as representações do rio douro no cinema de manoel de oliveira

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MÁRIO RUI MAGALHÃES DA SILVA AS REPRESENTAÇÕES DO RIO DOURO NO CINEMA DE MANOEL DE OLIVEIRA Dissertação apresentada na Universidade Lusófona do Porto para obtenção do grau de Mestre em Comunicação Audiovisual e Multimédia Universidade Lusófona do Porto Faculdade de Comunicação, Arquitetura, Artes e Tecnologias da Informação Porto 2015

Transcript of as representações do rio douro no cinema de manoel de oliveira

MÁRIO RUI MAGALHÃES DA SILVA

AS REPRESENTAÇÕES DO RIO DOURO NO

CINEMA DE MANOEL DE OLIVEIRA

Dissertação apresentada na Universidade Lusófona do Porto para obtenção

do grau de Mestre em Comunicação Audiovisual e Multimédia

Universidade Lusófona do Porto

Faculdade de Comunicação, Arquitetura, Artes e Tecnologias da Informação

Porto

2015

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MÁRIO RUI MAGALHÃES DA SILVA

AS REPRESENTAÇÕES DO RIO DOURO NO

CINEMA DE MANOEL DE OLIVEIRA

Dissertação apresentada na Universidade Lusófona do Porto para obtenção

do grau de Mestre em Comunicação Audiovisual e Multimédia

Orientador científico: Prof. Doutor João Sousa Cardoso

Júri:

Prof. Doutor António Manuel João Preto

Prof.ª Doutora Cristina Manuela Vaz Rainha Mateus

Prof. Doutor João Sousa Cardoso

Universidade Lusófona do Porto

Faculdade de Comunicação, Arquitetura, Artes e Tecnologias da Informação

Porto

2015

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Resumo

Desde a sua primeira obra, Douro, Faina Fluvial (1931) que o cineasta

Manoel de Oliveira criou uma percurso artístico, temático e estético que é a todos

os níveis único. A relação entre a paisagem – natural e humana - e o cinema

estabelece um campo de complexa construção estética no cinema de Manoel de

Oliveira. Ao longo da sua obra, o realizador portuense filmou o Douro, o rio da

cidade onde nasceu, atribuindo a este um conjunto de representações

cinematográficas, que exigem uma análise atenta tanto no plano da história e do

contexto socio-cultural como no da construção formal.

Delimitando como objecto de estudo o conjunto de filmes de Manoel de

Oliveira onde o Douro aparece representado, propomo-nos estudar de modo

sistematizado e compreender os modos como o rio se inscreve em toda a sua

obra e as consequentes implicações culturais e cinematográficas

Palavras-chave: Cinema Português, Manoel de Oliveira , Porto, Representação,

Rio Douro.

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Abstract

Since his first masterpiece, Douro, Faina Fluvial (1931), the filmmaker

Manoel de Oliveira created one artistic, thematic and aesthetic path that is unique

at all the levels. The relation between the landscape – natural and human - and

the cinema reveals itself as complex aesthetic field in the cinema of Manoel de

Oliveira.. Throughout his work, the director filmed the river of the city where he

was born, attributing to this a set of cinematographic representations, that require

a careful analysis.

Analyzing the Manoel de Oliveira films where Douro appears on the stage,

we try to understand the ways in which the river are inserted in all his work and the

consequent cultural and cinematic implications.

Key words: Portuguese Cinema, Manoel de Oliveira , Oporto, Representation,

Douro River.

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Índice Resumo ………………………………………………………………………………..... 1 Abstract ………………………………………………………………………………..… 2 Índice ………………………………………………………………………………......... 3 Introdução …………………………………………………………………...………...... 5 1. O Douro de Manoel de Oliveira …………………………………….……………. 12

1.1. - Manoel de Oliveira e o rio expressionista ...…………………….……..… 16

1.2. - O percursor do neorrealismo ………………………………………….…... 20

1.3. - O filme-viagem da cidade do Porto …………………………………..…… 23

1.4. - O rio de Agustina Bessa-Luis e Manoel de Oliveira ………..……..….… 25

1.5. - O Passado e o Presente do Douro ………….……………………….…… 29

1.6. - O espírito de Angélica ………………………………………..…………..… 34

2. Análise cinematográfica do Douro de Manoel de Oliveira ……….……........... 36 2.1. - Os planos fixos e longos do Douro …………….……………………….… 37

2.2. - As artes na representação do Douro ………………………………...…… 41

2.3. - A construção da imagem ……………………………………..………….… 48

Conclusão …………………………………………………………………………….... 51 Fichas técnicas ……………………………………………………………..…………. 56

Douro, Faina Fluvial …………………………………………………….... 56 Aniki-Bóbó ……………………………………………………………..……57

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O Pintor e a Cidade ………………………………………………..……... 58

Vale Abraão ……………………………………………………………...... 59

Porto da minha infância ………………………………………………...... 60

O Estranho caso de Angélica ……………………………………...…..… 61

Bibliografia …………………………………………………………………………..…. 62 Webgrafia …………………………………………………………………………...…. 65 Filmografia …………………………………………………………………………...… 66 Filmografia principal…………………………………..…………….…. 66 Filmografia complementar ………………………………………...….. 67 Anexos ……………………………………………………..………………….……….. 68

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Introdução

A presente investigação orienta-se pela ligação entre o rio Douro e o

cinema de Oliveira por várias razões. Primeiramente, faz uma homenagem ao rio

e desvenda-o enquanto um elemento da paisagem com qualidades muito

versáteis. Em segundo lugar, enfatiza a sua presença latente em vários lugares e

tempos das nossas vidas. De facto, o rio desempenha um papel importantissimo

nosso pensamento, mais do que aquele que podemos imaginar. Ele está presente

na religião, filosofia e história, envolvendo-se assim, de forma intrínseca na nossa

língua e pensamento.

O rio é um elemento de paisagem que acarreta várias camadas consigo.

Ao longo da história, tornou-se um símbolo cultural muito valorizado, suportando

uma grande número de conotações e significados. Bastando ter em conta o que

representa na história do desenvolvimento do mundo real e mitológico. Estas

conotações culturais não surgem, naturalmente, do nada. Devem-se, em grande

parte, às características físicas dos rios e à forma como as populações

circundantes as interpretam.

A estratificação e a tensão manifestadas em relação ao rio surgem do

confronto direto com o mesmo, antes de qualquer conotação ou a interpretação.

O Homem é confrontado com a sua presença durante a sua vivência, encarando

o rio como uma ameaça, como um obstáculo, como um aliado na sua defesa, ou

como via de transporte.

O rio é um fornecedor de energia e de alimentos, um irrigador dos seus

campos, e em contrapartida pode ser um elemento destruidor, quando transborda,

arruinando todo o trabalho do Homem. É então facilmente percetível que todas as

propriedades atribuídas ao rio quase que imediatamente originam uma grande

dualidade e se tornam até contraditórias, assumindo-se como um aliado e um

inimigo, tendo o poder de dar e tirar vida.

A sua água permite o cultivo e desenvolvimento das produções agrícolas

e contribui também para o desenvolvimento das cidades, pese embora, seja

muitas das vezes causa de devastação das mesmas.

Importa ter em conta que esta ambiguidade presente no rio moldou o

olhar do homem em relação a estes cursos de água.

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Além das diversas camadas que possui, assim como do desconforto que

ele provoca no ser humano como elemento da paisagem, o rio torna-se uma

paisagem cinematográfica por excelência. A montanha, ao contrário do rio, é um

elemento estático e imponente e, talvez, por isso pareça possuir uma perfeição

intemporal, possuindo características claramente definidas e finitas que permitem

ao homem contemplá-las facilmente.

O rio torna-se o oposto de um elemento como uma montanha. Através do

seu comprimento, da sua dimensão, da sua velocidade e de uma aparente

transitoriedade, este torna-se assim um elemento resistente à velocidade do

obturador da câmara fotográfica de um fotógrafo, assim como aos pincéis com

que o pintor cria os seus quadros. Um rio torna-se mais difícil de representar, se

tivermos uma imagem estática sobre uma montanha, ele apenas se traduz numa

nota de rodapé dessa mesma imagem, como o preenchimento da vista de uma

cidade costeira, ou um espelho para a luz que incide em obras de artistas

impressionistas. A imagem em movimento torna o rio vivo, faz com que ele se

curve, acelere e desacelere. A câmara pode assim gravar o seu fluxo, a sua

velocidade e pode mesmo balancear nas suas ondas. O que faz com que um

curso de água seja um rio é a sua volatilidade, direção bem definida e o

movimento.

As artes contribuíram para que cada território criasse a sua própria

identidade. Estas permitiram estabelecer uma união entre o que é local e o que é

universal, permitindo que uma região seja confrontada com a representação de si

mesma, evitando cair em lugares-comuns.

O cinema foi, no século passado, o principal responsável pela criação de

um imaginário no Douro, conferindo a esta zona de Portugal, uma representação

cinematográfica que não encontra semelhança em nenhuma outra zona do país.

Uma imagem que influência o imaginário dos seus habitantes, ao mesmo tempo

que se propaga por todo o mundo. Não causando assim estranheza que alguns

dos melhores momentos do cinema Português tenham sido aqui filmados, sendo

Manoel de Oliveira um dos precursores deste interesse cinematográfico, iniciando

com Douro, Faina Fluvial (1931), uma série de incursões de outros cineastas pela

região.

A cidade do Porto seria filmada por vários cineastas, destacando-se José

Pedro Vasconcelos, Manuel Guimarães, Saguenail e Paulo Rocha (Andrade,

7

2001: 14). O Douro interior, das encostas vinhateiras, apenas teria paralelo com

Paulo Rocha e o seu Rio do Ouro (1998). António Reis e Margarida Cordeiro

condensariam toda a sua obra a Trás-os-Montes, não esquecendo nomes como

João César Monteiro e António Campos.

Ora tomando o Douro como um território mítico, constituído por tradições

ancestrais, ora tomando a envolvente ao rio como uma figuração possível do pais

real, ora apenas representando uma realidade através de imagens, o cinema

construiu do Douro uma imagem muito diversificada e com várias camadas.

Segundo Agustina Bessa-Luís, o Douro “não teve cantores” (Bessa-Luis,

2002: 9), e seria através da própria escritora como pela câmara de Manoel de

Oliveira, que este teria representações artísticas e culturais adequadas à sua

estatura.

A produção destes dois criadores fez com que as encostas do Douro

fossem assoladas por imagens mentais, personagens e intrigas. A colaboração

entre ambos, fez com que seja hoje impossível olhar para as encostas de um

Douro Vinhateiro, sem que nos lembremos da Ema Paiva, como é também difícil

não recordarmos o drama de Francisca através da neblina do rio, passar pela

Régua e não nos lembrarmos igualmente de Camila e Vanessa ou, mais

recentemente, o fantasma de Angélica a pairar pelos céus da zona envolvente

daquela cidade.

O realizador Portuense de certo modo é responsável pela imagem do

Porto, uma cidade habitada por trabalhadores que labutam na faina fluvial do

Douro, um local habitado por Carlinhos, Eduardinho e Teresinha, crianças que

brincam aos polícias e ladrões. É uma cidade de artistas, local onde vive António

Cruz, pintor que regista em aguarelas a sua visão da cidade. Estas e outras

personagens, bem como as histórias em que surgem, fazem parte da paisagem e

explicam a riqueza patrimonial do Douro.

Região e rio, o Douro, constitui-se assim como um tópico que, pela sua

repetição, permite analisar alguns dos mais importantes posicionamentos

estéticos do realizador.

Ao longo dos seus 80 anos de carreira, o Douro tem marcado presença

em muitos momentos da vida e obra de Manoel de Oliveira, desde logo no

primeiro dos seus filmes, o documentário, Douro, Faina Fluvial (1931). E é nas

margens deste rio que a história de Oliveira prossegue com a sua obra mais

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popular, Aniki-Bóbó (1942), assim como um refúgio de catorze anos na sua quinta

do Douro a preparar projetos futuros, que viria a culminar num outro filme

emblemático para o Douro, O Pintor e a Cidade (1956). Pouco depois, o

realizador estabeleceria uma estética muito própria e a sua carreira ganharia um

novo fulgor, mas o rio, apenas voltaria a marcar presença na filmografia de

Oliveira em 1993, com Vale Abraão.

O estudo que apresentamos visa as relações que se estabelecem entre o

cinema de Manoel de Oliveira e o Rio Douro. Apesar de muito se ter escrito sobre

a obra deste realizador centenário, a abordagem sobre a presença do Douro na

sua filmografia, tem sido realizada de forma muito superficial, tornando aliciante a

reflexão em torno desta união.

Tendo em conta o espaço temporal para a realização da dissertação e

devido à extensão da obra em causa (que conta com mais de cinquenta filmes),

deu-se a necessidade de uma seleção dos filmes a ter em conta como objeto de

análise. Numa primeira fase foram selecionados os filmes que estão relacionados

com o Porto, o Douro e a zona norte de Portugal. Posteriormente sucedeu-se uma

outra fase de seleção, uma vez que filmes como Inquietude (1998), O Principio da

Incerteza (2002), Amor de Perdição (1978) e Francisca (1981) não possuíam

imagens do Douro, ou este não era um elemento preponderante na sua história.

No que diz respeito à obra de Manoel de Oliveira, pudemos constatar que

grande porção da produção teórica de vários investigadores, tem sido realizada

através da relação entre o cinema oliveiriano e a literatura, a pintura, o teatro, e

também entre as fronteiras do binómio documentário/ficção.

Esta investigação assenta ainda, em textos do realizador e informações

fornecidas pelo mesmo em entrevistas, assim como em obras de vários teóricos

na área do cinema que permitiram a sustentação e interpretação de alguns

aspetos dos seus filmes.

As relações entre o cinema e o rio, entre o cinema e a arte em geral, têm

sido analisadas por vários autores de diversos ramos do conhecimento, incluindo

teóricos e críticos de cinema como, Gilles Deleuze, Jacques Aumont e João

Bénard da Costa.

