (e, em menor extensão, doinvestimento), entre a América Latina e a China éde origem relativamente recente, decolandoapenas nos anos mais recentes da década de 2000(ver o Gráfico 2). Entender a natureza baseadaem comodities da relação econômica e o momentoinicial são ambos cruciais para qualquer avaliaçãogeral da direção e saúde, em longo termo, doslaços econômicos e políticos entre a China e aAmérica Latina.

GRÁFICO 1 – COMÉRCIO DE MATÉRIAS-PRIMAS E MANUFATURAS ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA,2006

FONTE: García-Herrero e Fung (2008).

Apesar da crescente atenção acadêmica pres-tada ao investimento estrangeiro direto (FDI, nasigla em inglês) chinês na América Latina e outrospaíses, a expansão dos fluxos de comércio entreChina e América Latina têm sido de magnitude e

importância muito maiores que o FDI chinês naregião. Certamente, enquanto a China recuperou-se rapidamente da crise financeira, ela tambémaumentou o investimento direto, não-portfólio, naAmérica Latina, especialmente no Brasil

A China exportamanufaturas de

média e altatecnologias

A A. Latina exportaprodutos primários

e recursosnaturais

manufaturados

Importações Exportações

Manufaturados de baixa, média e alta tecnologiasProdutos primários e recursos naturais manufaturados

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(GRAHAM, 2010; POMFRET, 2010). Entretanto,mesmo esse maior investimento tem sidoprincipalmente em matérias primas como energiae minérios. Assim, enquanto líderesgovernamentais e de negócios na América Latina

esperam ver o comércio e o investimento com aChina expandir-se além dos interesses chinesesem matérias primas, as commodities continuam arepresentar o fundamento da relação entre eles.

GRÁFICO 2 – AUMENTO RECENTE DAS EXPORTAÇÕES LATINO-AMERICANAS PARA A CHINA

FONTE: Gallagher e Porzecanski (2009).

Antes de explorar as especificidades da maiordemanda chinesa por commodities latino-americanas, é importante notar o aumento daimportância da China como destino paraexportações latino-americanas desde o início dadécada de 2000. Por exemplo, em 2008, o totaldas exportações latino-americanas para a Chinaficou em torno de US$ 47 bilhões, frente a US$14,7 bilhões em 2004 (EGHBAL, 2009). Em geral,as exportações latino-americanas para a Chinaexpandiram-se por volta de 163% entre 2000 e2008, com a maior parte desse crescimentoocorrido após 2002 (ver o Gráfico 2). Enquantoo impacto da crise financeira temporariamenteenfraqueceu as vendas nessa relação comercialem rápida expansão, a demanda chinesa porexportações latino-americanas permaneceu forteem relação à demanda européia e norte-americana,e o comércio recuperou-se rapidamente, resti-tuindo taxas de crescimento em níveis prévios àcrise já em 2010. Por exemplo, apesar de umdecréscimo de 2,2% no primeiro bimestre de2009, as exportações latino-americanas para aChina registraram um aumento de 44,8% duranteo mesmo bimestre, em 2010 (BÁRCENA et alii,2010, p. 16).

Entretanto, os benefícios dos laços econômi-cos em expansão da América Latina com a Chinatêm sido altamente concentrados em termos degeografia e setor econômico. Enquanto o volumedas exportações latino-americanas em 2008 paraa China constituíram apenas 5,6% das expor-tações gerais da região (comparado a 42,1% paraos Estados Unidos), para um número de paísessul-americanos a China tornou-se seu principaldestino exportador6. Por exemplo, a Chinatornou-se o mercado número um para asexportações chilenas e brasileiras e o destinonúmero dois para exportações da Argentina, Peru,Costa Rica e Cuba. Embora seja prática comumreferir-se a toda a América Latina (incluindofreqüentemente o Caribe) e suas relações com aChina, as exportações “latino-americanas” para aChina são na verdade dominadas por um pequenonúmero dos países da região envolvidos em umnúmero limitado de commodities. Por exemplo,

6 Notando novamente a recuperação posterior à crisefinanceira de 2008, alguns estimam que a China possareceber acima de 19% das exportações gerais latino-americanas em 2010. Ver William Dey-Chao (2010, p.48).

Exportações totais para a China Exportações de produtos primários para a China

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em 2008, dez commodities em apenas seis paíseslatino-americanos contaram por 74% dasexportações da região para a China e 91% dasexportações gerais de commodities da região paraa China (GALLAGHER & PORZECANSKI,2009, p. 5).

O comércio entre a China e a América Latinaé, portanto, largamente caracterizado pelaexportação de recursos naturais, especialmentemetais, minérios e produtos agrícolas, da AméricaLatina para a China. Em retorno, a China exporta,em larga medida, bens manufaturados de média ealta tecnologia (ver o Gráfico 1)7. Como região,a América Latina presenciou um aumentoconsistente na exportação de produtos primárioscomo parcela das exportações globais totais, indode 26,7% em 1999 para 38,8% em 2009(BÁRCENA et alii, 2010, p. 13). Para um númerode países latino-americanos, a concentração deexportações de recursos naturais específicos emgeral, e à China, em particular, é bastanteacentuada. Por exemplo, no Chile, as exportaçõesde commodities constituem quase 60% dasexportações totais do país (BÁRCENA et alii,2010, p. 13). Por sua vez, as exportações chilenaspara a China são dominadas especificamente pelocobre, que constitui 76% de suas exportaçõesgerais para esse país (VOLPON, 2010, p. 79)8.Brasil, Venezuela, Colômbia e Peru também têmaltas concentrações de exportações decommodities, notavelmente minério de ferro epetróleo, como percentual de suas exportaçõesgerais para a China (VOLPON, 2010, p. 79-80;GARCÍA-HERRERO & FUNG, 2008). Ademanda da China, especialmente por minerais e

recursos energéticos, tem sido de longe o maiormotor do crescimento da demanda global geral.Por exemplo, entre 2000 e 2008, a China foiresponsável por dois terços do crescimento totalglobal na demanda por aço e alumínio, e por umpercentual ainda maior na demanda global porcobre (WYK, 2010, p. 6).

Assim, o retrato que emerge da relaçãocomercial da China com a América Latina podeser capturado por três pontos principais. Primeiro,os laços comerciais e de investimento entre aChina e a América Latina cresceram rapidamentedesde apenas o início do novo milênio. Segundo,a expansão de laços econômicos entre a China ea América Latina conferiu à China um papel decrescente proeminência como fonte de demandapara as exportações latino-americanas.Finalmente, os laços comerciais e de investimentoentre a China e a América Latina são baseados nademanda chinesa por um conjunto relativamentelimitado de recursos naturais, de um númerorelativamente pequeno de países, geralmente, sul-americanos. Esse retrato básico da natureza edireção das relações de comércio e investimentoentre a China e a América Latina é geralmenteconsensual por observadores dentro e fora daChina e da América Latina. Entretanto, diferentesavaliações sobre ao que está conduzindo essarelação e quais podem ser as implicações paraambos os lados são, ambas, mais abertas àinterpretação e à controvérsia.

III. O QUE CONDUZ A CRESCENTE RELAÇÃOCOMERCIAL E DE INVESTIMENTO DACHINA COM A AMÉRICA LATINA?

As explicações para a natureza da relaçãoeconômica entre a China e a América Latinabaseada em commodities convergem a umadescoberta similar, mas problemática.Nomeadamente, a maioria das análisesacadêmicas, midiáticas e de negócios dos laçoseconômicos chineses e latino-americanosapresentam uma correlação simples entre umaChina em rápido crescimento e carente derecursos, de um lado, e uma América Latina ricaem recursos, de outro. Detalhes do que estáespecificamente conduzindo a demanda chinesapor commodities latino-americanas são freqüen-temente limitados e/ou simplistas. Ao contrário,o senso comum de que a América Latinasimplesmente tem do que a China “precisa”substitui freqüentemente uma análise mais

7 O México é a mais notável exceção a esse padrão, pelaestrutura de sua economia exportadora manufatureiratender a colocar o país em competição com as exportaçõeschinesas para o mercado norte-americano. Além disso, ediferentemente de muitas economias latino-americanas, oMéxico possui um significativo deficit comercial com aChina. Em 2008, a China constituiu 7,7% das importaçõesmexicanas, mas apenas 1% das exportações, implicandoum deficit comercial geral superior a US$ 24 bilhões(FERCHEN & GARCÍA-HERRERO, 2010, p. 142-143).Como região, a América Latina, em 2008, teve um deficitcomercial de 2,4% com a China (EGHBAL, 2009).8 Além disso, a contribuição das exportações de cobrechilenas para sua economia geral aumentou de 5,6% doProduto Interno Bruto (PIB) em 1996 para 16,3% em2010. Ver Anderson (2010).

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cuidadosa. Quando há uma análise mais detalhadados recursos específicos da demanda chinesa, osargumentos para o que está conduzindo ademanda e sustentando sua estabilidade são muitofreqüentemente subdesenvolvidas ou espúrias. Écertamente verdadeiro, no sentido mais amplo,que o desenvolvimento econômico chinês estáconduzindo a demanda do país por uma gama derecursos naturais da América Latina e outroslugares. Entretanto, é necessário entender asforças específicas que impulsionam a demandachinesa se desejamos apreender o momento e aestabilidade das relações econômicas da Chinacom a América Latina. Nesta seção eu detalho ostipos mais comuns de explicação para asexportações de commodities latino-americanaspara a China, das afirmações mais óbvias das“forças básicas de mercado” para as maissofisticadas análises de “ciclos de negócios”.

Muitas explicações para os altos níveis de laçoscomerciais e de investimento entre a China e aAmérica Latina enfatizam o papel das forçasbásicas de mercado. Uma versão comum desseargumento, descrevendo o aumento geral doslaços econômicos entre a China e a AméricaLatina, simplesmente afirmam em linhas geraisque o crescimento chinês abasteceu a demandapara as exportações latino-americanas. Porexemplo, como afirmou o resultado de um grupode estudos sobre as relações em expansão entreChina e América Latina: “Em geral, o investimentoe as atividades comerciais da República Popularda China na América Latina têm sido orientadaspara assegurar acesso a produtos que a China temnecessidade para seu crescimento econômico”(CENTER FOR HEMISPHERIC POLICY, 2007).Outros simplesmente ligam o “crescimentoeconômico explosivo” chinês à demanda porcommodities latino-americanas (RATLIFF, 2009).Nessa visão, os laços econômicos em expansãosão simplesmente uma função básica da“necessidade” econômica chinesa rapidamentecrescente por matérias primas oriundas daAmérica Latina.