Estes instrumentos que permitem análises sobre as especificidades do

cinema, das suas influências e semelhanças com outras formas de expressão,

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foram o grande suporte da nossa análise e, por isso, necessariamente abordados

ao longo da investigação.

Na elaboração da dissertação privilegiámos uma metodologia de trabalho

diversificada, em que o estudo das imagens fílmicas conduziu a uma teorização e

respetiva procura do suporte teórico, que permitiu alcançar novos níveis de leitura

das imagens.

A multiplicidade de elementos de convergência entre o cinema e a

literatura, o cinema e a pintura, o cinema e a paisagem, assim como as

características muito próprias que existem na filmografia oliveiriana, levou-nos a

usar esta heterogeneidade de disciplinas, que visa respeitar as transformações

teóricas que compõem a origem do cinema, da obra de Oliveira e também da

paisagem cinematográfica.

Num percurso pessoal, académico e profissional, recheado de eventos,

de multidisciplinariedade ou de necessidades teórico-práticas de outras áreas que

acabaram por privilegiar uma aproximação a outras disciplinas complementares

aos audiovisuais e produção dos média, justifica-se a realização deste estudo

como um ato de continuidade, ao mesmo tempo, de um apuro dessas tendências.

O suporte teórico e conhecimento histórico de uma formação inicial que

privilegiou as artes visuais, em especial a fotografia, aliados à experiência

profissional com o nosso património arquitetónico, arqueológico e artístico, e o

facto de o mestrado em Comunicação Audiovisual e Multimédia possuir uma forte

componente cinematográfica, permitiram o aprofundamento de noções correntes,

e despoletaram uma enorme curiosidade sobre a obra de Oliveira, assim como do

cinema Português, acabando por construir um novo olhar sobre uma série de

lugares que já conhecia. Este “novo olhar” veio de algum modo enriquecer a

perceção geral que possuía das relações qualitativas e espaciais desses mesmos

lugares.

O interesse em estudar a obra de um realizador com mais de 80 anos de

atividade foi o principal motivo na escolha do tema para este trabalho, colocando

a ambição de chegar a "bom porto" a níveis condizentes com o que um estudo do

género merece. O elevado número de livros, críticas, artigos, entrevistas,

programas televisivos sobre o cinema Português, assim como de Oliveira, para

alguns o maior cineasta vivo e em atividade (Costa, 2008b), obrigou-me a alguma

consideração sobre a especificidade do assunto a desenvolver. Após algumas

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hesitações, e temendo começar uma investigação demasiado generalista, decidi

desbravar terrenos pouco explorados, elegendo como objeto principal de análise

o cinema de Manoel de Oliveira e o recurso natural que está intimamente ligado à

sua filmografia, o Douro.

Das muitas perguntas gerais que se colocaram no início da investigação,

tentámos afunilar ao máximo este objetivo para encontrar a essência do nosso

estudo. Deste modo, o objetivo geral deste projeto de investigação é relacionar o

cinema de Oliveira com o Rio Douro, procurando analisar essa relação de dois

objetivos específicos.

Inicialmente, teremos em conta a paisagem inerente ao cinema

oliveiriano, em particular, o Douro, um elemento transversal ao longo da sua obra,

onde importa perceber como a sua estética e narração foi inscrita nas suas

películas através de sequências de imagens, de forma a funcionar como

amostragem rítmica ou configuração cultural associada à experiência humana.

Passando também pela decomposição de várias imagens do rio Douro que

habitam no cinema de Manoel de Oliveira, através da realização de um estudo

social, cultural e histórico do Douro. Para isso vão-se analisar temas como a

sociedade, a história, a topografia e a arquitetura. Isto deve-se ao facto de o

cinema encontrar no Homem e nos seus contextos sociais, a base para as suas

matérias narrativas. A película cinematográfica funciona como uma metáfora da

passagem do tempo, onde a sua imagem, possui a capacidade de levar o

espectador a reagir intelectualmente ao que visiona, influenciando o pensamento

humano e contribuindo assim para a evolução do mundo.

O segundo objetivo desta dissertação é procurar perceber as várias

formas e princípios estéticos que o realizador utiliza nas imagens do Douro. Estes

refletem mudanças ao nível da evolução técnica e de regimes cinematográficos,

que estão presentes ao longo dos 80 anos de carreira do cineasta. Esta

investigação permitiu assim o inventário de um grande número de obras

cinematográficas, televisivas, videográficas e literárias sobre o cinema Português

e Manoel de Oliveira, bem como sobre um conjunto de documentos, quer teses,

quer artigos científicos, que permitissem uma abordagem mais ampla, sistemática

e orientada do tema.

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Para acompanhar esta reflexão, cada capítulo é ilustrado com fotogramas

da obra de Oliveira, em anexo, no sentido de melhor esclarecer as nossas

reflexões.

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1 - O DOURO DE MANOEL DE OLIVEIRA

Há a paisagem: o rio e os barcos rabelos, as encostas e as vinhas, as uvas e o vinho… Ao longo do século XX, o imaginário do Douro foi sendo fixado em novos suportes gráficos: a publicidade de casas como a Ramos Pinto ou a Sandeman, as fotografias de Domingos Alvão… e os filmes de Manoel de Oliveira.

(Andrade, 2008:57)

Uma região, uma montanha, um rio, uma cidade, uma determinada

localidade geográfica, em geral é representada através de diversas formas

artísticas como a fotografia, o cinema, a literatura, a arquitetura, a música ou a

pintura (Rocha, 2012: 15). Estas representações vão por sua vez criar imagens na

mente dos indivíduos.

A imagem mental generalizada do mundo exterior que o indivíduo retém,

revela-se como o produto da perceção imediata e da memória da experiência

passada (Lynch, 1999: 20). A necessidade de conhecer e estruturar o nosso meio

é tão importante e está tão enraizada no passado, que esta imagem assume uma

grande importância no indivíduo. O meio ambiente organizado pode servir então

como estrutura envolvente de referência, um organizador de atividade e

conhecimento. Uma imagem clara do meio ambiente torna-se, assim, um dos

pilares para o crescimento do indivíduo.

Das diferentes formas artísticas mencionadas, o cinema, possui a

particularidade de conseguir juntar todas as artes, tem a capacidade de unir em

simultâneo a ciência e a arte, o real e o ideal. O cinema torna-se arte devido à sua

capacidade de registar e fixar o movimento nas imagens por si produzidas.

Sendo assim, a arte que melhor representa a realidade é o cinema. Essa

realidade corresponde sempre a uma perspetiva do realizador, que vai ser o

responsável pela transposição para o grande ecrã sobre os mais variados

assuntos da sociedade. O cenário, quer seja artificial ou natural, vai fazer com

que o espectador se identifique com o que se passa na tela, sendo para isso

necessário que este seja suficientemente realista e adequado à trama que é

narrada.

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Independentemente de ser um meio urbano ou rural, o local onde decorre

a narrativa de um filme, possui elementos facilmente identificáveis pelos

espectadores, como montes, encostas, pontes, rios, oceanos, ruas, quartos.

Desta forma, o cinema, independentemente da trama dos seus filmes, tem por

base um território, que pode ter a dimensão de uma região, de uma cidade, de

uma aldeia, que se vem a constituir como habitat natural do ser humano.

Os locais, as personagens e as histórias mais marcantes do cinema são

conhecidas por um vasto número de pessoas em todo o mundo e ficam no

imaginário coletivo durante décadas. Note-se que existem filmes e cenas dos

mesmo que assumem um papel marcante em várias gerações, que transmitem a

paixão pelas suas histórias favoritas aos descendentes e assim sucessivamente,

fazendo com que muitas histórias e filmes se tornem intemporais.

Os próprios lugares onde decorrem os filmes acabam por revelar

características muito próprias sobre a imagem que possuímos dos mesmos, quer

seja uma região, uma cidade ou uma rua. Uma região acaba por ser muito mais

do que aquilo que nos é visível. Os locais não são representados apenas pelos

monumentos, espaços verdes ou edifícios, ou seja, pelos espaços visíveis. Os

lugares, além da sua fisionomia, também possuem qualidades de idealização e

representação. É frequente que o cinema use zonas internacionalmente

conhecidas e identificáveis, devido à sua fotogenia, lugares que possuem uma

identidade que atrai os espectadores. Sendo um cineasta oriundo do Porto, cedo

começou a filmar a sua cidade, que é impulsionada pelo rio que a atravessa. Ao

longo da sua carreira, Oliveira filmou várias vezes o rio, o Porto e a zona a que

esse rio dá nome.

O Douro é muito mais do que um rio, é uma região com características

topológicas, culturais e sociais muito próprias que se vão manifestando de forma

muito diferentes ao longo do seu curso. No cinema oliveiriano, desde logo se

destaca um Douro rural versus Douro urbano. Será então necessária uma

abordagem aos estudos geográficos e sociodemográficos para se perceber estas

designações do Douro. As diferenças entre campo e cidade são definidas por

valores numéricos e não necessariamente geográficos.

Entende-se por meio rural o espaço que não é densamente povoado e

que se encontra afastado dos centros urbanos. A cidade surge como o espaço

onde tudo existe e tudo acontece.

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No Douro, assim como na generalidade do país, esta diferença dá-se

maioritariamente entre o Interior e o Litoral. Se no primeiro se encontra o Portugal

rural, no segundo, abundam os espaços urbanos. O Douro é uma região que

possui ambas as designações, açambarcando um Douro transmontano, um douro

vinhateiro e um Douro urbano. Existe uma realidade serrana a par com uma

realidade citadina, com a cidade do Porto a assistir ao desaguar das águas do

Douro no oceano Atlântico. O Porto torna-se assim um local de contrastes

culturais que se vê acentuado no choque entre a realidade dos espaços.

O Douro rural, não se difere de outras regiões rurais do país. Como

qualquer região, esta possui os seus próprios costumes, estando condicionada

pela sua própria geografia, parcos acessos, história, crenças, património. As

regiões rurais são caracterizadas por estarem afastadas do mundo, devido aos

difíceis acessos que ligam as várias aldeias.

Ao falar do Douro, muitas são as imagens que nos vêm à cabeça, em

particular, a cidade do Porto onde o rio acaba por se encontrar com o mar, um

Douro vinhateiro, carregado de encostas com uvas, e um Douro esquecido, o

Douro transmontano. A juntar a estas imagens do senso comum Português,

podemos acrescentar a imagem cinematográfica do Douro.

Logo na sua primeira obra, um trabalho realizado durante a juventude de

Manoel de Oliveira, a cidade do Porto consegue ganhar a sua imagem

cinematográfica.

Portuense de nascimento, de alma e por opção de residência na vida,

Manoel de Oliveira começou a sua carreira na sua cidade, com dois filmes que haveriam de marcar ambos: ao realizador, inscrevendo o seu nome nas tendências que marcavam o cinema; ao Porto, que com “ Douro, Faina Fluvial” e “Aniki-Bóbó” ganhou uma identidade e um imaginário cinematográficos, que mais tarde viriam a ser reforçados com “O Pintor e a Cidade”, “Inquietude” e “Porto da Minha Infância”. O Porto é a casa cinematográfica de Manoel de Oliveira, e é aqui que o realizador tem também a(s) sua(s) casa(s).

(Andrade, 2008:57)

Sendo o cinema uma arte que possui as qualidades necessárias para a

representação da existência humana no seu meio natural de forma visual e

cinemática, as zonas urbanas, em especial as cidades, começaram desde cedo a

ganhar uma imagem cinematográfica. Isto é possível devido à relação de

influência recíproca que existe entre o cinema e a cidade, entre o mundo das

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imagens em movimento e a materialidade urbana. As imagens fílmicas

contribuem para a nossa imagem e imaginário de cidade, potenciando as

condições necessárias para a construção de uma visão da complexidade da

paisagem urbana e dos seus territórios. A imagem destaca a fisionomia das

cidades, os vários ambientes existentes na mesma, e permite-nos experimentar

as atmosferas que se manifestam nos espaços urbanos. Esta capacidade que as

imagens possuem de nos fazer sentir as emoções de diversos locais, faz com que

seja acionado dentro nosso espaço percetivo, convenções de história, de cultura

e de memória visual.

Já a linguagem cinematográfica ajuda-nos a estruturar o nosso

imaginário da cidade e, simultaneamente, é a própria realidade que se encontra

marcada por essas mesmas imagens, que influenciam a leitura do mundo

quotidiano. Assim sendo, é através das imagens cinematográficas que se procura

tornar visível a cidade que existe nas fitas cinematográficas. O cinema surgiu

simultaneamente com a ideia de cidades modernas, originando um percurso

visual que acompanha o quotidiano temporal da paisagem urbana, e, de como

reação, esta paisagem estrutura a produção de imagens que perfazem o olhar do

espectador.

A cidade é uma construção no espaço em grande escala, algo apenas

percetível no decurso de longos períodos de tempo. “A cidade não é apenas uma

estrutura percetível (e talvez apreciado) por milhões de pessoas, mas é o

resultado de muitas construções que constantemente modificam a estrutura por

razões particulares” (Lynch, 1999: 12).

A imagem cinematográfica vai contribuir para a forma como possuímos

uma visão de determinado local. Raramente possuímos uma perspetiva global e

profunda de um local, mas sim bastante parcial, fragmentária. Quase todos os

nossos sentidos estão envolvidos e a imagem que é o resultado de todos eles.

Manoel de Oliveira, retrata o Douro num espaço que vai muito mais além

do local. É justo reconhecer à sua obra uma valência documental generalizada da

cultura Portuguesa. O Douro Vinhateiro, ou se quisermos, o Douro rural como

espaço despovoado, envelhecido, a sofrer com a massificação da emigração,

fenómeno que tem sido recorrente no Portugal das últimas décadas.

Esta imagem deve muito a Manoel de Oliveira. Filmes como Douro, Faina

Fluvial (1931), Aniki Bóbó (1942), O Pintor e a Cidade (1956), Inquietude (1998), e

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Porto da minha Infância (2001) deram expressão cinematográfica à sua cidade, o

Porto. Vale Abraão (1993), O Principio da Incerteza (2002), O estranho caso de

Angélica (2010), são filmes que vão dar expressividade a um Douro interior, ou se

quisermos mais rural.