Uma versão levemente mais detalhada, masainda assim incompleta dessas explicações das“forças básicas de mercado” para a expansão doslaços China-América Latina, vai um passo alémdos argumentos básicos de demanda-necessidadepara especificar a importância das diferentesvantagens comparativas. Aqui, os analistasenfatizam o papel do apetite chinês por matérias

primas para alimentar e sustentar o rápidocrescimento econômico do país. Especificamente,esses argumentos focam a escassez decommodities da China (freqüentemente em termosper capita, em vez de absolutos) versus sua relativaabundância na América Latina. Como argumentouum analista de mercado: “A China é destituída damaior parte das principais commodities, incluindominério de ferro, cobre, petróleo e madeira. Opaís simplesmente não pode continuar a crescer9% ao ano [...] sem assegurar um suprimentoestável de commodities” (BETHEL, 2009). Outraanálise usa uma lógica similar para explicar ointeresse chinês nas commodities latino-americanas: “Os 30 anos de desenvolvimentoeconômico ininterrupto na China têm aumentadoas necessidades do país por matérias primas parasatisfazer a demanda por milhares de Empresasde Propriedade Estatal [SOEs, na sigla em inglês],corporações privadas e milhões de consumidorescada vez mais sofisticados. Isso é um resultadoda escassez de recursos domésticos da China,somada à sua inabilidade de explorá-las e seudesejo de preservá-las para uso futuro(MINGRAMM et alii, 2009, p. 5)9. Assim, outraexplicação de aparente senso comum para asdemandas chinesas por matérias primas de paísesem desenvolvimentos ricos em recursos daAmérica Latina (assim como da África e de outroslugares) é que a economia da China confia nessasinjeções de commodities para manter um padrãode crescimento rápido longamente sustentável10.

Tais argumentos, conectando o crescimentochinês à sua “demanda” ou “requisitos” porrecursos naturais, implícita ou explicitamenteaceitam essa demanda como “natural”. Analistas

9 A Organização Econômica para Cooperação Econômicae o Desenvolvimento (OECD, na sigla em inglês) aplicoumajoritariamente a mesma lógica em sua explicação docrescente apetite chinês por commodities africanas: “Ademanda em expansão por energia e outros recursosnaturais é essencial para sustentar o crescimentoeconômico da China, e a abundância desses recursos naÁfrica tem naturalmente determinado a recente evoluçãoda relação econômica chinesa com a África” (OECD, 2008,p. 110; sem grifo no original).10 Lógica parecida foi evocada em um experto atestadocongressional: “A busca chinesa global pelas commoditiesnecessárias para sustentar sua rápida expansão econômicaforma o alicerce de sua relação com a América Latina”(ERIKSON, 2008).

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que enfatizam a crescente necessidade chinesapor recursos naturais freqüentemente apontampara três condutores específicos dentro daeconomia chinesa: (i) o crescimento populacional;(ii) a urbanização, que por sua vez é freqüen-temente ligada ao desenvolvimento da propriedadee da infraestrutura; (iii) a crescente classe médiaconsumidora (MINGRAMM et alii, 2009, p. 1;ZWEIG, 2010, p. 40). Por exemplo, um estudoaponta para a “necessidade [chinesa] progressivade matérias-primas, mercados e alimento parasustentar [...] o crescimento e satisfazer ascrescentes demandas consumidoras” (RATLIFF,2009, p. 1)11. No entanto, a demanda chinesapor grandes quantidades de matérias-primasdurante o período de crescimento das relaçõescomerciais e de investimento com a AméricaLatina foram qualquer coisa, menos naturais.Portanto, análises e projeções baseadas emhipóteses falhas e em entendimentoinadequadamente detalhado dos condutoresespecíficos da demanda chinesa podemfacilmente levar à confusão e a expectativasdesapontadoras para todas as partes envolvidas.

Entretanto, embora ainda ignorando algunsdetalhes importantes, uma última linha deexplicações para as relações econômicas emexpansão da China com a América Latina de fatoaproxima-se muito mais de um conhecimentomais detalhado. Essa visão reconhece a naturezapró-cíclica dos laços comerciais sino-latino-americanos. Por exemplo, alguns analistasnotaram que os ciclos de negócios chineses, esubseqüentemente a demanda por matériasprimas, pode ser “sincronizado” com exportaçõeslatino-americanas desses materiais. Em particular,alguns têm demonstrado as conexões detalhadasentre fluxos específicos de commodities da Amé-rica Latina para a China. Essa pesquisa, não

surpreendentemente, mostrou uma correlaçãopositiva entre o aumento do grau de especializaçãoda exportação de commodities latino-americanase as exportações para a China (CALDERÓN,2009). Alguns economistas e consultores decommodities têm sido ainda mais explícitos emnotar que o particular “ciclo de negócios” chinêsque pode estar em operação aqui tem conduzidoa uma “explosão de commodities” (VOLPON,2010; AVENDAÑO & SANTISO, no prelo).

No entanto, a ênfase em uma explosão (boom)chinesa, ou conduzido pela demanda chinesa oupela ascendente no ciclo de negócios, estáfreqüentemente conectada a uma avaliaçãootimista da continuidade, próxima ao médio prazo,da forte e consistente demanda chinesa porcommodities latino-americanas (e outros paísesou regiões ricos em recursos). Uma dessas linhasde raciocínio estabelece uma conexão comparativaentre crescimento e experiências de demanda derecursos de outros países de rápido desenvolvi-mento do Leste Asiático, como o Japão e a Coréiado Sul. Partindo de comparações históricasexplícitas de crescimento consumidor e industrialnesses “estados desenvolvimentistas” pobres emrecursos, alguns argumentam que a explosão decommodities liderada pela China (pelo menos paracertos produtos como minério de ferro e cobre)pode ser mantida por pelo menos outras duasdécadas (MINGRAMM et alii, 2010). Taiscomparações tendem a ignorar os fatores políticose econômicos específicos dirigindo a própriatrajetória chinesa de desenvolvimento, focandoem vez disso apenas a parte superior do ciclo dedesenvolvimento e a demanda de recursos nessesoutros países do Leste Asiático. Se umaascendente na demanda chinesa está dirigindo ocrescimento em exportações de commodities daAmérica Latina, é simplesmente lógico quequalquer descrédito ou instabilidade nessademanda terá um efeito negativo no volume deexportação e/ou nos preços.

Ultimamente, no coração de uma vasta maioriade explicações para a expansão do comércio entrea China e a América Latina há um consensoaparentemente de que a trajetória chinesaascendente implica exportações de commoditieslatino-americanos sempre crescentes e, pela maiorparte, cada vez mais valiosas, para abastecer essaascensão. Especificamente, essa noção de sensocomum está baseada na seguinte linha deraciocínio: a economia chinesa está crescendo

11 Ratliff, explicando os interesses “pragmáticos” daChina no comércio de commodities expandido com aAmérica Latina, enfatiza que seu objetivo número um é“comprar commodities indo do petróleo e o ferro ao cobree sementes de sofá que são necessários ao desenvolvimentoda China e para satisfazer as demandas populares poruma vida melhor” (RATLIFF, 2009, p. 7). Comoargumento a seguir, as demandas chinesas por recursosminerais e energéticos em expansão precisamente não éalmejada para satisfazer demandas consumidorespopulares, mas, em vez disso, para alimentar o(sobre)desenvolvimento industrial pesado.

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rapidamente, e porque a China é relativamenteescassa em certos recursos naturais, é óbvio queela buscou fontes dessas commodities em paísesricos em recursos como a América Latina. Oresultado foi a crescente relação comercial e deinvestimento baseada em commodities com aAmérica Latina. A questão de por que a Chinasomente começou a demandar commodities emquantidades cada vez maiores no começo dadécada de 2000, se o país tem crescido a umamédia acima de 9% desde o fim da década de1970, quase nunca é colocada. Além disso,mesmo a maior parte daqueles que reconhecem anatureza “cíclica” da relação não exploram osfatores políticos e econômicos específicosdirigindo a explosão da demanda chinesa. Isso éum descuido crucial porque, ao menos queentendamos melhor a natureza e o momento daexplosão de commodities dirigida pela China, nãopodemos avaliar efetivamente a extensão dosefeitos que podem seguir-se se e quando aexplosão terminar.

IV. AVALIANDO AS CONSEQUÊNCIAS:COMPLEMENTARIDADE VERSUS DE-PENDÊNCIA

Ao mesmo tempo em que há uma gama deexplicações para a rápida expansão do comérciochinês baseado em commodities e as relações deinvestimento com a América Latina, todas girandoem torno da idéia de que o crescimento chinêsestá puxando a América Latina consigo, hácontrovérsia acerca das implicações dessa relaçãoflorescente . Em particular, existem duas visõescontrastantes sobre os laços do crescimentoeconômico chinês com a América Latina: aprimeira enfatiza a complementaridade e obenefício mútuo enquanto a segunda demonstrapreocupação com relação a uma repetição depadrões históricos disfuncionais de dependência.Entretanto, nem a perspectiva otimista da“complementaridade” nas relações China-AméricaLatina nem a visão pessimista da “dependência”capturam a dinâmica específica e mais relevanteque conduz a explosão chinesa baseada emcommodities. Avaliar essas perspectivasconcorrentes requer uma compreensão maisdetalhada e diferenciada de alguns dos fatores-chave da demanda chinesa por um número decommodities latino-americanas, especialmente osminerais.

IV.1. Complementaridade

Como detalhado acima, a maioria das expli-cações para os crescentes laços de investimentoe comércio da China com a América Latinarelacionam a demanda chinesa por recursosnaturais à oferta latino-americana desses recursos.A abundância de recursos da América Latinaaparenta, então, complementar a escassez de re-cursos da China. Tal foco em uma complemen-taridade natural é também a base para osjulgamentos mais otimistas acerca da natureza edo desenvolvimento futuro dos laços econômicose políticos entre a China e a América Latina.Ademais, tais visões baseadas na complemen-taridade servem de fundamento para a prepon-derância de altas, e ainda ascendentes, expectativasquanto ao desenvolvimento futuro dos laçoscomerciais e de investimento entre China eAmérica Latina. A política oficial de governo daChina, apoiada por think tanks chineses centraisespecializados nos vínculos latino-americanos, éa mais óbvia proponente da idéia de complemen-taridade como o quadro correto para a compre-ensão dos laços China-América Latina. Concomi-tantemente, muitos líderes de negócios e membrosdo governo, especialmente nos países latino-americanos que são ricos em commodities, tam-bém são rápidos em enfatizar as complemen-taridades fundamentais da demanda chinesa e daoferta latino-americana.