Importa analisar nas seguintes páginas, através dos filmes de Oliveira, as

qualidades inerentes aos dois pilares do rio, a cidade do Porto e as encostas de

um Douro Vinhateiro.

1.1- Manoel de Oliveira e o rio expressionista

Douro, Faina Fluvial (1931), é como o próprio nome indica, um

documentário sobre a cidade do Porto e o seu recurso natural principal - o rio

Douro - e surge associado com o cinema de velocidade de imagem, as "Sinfonias

das cidades" (Andrade, 2001: 45)., obras do cinema de vanguarda, que durante a

década 20 do séc. XX, viriam a ter uma papel preponderante na afirmação do

cinema como arte autónoma, e a definir os parâmetros do género documental.

Estes filmes surgem no seguimento de Manhatta, obra dos norte-americanos Paul

Strand e Charles Sheeler realizada em 1921 e filmada como o título indica em

Manhattan. Outras "Sinfonias das cidades" famosas são o Berlim, Sinfonia de

uma Capital (1927), que o Alemão Walther Ruttmann filmou em Berlim; O Homem

da câmara de filmar (1929) que Soviético Dziga Vertov filmou em Moscovo; A

Propos de Nice (1929/1930) que o Francês Jean Vigo rodou naquela cidade do

sul de França; assim como os filmes A Ponte (1928) e a A chuva (1929) que o

Holandês Joris Ivens filmou em Roterdão e Amesterdão. No epílogo destas

obras, surge o documentário Douro, Faina Fluvial (1931) de Manoel de Oliveira,

que permite à cidade do Porto, em especial à sua ribeira, ganharem um cenário

cinematográfico.

Manoel de Oliveira assume que a ideia de fazer um filme sobre o Porto,

surgiu depois de ver a obra de cinema expressionista de Ruttman porque sentiu

que aquilo era uma proposta que apreciava e se sentia capaz. Nessa altura, o

próprio Oliveira já lia muito sobre cinema, e estava já relativamente amadurecido

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ao que na época se chamava "arte muda" (Oliveira in Andrade, 2001: 25), o que

certamente ajudou para que o seu filme tivesse bem marcadas as influências do

expressionismo Alemão, como os saberes da montagem soviética de Vertov.

A vontade de Oliveira em produzir para o Porto uma obra semelhante,

leva-o a concentrar-se na zona ribeirinha da cidade de forma a construir essa

sinfonia urbana.

O Douro, rio Português, possui uma vida própria característica, que justifica a sua paisagem marginal e as atitudes da gente que em sua volta trabalha.

(Oliveira, 1931)

O realizador, através da frase anterior, começa um documentário de vinte

minutos que nos mostra várias imagens icónicas como, o quadro arquitetónico da

margem direita do Douro, onde sobressaem as torres da Sé; as ruas do centro

histórico que se dirigem para a Praça da Ribeira; as duas travessias de ferro e

aço que servem de ponte de comunicação entre as duas margens; a locomotiva

do comboio, e claro está, o rio, o epicentro da existência de todos eles.

Além das suas características topográficas e arquitetónicas, o filme de

Oliveira também gira em torno das pessoas e da sua atividade em torno do

Douro, um rio que serve como fonte de sobrevivência para inúmeros homens,

mulheres e crianças. A rotina diária da faina transforma-se num organismo vivo

coletivo, composto por, animais, pessoas e embarcações, que é formado através

do movimento contínuo fornecido pelo ritmo da montagem.

As margens do rio Douro, com as suas casas antigas e recorte sombrio e

granítico tornam-se assim no cenário para o realizador Português lançar “o

primeiro marco da sua comédia humana, porventura já marcada pelo efémero e

pela frustração” (Costa, 1991: 45).

O realizador mostra um grande à vontade no domínio da linguagem

cinematográfica com o recurso a um jogo dialético de planos fixos, panorâmicas,

travellings picados e contrapicados. Oliveira procura assim uma estética

sofisticada e rigorosa que vai muito mais além da pontual observação da

realidade social, experimentando uma ou outra forma de apresentar o real.

Ao longo do filme, o realizador filma as casas da Ribeira, inicialmente

através de planos em picado, debruçando-se da ponte D.Luís, para depois, como

18

que se atirando para o rio, a razão de todo este cenário envolvente, descer até às

calçadas da Ribeira, onde filma algumas cenas do quotidiano local. Alternando a

câmara, entre o nível da rua que nos retratam pessoas a conversar sentadas à

porta de casa e a roupa a secar nos estendais, e um contrapicado que nos revela

o céu por entre o curto espaço entre os beirais das casas. O filme remete para

uma complexa composição visual composta por formas humanas e arquitetónicas

que se complementam entre si, e, que acabam por atribuir características

humanas ao rio. Este torna-se, assim, a referência de um composto orgânico que

parece estar em todos os seus elementos, desde a irregularidade dos telhados

das casas até às poeiras e fumos que advém das casas, das máquinas e do

trabalho da Ribeira.

Enquanto Oliveira nos revela um olhar sobre a ocupação da encosta do

Douro por parte das casas e dos seus habitantes, é impossível não fazer uma

analogia entre aquele lugar e o início de uma cidade que surgiu a partir do rio.

Durante o filme, surgem vários enquadramentos da ponte D. Luís, revelando o

impacto e vigor da modernidade da presença da arquitetura do ferro no Porto1.

O crítico de cinema francês da revista “Le Temps”, Émile Vuillermoz

escreveu o seguinte:

Nunca o ‘Pathos’ novo da arquitetura do ferro e a poesia eterna da água

foram traduzidos com tanta força e inteligência.

(Andrade, 2008:58)

Em Douro, Faina Fluvial (1931), a arquitetura do ferro não serve apenas

como em elemento presente para ilustração documental, mas o realizador usa-a

primeiramente de forma isolada, com imagens de ambas as travessias sobre o

Douro, para depois ir estabelecendo um contraponto progressivo com o caráter

orgânico da atividade junto ao Cais da Ribeira, enfatizando assim a estética

dominante no cinema da altura: o elogio da máquina. Isto pode ser facilmente

visível no filme de Ruttman e Vertov, mas Oliveira vai além da experimentação

cinematográfica, e nota-se no seu filme uma preocupação humanista, visível no

olhar que a sua câmara lança sobre as personagens existentes2. No filme de

1 Ver imagens 1 - 6; Anexo desta dissertação, capítulo 3, p. XI. 2 Ver imagens 1 - 5; Anexo desta dissertação, capítulo 5, p. XIII.

19

Oliveira, torna-se “mais próximo de Eisenstein e de Pudovkin do que de Dziga

Vertov ou do próprio Ruttman” (Pina, 2012: 13). Os homens, mulheres e crianças

são retratados como escravos do trabalho manual de forma a garantirem a sua

sobrevivência.

Podemos perceber a passagem do tempo, estranhamente presente na

permanência do passado no presente, como na arquitetura do lugar, no

envelhecimento dos personagens, ou nas marcas de um corpo fustigado pelo

duro quotidiano da altura.

Isto remete para três dimensões: o da faina fluvial, o da vida na labuta e o

da natureza; que não se encontram apenas presentes nas pedras, nas máquinas

e nas construções, mas acima de tudo nas pessoas.

As pessoas marcam aqui uma diferença, num ciclo que se repete, sob o

desígnio de um trabalho repetitivo, mas como um quotidiano recheado de janelas

para a repetição da diferença, revelando uma proximidade ao realismo de um

Sergei Eisenstein. É o que se nos apresenta, por exemplo, no relacionamento

amoroso na hora do almoço, no acidente com o carro de boi ou com a mulher que

vende peixe – pois o namoro, a cena do boi e uma nova oportunidade de lucrar

financeiramente, por meio da negociação, são as oportunidades que levam a uma

novidade no meio da repetição da faina fluvial.

O uso de planos próximos para colocar no quadro a diversidade de

pessoas ou os enquadramentos do corpo dos trabalhadores, de modo a acentuar

a beleza obtida no ápice da exaustão física, dão um valor acrescido à lida diária.

A montagem de Oliveira não cria a ideia da tomada da consciência por

parte dos trabalhadores, quando confrontados com situações injustas ou da

exploração do trabalho a que se encontram sujeitos, aponta sim para as diversas

mudanças na vida dessas pessoas ao longo de um dia. Assim Oliveira, não nega,

nem afirma, a dimensão heroica do trabalhador, simplesmente os apresenta

demasiadamente humanos.

José Régio escreveu na revista “Presença”:

A moderna poesia do ferro e do aço, o encanto da natureza através dos seus vários aspetos e ‘nuances’, a tonalidade das horas, a alegria e a miséria do homem sócio do animal na luta pelo pão de cada dia – tudo, ao longo de um dia de atividade na margem do Douro, nos é dado com verdadeira grandeza. Precioso como documentário, o ‘Douro’ excede, assim, e em muito, o valor de um mero documentário.

(Andrade, 2006: 58)

20

O cineasta Portuense mostra a convivência das pessoas com a existência

simultânea do mundo tecnológico industrial, com o mundo das técnicas

rudimentares de produção da vida. Neste filme, o realizador captura assim a

imagem da convivência entre aquilo que é considerado tradicional e aquilo que é

visto como avançado, entre o homem e a máquina.

1.2 - O percursor do neorrealismo

Importa contextualizar que Aniki-Bóbó (1942) surge na obra de Manoel de

Oliveira, quando este não tinha realizado nada de muito significativo entre 1931 e

1942, o espaço temporal entre o seu primeiro filme e esta sua longa-metragem. É

verdade que nesse período de tempo teve alguns projetos abortados, assim como

a realização de alguns documentários que praticamente caíram no esquecimento,

sendo o seu trabalho mais relevante nesta altura o filme Famalicão (1940). Isto

deveu-se ao facto de os anos 30 do século XX, serem dominados pela

reorganização política e consequente instalação de um regime autoritário,

conservador e extremamente antidemocrático, o denominado “Estado Novo”. Este

regime possuía uma variedade e instrumentos repressivos, que iam da polícia

política, a uma crescente analfabetização da população, da censura prévia de

vários projetos culturais e artísticos, passando mesmo por uma perseguição aos

artistas e intelectuais, que ousavam colocar em causa as ideias do regime. Este,

representado pelo Secretariado de Propaganda Nacional, suspeitava de tudo o

que fosse inovador, proveniente do estrangeiro e que pudesse envolver temáticas

sociais, políticas ou abrir espaços de discussão ou intervenção. Então, o cinema

proveniente do regime instaurando devia promover “os valores católicos, os temas

da tradição nacional e os do teatro e da literatura populares” (Pina, 2012: 14).

Ora, Manoel de Oliveira, com o seu Douro, Faina Fluvial (1931), tinha ido contra

os princípios defendidos pelo regime, começando a ver os seus projetos

posteriores condicionados ou censurados.

21

Apesar do realizador ter sido reprimido pelo regime, a verdade é que com

o seu Douro, este havia conseguido a admiração de António Lopes Ribeiro, amigo

pessoal de António Ferro, que era o responsável máximo do Secretariado da

Propaganda Nacional.

Numa época em que a produção cinematográfica nacional vivia, através

dos dinheiros do Estado e do advento do sonoro nas películas, uma grande fase

de prosperidade, onde surgiram filmes como o Pai Tirano (1941) e o Pátio das

Cantigas (1942), entre outros. António Lopes Ribeiro cria a sua própria empresa

produtora de filmes, convidando Oliveira para um novo projeto cinematográfico,

Aniki-Bóbó (1942).

Este, a nível estético e temático revela-se totalmente diferente dos

modelos habituais da produção cinematográfica portuguesa da altura. Com medo

que o filme fosse censurado pelo regime, António Lopes Ribeiro usou as suas

boas relações com o poder político para fazer ver aprovada, a rodagem do filme.

Uma vez concluído, o filme foi parcialmente bem recebido pela crítica,

mas acabou maioritariamente por ser criticado pela imprensa conservadora da

época, que o considerou “imoral e subversivo e o chegou a classificar de

verdadeira monstruosidade (Pina, 2012: 19), acabando este por ser mais um

fracasso de bilheteira. Acabou por estar poucas semanas em exibição, uma vez

que o público estava mais “interessado em histórias de casamento de

empregadinhas pobres com aristocratas ou industriais” (Pina, 2012: 61).

Aniki-Bóbó (1942), torna-se assim, a primeira longa-metragem e primeiro

filme de ficção de Oliveira, fazendo com que este regresse ao Porto ribeirinho de

Douro, Faina Fluvial (1931). O realizador inspira-se num poema, intitulado de “Os

Meninos Milionários”, de Rodrigues de Freitas, onde usa um universo de crianças,

como alegoria de temas adultos como a culpa, o crime e o consequente castigo, a

oposição entre o bem e o mal, entre a responsabilidade e a irresponsabilidade.

O filme conta a história de amor de Carlitos, por Teresinha. Porém

Carlitos tem um rival, Eduardinho que também gosta de Teresinha. Esta longa-

metragem retrata a rivalidade entre estes dois miúdos, sendo que um é atrevido e

valentão enquanto o outro é tímido e sossegado. A rivalidade entre os dois vai

aumentando ao longo do filme, e um certo dia, para tentar atrair a atenção e

agradar a Teresinha, Carlitos rouba uma boneca de uma loja, que sabia que a

22

menina gostava e queria para si. Esta oferta de Carlitos faz com que Teresinha

comece a prestar-lhe mais atenção.

No entanto, um dia, a partir de uma brincadeira inocente, Eduardinho

escorrega e cai ao lado de um comboio que passa naquele momento, fazendo

com que todos, inclusive Teresinha, julguem Carlitos como culpado pelo acidente

de Eduardinho.

Sentindo-se sozinho e abandonado, Carlitos pensa fugir num barco

ancorado no cais do rio, mas é descoberto. Toda esta situação se esclarece por

intervenção do dono da loja onde Carlitos havia cometido o furto, pois este

assistira ao acidente de Eduardinho e retira todas as suspeitas que recaiam sobre

Carlitos.