Em sua diplomacia pública, a China usa alinguagem do “ganha-ganha” “win-win” e do“benefício mútuo” para ressaltar os benefíciospositivos para a China e para a América Latinapor seus vínculos econômicos emergentes. Outraparte basilar dessa estrutura de relaçõeseconômicas como fundamentalmentecomplementares é baseada na lógica que asrelações chinesas com a América Latina são “Sul-Sul”12. Cada um desses conceitos é consagradono “Documento de Política para a América Latinae o Caribe” chinês de 2008, que buscou esclareceros fundamentos e objetivos chineses de suasrelações com a América Latina. Importantes

12 Não deve ser surpresa que o governo chinês use essalinguagem na sua diplomacia pública, visto que ele tem umduradouro investimento na idéia de laços “Sul-Sul” (emboranão necessariamente com ênfase na América Latina) desdea Era Maoísta. Para mais sobre o histórico da diplomaciapública “Sul-Sul” da China, ver Monica Hirst (2008).

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acadêmicos chineses que estudam a AméricaLatina na Academia Chinesa de Ciências Sociais(CASS, na sigla em inglês) e em outros think tankstambém, consistentemente, retratam a relaçãosino-latino-americana nos mesmos termos debenefício mútuo. Por exemplo, o vice-Diretor doInstituto de Estudos Latino-Americanos da CASSargumentou que “tanto a China quanto a AméricaLatina pertencem ao Terceiro Mundo e acooperação entre os lados beneficiará a pazmundial e o desenvolvimento” (SHIXUE, 2005,p. 15)13. Assim, o governo chinês e alguns dosseus principais analistas acadêmicos de relaçõescom a América Latina usam a linguagem dacomplementaridade para enfatizar umaestabilidade e uma igualdade fundamentaiscarregadas de similares históricos e metas dedesenvolvimento.

A linguagem da complementaridade e benefíciomútuo é retribuída por alguns, embora claramentenão todos, os líderes latino-americanos bem comopor alguns essenciais institutos de pesquisadaquele continente14. Em particular o governobrasileiro, sob a liderança do Presidente LuizInácio Lula da Silva, adotou a linguagem dosvínculos “Sul-Sul” para descrever as relaçõessinobrasileiras que crescem rapidamente. Além daassociação em comum ao G20, sem mencionarao ainda mais exclusivo BRICs, o Brasil tempromovido sua relação com a China como tantomutuamente benéfica quanto um meio depromover formas de liderança internacionalalternativas (aos EUA)15. Por sua vez, um dos

principais think tanks econômicos da AméricaLatina, a Comissão Econômica para a AméricaLatina e o Caribe (Cepal), elogiou o papel positivodos laços comerciais sinolatino-americanos à luzda crise financeira. Ambos os relatórios da Eclacde 2009 e de 2010, amplamente citados naimprensa chinesa, argumentaram que a fortedemanda chinesa por commodities latino-americanas teve um papel fundamental paraminimizar os efeitos negativos da crise globalfinanceira e para fornecer um forte motor queconduzisse uma recuperação regional rápida(LATIN AMERICA MUST TAKE, 2009;BÁRCENA et alii, 2010). Conforme o relatórioda Cepal de 2009 declarou, “de certa forma, omercado interno chinês resgatou as exportaçõeslatino-americanas” (LATIN AMERICA MUSTTAKE, 2009). Assim a visão de uma relação sino-latino-americana complementar e, portanto,mutuamente benéfica, é um tema central não sóna diplomacia pública chinesa mas também entreimportantes líderes e centros de pesquisa latino-americanos.

A linguagem dos laços “Sul-Sul”, promovidapelo governo chinês e pelos think tanks egeralmente retribuída por suas contrapartidaslatino-americanas, tem um papel central noestabelecimento de expectativas sobre a naturezae o futuro desenvolvimento das relaçõeseconômicas e políticas sino-latino-americanas.Algumas dessas expectativas são explícitas,enquanto outras são mais implícitas. Por definição,se a interação da China com a América Latina é“Sul-Sul”, e portanto entre a China como um paísem desenvolvimento e a América Latina comouma região de países em desenvolvimento, eladeveria ser qualitativamente distinta das relações“Norte-Sul”. As relações “Norte-Sul” são assimo contraste implícito (e apenas às vezes maisexplícito). Seja a referência às relações Estados-América Latina, seja às relações Europa-AméricaLatina, as relações Norte-Sul situam-se, nacomparação histórica, como relações deexploração e de desigualdade. Portanto, se oslaços econômicos e políticos sino-latino-americanos são Sul-Sul, o argumento que eles sãoinerentemente também de vínculos “ganha-ganha”deve ser por causa de sua natureza mais igual, denão exploração e, em última análise, estável.Alguns críticos dessa perspectiva ressaltampreocupações sobre a real igualdade da relação.Em contraste, este artigo realça os riscos de

13 A avaliação de Shixue do que conduziu os vínculoseconômicos da China à América Latina encaixa-se nessapositiva pespectiva de complementaridade. Ele diz que“a China também enfrenta uma falta de recursos naturais,em grande parte devido à sua enorme população e ao seurápido crescimento econômico” (SHIXUE, 2008, p. 34).14 De todos os grandes países latino-americanos o Méxicoé o menos provável de ver a relação nestes termos. Duasdas principais razões são porque o México tem um grandedéficit comercial com a China e porque ele compete com aChina como base manufatureira para exportações para omercado norte-americano.15 Para uma abrangente visão global das relaçõescomerciais, de investimento e diplomáticas sino-brasileirassob a perspectiva brasileira, ver Dey-Chao e Wyk (2010,p. 50-51). Para mais sobre os detalhes e os desafios dacooperação sino-brasileira como parte do BRICs, verMichael Glosny (2010).

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superestimar a probabilidade de um infinitocrescimento chinês de commodities.

IV.2. Dependência

É irônico que a Cepal, uma vez o berçoinstitucional de uma das principais correntes dateoria da “dependência” na América Latina,carregaria uma mensagem tão positiva acerca dacomplementaridade do comércio commodity-por-manufaturas sino-latino-americanas. Durante a altafase de industrialização de substituição deimportações (ISI), a Cepal era sinônimo do pen-samento do economista argentino Raúl Prebisch,cuja pesquisa serviu de base para muitas políticasde ISI dentro da América Latina e além16. Ade-mais, juntamente com outros influentes estudiososda América Latina como Andre Gunder Frank(“desenvolvimento do subdesenvolvimento”) eFernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto (“de-senvolvimento dependente”), Prebisch e a Cepaltiveram um papel instrumental em criticar a in-serção latino-americana na economia mundial, emfins do século XIX e início do século XX, como,principalmente, um fornecedor de commoditiesde recursos naturais para os países em rápidaindustrialização na América do Norte e naEuropa17.

Uma das reivindicações mais famosas, mastambém polêmicas, de Prebisch era que adependência histórica latino-americana porexportações de commodities em troca deimportações manufaturadas do mundo desen-volvido implicava um desequilíbrio estrutural em“termos de troca” (TdT) pelo qual o valor dasexportações de commodity tendia a deteriorar-seem relação às importações manufaturadas(PALMA, 1978).

Baseado na idéia de que a região precisavarejeitar os modelos de desenvolvimento liberais eestáticos de vantagem comparativa que muitodominaram através do fim do século XIX ao início

do século XX, o resultado de parte do pensamentoda dependência foi como os governos latino-americanos poderiam promover o desenvolvi-mento e a industrialização por meio do envolvi-mento mais direto do Estado na economia. Éimportante ter em mente que o quadro históricoimediatamente anterior a essa tradição teórica epolítica foi o colapso quase completo do modelode desenvolvimento de exportações de commo-dities da região na esteira da I Guerra Mundial, daGrande Depressão e da II Guerra Mundial. Assim,na era posterior à II Guerra até a década de 1970,muito do pensamento de desenvolvimento naregião da América Latina era dominado por comoafastar-se de uma dependência excessiva da ex-portação de commodities de recursos naturais paraum modelo mais estável e, portanto, sustentávelde desenvolvimento industrial. A teoria da depen-dência, como quintessência da “tradição crítica”latino-americana, pode ter sido, desde então, lar-gamente posta de lado por muitos como um arte-fato histórico, mas não muito tempo atrás ela tinhagrande força tanto entre os círculos acadêmicosquanto nos políticos18.

Hoje, quer eles ressaltem explicitamente ou nãoa tradição de dependência latino-americana, muitosdaqueles que se preocupam com o padrão de rela-ções econômicas latino-americanas com a Chinareferenciam elementos da crítica original de de-pendência. As mais comuns entre as críticas dotipo “dependência” são aquelas que rejeitam asimagens positivas da complementaridade e, aoinvés disso, expressam preocupação com relaçãoà natureza do comércio da América Latina com aChina, em que as exportações são de commoditiese as importações são de bens manufaturados.Outras vão além ao argumentar que a China, pormeio de investimentos diretos em infraestruturapara facilitar o transporte das exportações de re-cursos naturais da América Latina, assumiu umpapel uma vez tido por países como a Grã-Bre-tanha no séxulo XIX. Por exemplo, alguns críticoscomo o economista brasileiro Delfim Netto járeferiram-se à relação sino-latino-americana comouma norma de imperialismo ou colonialismo chinês(PHILLIPS, 2010)19. Mais freqüentemente, no16 Para mais sobre a influência de Prebisch nas conexões

teóricas e políticas entre a “dependência” e o ISI assimcomo o apelo mais amplo de ambos para muitos paísesem desenvolvimento na era posterior à II Guerra Mundial,ver Frieden (2006).17 Para um resumo clássico das variadas permutações da“dependência” como um conceito teórico e ideia política,ver Palma (1978).

18 Para um tratamento da extinção da teoria da depen-dência e da “tradição crítica” latino-americana de maneiramais geral, ver Palma (2010).19 Acusações de que o comportamento chinês de comércioe investimento são coloniais ou “neocoloniais” em natureza

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entanto, argumentos do tipo “dependência” sãocolocados no nível do que é tido como a naturezaassimétrica ou desequilibrada dos laços decomércio e de investimento entre a China e aAmérica Latina.