Em 1942, Oliveira surge com “o melhor e mais importante dos filmes da

década” (Costa, 1991: 95), um filme que é representado por crianças e

praticamente rodado em cenários naturais da cidade do Porto (as margens do

Douro e os bairros ribeirinhos de Gaia e Porto), o que levou a que “alguns dos

mais célebres críticos Europeus a considerá-lo um percursor do neorrealismo,

nomeadamente de filmes como Ossessione (1943) e de Sciusia (1946), filmes de

Visconti e De Sica. Aniki-Bóbó (1942), tal como em Douro, Faina Fluvial (1931),

guarda o realismo documental da cidade, para além de protagonizar a

irrupção da realidade na ficção pelo facto de ser representado predominantemente por crianças originárias das zonas da cidade em que o filme é realizado.

(Fernandes in Museu de Serralves, 2008: 23)

Isto porque, apesar de o filme ter sido rodado nos cenários naturais das

margens do Rio Douro, no Porto e em Vila Nova de Gaia, e com atores amadores

que eram das zonas ribeirinhas, a verdade é que Aniki Bóbó (1942) não é um

filme documental, ao contrário da primeira obra do realizador, mas sim de um

realismo intuitivamente critico à sociedade.

Se este fosse um filme com preocupações etnológicas, históricas ou

geográficas, a construção teria que ser outra, mas assim, captaram-se os lugares

mais interessantes para servirem de cenário cinematográfico à trama3. Apesar de

o Porto ser facilmente reconhecido no filme, a verdade é que neste nunca se faz

menção a um único lugar, fazendo com que a cidade seja uma cidade 3 Ver imagem 3; Anexo desta dissertação, capítulo 1, p. III.

23

cinematograficamente construída de acordo com as necessidades expressivas,

plásticas e dramáticas, do filme com imagens obtidas arbitrariamente de uma

margem e de outra do rio, no Porto e em Vila Nova de Gaia, sem qualquer índice

de veracidade ou rigor documental.

Caracterizado pelas inúmeras marcas expressionistas, através de

bastantes jogos de sombras, este é um filme que também faz referências à

sociedade repressiva da altura, através do aparecimento do policia, agente de

ameaça e castigo, da repressão e da prisão4 (Fernandes in Museu de Serralves,

2008a: 23), assim como todo o espírito do filme, que aborda a “oposição entre o

mundo fechado, conformador e repressivo da escola e o universo livre da rua e do

rio, territórios abertos das brincadeiras e dos sonhos” (Pina, 2012: 17).

1.3 - O filme-viagem da cidade do Porto

No período decorrente entre 1942 (ano da estreia de Aniki-Bobó) e 1956,

Manoel de Oliveira fez um interregno no seu trabalho enquanto cineasta, marcado

por vários projetos recusados e censurados, a que se seguiu um retorno à

realização com outras perspetivas sobre o cinema (Baecque e Parsi, 1999:141).

Tendo sido uma época de isolamento determinante para repensar as

potencialidades do cinema, tal como foi a marcante experiência de fotografar uma

defunta chamada Angélica (prima de sua esposa), que lhe permitiu perceber que

o tempo é “o grande mistério”, já que deste modo pôde ver a duplicação do corpo

da morta como se de um fantasma se tratasse (Costa e Oliveira, 2008: 60),

levando-o a escrever um guião para um filme com o nome da falecida, em 1952

(Baecque e Parsi, 1999: 141).

Neste início de carreira, que se encontrou posto de parte perante o

panorama cinematográfico nacional, com projetos não subsidiados (Pina,1978 :

24), só volta às câmaras em meados da década de 50. O aparecimento da cor no

cinema, fez com que em 1955, Manoel Oliveira decidisse fazer um estágio na

Alemanha, donde regressou com novos materiais, entre eles a película Agfacolor

4 Ver imagens 1 - 3; Anexo desta dissertação, capítulo 4, p. XII.

24

que serviu de suporte fotossensível para o seu próximo filme, O Pintor e a Cidade

(1956). Este é o resultado de um encontro fortuito entre três figuras da vida

artística da cidade do Porto, Manoel de Oliveira, o pintor António Cruz e o

compositor Luís Rodrigues (Costa e Oliveira, 2008: 65). O filme é uma curta-

metragem de vinte e oito minutos, que surge como um trabalho de

experimentação da cor associado a um tom documental com um forte cariz

estético. O motor narrativo deste terceiro filme são os quadros do pintor António

Cruz, o artista que produziu obras através das aguarelas que fazia sobre a cidade

do Porto.

Eles são o contraponto de uma viagem pelo Porto em que o realizador

ousa sair do grande cenário que é a zona ribeirinha para subir à zona alta da

cidade de forma a mostrar todo o seu modernismo. Nesta obra, Oliveira regressa

à cidade portuense, filmando as pontes de ferro, a ribeira e certos socalcos do

Douro que já havia filmado nas suas obras precedentes. Apesar do regresso aos

locais geográficos do seu cinema, este filme revela-se muito diferente dos seus

antecessores. Existe um prolongamento no tempo dos planos, onde o tempo real

irrompe na sua obra. O realizador, enquanto dá então a conhecer as obras de

António Cruz, revela-nos o seu ponto de vista sobre as mesmas, através do seu

olhar cinematográfico. O filme dá-se entre o diálogo lado a lado das aguarelas do

pintor e as filmagens do realizador5, conseguindo ir mais além do que António

Cruz na sua representação da cidade.

Esta emancipação de Oliveira em relação a um outro autor, já havia sido

verificada no seu primeiro filme, Douro, Faina Fluvial (1931). Se nas aguarelas do

pintor, a representação humana era praticamente inexistente, o filme de Oliveira

dá-nos uma visão “comovente dos habitantes de uma cidade, dos namorados nos

bancos de jardim às crianças que brincam na rua, dos guardas a cavalo aos

moradores dos bairros de lata” (Fernandes in Museu de Serralves, 2008b: 13).

Apesar desta humanização dos quadros do pintor portuense, Oliveira também faz

um registo dos lugares do Porto, desde igrejas, ruas, praças, monumentos, o

antigo Estádio das Antas, passando por edifícios modernistas.

Aqui, a arquitetura serve como elemento de confrontação para os olhares

mais tradicionais que são colocados na tela por parte do pintor. Nesta produção,

5 Ver imagens 13 - 20; Anexo desta dissertação, capítulo 2, pp. IX-X.

25

tal como em Douro, Faina Fluvial (1931), o realizador tenta dinamizar a imagem

através das qualidades rítmicas da arquitetura moderna, originando um filme

muito mais pausado que o primeiro (Preto, 2008: 28).

Esta viagem pelo Porto com cores pictoricamente fortes, acaba por

contrastar com os dois filmes anteriores. Neste encontro entre o filme e a pintura

de António Cruz, o realizador vai passando progressivamente de uma

representação suave da toponímia da cidade, para uma visão mais sombria. Das

imagens alegres e coloridas do início do filme, passámos para uma noite sombria

que se esconde na cidade, que reflete os raios solares durante o dia.

Apesar de o filme ter um tom de reverência e elogio à cor, podemos ainda

constatar que o Porto continua a ser uma cidade bem mais incómoda do que a

cidade evidenciada nos primeiros minutos do filme. O Porto de O Pintor e a

Cidade (1956) aproxima-se assim da cidade a preto e branco retratada nos filmes

anteriormente apresentados.

1.4 - O rio de Agustina Bessa-Luís e Manoel de Oliveira

Em 1993, Oliveira realiza Vale Abraão, filme que surge da adaptação do

romance com o mesmo nome, de Agustina Bessa-Luís, que teve origem num

pedido de Oliveira para que a escritora fizesse uma reescrita da história de

Madame Bovary para os dias de hoje no norte de Portugal. A obra de Flaubert

revela-se como um ponto de partida, que segundo Oliveira, apenas tem como

ponto comum o facto de retratar a história de uma mulher que se chama Ema,

que casa com um médico que se chama Carlos, que se entedia com uma vida

demasiado provinciana, possuindo muitos amantes e que acaba por se suicidar.

O filme conta-nos a história de Ema Cardenado, a filha de um proprietário

de terras em decadência nas margens do Douro, que cresceu no Romesal sob

um regime familiar fechado até à puberdade. Desde cedo que a jovem Ema viu-se

órfã de mãe, sentindo-se cercada, pelas criadas da propriedade com as suas

conversas maliciosas, e pela beata tia Augusta. Ema era dona de uma beleza

muito própria, capaz até de provocar acidentes rodoviários quando se expunha na

varanda de sua casa. Certo dia, enquanto almoçava com o pai num restaurante,

26

por ocasião das festas da Nossa Senhora da Agonia, na cidade de Lamego,

conhece Carlos Paiva, médico e agricultor. Este ficou encantado com a sua

beleza, encetando conversa com o pai de Ema.

Com o passar dos anos, Carlos enviúva e começa a frequentar o

Romesal, tornando-se noivo de Ema, uma moça ainda ignorante no que toca a

relações amorosas.

Durante o casamento, rapidamente Ema vê-se desiludida com o seu

marido. Isto leva-a a querer viver novas experiências, vendo os seus desejos a

serem realizados no primeiro evento social a que Carlos a leva, o Baile das Jacas.

Este baile vai marcar a sua vida, à medida que lhe dá a dimensão de uma

existência que deseja alcançar e que lhe permanece inacessível.

Perante a impossibilidade de ser, ter e possuir segundo os seus próprios

desejos, debate-se entre amantes, viagens e fases de desespero. Ema sente uma

profunda insatisfação e incompreensão ao longo da sua existência. Tem duas

filhas, às quais não se afeiçoa, não encontrando na maternidade qualquer tipo de

realização pessoal, ao contrário da maioria das mulheres. Apesar de toda esta

insatisfação, dos seus amantes, a verdade é que o seu casamento com Carlos

não chega a ser abalado ao ponto de provocar uma separação entre o casal. Esta

mulher recorre frequentemente a um dos seus amantes, para se refugiar na sua

propriedade, o Vesúvio. Vulcão que se encontra extinto, o Vesúvio simboliza a

própria Ema, onde esta irá selar o seu destino nas águas do rio Douro.

Importa analisar a adaptação de Manoel de Oliveira, com o livro de

Agustina Bessa-Luís, onde ambos transmitem dois olhares sobre o rio, o Douro

das palavras, das imagens, dos planos narrativos e dos planos cinematográficos.

Tal como o romance de Agustina Bessa-Luís, o filme de Oliveira começa

com um narrador que não se identifica nem pertence a qualquer personagem da

história, mas que situa os espectadores no universo geográfico onde se desenrola

a ação do romance.

A margem esquerda dos rios não apetece tanto, seja porque o sol a

procura em horas mais solitárias, seja porque a povoa gente mais tristonha e descendente de homiziados e descontentes do mundo e das suas leis. A região demarcada do Douro, que ocupa quase na sua totalidade a margem direita, prova pelo menos que o reflexo solar tem efeito no negócio dos homens e lhes determina a morada.

Porém, há na curva que apascenta o rio pelo rechão areento, ao sair da régua, um vale ribeiro de produção de vinhos de cheiro e que se estende, rumo à

27

cidade de Lamego, comarca a que pertence, até as águas medicinais de cambres. É o Vale Abraão, com as suas quintas e lugares de sombra…

(Bessa-Luis,1993:7)

No livro este contexto acontece de forma progressiva, já que começa de

forma muito vaga “a margem esquerda dos rios”, passando em seguida “ a região

demarcada do Douro”, para só então chegar à localidade de Vale Abraão.

Já no filme, o narrador começa a contar-nos a história de Abraão,

enquanto é exibido um vale atravessado por um rio.

No Vale Abraão, lugar chamado de um homem inutilmente à consciência de

seu orgulho, de vergonha, de cólera, passavam-se e passam-se coisas que pertencem ao mundo dos sonhos, o mundo mais hipócrita que há. O patriarca Abraão tinha um costume arcaico: o de usar a beleza da mulher, Sara, como solução das suas dificuldades. Para isso, intitulava-a sua irmã, o que deixava caminho para o desejo de outros homens.

(Oliveira,1993)

Posteriormente surge o som de um comboio e a vista que se tem desse,

introduzindo-nos as casas, as plantações, o rio e todo o cenário envolvente ao

filme6. Em ambos os casos, livro e filme, o narrador revela conhecer todo o

território geográfico da região, bem como o passado das personagens e

respetivas famílias, caracterizando-se assim como um narrador omnisciente.

Manoel de Oliveira faz uso da metáfora bíblica do Vale Abraão como uma

possível visão do paraíso perdido, criando assim uma visão particular em que o

Douro é o elemento central. A omnipresença do rio em todo o filme, acaba por ser

o fio condutor que agarra os lugares que dão forma, reconstituindo o ambiente da

época. O rio torna-se assim o elo que une diversos elementos do seu percurso.

Em Vale Abraão, é feita uma reconstrução do ambiente do Douro vinícola,

aproximadamente entre as décadas de sessenta e oitenta, através de "vinhedos

do vinho do Porto, tão magnificamente filmados..." (Baecque, 1999 : 12),

aproximadamente entre as décadas de sessenta e oitenta. Um lugar conservador,

onde ainda não existe uma grande inserção de elementos modernos como o

automóvel, sendo que o comboio é o grande meio de locomoção, como as

primeiras imagens do filme. O barco acaba por ser um meio que é utilizado para

6 Ver imagens 5 - 7; Anexo desta dissertação, capítulo 1, pp. III-IV.

28

passeios de lazer7, uma vez que os barcos rabelos foram perdendo a sua

utilidade como forma de transporte do vinho entre as quintas do Douro Vinhateiro

para os armazéns situados na foz do rio.

Estas quintas que estruturam o Vale do Douro fazem partes de uma altura

em que o Douro se organizava em função da sua atividade vinícola. As casas

destas quintas pertencem às famílias ligadas à produção do vinho,

assemelhando-se com solares. No outro extremo do espectro social existem

construções bastante parcas em condições de alojamento que são destinadas

aos trabalhadores vinícolas, assim como anexos às casas das quintas, que

servem para os seus empregados, salientando o Douro enquanto rio de trabalho.