Alguns exemplos recentes demonstram comoos temas de dependência são utilizados paradescrever a relação econômica da América Latinacom a China. Por exemplo, um relatório argumentaque “o padrão existente de comércio [entre a Chinae a América Latina] revela assimetrias crescentesque estão aprofundando a dependência históricalatino-americana por exportações de commoditiesde baixo valor agregado” e, portanto, que a“relação assumiu um tom ‘Norte-Sul’” (VOLPON,2010, p. 79-80).

Outras, ecoando as preocupações dos depen-dentistas originais, salientam as distorçõesdomésticas e internacionais que resultam danatureza commodities-manufaturados da relaçãocomercial sino-latino-americana. Evan Ellis(2008), autor de um livro sobre as relações China-América Latina, preocupa-se que, dentro dospaíses latino-ame-ricanos, o retorno corrente dasexportações de commodities é apropriado,principalmente, por elites econômicas ou políticas.Ao mesmo tempo, Ellis também se preocupa como fato de que, em um nível comparativointernacional, as exportações chinesas demanufaturados são um condutor mais estável parao crescimento da própria China do que asexportações de commodities o são para a AméricaLatina (idem, p. 286-288). Assim, o que algunscaracterizam como uma relação mutuamente

benéfica e complementar é, para outros, tanto“assimétrica” como próxima demais dos padrõeshistoricamente traumáticos de desenvolvimentoque muitos na região trabalharam tão duramentepor tanto tempo para superar.

Entretanto, tão importantes quanto algunsdesses argumentos relacionados à dependência,para entender como as relações sino-latino-americanas são avaliadas, são argumentosrelacionados a como a América Latina pode sercapaz de controlar mais efetivamente os benefíciosde sua atual relação de exportação de commoditiescom a China. Os relatórios da ComissãoEconômica para a América Latina e o Caribe(Cepal) acima mencionados, que ressaltam comoa demanda chinesa por exportações latino-americanas teve um papel crucial ao ajudar aAmérica Latina a resistir à crise financeira, sãoindicativos de como mesmo os céticos latino-americanos podem ver um lado positivo naquiloque foi, por muito tempo, visto como padrões dedesenvolvimento historicamente disfuncionais.

Outro estudo importante nesse aspecto,embora focando mais diretamente nas críticas àdependência, é um relatório do Banco Mundialsobre ciclos de expansão e contração decommodities na América Latina (SINNOTT,NASH & DE LA TORRE, 2010). O relatório vaimuito além das críticas à dependência acimadescritas ao argumentar que os ganhos privadose governamentais advindos da explosão deexportações baseadas em recursos naturais, secanalizados e utilizados de maneira efetiva, podemfortalecer um desenvolvimento sustentável de longoprazo na região. Focando as críticas anterioresquanto à dependência e à explosão de commodities,o relatório aponta que o argumento dos termos detroca de Prebisch pode ser contrabalançado porpolíticas cambiais apropriadas e diversificação deexportação (idem, p. 48-50, 60).

Não obstante, ao tornar público o relatório,um de seus autores e Economista-Chefe do BancoMundial, Augusto de la Torre, chama atenção parauma hipótese elementar sobre a qual esses outrosachados mais otimistas foram baseados:“presumindo que a demanda asiática porexportação de soja da Argentina, minério de ferrodo Brasil, cobre do Chile, peixes e minerais doPeru e outras commodities latino-americanascontinue, a região está em uma ótima posição paralucrar sobre seus recursos naturais” (AGUILAR,

são mais normalmente ouvidos com relação à África. Paraum argumento sobre como conceitos do gênero de“neodependência” ou “interdependência pós-colonial”podem lançar luz sobre a relação da China com a África,ver Rupp (2008). Apesar das críticas, certos líderesgovernamentais e corporativos acolhem um potencialaumento do investimento chinês na América Latina emferrovias, autoestradas, pontes e infraestrutura de portos.Para mais sobre a visão positiva brasileira acerca depotencial investimento futuro da China em infraestruturano país, ver The Beijing Axis (2010). Um aumento dodesenvolvimento de infraestrutura chinesa na regiãotambém tem o potencial de produzir uma espécie de efeitode “aprisionamento” pelo qual a infraestrutura financiadae construída pela China cria ligações com a América Latinaque poderiam resistir aos choques de curto prazo nademanda ou na oferta (eu agradeço a Jean-Marc Blanchardpor essa sugestão).

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2010). Entretanto, suposições de tal demandachinesa alta e sustentada, que se igualam a umafé na continuidade de uma explosão de commo-dities guiadas pela China, têm o potencial real deconduzir a expectativas frustradas.

V. CHINA E A EXPLOSÃO DAS COMMODI-TIES: FONTES INTERNAS E CONSE-QUÊNCIAS EXTERNAS

A discussão acima realça a concordância amplae aparentemente o senso comum de que a robustarelação de comércio da América Latina com aChina é uma simples função do rápidodesenvolvimento da segunda e sua necessidadepor recursos naturais que alimentem seu desenvol-vimento. A única controvérsia real parece girarem torno das conseqüências a longo prazo para odesenvolvimento latino-americano: os laçoseconômicos da China com a América Latina sãocomplementares e, portanto, uma fonte confiávelpara o crescimento latino-americano ou são laçosde dependência e, portanto, de alguma formadesigual ou instável? No geral, a visão otimistadas relações China-América Latina comocomplementares parece ser ascendente, comvozes críticas ouvidas na maior parte de paísesque não se beneficiaram com as exportaçõesexpandidas de commodities para a China oudaqueles que se agarram ao que podem parecerteorias ultrapassadas de dependência. Onde asperguntas de fato surgem sobre os benefíciosrelativos dessa relação, elas são normalmentecentradas sobre se os ganhos com o comérciobaseado em commodities são divididos igualmenteentre China e América Latina, bem como dentrode certos países latino-americanos.

No entanto, nós não podemos realmentecomeçar a avaliar o debate complementaridade-dependência sem uma compreensão mais apuradados precisos condutores da demanda chinesa ecomo esses condutores estiveram conectados amudanças mais amplas na trajetória dedesenvolvimento da China nos últimos anos. Nósdevemos perguntar: por que a China veio, e aindacontinua, a “precisar” de certos recursos latino-americanos em quantidades cada vez maioresdepois de decolar em um ponto específico notempo há menos de uma década? Para queconsigamos fazer isso, nós devemos olhar paracertas tendências na economia política domésticachinesa, em particular, tendências na trajetória dedesenvolvimento do país, que coincidiram com a

expansão chinesa de importações de commoditiesda América Latina e outras regiões. Em outraspalavras, nós devemos abrir a caixa preta dademanda chinesa por recursos naturais. Aofazermos isso, confrontamo-nos com uma figuramuito mais complexa do que uma simples eaparentemente imparável trajetória ascendentebaseada em uma demanda chinesa saudável e emexpansão.

Em particular, qualquer avaliação das pers-pectivas de longo prazo das relações econômicasChina-América Latina deve estar enraizada em umaclara compreensão de como um incremento naprodução industrial pesada da China desempenhouum papel fundamental no desencadeamento deuma explosão global de commodities por recursosminerais e energéticos para alimentar essaprodução. Assim, a trajetória de desenvolvimentochinesa passou por mudanças significativasjustamente no momento em que o comércio coma América Latina decolou. No entanto, taismudanças, em grande parte, não foram previstasnem intencionais.

Enquanto o crescimento da China continuouem altas taxas, mesmo em meio à crise financeiraglobal, uma série de “desequilíbrios” só conti-nuaram a crescer e podem, em algum momento,desempenhar um papel no término da explosãode commodities. Se a explosão global decommodities teve sua origem nas transformaçõesdentro da própria China, seu fim possivelmenteterá raízes nas forças econômicas e políticasdomésticas chinesas. Quer o resultado dascorreções de mercado ou de política de governo,quer uma combinação das duas, um número demudanças já estão em andamento e podem alterarfundamentalmente a demanda chinesa por umagama de commodities globais. Mesmo que aexplosão de commodities guiada pela China nãovenha a falir totalmente, a possibilidade de que ademanda chinesa pode e vai experimentar altavolatilidade em resposta à combinação das forçasdo mercado e das políticas de governo estásempre presente.

VI. O MODIFICADO CAMINHO DE DESEN-VOLVIMENTO DA CHINA: AS IMPLI-CAÇÕES DAS EXPLOSÕES DOMÉSTICAE INTERNACIONAL

Desde a primeira parte da década de 2000, aeconomia chinesa sofreu uma profunda série de

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mudanças. Essas mudanças afetaram não só opadrão de desenvolvimento doméstico chinês mastambém afetaram significativamente a relaçãoeconômica e política da China com a comunidadeglobal. Muitos economistas apontam que desdeos primeiros anos do século XXI a economiadoméstica da China e sua relação com a economiaglobal tornaram-se crescentemente “desequilibra-das”20. Enquanto o crescimento total continuouem ritmo acelerado a uma média de quase 10%,outros componentes do padrão de desenvol-vimento chinês mudaram dramaticamente. Forada China, entre as mais discutidas dessasmudanças estão o aumento do superavit comercialchinês e, com ele, da participação do país emreservas estrangeiras21. No entanto, dentro daChina é o aumento no desenvolvimento industrialpesado, muito do qual tem ido alimentar a rápidaurbanização e o desenvolvimento de infraestruturaconduzidos pelo Estado, que tem impactado novolume e no preço de entrada de commoditieslatino-americanas essenciais (especialmenteminerais e energia). Simplificando, a AméricaLatina se vinculou a um boom de commoditiesconduzido pela China, que por seu turno foiabastecido em parte substancial por umadecolagem na produção industrial pesada chinesa.

Desde o início de suas políticas de “reforma eabertura” ao final dos anos 1970, a Chinadistanciou-se do modelo de desenvolvimentoindustrial pesado de capital intensivo do “GrandeSalto” da Era de Mao em direção a umadependência de manufatura leve de trabalhointensivo 22. No entanto, logo após a virada do

milênio a China começa uma reversão dramática,inesperada e não planejada em direção a umaprodução industrial pesada. Entre 1985 e 2002 ocrescimento industrial chinês foi constante, mas,depois de 2002, a economia da indústria pesadada China experimentou uma explosãoextraordinário. A proporção total do PIB foiresponsável por praticamente todo esse aumento.No espaço de cinco anos, o tamanho relativo daprodução industrial pesada (aço, metais, químicos,energia eólica, produção de papel e todos ossetores intensivos em eletricidade) na economiapraticamente triplicou. Isso não teve precedentesna história econômica da China (CÂMARAEUROPÉIA DE COMÉRCIO, 2009).

Evidências dessa transformação começarama aparecer por volta do ano de 2001, quando aChina testemunhou um aumento inesperado daintensidade e do crescimento da demanda totalde energia23. Durante todo o período de reformado final dos anos 1970 até 2011, a intensidadeenergética da China esteve em declínio na medidaem que o país passava da indústria pesada para amanufatura leve24. Enquanto o país cresceu auma taxa média acima de 9% durante esse período,o crescimento energético permaneceu à média deapenas 4%. Por volta de 2001 esse cenáriocomeçou a mudar conforme a intensidade deenergia acentuou-se, e o aumento da demanda porenergia disparou para 13% ao ano, ultrapassandoassim o crescimento global do PIB (ROSEN &

20 Avaliar esses desequilíbrios tornou-se um ponto decontenda dentro e fora da China. Para exemplos de pesquisarelacionada, ver Yongding (2007), McKinnon e Schnabl(2009) e Pettis (2010a).21 Enquanto a China experimentou de modo consistentesuperavits comerciais entre 1% a 1,5% do PIB, de 1982 a2002, os excedentes dispararam na última década. Iniciandopor volta de 2003, os superavits começaram a subir e, em2007, atingiram 11% do PIB (ANDERSON, 2009, p. 25).Com a conta de capital fechado da China e a taxa de câmbiocontrolada, esses excedentes traduziram-se em reservascambiais, rapidamente crescentes, de quase US$ 2,5trilhões em 2009. Essa cifra representa cerca de 50% doPIB da China e aproximadamente 5-6% do PIB global,que em termos históricos só foi igualado pelos EstadosUnidos na década de 1920 e pelo Japão no final da décadade 1980 (PETTIS, 2010b).22 Para uma explicação do modelo do “Grande Impulso”

de desenvolvimento industrial sob o poder de Mao, verNaughton (2008).23 A ascensão da China em 2001 à Organização Mundialde Comércio (OMC) foi, de modo claro, parte de umesforço estratégico maior para inserir firmemente a Chinana economia global. Juntamente com os esforços chinesesposteriores à crise financeira do Leste Asiático para manterreservas em moeda suficientes para permitir uma respostapolítica independente para potenciais choques monetários,a entrada da China na OMC é notável como parte de umesforço político concertado para dar continuidade àreforma da economia chinesa. Mais pesquisas precisamser conduzidas sobre a conexão entre os fatores políticose econômicos por trás das mudanças dramáticas natrajetória de desenvolvimento da China no início dos anos2000.24 Para um claro resumo da reversão da China para umpadrão de desenvolvimento de indústria pesada intensivaem energia, ver Rosen e Houser (2007). Para mais sobre aintensidade energética chinesa, ver Andrews-Speed (2009).

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HOUSER, 2007, p. 6-7)25. O fator-chave queconduziu o aumento na intensidade e na demandaenergética foi o incremento na manufaturaindustrial pesada de produtos como o aço, ocimento e os químicos (ver o Gráfico 3).

Conforme a produção da indústria pesada dentroda China subiu, também subiu a demanda por umagama de commodities de insumos importados paraalimentar a demanda florescente.

25 Dentro da China, alguns estudiosos e autoridadesexpressaram-se com alarme sobre como o rápido aumentona demanda por recursos energéticos exacerboupreocupações de segurança energética. Por exemplo, verDaojiong (2006).

26 Além de ser o principal consumidor de minério deferro, em 2008 a China tornou-se o consumidor númeroum de cobre, alumínio, níquel, zinco e estanho e o númerodois no consumo de petróleo. Por causa da crise financeiraa demanda chinesa por commodities enfraqueceu-se noinício de 2009 mas recuperou-se rapidamente depois disso.Ver Wyk (2010, p. 6).

FONTE: Rosen e Houser (2007).

GRÁFICO 3 – VALOR AGREGADO INDUSTRIAL EM RELAÇÃO AO PIB (1995-2005)

O caso do aço e do minério de ferro exemplificade maneira clara como o rápido aumento naprodução doméstica chinesa de indústria pesadalevou a uma explosão global em commoditiesminerais específicas26. Apenas entre 2002 e 2005,a produção chinesa de ferro e aço, comoporcentagem do PIB, aumentaram deaproximadamente 1,5% para mais de 3% (idem,p. 8). Começando no princípio dessa década, a

produção chinesa de aço bruto cresceu anualmentea uma taxa de 18,3% (em comparação com 4,3%no resto do mundo) (WYK, 2010, p. 7). Aimportadora líquida de aço em 2002, a Chinatornou-se a maior produtora mundial de aço em2007, respondendo por 37% da produção mundialde aço bruto daquele ano (YONGDING, 2009, p.8). E em 2010 a China já era responsável pelaprodução de quase metade do aço do mundo(WYK, 2010, p. 7). Para colocar em perspectivaa velocidade dessa transição, em 2002 aimportação chinesa de aço ultrapassava suaexportação em 450%, mas em 2006 a exportaçãoexcedia a importação em 230% na medida em quea China se tornou o maior produtor e exportadorde aço no mundo (ROSEN & HOUSER, 2007, p.13)27. Enquanto a maior parte dessa rápida

27 Como o economista do UBS Jonathan Anderson aponta,a transição da China para uma posição de exportadorlíquido de aço implicou primeiro o controle das fatias demercado estrangeiras dentro da China e então a expansão

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expansão na produção alimentou a crescentedemanda doméstica, o setor de aço da China setornou cada vez mais orientado para a exportação,com cerca de 11,5% da produção indo para aexportação em 2008 (KPMG, 2009, p. 7).

Essa explosão na produção chinesa de aço,por sua vez, desencadeou um aumento nademanda por minério de aço, com a China agoraconsumindo um total de 70% das exportações deminério de aço do mundo (GARNAUT, 2010).Esse aumento na demanda por minério de ferroinfluenciou diretamente as fortunas dos cofresdas empresas e dos governos nos principaisexportadores latino-americanas como Brasil ePeru28. A China é, de longe, o maior importadordo minério de ferro brasileiro e a Vale do Rio Doce,a maior produtora de minério de ferro do mundo,ficou no topo da onda da crescente demandachinesa, lucrando exponencialmente29. Em parteisso se explica porque o aumento na demanda porinsumos para abastecer o rápido crescimentochinês na produção industrial pesada implicou umaumento correspondente no preço dessesinsumos. Por exemplo, apesar de uma breve quedaem resposta à reduzida demanda durante o augeda crise financeira global, o preço do minério deferro rapidamente recuperou-se na esteira da velozrecuperação da demanda chinesa30. Assim, a

explosão chinesa na produção industrial pesadateve um papel fundamental na rápida expansãodas exportações de uma gama de commoditieslatino-americanas.

Enquanto a dinâmica entre o aumento daprodução de aço chinês e a importação de minériode ferro é um exemplo fundamental da reação emcadeia iniciada pelo veloz crescimento da produçãoda indústria pesada chinesa, outras commoditiesminerais latino-americanas também foram puxadaspara o distinto padrão de desenvolvimento daChina31. Por exemplo, boa parte da produçãoindustrial pesada chinesa serviu para abastecer orápido desenvolvimento de propriedade einfraestrutura. Este, por seu turno, temimpulsionado o aumento das importações deoutras commodities minerais latino-americanascomo o cobre chileno. Conforme mencionadoacima, o cobre é a principal exportação do Chilee a China tem crescido rapidamente para tornar-se o maior consumidor do cobre chileno. Assim,o aumento na demanda por um número derecursos minerais abundantes na América Latina,uma ascensão que começou nos primeiros anosdo século XXI, tem sido impulsionado pormudanças importantes no padrão de desenvol-

para os mercados estrangeiros de exportação. Issodesempenhou um papel fundamental no aumento dosexcedentes comerciais chineses com países como os EUA.Ver Anderson (2010, p. 28).28 Em 2008 o Brasil forneceu 22,7% das importaçõeschinesas de minério de ferro. Ver Mingramm et alii (2009,p. 12). A mesma dinâmica funcionou para o maiorexportador de minério de ferro do mundo: Austrália. Em2008 a Austrália forneceu 41,4% das importações chinesasde minério de ferro, e, ao longo da última década, a Chinatornou-se o maior mercado exportador da Austrália, comminério de ferro e carvão respondendo por um terço dototal da receita de exportação australiana. Ver Stutchbury(2010).29 Apesar de mudanças na estrutura das negociações dopreço do minério de ferro, a Vale teve expectativas quesua receita das vendas de minério de ferro para a Chinadobrasse entre 2009 e 2010. Ver World’s Largest Iron(2010). Para uma análise detalhada da estrutura global decomércio entre Brasil e China, ver Dos Santos e Zignago(2010).30 Para um visão geral do contrato de aumento do minériode ferro e preços “spot”, ver China Ore Import (2009) eStuart (2010).

31 A conexão entre minério de ferro e aço fornece ailustração mais clara de como a demanda chinesaimpulsionou as exportações de uma commodityfundamental. O argumento sustentado aqui encaixa-semelhor em um aumento da produção chinesa de uma sériede bens de indústria pesada que necessitam de insumosminerais e energéticos. Entretanto, além dessas“commodities pesadas”, a China experimentou um picona demanda por commodities agrícolas, ou “commoditiesleves”, sendo o principal exemplo o dos grãos de soja e deseus derivados, como óleo e farelo (ver a Figura 2). Ademanda chinesa por certos insumos agrícolas latino-americanos, em particular por grãos de soja e óleo de soja,também vinculou-se às mudanças na estrutura no mercadointerno chinês. A lógica por trás do aumento na demandapor certas commodities agrícolas, como a soja da Argentinae do Brasil, é diferente daquela por trás dos minerais, masé discutivelmente também o resultado de mudançasespecíficas na economia política doméstica da China. Emparticular, existe um esforço concertado por parte dogoverno chinês para sair da suinocultura tamanho-famíliapara uma maior, de aspecto comercial, que impulsionou amaior demanda por importação de soja. Além disso, oaumento da produção industrial tem cada vez mais setraduzido em menos terras para a produção agrícola. Euagradeço Mindi Schneider e Emelie Paine pelas idéias úteisacerca da conexão Brasil-China da soja.