Oliveira representa ainda, estruturas de apoio a essas quintas como tanques de

água para lavar a roupa8, caminhos que tomam a direção dos socalcos das

vinhas, revelando um subsistema muito próprio e característico.

Perante isto, o realizador adota técnicas próprias do cinema clássico,

antecipando todas as mudanças de cena com imagens do exterior das casas de

quinta em que a sequência se desenrola, ou então, filmando através de travellings

laterais o trajeto correspondente à deslocação dos personagens de um local para

o outro, quase sempre com a presença do Douro9.

No filme, o rio intromete-se, até nas cenas de interiores, observando

várias vezes as personagens através de janelas abertas para o vale10. O Douro

possui, deste modo, um magnetismo que força as casas do vale a olhar para ele,

através de varandas ou divisões com grandes janelas de vidro.

Todos estes parâmetros que envolvem estas construções visuais, vão

marcar a paisagem do Douro no cinema Português, seja através dos "socalcos,

quintas e ancoradouros" (Oliveira, 2004:1), da linha férrea que liga a cidade da

Régua à cidade do Porto, quer seja das características da luz naquela região do

país.

A relação de Ema com o Douro dá-se no ancoradouro da Quinta do

Vesúvio, um local que prenuncia a morte desta, devido a um grande plano de uma

tábua podre e da escuridão das águas do rio. António Barreto considera o Douro,

7 Ver imagens 15 - 17; Anexo desta dissertação, capítulo 5, p. XV. 8 Ver imagem 7; Anexo desta dissertação, capítulo 5, p. XIII. 9 Ver imagens 5 - 14; Anexo desta dissertação, capítulo 1, pp. III-IV. 10 Ver imagens 1 - 5; Anexo desta dissertação, capítulo 6, p. XVI.

29

uma mulher. A morte de Ema representará uma comunhão total entre esta e o rio,

porque Ema é o próprio Douro. (Oliveira, 2004 : 6).

1.5 – O Passado e o Presente do Douro

Em 2001, a cidade do Porto foi nomeada para Capital Europeia da

Cultura, sendo-lhe proposta a realização de um documentário sobre a cidade,

onde viria a surgir, o filme Porto da Minha Infância (2001).

Oliveira considerou que não seria a melhor altura para se fazer o filme,

devido às obras que estavam a decorrer por toda a cidade relativas ao evento,

optando por fazer um cruzamento entre imagens captadas da cidade do Porto

para este projeto, juntamente com imagens do Porto dos tempos em que era

criança, com cenas de ficção gravadas para este filme e ainda excertos dos seus

filmes nas margens do Rio Douro, culminando num trabalho que vive da

montagem, evocando assim as primeiras escolas russas.

Oliveira regressa assim à sua cidade natal. Ela já o tinha inspirado para o

seu primeiro filme, Douro, Faina Fluvial (1931), e para o que marca o seu

regresso atrás da câmara em 1956, O Pintor e a Cidade. Nas duas obras

referidas, o realizador portuense havia filmado aquilo que prendia o seu olhar.

Nesta obra de 2001, o autor escolhe filmar aquilo que já não existe e que só os

olhos da sua memória, podem ainda ver.

Porto da Minha Infância (2001), é assim, um filme que invoca uma ideia

de transcendente, dualismos entre real e ficção, as origens do cinema e a

memória humana.

Este pode ser considerado um filme auto biográfico urbano, dado que o

realizador constrói o seu próprio “eu”, na sua relação com a cidade Natal e de

adoção. Nestas películas, o espaço está sempre mediatizado pelas experiências

pessoais, que os diretores têm vivido ali, representando um lugar de memória.

Oliveira, documenta também a sua relação com a cidade, fundada com a

sua memória, o que John Grieson define como “A falsificação criativa da

realidade”. (Alvarez, 2014: 123). Assim, mais do que as recordações sobre a

30

paisagem urbana que desaparecera, os acontecimentos do passado, importa a

forma como as recorda.

Um filme autobiográfico, é um género que pretende situar o seu autor no

centro do seu discurso sem necessariamente possuir uma lógica narrativa.

De certo modo, a memória converteu-se, num dos temas principais da

obra de Manoel de Oliveira, onde o realizador a vê como uma grande fonte de

inspiração para explorar o seu próprio ser, passado e o próprio imaginário

histórico de um país. A memória passa a ser muito mais do que um conjunto de

vivências que se podem reproduzir com um elevado nível de detalhe.

Uma película marcada pela saudade, pela emoção, distinta da melancolia

e nostalgia de um passado vivido pelo realizador, porém com a consciência

profunda destes sentimentos (Alvarez, 2014: 124).

Recordar momentos dum passado longínquo é viajar fora do tempo. Só a

memória de cada um o pode fazer. É o que vou tentar.

(Oliveira, 2001)

Logo na primeira declaração do filme, Oliveira revela que pode não atingir

o seu objetivo de usar a memória como fonte de inspiração criativa, dado que

tudo o que a memória não recordar, deve transformar-se em ficção.

O comentário na primeira pessoa, vai sofrendo alterações, com breves

passagens de música clássica, assim como canções populares que reforçam a

dimensão emocional das imagens. O conjunto de todas estas estratégias trata de

representar a lógica da memória, assumindo que nem as imagens, nem a

narração são suficientes por si mesmas para evocar as imagens mentais do

cineasta (Alvarez, 2014: 124).

Em vários momentos, o documentário recorre ao contraste entre as vistas

antigas e contemporâneas da paisagem urbana de forma a criticar as suas

transformações, pese o facto de o realizador, não estar interessado em recuperar

o passado, mas sim em criar um elo de ligação entre os dois tempos.

A associação constante entre lugares e recordações, leva o espectador a

visitar lugares da memória do cineasta, assim como permite que estes viagem

também pelo passado dos lugares de uma cidade que já não existe mais. Assim,

31

o realizador representa ao passado e o presente de forma simultânea, bem como

a sua própria evolução enquanto indivíduo ao longo do tempo.

Oliveira, no decorrer do filme, revela uma desconfiança sobre a sua

capacidade de recordar, fazendo com que o filme se dirija para a autoficção,

através de imagens reconstruídas que possuem o mesmo valor documental que

as imagens de arquivo. Estas não pretendem reproduzir a aparência real do

passado, mas construir a sua imagem desde o presente.

Nas cenas recriadas, por vezes, as personagens ajudam o realizador a

recordar alguns detalhes da sua memória, sussurrando determinadas palavras

antes que este as pronuncie. Esta ideia pretende mostrar que é a própria ficção

que guia o relato das próprias vivências, e não o contrário. Importa referir que os

atores que encarnam Manoel de Oliveira, enquanto jovem, são os seus netos,

Jorge e Ricardo Trêpa, reforçando a ficção sobre a memória, ou o presente sobre

o passado.

É de notar que o filme não promove apenas as memórias de infância ou

de juventude de um Manoel de Oliveira, mas uma representação sociocultural da

cidade do Porto, dos anos 20 e 30, servindo também como um guia da cidade e

da sua história, passando por teatros, cafés, estátuas e placas toponímias.

Esta união entre o passado e o presente desenrola-se em termos

temporais e espaciais. O realizador faz uso da inserção de imagens de ficção com

imagens de arquivos histórico, de forma a inserir as suas recordações num

determinado tempo histórico. Um bom exemplo disso, é na cena onde um homem

sobe ao alto da Torre dos Clérigos, onde vários planos contrapicados do ator que

representa Manoel de Oliveira, olha para cima e vê as imagens do acontecimento

real que se passou na primeira metade do século XX, criando a sensação que a

imagem do homem a subir a torre está a ser vista pelo jovem Oliveira. Esta

estratégia será usada em diversas cenas, revelando o cuidado com que o

realizador coloca as suas recordações nos espaços reais onde decorrem. Uma

exceção, é a cena que se passa no café Majestic, café histórico da cidade do

Porto, e que ainda hoje conserva a beleza dos seus interiores. Manoel de Oliveira

filma o local exato onde em jovem escreveu o argumento do filme Os Gigantes do

Douro, filme que nunca chegou a ser exibido.

Importa salientar a refilmagem do filme de Aurélio paz dos Reis, Saída do

Pessoal operário da fábrica confiança (1896), no mesmo local onde antes se

32

situava essa fábrica de camisas, onde os trabalhadores desse tempo são

substituídos por trabalhadores contemporâneos que estão a laborar nas obras

para o Porto 2001.

Esta homenagem a Paz dos Reis sugere que o cinema é um elemento

essencial para conservar a memória da cidade e do cineasta. As referências

diretas a três filmes anteriores, Douro Faina Fluvial (1931), Aniki Bóbó (1942) e O

Pintor e a Cidade (1956) contribuem para dar a ideia que o realizador recorda o

passado da sua cidade através dos filmes que filmou ali. Estas quatro obras,

rodadas no Porto, e tal como a cidade, intrinsecamente ligadas ao Douro,

mostram uma evolução da paisagem urbana e das suas representações ao longo

do tempo, estabelecendo uma história visual da cidade a partir de imagens que

pertencem a diversos períodos cinematográficos.

Oliveira assume que o cinema só pode conservar pequenos fragmentos

de memória, o que não o impede de criar novas recordações

Graças ao cinema, podemos ver e rever estes bocados, mas recordar

coisas que só em nós viveram, só a memória de cada um o pode fazer. E fazê-lo não será a melhor maneira de nos dar a conhecer? Porém, com a passagem do tempo, muitas memórias ficaram sepultadas.

(Oliveira, 2001)

Com isto, o realizador não pretende apenas recuperar lembranças do

passado, mas também criar novas memórias para o futuro. O filme invoca a ideia

de transcendente logo no seu início, começando numa espécie de prólogo, com

um maestro de música contemporâneo em plano contrapicado, iluminado de

baixo para cima, fazendo com que pareça estar acima de algo. A cena seguinte

contém imagens do mar, no local onde o rio Douro acaba o seu percurso, onde o

mar mostra toda a sua energia e força, representando simbolicamente a

passagem para um outro lado.

Neste filme, existe um travelling que conduz o rio ao longo do viaduto do

Cais de Pedra, situado na margem direita do Douro, acompanhado com música

contemporânea. O desenho deste viaduto, permite que tenhamos uma perspetiva

sobre a cidade, semelhante à que os marinheiros, no passado, tinham da cidade

33

e do rio, rumo ao desconhecido. O travelling vai terminar num grande plano de

um azulejo onde se encontra o Infante D. Henrique11. Esta conclusão, é uma

metáfora, que relaciona a foz do rio com o relato de Oliveira, assim como, os

descobrimentos ultramarinos Portugueses com o descobrimento da vida através

do cinema.

Num dos últimos planos do filme, surge uma panorâmica sobre as

lombadas de escritores do Porto, tal como Arnaldo Gama, Sampaio Bruno, Camilo

Castelo Branco e António Nobre, detendo-se algum tempo mais sobre a capa da

obra do ultimo, intitulada de “Só”12.

Sinaliza a solidão do próprio Oliveira, um autêntico corredor de fundo que, a

cada passo, olha para trás e se vê irremediavelmente só na sua caminhada de quase um século – praticamente o mesmo tempo que tem a história do cinema.

(Andrade, 2008: 66)

Como os autores anteriormente referidos, como o Infante, também

Manoel de Oliveira partiu do Porto e conquistou o futuro.

Partiu das margens-imagens do rio Douro-Faina-Fluvial. Partiu dessas

águas e agora a elas volta, águas já de noite, águas já do mar. As águas do Douro repousam no escuro do mar da Foz e fundem-se com as outras obras, as da estante, dos outros autores ilustres do Porto.

(Torres, 2001)

Na última cena do filme vê-se um farol a piscar ao longe, surgindo então a

música aquando da lembrança de Manoel de Oliveira sobre seu pai.

Uma imagem simbólica que une as possibilidades infinitas que podem ser

encontradas no horizonte, com as possibilidades infinitas que se podem obter no

cinema. Este farol, o farolim de Felgueiras, é o mesmo que aparece na primeira

cena do primeiro filme de Oliveira, Douro Faina Fluvial (1931), estabelecendo-se

deste modo um elo de ligação com o seu passado cinematográfico, permitindo-o

viajar através do tempo:

A cidade está a ser renovada, mas por muito que lhe façam, é sempre o meu Porto de Infância, com um fio de ouro a correr a seus pés.

(Oliveira, 2001)

11 Ver imagens 3 - 4; Anexo desta dissertação, capítulo 9, p. XXI. 12 Ver imagens 7 - 12; Anexo desta dissertação, capítulo 9, p. XXII.

34

1.6 - O espírito de Angélica

O Estranho Caso de Angélica, é um projeto que Manoel de Oliveira levou

quase seis décadas a concretizar, sendo um dos planos que o cineasta se viu

impossibilitado de realizar, durante os longos períodos de tempo que esteve sem

filmar por causa do clima de censura existente no país.

Durante o interregno fílmico vivido entre 1942 e 1956, Oliveira inspirou-se

para escrever o argumento de Angélica, que partiu de uma vivência pessoal: um

dia, quando estava numa aldeia do Douro com a a sua mulher, ambos foram

chamados a visitar, numa casa próxima, uma prima que se encontrava muito

doente e que viria a falecer pouco tempo depois. Foi-lhe pedido então que,

fotografasse para a posterioridade o rosto da jovem.

Esta história, surge assim de base para O Estranho Caso de Angélica,

que nos conta a história de Isaac, um jovem fotógrafo que se encontra na Régua

a registar os trabalhadores da zona. Uma noite ele é chamado para ir fotografar

uma rapariga morta de seu nome Angélica. Numa das fotografias que Isaac

regista da defunta, esta abre os olhos e sorri-lhe. Este evento deixa Isaac nervoso

e obcecado pela rapariga. Angélica começa a fazer aparições ao jovem fotógrafo,

acabando por se enamorar, fazendo com que o jovem fotógrafo vá perdendo

gradualmente a sua ligação ao real.