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vimento doméstico chinês de indústria pesadaintensiva32.

VII.POR QUE A CHINA VOLTOU-SE PARA APRODUÇÃO INDUSTRIAL PESADA?

Se as mudanças na trajetória de desenvol-vimento doméstico chinês alimentaram a decola-gem de importações de commodities mineraislatino-americanas no surto das relações comer-ciais entre China e América Latina, então avaliar aestabilidade global desse crescente relacionamentocomercial depende, em um primeiro momento,de uma compreensão mais profunda do que levoua China a mudar seus padrões de crescimento.Reafirmando uma observação feita acima: daperspectiva de muitos pesquisadores eautoridades, de dentro e fora da China, a volta dopaís para a produção industrial pesada no começodos anos 2000 não era planejada nem esperada,produzindo uma série de efeitos indesejáveis. Issotem importantes implicações para o futuro dodesenvolvimento das exportações de commoditiespara a China, a partir da América Latina ou deoutro lugar. Na verdade, muitas das forças quejuntas levaram a China ao uso intensivo de capitale energia, seguindo padrões industriais pesadosde desenvolvimento, somente foram agravadospela resposta chinesa à crise financeira global.Como as autoridades chinesas moveram-se alémdo que eles alegaram serem medidas deemergência para proteger a economia chinesa dacrise, a atenção dentro e fora da China tem

crescentemente se focado em como odesequilíbrio de ativos globais e domésticos e asbolhas de capacidade podem ser resolvidas. Ecomo a América Latina e outros exportadoresmundiais de commodities têm-se tornadoprofundamente ligados ao surto, liderado peloschineses, dessas mercadorias, qualquer mudançana estrutura política e no mercado interno daChina também afetará, inevitavelmente, essesexportadores.

Por que nos primeiros anos do século XXI aChina afasta-se de um padrão de desenvolvimentobaseado em trabalho intensivo (indústria leve) paraum baseado na indústria pesada de capitalintensivo? Uma resposta para essa questão devecomeçar com o reconhecimento de que a transiçãopara o desenvolvimento da indústria pesada nãofoi parte de um plano ou política coordenada porparte do governo central chinês. Como análiseseconômicas sobre o aumento inesperado doconsumo de energia chinês que acompanham amudança para a indústria pesada deixaram claro,a mudança da estrutura produtiva industrial nãofoi “o resultado de aspirações nacionais concer-tadas (como era no tempo de Mao Zedong)”(ROSEN & HOUSER, 2007, p. 8). Em vez disso,uma combinação perfeita de fatores do mercadoe da política governamental levou a um aumentodramático na produção industrial pesada nacional.O que começou como uma série de políticasdiscretas e sinais do mercado levaram a uma“corrida do ouro” ou uma mentalidade de “surto”de mentalidade (idem; EUROPEAN CHAMBEROF COMMER-CE, 2009). Explicando como aChina “struck steel” em uma maneira similar acomo outros países “striking oil”, um economistadestacou um claro elemento de “exuberânciairracional” com o que “começou com umaresposta aos fundamentos do mercado [...] entãoradicalmente superados” (ANDERSON, 2009, p.28). O que foram, então, alguns dessesfundamentos do mercado?

Uma combinação de condições e políticasmacro e microeconômicas facilitaram o surto deprodução industrial pesada no começo dos anos2000. No nível macroeconômico, taxas depoupança cada vez mais elevadas, queaumentaram depois de 2003 até alcançarem quase52% do PIB em 2009 (idem, p. 25), combinadascom baixas taxas de juros, para criar capitalabundante e barato, alimentaram o surto daprodução industrial pesada. Além disso, esses

32 Até agora ausente dessa discussão está o aumento docomércio e do investimento chineses em recursosenergéticos latino-americanos, especialmente o petróleo.Além dos minerais, as principais atividades deinvestimento da China na América Latina têm sidovinculadoas aos recursos petrolíferos, incluindo a compra,acima de US$ 7 bilhões, das operações espanholas daRepsol Brazil, em 2010. Ver Graham (2010). Como esteartigo deixa claro, a demanda chinesa por inúmerosprodutos de indústria pesada como aço demonstra realçadopotencial para a volatilidade relacionada ao mercado e/ouà política. A demanda chinesa em expansão por recursosenergéticos, como petróleo ou carvão de coque para aprodução de aço, também alimenta preocupaçõesambientais e outras preocupações de “segurançaenergética”. Ver Daojiong (2006). Os esforços do governocentral chinês para distanciar-se de tamanha dependênciano uso de energia intensiva em combustível fóssilclaramente terá impacto sobre o footprint da demandaenergética chinesa de seus principais parceiros comerciaisquanto à exportação de petróleo.

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aumentos da poupança não têm sido impulsionadospelas famílias, mas pelo aumento da poupançaempresarial, a qual subiu, aproximadamente, de15% para 26% do PIB entre 2000 e 2007 (idem,p. 27). Isso significa que o aumento das poupan-ças empresariais, muitas das quais são empresasestatais, tem sido canalizado para mais inves-timentos. No nível microeconômico, as possibili-dades crescentes de lucros da indústria pesadaforam reforçadas por políticas governamentaislocais destinadas a aumentar as taxas de cres-cimento local e atrair investimentos. Por exemplo,como parte da competição para promover ocrescimento, governos locais têm frequentementeoferecido insumos subsidiados, incluindo terra,água e eletricidade, para uso industrial(EUROPEAN CHAMBER OF COMMERCE,2009, p. 14). Ilustrando o impacto dessas políticasnas margens de lucro da indústria pesada, no finaldos anos 1990 os lucros desse tipo de indústriapairaram perto de zero, mas em 2007 subiramentre 4% e 7% em indústrias como as de aço,vidro e cimento, superando muito as homólogasmanufaturas leves (ROSEN & HOUSER, 2007,p. 10, 12).

Em indústrias pesadas como a do ferro,autoridades do governo central chinês têm-sepreocupado com o investimento excessivo hámuito tempo, bem como com a falta deconcentração industrial (YAP, 2009). No entanto,tal supercapacidade doméstica tem sido estimuladae absorvida por oportunidades para a exportação.Além de subsídios à exportação de determinadosprodutos industriais pesados, a exportação deexcessos da capacidade industrial pesada tem sidoauxiliada pelas políticas cambiais do governocentral. Mantendo o valor do Yuan baixo, a Chinatem efetivamente permitido a seus produtoresaumentarem a participação no mercado global emdeterminados setores econômicos (ANDERSON,2009)33. Entretanto, se as exportações da indústriapesada causaram pouco atrito com os parceiros

comerciais antes da crise financeira, elasclaramente tem-se tornado uma grandepreocupação. Em muitos aspectos o investimentoestatal chinês, seja por meio de canais deinvestimento diretos ou indiretos, tem se traduzidoem um aumento da produção industrial pesada,tendo como resultado final uma “corrida do ourona indústria pesada” (ROSEN & HOUSER, 2007,p. 12).

VIII. EFEITOS DA RESPOSTA CHINESA ÀCRISE FINANCEIRA: EXCESSO DECAPACIDADE E AUMENTO DE INSTA-BILIDADE

Se as condições para essa corrida do ouro naprodução industrial pesada, e as condições para anecessidade de matérias-primas, estavam postasantes da crise financeira global, elas somente têmsido exacerbadas pela resposta chinesa à crise.Particularmente, o crédito tornou-se ainda maisbarato e mais abundante como resultado do pacotede estímulo chinês de quatro trilhões de Yuan,acompanhado das políticas expansionistas decrédito promovidas por autoridades locais ecentrais na esteira da crise financeira34. Oresultado foi uma rápida recuperação na taxa decrescimento da China, que inspirou alguns aelogiarem o pacote de estímulo chinês como o“padrão ouro” global. Entretanto, o pacote deestímulo e a frouxa política monetária chinesa têmlevado a uma preocupação generalizada sobre aformação de bolhas de capacidade (em indústriaspesadas como o aço e o cimento) e de ativos (nosmercados de ações e imobiliário)35. Além disso,há um consenso geral dentro e fora da China deque, a fim de ajudar a solucionar os desequilíbriosdomésticos e internacionais, a China deve afastar-se de sua dependência da demanda externa eavançar em direção a um padrão de crescimentobaseado no consumo 36. Na realidade, porém, aresposta chinesa à crise financeira tem feito pouco

33 Aqui há uma questão legítima sobre se tais resultadospodem, de fato, ser um produto de uma política orquestradapara capturar tal participação no mercado. Entretanto,dadas as várias preocupações sobre o excesso de capacidadee os crescentes atritos comerciais gerados por isso, aindafaz sentido ver o que Anderson chama de “ganho de fatiade mercado” como um resultado de um surto nãointencional na produção industrial pesada.

34 Para uma visão abrangente do pacote de estímulo daChina e o acompanhamento das políticas de crédito einvestimento, ver Naughton (2009b).35 Para mais detalhes, ver European Chamber ofCommerce (2009) e Pettis (2009).36 Li Keqiang, o provável futuro Primeiro Ministrochinês, tem reiterado a necessidade de tais transformaçõesfundamentais do modelo de desenvolvimento econômicodo país. Ver Keqiang (2010).

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para corrigir esses desequilíbrios e, em vez disso,tem estimulado ainda mais o investimentoexcessivo na indústria pesada e em outrasmanufaturas que dependem das exportações e,portanto, da demanda externa.

Mais uma vez, o setor siderúrgico fornece umexemplo perfeito de preocupações com acapacidade excessiva, assim como dá sinais deque o setor já pode estar submetido a umrealinhamento dirigido pelo Estado, o qual estáafetando a demanda por minério de ferro.Enquanto no resto do mundo a produção de açodecresceu aproximadamente 21% em 2009, achinesa aumentou 13,5% (BURNS, 2010). Alémdisso, das 700 milhões de toneladas de açoproduzidas na China em 2009, somente 560milhões foram consumidas internamente (CHINAMINING ASSOCIATION, 2010). Na primeiraparte de 2010, com a economia chinesarespondendo rapidamente ao pacote de estímuloe à inundação de crédito barato, a produção deaço e a exportação continuaram a crescer a taxasde mais de 200% comparadas com o ano anterior(YAP & ZHANG, 2010). Com o excesso decapacidade dependente da diminuição da demandaexterna dos países mais industrializados daAmérica do Norte e da Europa, as tensõescomerciais têm sido rápidas de acompanhar. Defato, “entre os numerosos produtos feitos naChina influenciados por atritos no comérciointernacional, a indústria siderúrgica chinesa temsido a mais atingida” (THE CHINA SOURCING,2010). A supercapacidade não tem sido apenasuma fonte de preocupações comerciais, mas écada vez mais uma preocupação para osplanejadores do governo chinês, que desejamreduzir o consumo doméstico excessivo defontes de energia que tem acompanhado oaumento da produção industrial pesada (CHINAMINING ASSOCIATION, 2010).

O resultado foi que em 2010 as autoridadesdo governo central chinês começaram a decretarmedidas para reduzir a produção interna de aço ediminuir os incentivos para exportar o excessode capacidade. Essas medidas começaram a tomarforma em meados de 2010, com a Chinarevogando uma redução de 9% da taxa sobre ovalor agregado para as exportações de aço e,posteriormente, procurando restringir ocrescimento do crédito como parte de um esforçomaior para desacelerar o mercado imobiliáriosuperaquecido, que é a principal fonte de demanda

de grande parte do consumo de aço interno (cf.YAP & CAMPBELL, 2010; YAP & ZHANG, 2010).Na década de 1990, as autoridades do governocentral preocuparam-se com a falta deconsolidação da indústria de aço chinês edeclararam suas intenções de interromper acapacidade excessiva e concentrar a produção emum número limitado de grandes empresas estataisde aço (NAUGHTON, 2009a, p. 3-4). Apesar dosprofundos desafios na implementação efetiva dessaagenda, esforços iniciados em 2010 para controlaro setor siderúrgico estão começando a engrenar,em parte por causa de preocupações elevadassobre os efeitos do excesso de aço e de outracapacidade industrial pesada nas relaçõescomerciais, assim como o uso de energiadoméstico chinês, para não mencionar a ansiedadesobre o superaquecimento do mercado imobiliáriodo país. Os esforços da China para controlar aprodução de aço e para resfriar o mercadoimobiliário superaquecido conduziram a umamontanha russa em 2010 para importações,preços e transporte de minérios de ferro do Brasile de outros fornecedores-chave na América Latinae em outros lugares (YAP & CAMPBELL, 2010).

IX. CONCLUSÕES

No final das contas, as relações entre China eAmérica Latina são mais bem compreendidascomo complementares ou dependentes? Essasperspectivas claramente representam dois ladosda mesma moeda, capturando uma tensão básicaentre o otimismo e a ansiedade que a rápidaexpansão das relações econômicas entre China eAmérica Latina gerou. Embutidos nesse cenário,entretanto, estão suposições mais complexas sobreos benefícios relativos e a sustentabilidade darecente florescida relação comercial e deinvestimento China-América Latina. A comple-mentaridade implica equilíbrio e estabilidade: aAmérica Latina, com abundância de recursosnaturais, continuará a fornecer a matéria-primanecessária para abastecer a trajetória de desenvol-vimento chinesa, que parece inevitavelmenteascendente. A dependência implica um senso dedesigualdade e uma falta de sustentabilidade: aAmérica Latina está caindo em velhos hábitos dedependência excessiva de exportação de produtosprimários enquanto a China move-se para aprogressão do desenvolvimento industrial emanufatureiro. No entanto, este artigo demonstraque as questões sobre a saúde e a sustentabilidadedos laços econômicos entre China e América

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Latina somente podem ser respondidas prestandoatenção mais cuidadosa às particularidades dosurto de commodities liderado pela China.

Avaliações sobre a saúde e a sustentabilidadedos laços econômicos China-América Latinarequerem uma nova ênfase em alguns conhecidosbem fatos, assim como o destaque de algunsfenômenos bem menos discutidos, mas igual-mente importantes. Primeiramente, a decolagemdos laços econômicos entre China e AméricaLatina tem sido impulsionada pela demanda chinesapor commodities latino-americanas. Exportaçõeslatino-americanas para a China, e o crescenteinvestimento chinês na América Latina, têm sidodominadas pela demanda chinesa por minerais,energia e commodities agrícolas latino-ame-ricanas. Em segundo lugar, o momento específicoda decolagem de importações chinesas das (einvestimento nas) matérias-primas da AméricaLatina é de crucial importância. A América Latinanão tem sido simplesmente esboçada nos ventosdo milagre econômico chinês dos últimos 30 anosou mais, mas, em vez disso, tem pegado umafase específica do ciclo de desenvolvimentochinês, que em aspectos fundamentais tem sidobastante diferente do que veio anteriormente. Acrescente demanda por commodities latino-americanas e de outros países ricos em recursostem correspondido a uma mudança na trajetóriade desenvolvimento doméstico chinês, afastando-se da manufatura leve e média baseada em trabalhointensivo e aproximando-se da (super)produçãoindustrial pesada com capital intensivo.

Com esses dois fatos básicos em mente é maisfácil acender uma luz sobre o elefante na sala: oque acontece se e quando o surto de commoditiesdirigido pela China terminar ou tornar-se propensoa maior volatilidade? Naturalmente, a perspectivade complementaridade nos leva para longe,mesmo para contemplar esta questão, já que elanão somente assume a continuação suave dorápido desenvolvimento ascendente chinês, comotambém assume a continuação do papel latino-americano como um fornecedor de matérias-primas necessárias para abastecer esse desenvol-vimento. E aqueles que reconhecem que a AméricaLatina pode estar vinculada a uma fase específicado crescimento chinês (a idéia de que o surto decommodities da China é simplesmente parte deum “superciclo de commodities” secular evirtuoso) distraem-se de qualquer preocupaçãosobre como o surto pode acabar 37.

Mais surpreendente, entretanto, é como,freqüentemente, mesmo aqueles que são sensíveisa uma perspectiva mais crítica de dependênciaestão dispostos a assumir o fim do surto decommodities como uma possibilidade remota.Como um estudo recente nota, “debates sobre odesenvolvimento na América do Sul têm, por cercade meio século, girado precisamente em torno doimperativo de quebrar a dependência regional emexportações de matérias-primas, especialmentetendo em conta os efeitos deslocados da doençaholandesa e outros problemas estruturais associa-dos com tal modelo. A celebração das oportunida-des de exportação fornecida pela emergênciachinesa tem, conseqüentemente, algo de estranhonela” (PHILLIPS, N., 2010, p. 188-189).

Os relatórios da Cepal e do Banco Mundialdiscutidos acima são exemplos perfeitos de comoaqueles que compreendem melhor do que amaioria essas preocupações históricas estão,todavia, dispostos a pôr de lado a possibilidadede que a demanda chinesa por commodities podeser propensa à instabilidade. Salientar como ospaíses e empresas latino-americanos exportadoresde commodities têm uma oportunidade, bem comouma obrigação, de manejar os ganhos do surtode commodities de uma maneira sustentável, justae responsável é perfeitamente razoável. Contudo,a falha em melhor entender as raízes da demandachinesa por commodities específicas e os sériosdesafios enfrentados pela China na regulamentaçãodos mercados responsáveis por tais demandaspode muito bem servir como base paraexpectativas frustradas quanto à estabilidadechinesa como motor do crescimento da AméricaLatina. Se as expectativas daqueles que estãobeneficiando-se mais da complementaridadeforem decepcionadas, então haverá também altopotencial para aprofundamento de atritoscomerciais com aqueles na América Latina eCaribe que já se encontram competindo cada vezmais com as importações da China. Em últimaanálise, se parciais quanto à perspectiva dadependência ou da complementaridade, muitos doque estão participando ou observando o surtocontínuo nas relações China-América Latinaparecem ser pegos de surpresa em um ciclo de

37 Para mais sobre os “superciclos” de commoditiesseculares e a China, ver Rogers (2007; 2008).

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expectativas crescentes que são reflexo mais deuma mentalidade de corrida do ouro do que deuma sóbria reflexão.

Mesmo se tais expectativas crescentes são emparte orientadas pelo que o economista, ganhadordo prêmio Nobel, Paul Krugman chamou de“extrapolação ingênua das tendências passadas”,este artigo também deixou claro que um enfoquemais cuidadoso na política econômica internachinesa demonstra os vários desafios enfrentadospela China na manutenção de seu ritmo aceleradode crescimento (KRUGMAN, 1994). Preocupa-ções com os desequilíbrios econômicos internose externos, com as bolhas de capacidade e ativos,e com a inflação, são apenas algumas das muitasquestões no centro das discussões e debateschineses e internacionais sobre a saúde e o futuroda economia chinesa. Esses grandes desafioseconômicos estão muito amarrados à demandachinesa por commodities da América Latina e deoutras regiões. Esse argumento também temaparecido em um número pequeno, mas cres-cente, de análises de investidores internacionaissobre a economia chinesa. Por exemplo, no finalde 2009 e começo de 2010, o investidor de fundosde hedges, James Chanos, ganhou as manchetescom sua observação de que o inflado setorimobiliário chinês parecia “Dubai vezes mil – oupior” (BARBOZA, 2010)38. Chanos, quando maistarde pressionado a comentar como um estouroda bolha imobiliária chinesa poderia causar impactona economia mundial, disse que os mais expostosseriam os exportadores de commodities,especialmente nas áreas como as de minério deferro39. Embora os comentários de diretoresestrangeiros de fundos de hedge possam serdescartados como especulativos, previsões deuma desaceleração a curto e médio prazo têm

crescentemente sido expressas por proeminentesfuncionários do governo chinês, bem como doramo de negócios40.

O que permanece, então, é uma incompa-tibilidade potencialmente volátil entre as altas ecrescentes expectativas de um surto de commo-dities em curso, de um lado, e a possibilidade realde que setores específicos da economia chinesa(por exemplo, a indústria siderúrgica e/ou omercado imobiliário) enfrentem correçõesgovernamentais ou induzidas pelo mercado, asquais terão um impacto sobre a demanda porimportações de commodities. O argumentoapresentado aqui não é que a economia chinesaenfrenta uma crise iminente, mas simplesmenteque certos setores da economia, no centro dademanda chinesa por várias commodities latino-americanas, enfrentam sérios desafios e sãoreconhecidos por funcionários do governo centralchinês e outros analistas, dentro e fora da China,pela necessidade de reforma e regulamentação.Entretanto, especialmente à luz do elogio que aChina recebeu pelo gerenciamento de sua respostaà crise financeira, mantendo altas taxas decrescimento doméstico e, assim, sustentando ademanda por importações da América Latina, apercepção de que a China irá continuar a alimentaro crescimento das exportações latino-americanascontinua elevado. Afinal, se a idéia do Consensode Pequim ou Modelo Chinês ganhou impulso é,em grande parte, porque alguns vêem na Chinaum modelo alternativo e fonte de desenvol-vimento.