Apesar de se estar a desligar do real, Isaac nunca deixa de fotografar os

trabalhadores nas vinhas da margem do Douro, como que à procura de algo que

se prende com a terra e que espera encontrar através da fotografia. Este ciclo de

loucura, leva o personagem a um ponto que termina com a morte no seu quarto.

Neste filme, o protagonista age como projeção do realizador no filme, pela

ligação à terra e ao passado. Ambos retratam o trabalho rural da mesma forma,

existindo planos subjetivos da câmara que correspondem ao olho de Isaac. Neste

momento de registo do real, os trabalhadores do Douro fundem-se com a

paisagem, tornando-se num só elemento. O facto de ainda serem trabalhadores

que usam a força braçal, em detrimento da maquinaria13, faz com que pareçam

ainda mais contíguos à terra de Oliveira.

13 Ver imagens 9 - 12; Anexo desta dissertação, capítulo 5, p. XIV.

35

Protagonista e realizador procuram algo que parece estar escondido na

paisagem, na vida que existe nela.

Isaac preocupa-se em retratar algo de um tempo que já passou, enquanto

que, Oliveira encena uma universo cheio de anacronismos, não definindo de

forma concreta a temporalidade da ação. São usadas roupas, adereços e

interiores de um tempo que não se compadecem com o mundo de camiões e

viadutos, apesar de os mesmos conviverem em harmonia entre si.

Ambos encontram na contemplação da terra, a temporalidade que lhes

importa, pois o espaço é a condição crucial da paisagem, daquilo que esta

representa, daquilo que ela corporaliza, o tempo (Rosário, 2014: 117).

36

2. Análise Cinematográfica do Douro de Manoel de Oliveira

Neste capítulo vamos realizar uma análise aos elementos existentes na

composição das imagens no cinema de Oliveira, direcionando a pesquisa para as

cenas onde o Douro marca a sua presença. Propomo-nos a perceber a

composição estrutural destes planos e a forma como estes resultam num estilo

muito pessoal do realizador Portuense. De forma a cumprirmos este objetivo,

orientámos a nossa investigação para a identificação e explicação dos vários

elementos que entram na criação artística de Manoel de Oliveira para, ao mesmo

tempo, estabelecer ligações entre eles.

É de focar que existe uma evidente relação com o tempo cinematográfico

na obra de Manoel de Oliveira, o que lhe confere uma importante dimensão

interior e afetiva inerentes à fixação do real que as imagens transportam. O

cinema oliveiriano, é um cinema pobre no que se refere a técnicas de

comunicação como a montagem, originando imagens que possuem elementos

conceptuais que fazem a mediação entre os planos, apelando à imaginação

humana. Esta capacidade de imaginação só é possível através de um esforço de

respiração fílmica capaz de nos levar para um patamar transcendente da

espiritualidade cinematográfica.

Ao evitar o uso de meios técnicos de expressão, o realizador pressupõe

que o cinema moderno se reencontra nos princípios dos seus primórdios. Sendo

assim, assenta a sua obra em imagens que mais do que serem observadas,

necessitam de uma leitura atenta e crítica. Imagens que possuem uma elevada

carga pictórica, que são construídas a partir de enquadramentos frontais e

rigorosos. Oliveira concentra as suas intenções artísticas nas relações que

estabelece com o espectador, evitando que este se coloque numa posição

passiva durante o filme.

A forma demorada como a voz, os gestos e os movimentos são usados

no cinema de Oliveira, cria uma sensação de artificialidade que fortalece a

narrativa numa imagem que se revela como um ato puro de cinema.

37

Apesar de a filmografia de Manoel de Oliveira constituir diversos

contributos de várias dimensões artísticas, estas não se introduzem de forma

aleatória e incoerente nos seus filmes, sendo a sua inserção realizada de forma

muito precisa e cuidada por parte do autor.

Apesar da idade, Oliveira continua na vanguarda de uma forma de fazer

cinema que se recusa a ser dominada pelas fórmulas cinematográficas assentes

nos critérios de um cinema mais comercial. Apesar dos seus 106 anos, o

realizador ainda consegue apontar para novas formas de fazer cinema.

A forma como o realizador compõe os elementos existentes nos seus

filmes, revela uma ideia de cinema bem definida e uma capacidade de

implementar a teorização desses conceitos com a operacionalização dos

mesmos. A capacidade que Manoel de Oliveira tem em articular estes conceitos,

faz com que os mesmos sejam complementares entre eles.

2.1 - Os planos fixos e longos do Douro

O percurso cinematográfico do realizador foi desde sempre marcado por

uma procura pela objetividade que, derivada das suas experiências iniciais

envoltas no campo do documentário, se refletiu por muito tempo numa recusa em

escrever argumentos originais. O realizador não sentiu a necessidade de inventar

histórias e personagens falsos, pois a literatura obrigava-o a enfrentar a

impossibilidade de tradução cinematográfica do texto. Foi através deste confronto

entre literatura e cinema que Oliveira desenvolveu o seu pensamento sobre as

imagens, criando assim a sua própria estética cinematográfica. As imagens

construídas pelo realizador são então uma arte, que simula a vida real, tornando

os seus filmes em exercícios contemplativos sobre a vida, num cinema que é

capaz de reviver o tempo perdido e simultaneamente lembra o futuro.

O cineasta evita usar a montagem, por entender que esta se afasta da

objetividade, ao mesmo tempo que entende o plano fixo como única forma de

registar a realidade. Conforme o próprio afirma:

38

A verdade é fixa, ou seja, o plano fixo é o mais próximo da objetividade. A montagem, ou seja, a mesma cena em vários planos, é o afastamento da objetividade, porque esta é como um globo forrado de espelhos. A objetividade teria a sua representação numa visão total, impossível de captar, seria a apresentação levada ao infinito de todos os espelhos possíveis em cada cena.

(Machado, 2005: 29).

Para Oliveira, a câmara fixa é a melhor forma para se conseguir alcançar

a objetividade, pois a mudança de planos coloca o espectador exposto a um

elevado nível de subjetividade. Esta perda de objetividade deve-se ao facto de a

realidade variar em função do local onde se filma a cena, revelando múltiplas

verdades cinematográficas.

A obra de Manoel de Oliveira possui uma austeridade que é imposta à

câmara, de forma a que esta sirva unicamente para registar o que lhe é colocado

perante a objetiva. O cinema de Oliveira procura modelar a imagem em função da

qualidade estética do que é filmado, fazendo com que as suas imagens possuam

uma caráter fortemente fotogénico.

O realizador portuense executa um cinema que se identifica com a

linguagem dos primórdios cinematográficos, evitando as técnicas de movimento

de câmara. As emoções que são registadas pelo olho do cineasta, são blindadas

por um sistema do real, no qual a câmara serve de meio intermediário numa

complexa representação artística. Manoel de Oliveira diz que o movimento da

câmara faz sentir a presença de alguém que a faz mexer (Araújo, 2010: 8), o que

revela um certo desconforto entre o realizador e as relações que possam surgir

com o publico através desses exercícios de linguagem cinematográfica.

Considera ainda que, o movimento da câmara distrai o público, retirando

protagonismo à riqueza das cenas, quer sejam diálogos, quer sejam paisagens.

Apesar de ser uma estratégia que coloca o cinema como um espetáculo, um

elemento de diversão, acaba por ser uma estratégia artística pobre.

Oliveira cria assim, um estilo muito próprio que rompe com a tradição e

estratégia de montagem existentes no cinema dos cineastas contemporâneos, de

forma a deslocar os princípios do cinema moderno para “uma passagem ou uma

pontuação puramente ótica entre imagens, operando diretamente, sacrificando

todos os efeitos sintéticos” (Deleuze, 2006: 27).

Para Gilles Deleuze, a montagem encontra-se na própria imagem

diretamente captada, e nos elementos que a compõe, retirando os elementos que

39

se encontram por trás da câmara. Manoel de Oliveira aborda estas ideias de

Deleuze quando diz que “o ideal seria que o realizador se escondesse

inteiramente por detrás das imagens e que não se mostrasse pela manipulação

da câmara” (Oliveira in Baecque e Parsi, 1999:69).

É através desta quase ausência de movimentos de câmara, que o cinema

de Oliveira vai-se concentrar nas variações compositoras do plano, focando a sua

atenção para o mistério da vida, desconstruindo assim a presença da câmara

através do seu olhar. Perante isto, o cinema torna-se numa arte que regista o que

é colocado em frente da câmara.

Para o realizador, a câmara estática revela-se o único veículo

intelectualmente correto para usufruir da alma humana, usando a película como

forma de registo da existência do Homem. Os planos fixos assumem-se

elementos fulcrais para um cinema que procura registar a vida, existindo uma

“consciência-câmara que não se define pelos movimentos que é capaz de seguir

ou de realizar, mas pelas relações mentais em que é capaz de entrar” (Deleuze,

2006:39).

Apesar de pequenas incursões nos seus filmes prévios, Manoel de

Oliveira acentua o uso da câmara fixa a partir de Benilde ou a Virgem Mãe (1975),

mas só irá filmar o Douro, o rio, nos momentos iniciais de Vale Abraão (1993).

Nesta cena, o realizador, fixa a câmara no plano geral de um vale cortado

pelo Douro, permanecendo imóvel durante quarenta e dois segundos. Este é o

espaço onde se desenrola toda a trama do filme, apresentando-se como cenário

do filme e como figura sobrenatural que domina todos os acontecimentos e

destino das personagens14. É neste momento que o narrador em voz off introduz a história do local,

mostrando-se como alguém que sabe tudo o que se passa com as personagens.

Esta dimensão permite-nos tirar algumas conclusões a respeito do filme,

começando pela posição em que coloca o narrador em relação ao universo

apresentado no filme. A posição superior e o enquadramento da câmara coloca o

narrador numa posição superior e de distanciamento do universo da diegese. Ao

longo do filme, o Douro vai sendo várias vezes filmado pela câmara fixa de

Oliveira, servindo como elemento de transição e evolução das personagens15.

14 Ver imagem 5; Anexo desta dissertação, capítulo 1, p. III. 15 Ver imagens 9 - 14; Anexo desta dissertação, capítulo 1, p. IV.

40

Além de Vale Abraão (1993), o realizador usa um plano fixo e muito geral do

Douro, no plano inicial de O Estranho caso de Angélica (2010), através de uma

imagem da cidade da Régua e do Douro durante a noite16. Esta técnica surgirá

várias vezes ao longo do filme, de dia e de noite, de forma a desenvolver a trama,

contudo é da varanda do quarto de Isaac que o rio é representado com

serenidade e delicadeza. O quarto é filmado de frente para a varanda, que na

maioria das vezes se encontra aberta e por isso permite ao espectador ver a

paisagem rural daquela zona do Douro17.

A câmara fixa enquanto opção estética, torna o tempo e a ação similares,

o que regista uma realidade que é uma dimensão teatral, como forma de substituir

o plano. Esta surge nos filmes de Oliveira como uma figura sobrenatural que

comanda tudo o que se passa.

Quanto ao Douro, este volta a ter um papel preponderante no modo do

realizador portuense fazer cinema, pois é com o filme, O Pintor e a Cidade (1956),

que este opta pelo prolongamento dos planos, descobrindo um novo tempo para

os seus filmes. Isto permite que os espectadores se envolvam com a matéria

fílmica, onde os planos contêm uma materialidade expressiva capaz de provocar

experiências e emoções no espectador. Oliveira cria imagens que são suportadas

pela estabilidade do seu movimento que só a longa duração dos planos consegue

garantir. António Preto afirma que o realizador estrutura o equilíbrio dos seus

planos através da multiplicação dos planos fixos e a amputação sistemática das

imagens e de ligações. (Araújo, 2010: 58).

O realizador pretende que o seu cinema esteja absorvido pela realidade,

recusando prender o espectador através de um ritmo acelerado que se deve a

constantes acontecimentos que não têm uma correspondência com a realidade.

Sendo assim, o espectador começa a substituir uma necessidade de que

aconteça sempre algo, por uma relação de afeto com um acontecimento

absorvido de realidade, começando a existir um envolvimento emocional com a

narrativa.

Manoel de Oliveira diz que “a imagem quando persiste ganha outra

forma” (Costa, 2008: 57), permitindo que o espectador adquira sensações e

emoções que a fixação do real necessita, enquanto que a imagem rápida não o

16 Ver imagem 19; Anexo desta dissertação, capítulo 1, p. V. 17 Ver imagens 9 - 10; Anexo desta dissertação, capítulo 6, p. XVII.

41

permite. Esta opção estratégica do realizador, de permitir ao espectador

contemplar e refletir sobre o que é disponibilizado pela imagem, é a principal

razão, para que uma parte do público apelide os seus filmes, caracterizando-os

como lentos, aborrecidos ou desinteressantes.

O Pintor e a Cidade (1956), está assente em três grandes pilares: as

imagens da cidade, as aguarelas do pintor e a atmosfera sonora da cidade. Para

se conseguir experienciar este três elementos, o realizador sente a necessidade

de introduzir um ritmo que leve o espectador a uma proximidade afetiva com a

matéria fílmica. O som desempenha a função de narrador, na medida em que

este conta as histórias da cidade, funcionando como elemento mediador na

passagem de planos, estabelecendo o movimento imagético através do fluxo

sonoro.

Numa busca continua por processos estéticos, o uso de longos planos

começa a ser uma imagem de marca no cinema oliveiriano, permitindo que o

espectador se aperceba de determinados movimentos e pormenores que apenas

a longa duração do plano permite.

2.2 - As artes na representação do Douro

O cinema, tal como a fotografia, desde os seus primórdios que o cinema

tem provocado várias reflexões sobre o seu teor artístico. Se uma corrente

defende a autonomia do cinema como meio de expressão, outra insiste no seu

caráter híbrido, defendendo que no filme existe um encontro de elementos que

provêm de múltiplas expressões artísticas.

Existe ainda, a corrente que não considera o cinema como uma arte, por

este derivar de um processo mecânico que apenas serve para imitar a realidade.