Contudo, este artigo refutou a noção do sensocomum de que, aparentemente, a demanda chinesapor commodities da América Latina é simplesmentedecorrência do rápido crescimento da China emlongo prazo. A América Latina não é de algumaforma organicamente ligada a uma forçadesenvolvimentista indestrutível chinesa, mas, em

38 Chanos foi bem claro ao dizer que ele não previu umaquebra na economia chinesa, mas, em vez disso, que eleestava convencido de que a bolha imobiliária chinesaenfrentaria uma severa correção.39 Ver a palestra de Chanos (2010) em Oxford, de 28 dejaneiro de 2010. Ver também a entrevista de Chanos aCharlie Rose, em 12 de abril de 2010 (ROSE, 2010). Emum exemplo mais recente, Fitch Ratings fez uma simulaçãodo impacto potencial de uma desaceleração simulada docrescimento econômico chinês para menos de 5% em 2011,a qual destaca o grande impacto negativo nos “setores deenergia e commodities” latino-americanos (FITCHRATINGS, 2010, p. 8).

40 Um exemplo de tais projeções de diminuições nastaxas de crescimento do PIB inclui Lou Jiwei, o chefe dofundo soberano chinês, observando que dentro dospróximos três a quatro anos o crescimento chinês vaidiminuir abaixo da tendência dos últimos 30 anos, e nospróximos 20 anos, provavelmente, ficará na média de cercade 6%. Ver Sanderson (2010). Para maiores informaçõessobre as crescentes previsões pessimistas sobre adesaceleração do crescimento econômico chinês no curtoao médio prazo ver Michael Pettis (2010c).

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vez disso, é vinculada a uma fase específica dodesenvolvimento chinês que tem cada vez maisapresentado uma série de desequilíbrios, que porsua vez têm suscitado amplas preocupações, dasmais variadas, e pedidos de reforma. Os maisconscientes desses desafios são as autoridadeschinesas e os estudiosos que estão ativamentetrabalhando para a melhor compreensão eresolução desses desequilíbrios. Gerenciar odescompasso entre as expectativas infladas e ossérios desafios envolvidos na sustentação docrescimento econômico estável chinês éresponsabilidade tanto de chineses quanto delatino-americanos, bem como de outrosobservadores interessados. Os líderes chinesesdevem continuar a tentar trazer estabilidade aosproblemáticos mercados internos para asimportações de commodities latino-americanas.

Do lado latino-americano, especialmente paraaqueles países exportadores de commodities quetêm visto a China tornar-se rapidamente o seuprincipal destino de exportações, é imperativodesenvolver um entendimento com mais nuancesda economia política específica da demanda decommodities chinesa. Ambos os lados devem,também, estar conscientes de como a linguagemSul-Sul e as relações de ganho mútuo alimentampotencialmente expectativas demasiado otimistasde sustentabilidade da demanda de commoditiesno longo prazo. Gerenciar a atual disparidade entreexpectativas elevadas e realidades maisdesafiadoras não será fácil, mas certamente serámais fácil do que tentar controlar asconseqüências ao permitir que as bolhas deexpectativas estourem.

Matt Ferchen ([email protected]) é Doutor em Ciência Política pela Cornell University (EUA)e Professor de Relações Internacionais na Universidade de Tsinghua (China).

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World’s Largest Iron Ore Producer Cuts Prices by10%. 2010. Industry Week, Cleveland, 27.Aug.Disponível em: http://www.industryweek.com/articles/worlds_largest__iron_ore_producer_cuts_prices_by_10_22642.aspx.Acesso em: 22.set.2011.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 145-148 NOV. 2011

current level of technological development, we seek to provide a correct interpretation of China’smulti-lateral agreements at the global level, within the context of the United Nations’ Committee forPeaceful Use of Outer Space (CPOUS) and within a regional context, with the recently establishedAsian Pacific Space Cooperation Organization (APSCO). Similarly, we are able to understand themeaning, potential and practical limitations of Chinese bilateral cooperation with Brazil and SouthAfrica, regional powers located outside of Asia. We conclude that Chinese space cooperation ismeant to increase Beijing’s international influence without generating exaggerated reactions fromother major powers. Thus, China attempts to postpone the militarization of space, seeking partnershipswith regional powers who are still newcomers to the field, while keeping the future and expectationslinked to the impact of digitalization into account.

KEYWORDS: Space Cooperation; Chinese Space Program; International Security.

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RELATIONS BETWEEN CHINA AND LATIN AMERICA: SHORT OR LONG DURATION?

Matt Ferchen

This article focuses on business relations and investments involving China and Latin America duringthe decade of the 2000s. There are three major interpretations, different yet interconnected, on thisset of relations. According to the first one, Latin America, a region with abundant natural resources,exports primary products to a China in expansion that is experiencing a shortage of the latter. Closeto this interpretation is also another one, advocated by prominent members of government, whichasserts that economic relations between China and Latin America are fundamentally complementaryand have a positive effect on both. In contrast, other observers have emphasized that what is seen ascomplementarity is in truth little more than a new form of Latin American dependence. Theseauthors argue that, notwithstanding the rapid expansion of businesses and investments bringing shortterm benefits to both countries, the nature of these relations based on commodities actually reinforcesdysfunctional standards of Latin American development which many countries within the regionrejected some time ago and from which they have been trying to free themselves for a period nowspanning more than half a century. Taking this discussion as our reference point, we present ageneral view of trade and investment relations between China and Latin America, highlighting theimportant role played by Chinese demand for Latin American commodities. This is followed by adescription of different interpretations on what guides this commercial relationship as well as whatconsequences it may produce. We conclude by exploring the implications of our findings with regardto the notion that China provides the sole model for domestic and international political economy.

KEYWORDS: Business; Investment; China, Latin America.

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THE NEW CHINA AND THE INTERNATIONAL SYSTEM

Paulo G. Fagundes Visentini

China has arrived on the periphery of development, bringing with it a wide political and economicagenda. This marks a new phase in China’s international projection and in the world system itself.What are the goals of this new New China in terms of international politics? There are many whoclaim that China entertains ambitions of world dominance, seeking to move into the position theUnited States has held in terms of planetary leadership. In a manifestation of what comes close toresembling sino-phobia (a new version of the “yellow threat”), there are those who argue thatChinese development seeks to concentrate world wealth, breaking up the economies of other nationsof the world. In advancing the hypothesis that Peking has inaugurated a new stage in internationalpolitics, substituting the one in which the New China was struggling to regain sovereignty anddevelopment, we base our argument on the relationships that China has established with the African

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 151-154 NOV. 2011

dans le système international et la dépendance croissante de tous les pays par rapport à l’espace, onexplique que les raisons chinoises pour la coopération spatiale seraient la quête de sécurité, ledéveloppement économique et la légitimité. En suite, on révèle le stade actuel de développement duprogramme spatial chinois, particulièrement dans les domaines des satellites d’image, de la navigation,de la communication et de la retransmission de données, bien comme dans les domaines des satellitesmicro et nano. En ayant les stimulations structurelles, les objectifs stratégiques et le niveau actuel dedéveloppement technologique, il est possible d’interpréter correctement les initiatives multilatéralesde la Chine dans le contexte mondial, avec le Comité des Nations Unies pour l’Utilisation Pacifiquede l’Espace Extra-Atmosphérique (Copous), bien comme dans le contexte régional, avec la récenteOrganisation de Coopération Spatiale d’Asie-Pacifique (Apsco). De la même manière, il est possiblede comprendre le significat, la potentialité et les limites pratiques de la coopération bilatérale chinoiseavec le Brésil et l’Afrique du Sud, des puissances régionales hors de l’Asie. On conclut que lapolitique de coopération spatiale chinoise vise à augmenter l’influence internationale de Beijing sansproduire des réactions excessives des autres puissances, reportant ainsi, une eventuelle militarisationde l’espace et cherchant à construire des partenariats avec des puissances régionales encoredébutantes dans l’espace, mais ayant en vue l’avenir et les expectatives par rapport à l’impact de lanumérisation.

MOTS-CLÉS: la coopération spatiale ; le Programme Spatial Chinois ; la sécurité internationale.

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LES RELATIONS ENTRE LA CHINE ET L’AMÉRIQUE LATINE : DES IMPACTS À COURTOU LONG TERME?

Matt Ferchen

L’article met l’accent sur les relations d’affaires et d’investissements entre la Chine et l’AmériqueLatine dans les années 2000. Il y a trois interprétations principales, distinguées et liées, sur cetensemble de relations : pour la première, l’Amérique Latine, une région avec des ressources naturellesabondantes, exporte des produits primaires à une Chine en expansion, mais en manque de cesressources. En soutenant celle-ci, nous avons ceux, y compris beaucoup de représentants éminentsdu gouvernement, qui affirment que les relations économiques entre la Chine et l’Amérique Latinesont fondamentalement complémentaires, ayant un effet positif pour toutes les deux. Toutefois,d’autres observateurs soulignent que ce qui est vu comme une complémentarité, n’est en realitéqu’une manière renouvelée de dépendance latino-américaine. Ces auteurs disent que, malgré quel’expansion rapide des affaires et investissements apporte des bénéfices à court terme pour les deuxcôtés, cet espèce de relation basée sur des commodities, renforce les modèles dysfonctionnels dedéveloppement de l’Amérique Latine, dont beaucoup de pays de la région ont renoncé il y a déjàlongtemps, et essaient d’oublier depuis plus d’un demi-siècle. En prennant cette discussion commeréférence, on présente premièrement, une vision générale des relations commerciales etd’investissements entre la Chine et l’Amérique Latine, en soulignant le rôle important de la demandechinoise pour les commodities latino-américaines. Deuxièmement, on décrit les différentesinterprétations sur ce qui conduit cette relation commerciale et quelles seraient ses conséquences.Troisièmement, on présente l’argument, soutenu par nous, sur comment nous devrions comprendrece qui conduit les relations économiques entre la Chine et l’Amérique Latine et ce qui est en jeu. Onconclut en vérifiant les implications de nos découvertes avec l’idée selon laquelle, la Chine offre unmodèle unique d’économie politique nationale et internationale.

MOTS-CLÉS: les affaires ; les investissements ; la Chine ; l’Amérique Latine.

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