Contudo, outros rejeitam o cinema como simples automatismo e defendem que a

transposição da consciência e emoções do realizador para a película são muito

similares ao ato de pintar.

O cinema tem acompanhado as vanguardas estéticas do modernismo,

resultando em filmes que valorizavam os elementos plásticos da imagem, o seu

grafismo e os seus contrastes de luz. Segundo Aumont e Marie, são vários os

42

autores do cinema moderno que usam incursões através da pintura através do

sentido da cor, de uma superfície, de um quadro, de uma modulação. Essa

entrada no mundo da pintura surge da necessidade de transpor para o cinema a

vida de pintores, de reconstituir de ambientes históricos através de

representações do passado, ou como forma de renovação dessa expressão

artística (Miranda, 2009 : 13).

Manoel de Oliveira entende o cinema como algo que vai muito além da

contaminação da pintura, mas como a síntese de todas as artes, como o próprio

afirma:

Síntese de todas as artes é o cinema e era-o já o teatro. Síntese que dá,

quer num quer noutro, uma nova forma às diferentes matérias. (Costa, 2001:22)

A valorização das outras artes no cinema oliveiriano deve-se ao contexto

social em que o próprio cresceu. A frequência como aluno interno de um colégio

de Jesuítas, um local que apesar de possuir uma forte doutrina religiosa,

valorizava muito o ensino das artes. Já idade adulta, a sua vida social será

marcada pelo convívio com várias personalidades que se vão tornar relevantes na

vida inteletual Portuguesa, o que resultará automaticamente numa forte influência

na sua obra. Pessoas como José Régio, Agustina Bessa-Luís e Alves Costa

privarão com Oliveira. Devido a todas estas experiências, o cineasta achará o

cinema como o veículo preferencial para representar a vida, como o próprio

afirma:

Tudo o que não é vida é teatro, mesmo um quadro. O teatro é a síntese de

todas as artes. O cinema recebeu esta herança e, pelas suas possibilidades, enriqueceu-a. O sentido que [dá] ao teatro no cinema é o da representação da vida. Graças ao cinema tudo pode ser representado

(Baecque e Parsi, 1999:70).

Os filmes de Manoel de Oliveira revelam uma preocupação estética que

deriva do resultado de uma análise, onde entram todas as artes, originando

imagens que invocam qualidades pictóricas e se apoiam em princípios da pintura

e da literatura. Isto origina uma visão do realizador que se exprime pela

43

plasticização da imagem e pela procura de uma representação da realidade que

se vai inspirar diretamente na pintura.

As imagens das suas produções demonstram um cuidado plástico

semelhante ao de um pintor. Este assume a imagem cinematográfica como um

plano bidimensional, na qual irá inserir características qualitativas inerentes ao

seu trabalho. Características essas que são transversais ao cinema, como o

cenário, cor, som e atores.

A câmara do realizador funciona como um prolongamento da alma do

realizador, que pretende transformar o mundo material em mundo imaterial. Para

tal, Oliveira procura encontrar pontos de convergência em aspetos relacionados

com a pintura como os enquadramentos, escalas, jogos de luz, composição de

planos, sombras e tonalidades da cor.

Como vimos anteriormente, o realizador ao recusar a montagem nos seus

filmes, em favorecimento de uma construção da imagem que surge a partir de um

único ponto de vista, resultando um elevado sentido estético na distribuição das

qualidades que promovem a imagem. O uso da câmara fixa, assim como os

enquadramentos frontais, assemelham-se à superfície plana da tela de um pintor.

Desde o seu o seu primeiro filme, Douro, Faina Fluvial (1931), que

Oliveira começou a relacionar o seu cinema com a pintura, constituindo um

prenúncio de uma ligação constante na obra deste realizador centenário. O

próprio Oliveira sustenta que neste filme existe uma “plasticização em imagem”

(Oliveira, 2008: 33), através de jogos de luzes, sombras, geometria de corpos e

imagens refletidas que rodeiam o rio Douro, um rio de labuta diária, um rio que

influência e é influenciado pelo Homem moderno.

Num documentário carregado de realismo, através de figuras humanas

que possuem uma carga física e social18, sendo mais do que meros figurantes, o

realizador dá especial atenção a valores atmosféricos como a água e a luz, de

forma a trabalhar o modo como vê a realidade. Isto faz com que Manoel de

Oliveira se aproxime das correntes impressionistas da altura. Existindo uma

procura pelo registo do momento presente através de imagens que registam

movimentos, a partir de ponto de vistas aparentemente aleatórios e, uma

organização espacial que envolve elementos como céu, mar e rio a preencherem

18 Ver imagens 1 - 2; Anexo desta dissertação, capítulo 2, p. VII.

44

todo o enquadramento, dando textura ao espelho de água onde se reflete toda

vida retratada19.

Seguindo as tendências do impressionismo, o realizador procura captar o

instante de uma realidade em constante movimento, em que o aspeto e a verdade

se encontram em permanente mutação, transmitindo uma forma muito pessoal de

ver e exprimir a realidade. Oliveira presta especial atenção aos efeitos maleáveis

da luz e sombras, envolvendo as imagens refletidas de objetos físicos20.

Consciêncializa-se também, que a máquina tem um papel entre o seu olhar e o

real, através de vários focagens e desfocagens. Neste processo assistimos por

vezes a uma abstratizarão do real, como o inverso. O rio é filmado, juntamente

com as suas gentes e as suas casas, a partir de ângulos agudos e elevados,

numa referência ao impressionismo e as suas vistas através de uma janela.

(Miranda, 2009 : 26).

Pormenores da ponte, texturas de cestas, cascos, disposição de

plataformas para o peixe e o acordeão possuem sombras fortes e claramente

demarcadas. Estas imagens fazem com que os objetos retratados existam tal

como os do mundo real. Além do movimento impressionista, este filme possui

características próprias do movimento futurista, ao criar um equilíbrio a partir das

forças humanas, animal e mecânica.

Em 1956, naquela que foi uma das primeiras incursões da cor pelo

cinema Português, O Pintor e a Cidade (1956), um documentário onde o

realizador revela um certo fascínio pelo Porto através do uso da cor e da luz,

efetuando um registo de uma cidade que muda constantemente de plasticidade.

Oliveira “procura a melhor luz, o melhor ângulo para cada plano” ( Baecque &

Parsi, 1999:314).

O Pintor e a Cidade (1956) é mais que um documentário sobre o Porto,

mas uma revisitação da cidade através dos olhos do pintor António Cruz. O

interesse do realizador por esta arte é mais do que evidente devido às constantes

ligações entre as aguarelas pintadas pelo criador e as suas próprias imagens.

Através de enquadramentos semelhantes, o realizador consegue transformar os

valores qualitativos das telas do pintor para as suas imagens. Existem até cenas

onde verifica uma sobreposição entre o que é filmado, salientando este jogo

19 Ver imagens 3 - 6; Anexo desta dissertação, capítulo 2, p. VII. 20 Ver imagens 4 - 12; Anexo desta dissertação, capítulo 2, pp. VII-VIII.

45

imagético entre pintor e realizador, nas quais Oliveira coloca a câmara no mesmo

sentido que António Cruz coloca o seu cavalete, devolvendo-nos a realidade com

uma impressão pessoal21. O filme pretende invocar o processo de imagens

pictóricas, aludindo a várias visões da realidade, realçando o significado e as

implicações do exercício de figuração e delimitação imagética.

Como vimos anteriormente, a longa duração dos planos faz com que este

filme seja uma oposição ao, Douro, Faina Fluvial (1931), e ao cinema que se fazia

na altura, que privilegiava a ação e o movimento. Oliveira pretende assim,

valorizar o tempo que recai sobre um objeto filmado, permitindo ver coisas que

seriam impossíveis de ver com movimentos apressados ou com uma montagem

rápida (Costa e Oliveira, 2008:56, 57).

O realizador estabelece assim, um paralelismo entre o ato de pintar e o

de filmar e é, através do confronto entre os “pincéis de luz que pintam a película

cinematográfica” e a alternância entre os quadros do pintor. Nesta montagem que

vive das ligações entre o olhar do pintor e do realizador destacam-se as filmagens

de pontos de vista e atmosferas retratados nas telas, a atribuição de qualidades

sonoras nas pinturas, de forma a representar os ambientes descritos nos quadros.

Ao longo do filme, somos acompanhados pelos barulhos da rua, de comboios e

até dos sinos da igreja.

Muitas vezes, Oliveira recorre aos planos subjetivos de forma a transmitir

a visão do pintor. Nos momentos em que António Cruz pinta os seus quadros,

Manoel de Oliveira nunca se preocupa com a técnica deste, propiciando o

confronto entre a realidade que o pintor retrata e a imagem pictórica que surge na

sua tela de forma mais genuína. Desta análise podemos concluir que o pintor

Portuense a representação não é a cópia da matéria, pois vemos as suas

aguarelas diluírem os contornos das figurações representadas, dando a ideia que

os quadros se estão a desfazer em água (Miranda, 2009 : 29)

Oliveira afirma que “ A cor é muito sensual, torna as coisas mais

próximas, mais fortes” (Costa e Oliveira, 2008: 80 , 81), e por essa mesma razão

que não voltou a filmar mais nenhum filme a preto e branco. A cor assume o papel

preponderante nos quadros do pintor, sendo a principal qualidade no processo de

representação. Através da criação de diversos tons cromáticos, o autor tem a

21 Ver imagem 13 - 22; Anexo desta dissertação, capítulo 2, pp. IX-X.

46

capacidade de colocar a sua intenção estética nas obras, afastando-se da

realidade. A estética incutida por Oliveira é, em grande parte, definida pela

manipulação da cor, explorando os calores cromáticos a partir da escolha de

objetos a filmar, hora do dia, e a própria revelação da película.

Ao representar a realidade, pintor e realizador, são confrontados com

dificuldades que são centrais ao resultado pretendido (enquadramento, ângulo e

distância em relação aos objetos retratados), e é a forma como elas são

ultrapassadas que resultam numa representação do real com o seu cunho

pessoal.

Apesar de muitos teóricos recusarem o cinema como arte, pois este

apenas reproduz mecanicamente a realidade, o realizador mostra-nos o contrário,

tal como o pintor pinta a realidade nas telas, ele representa na tela

cinematográfica a sua visão, com as suas qualidades estéticas e emocionais,

transformando o processo de filmagem em algo que não é único e puramente

mecânico.

O Douro acabou por servir de alicerce para que a representação da

realidade no cinema oliveiriano fizesse uso da gramática da pintura, de facto, esta

e a história das artes visuais encontram-se transversais a toda a sua obra.

O cinema de Oliveira, também foi marcado por uma forte presença do

teatro. O espaço de ação teatral é considerado uma unidade fechada. As

mudanças de cena produzem uma modificação do lugar, o palco não perde, por

isso, o seu caráter original de espaço real. O espectador torna-se uma

testemunha presencial da ação através da partilha de um mesmo espaço e um

mesmo tempo. O cinema consegue coordenar ações e lugares distanciados no

tempo e no espaço, através de técnicas de montagem, e a partir de um jogo de

ângulos, distâncias e escalas, modificações profundas a nível da metaforização,

da constituição de símbolos, ligações e transições entre cenas. O que no teatro é

trama, no cinema é estrutura. Embora não abandone as possibilidades de

recontextualização do espaço e do tempo, inerentes ao cinema, Manoel de

Oliveira aproveita algumas formas teatrais, agora envolvidas num ponto de vista

cinematográfico.

Nas ligações entre cenas, o autor converte em imagens a distância que

separa os diferentes locais de rodagem. As viagens entre a Régua e o Porto são

permanentemente convocadas em o Principio da Incerteza (2002), assim como as

47

quintas do Douro de Vale Abraão, são frequentemente apresentadas como forma

de identificação de lugares ou personagens, assinalando a passagem de tempo e

as ações que não são representadas.

Especialmente, o cinema oliveiriano organiza-se através das ações em

lugares fechados, que podem ser uma casa, uma rua, uma cidade ou uma região.

Este modelo de organização permite que se enquadre o drama em universos

estruturados. A região do Douro e a ribeira do Porto, ganharam uma forte

presença dramatológica em filmes como Vale Abraão (1993) e o Principio da

Incerteza (2002), enquanto que Douro, Faina Fluvial (1931) e Aniki Bóbó (1942)

definiram a ribeira do Porto.

Desta forma, qualquer que seja a natureza do lugar, este apresenta-se

sempre como um palco, evidenciando a uma profunda afinidade do cinema com

teatro. Numa altura em que as produções de cinema se deslocam do espaço

fechado para o estúdio na procura de um maior realismo, transitando do espaço

fechado do estúdio para o exterior, o realizador portuense faz o percurso inverso.

Porque o cinema quanto mais manipulado for, quanto mais artificial for, mais

autêntico é. Porque é essa a sua realidade intrínseca. O espectador tem de saber que aquilo não é. Mas que é como se fosse. É salutar e é bom que o saiba. Porque, de contrário, estamos a querer iludir, a dar como realidade o que o não é.

(Oliveira in Costa, 2008:83)

Oliveira assume o cinema enquanto instrumento de ilusão, usando espaços e

cenários artificiais que nos remetem para os princípios teatrais. Surgindo assim

um regresso de técnicas cenográficas teatrais ao seu cinema, pelo recurso a

cenários pintados, criando uma correspondência com os primórdios do cinema. A

ideia de realismo passa a situar-se no nível simbólico, sendo apenas uma

referência para a narrativa.

O cinema de Oliveira tem a tendência de colocar num só plano a

totalidade do cenário, fazendo muitas vezes uso de enquadramentos simétricos

da generalidade da cena, construindo uma perspetiva semelhante à que temos no

teatro.

O palco da vida e o palco do teatro diluem-se num único espaço cénico de

representação, que se ergue com o único objetivo de prestar serventia à câmara.

48

Assim sendo, Manoel de Oliveira dará protagonismo a princípios cinematográficos como os valores visuais e a conceção plástica do espaço diegético.

(Araújo, 2010: 40)

Em o Estranho Caso de Angélica (2010),o rio torna-se um espaço artificial

através da janela da varanda do quarto de Isaac, onde este aparenta calma e

sossego. Em grande parte das cenas, o quarto é filmado de frente para a

varanda, que se encontra quase sempre aberta, permitindo “ao espectador ver a

paisagem rural a que aquela moldura dá acesso” (Rosário, 2014: 118). como um

quadro, funcionando como ponto de fuga da imagem cinematográfica.

Após a morte de Isaac, quando a senhora Justina, dona da pensão onde

este está instalado, fecha as portadas da varanda do quarto de Isaac, a história

fica encerrada, numa clara referência ao teatro.

2.3 - A construção da imagem

Manoel de Oliveira procura novos processos estéticos que permitam

explorar tempos do cinema, a partir de uma relação entre o seu cinema e o

espectador. Esta tem características muito próprias, que se afastam da relação

entre o espectador e outros tipos de arte, como o teatro, pintura, e fotografia.

A imagem cinematográfica é delimitada por um quadro, o que nos faz

contestar o real e o tempo que se desenrola na tela. A realidade existe em

continuo, e contém diversos quadros e limitações visuais, como as janelas, mas a

verdade é que o espectador sabe que a realidade continua para além desses,

algo que pode ser constatado através da mudança de um ponto de vista. No

cinema, assim como na pintura ou na fotografia, a imagem será sempre a mesma,

independentemente da posição do espectador para a visionar.

O quadro torna-se assim no elemento que delimita e define o que não é

imagem, tornando-se elemento fundamental no modo como o espectador vê

cinema. Numa pintura, o quadro é facilmente percetível, assim como os seus

limites. No cinema, ao olharmos para o ecrã, entramos numa realidade paralela

que é transformada numa realidade que nos pertence, atravessando

inconscientemente os limites do quadro.

49

Se na pintura temos a moldura que permite definir bem os limites do

quadro, o mesmo já não encontramos no cinema. Neste caso, os limites do

quadro dão-se entre a luz projetada e escuridão que envolve toda a sala. Sem a

luz projetada, o espectador não tem limites, não tem o quadro nem a sua imagem.

As imagens no cinema de Manoel de Oliveira, assumem-se como uma

tela onde este preenche com luz, cor, figurações humanas e som. Estas cenas

surgem através de uma montagem de uma cena que é meticulosamente captada

pela câmara fixa. Já a transição de imagens é definida pela dinâmica criada pelos

vários planos onde a sua duração depende da estruturação de quadros

cinematográficos, que se tornam a unidade fixa de um pedaço narrativo com

significado próprio. E quanto à sequência de planos que perfazem a narrativa,

estas assumem a função de criar uma correspondência entre eles permitindo que

cada plano deixe de se identificar com uma sequência para passar a fazê-lo com

uma cena.

O realizador cria imagens que possam ser apreciadas de forma

pormenorizada e profunda, sendo construídas “como um autêntico quadro” (Preto,

2008:162). Estes quadros cinematográficos vão criar a aparência de dinâmica

lenta, fazendo a narrativa evoluir de forma suave, apelando ao acompanhamento

intuitivo do espectador, de modo a que este acompanhe as sugestões que o

realizador fornece nas transições dos quadros-cinematográficos.

Como vimos anteriormente, a câmara estática, permite entrar em várias

relações mentais do espectador, atribuindo uma contextualização afetiva no

território narrativo, originando imagens que possuem a capacidade de fixar a

imaterialidade do mundo, “projetando na tela um cinema de caráter espiritual

capaz de esculpir o tempo” (Araújo, 2007:63). Estas possuem características que

estabelecem uma relação direta com o tempo e o pensamento, que podem ser

definidas pelo conceito de Gilles Deleuze de imagem-tempo (Deleuze, 2006:7).

Surge assim uma imagem-cristal que une a imagem, o pensamento e a câmara

conjugando o domínio real e virtual, a lembrança do passado com o presente.

Oliveira, imprime nas suas imagens a capacidade de fixar o tempo, criando um

relação entre as memórias de um tempo passado e o factos do presente.

No filme, Porto da Minha Infância (2001), o realizador consegue congelar

o tempo na película, através de um esquema que une diversos materiais, pouco

50

prováveis de se juntarem numa obra, como fotografias, imagens em movimento

de filmes antigos e imagens criadas para o filme.

A criação de uma imagem através de uma cuidada composição do dentro

de campo “onde todos os pormenores significam” (Preto, 2008:61), na qual alguns

elementos potenciam o caráter significativo e descritivo das obra do realizador,

tornando-se fulcral eliminar tudo o que é supérfluo, de forma a se obter o

aperfeiçoamento da imagem cinematográfica.

O realizador Manoel de Oliveira não costuma utilizar movimentos de

câmara nas suas imagens, mas nas raras vezes que os usa, estes são

justificados pelo enquadramento narrativo. O Douro, o rio, consegue justificar

estes movimentos de câmara. Vale Abraão (1993) começa com um travelling a

partir do ponto de vista de um passageiro de um comboio que circula na linha do

Douro, de forma de transportar o espectador para o local do enredo, o vale do

Douro. Esta técnica é usada no filme, O Principio da Incerteza (2002) como forma

de levar o espectador entre as cidades da Régua e do Porto22. A paisagem que

surge emoldurada na janela perde a sua espessura, surgindo como imagens

cinematográficas em estado puro, por simularem uma projeção do cinema dentro

do filme (Preto, 2008 : 142).

Em O Estranho Caso de Angélica (2002), no sonho de Isaac, ele e

Angélica sobrevoam o Douro, tocam na água e partem em direção ao céu, de

onde observam a paisagem duriense noturna, a composição da terra, curso de

água e margens. Esta paisagem é apresentada num plano aéreo, muito

semelhante a uma imagem técnica, onde a câmara se desloca da esquerda para

a direita, como que efetuando um travelling ao rio. O casal de amantes contempla

assim o mundo visto de cima, numa cena que invoca o cinema de George Méliès,

correspondendo a uma viagem sem retorno de Isaac23.

22 Ver imagens 15 - 18; Anexo desta dissertação, capítulo 1, p. V. 23 Ver imagens 1 - 6; Anexo desta dissertação, capítulo 8, p. XX.

51

Conclusão

A presente investigação acaba por girar em torno de um curso de água

que atravessa o norte de Portugal, o rio Douro e, que se torna um dos elementos

centrais da obra de Manoel de Oliveira. O rio dá o seu nome a uma região e, pela

forma como recorrentemente surge nos seus filmes, ajudou a construir uma

estética muito própria nos seus filmes.

O Douro, ao longo da carreira de Oliveira, tem surgido em vários

momentos do seu percurso cinematográfico (e de vida), desde logo no primeiro

dos seus filmes, Douro, faina fluvial.

A sua estreia como realizador, deu-se com uma obra associada ao

cinema de velocidade de imagem, que era inerente à corrente vanguardista da

terceira década do século XX, conhecida como “Sinfonias das Cidades”, que fez

com que o rio e a cidade do Porto ganhassem a sua primeira imagem

cinematográfica. Esta obra, que coincide com o epílogo de uma forma de fazer

cinema como construção e montagem rítmica da realidade. Este filme acaba por

se afastar dos seus antecessores sinfónicos, devido a uma humanização da

cidade por parte do realizador.

A cidade de Douro, faina fluvial, é uma construção geométrica que é

evidenciada através de uma articulação de perspetivas e pontos de vista. O Porto

também é um espaço dinâmico que se encontra envolvido pela arquitetura do

ferro, com especial destaque para a ponte de D. Luís, mas é sobretudo um

espaço humanizado. É sobre o Homem, o trabalhador da faina fluvial que recai o

interesse do realizador, revelando a imagem de um Porto proletário, que vive do

rio para trabalhar, um rio de trabalho. Existe aqui uma forma de pensar o cinema

através do cinema, que é invocada pelos planos do farol no início e no fim do

filme. Na sua primeira obra, o realizador revela uma grande atenção ao plano

social e humano, assim como começa a refletir sobre a linguagem

cinematográfica.

O rio Douro voltaria a ser enquadrado pela objetiva de Oliveira na sua

primeira obra de ficção, Aniki-Bóbó (1942), um filme que é uma antecipação do

neorrealismo, misturando atores com não atores, usando crianças dos bairros

pobres da cidade, assim como a prevalência por cenários naturais e exteriores em

52

detrimento das cenas de estúdio. Aqui prevalece o real da cidade, uma grande

vontade documental, onde o rio surge mais deserto que o habitual, com poucos

barcos, devido à Segunda Guerra Mundial. Em Aniki-Bóbó (1942), o rio está

presente no cenário natural que é a zona ribeirinha do Porto, surgindo como

companhia e local de brincadeiras entre os protagonistas, assumindo também o

papel de veículo de fuga para Carlitos.

Entre 1942 e 1956, o realizador vê-se impedido de realizar qualquer filme,

devido à politica cultural do Estado Novo. Neste período, o mesmo refugia-se

numa quinta da família perto da zona da Régua. Este período revela-se

determinante para Oliveira refletir sobre o cinema e determinar princípios

estéticos e artísticos a implementar nos seus filmes.

Em 1956, com o Pintor a Cidade (1956), Oliveira volta a recorrer à sua

cidade Natal, o Porto, através da deambulação de um pintor pela cidade. Num

filme que sobe a encosta até ao coração da cidade e, explora a arquitetura

moderna que existe na cidade do Porto, uma cidade bem diferente da que filmara

nos filmes anteriores. Neste, o Douro possui cor, a cor barrenta das águas que

fazem lembrar a cor do ouro, sendo provável que seja esta a responsável pelo

seu nome. O rio volta a assumir-se como rio de trabalho, mas um trabalho menos

sujo e exigente fisicamente que o Douro de faina fluvial. Este filme surge em

oposição à predominância de um cinema de ação e movimento, através de um

filme sem montagem, assente no prolongamento dos planos que se estendem no

tempo a cada tomada de vista.

Manoel de Oliveira adaptou para cinema, algumas obras de Agustina

Bessa-Luis, uma das mais respeitadas escritoras portuguesas, que representa

recorrentemente a sociedade de Entre o Douro e Minho nas suas obras. Com

Vale Abraão, versão cinematográfica de um romance homónimo de Agustina. A

fusão entre os textos do livro e as imagens do filme, fazem do Douro um local

encantado, situando a ação e o espaço num tempo indeterminados. Todo o filme,

imagens e personagens, vivem uma ligação de fascínio com o rio. O rio marca

presença ao longo de todo o filme, como a personagem principal, Ema, que aqui

se funde com o próprio rio.

Porto da Minha Infância (1956) é um filme sobre as memórias do

cineasta, embora este faça questão de explicar que este não é uma autobiografia

(Andrade, 2008: 66). Neste filme, Oliveira termina um ciclo cinematográfico ligado

53

com a cidade do Porto, a cidade que viu o cinema nascer em Portugal e,

curiosamente termina-o com a recriação da primeira cena do seu primeiro filme, a

imagem do farol de Felgueiras, que nos remete para a proveniência das imagens

no cinema.

O Douro, o rio, voltaria a perfilar na obra de Oliveira, com O Estranho

Caso de Angélica (2010). Um filme que foi escrito nos anos 50 e, que salienta

uma componente auto biográfica que tem existido no seu trabalho. A personagem

principal do filme, Isaac, interpretada pelo seu neto, Ricardo Trêpa, é um alter-ego

de Oliveira, simultaneamente descendente do realizador e a sua encarnação do

passado.

Em Angélica, temos o Douro Vinhateiro, um Douro de trabalho, onde a

força braçal tem vindo a ser substituída por uma força mecânica. O rio surge

como uma paisagem próxima das personagens e dos lugares onde estas se

encontram, onde é possível visualizar a presença do seu leito e as suas margens.

Este surge como um elemento “angular, distante e sereno” (Rosário, 2014: 120),

transmitindo uma força alegórica fatal para a personagem de Isaac.

Ao longo desta investigação, tornou-se evidente que na obra de Manoel

de Oliveira, existe um estilo pessoal e uma coerência estética muito própria. Isto é

o resultado de uma visão muito pessoal de pensar o cinema, assim como a

capacidade de integrar nas suas obras o seu conhecimento em outras áreas,

como a pintura, teatro e literatura. O Douro inevitavelmente foi abarcado por esse

estilo muito próprio de fazer cinema, que consiste numa elevada preocupação

com a imagem, capaz de exprimir diversos valores significativos.

A câmara, seja pela sua presença, seja pelo enquadramento, consegue

condicionar tudo o que Manoel de Oliveira filma, levando-o a tentar desmontar o

artificialismo do cinema através da encenação do momento da filmagem no filme

(Preto, 2008: 133). Oliveira imprime no seu cinema uma visão cinematográfica

objetiva que pressupõe o uso de planos fixos. O rio Douro não poderia deixar de

ser filmado sobre esse pressuposto, pois a multiplicação de planos leva-nos a

uma subjetividade na imagem.

O realizador parte desse conceito para se recusar a implementar

movimentos de câmara nas imagens do rio Douro, remetendo para a câmara o

papel de registar a paisagem, teatro da localização dos seus filmes. Esta opção

cria uma imagem forte e estática que é compensada com o movimento que é

54

criado pelas águas do rio, como pelas palavras que possam existir de um

narrador ou personagem. São estes movimentos que funcionam como fio

condutor do fluxo narrativo dos seus filmes, ficando a seu cargo a

responsabilidade da deslocação temporal e rítmica.

O cinema oliveiriano resulta num processo de análise, para o qual todas

as artes participam, surgindo nas suas imagens, uma apropriação dos princípios

da pintura, referências pictóricas e um profundo respeito pela literatura e sua

narratividade original. Todo este processo de criação, possui princípios teatrais

que nos alertam para a natureza artificial do cinema.

O Douro propõe-nos várias vezes o regressos ao cinema primitivo, seja

através travelling do comboio que surge em O Principio da Incerteza (2002), onde

o rio e a paisagem duriense surge como uma projeção dentro do próprio filme, ou

o Farol de Felgueiras, que fica situado na foz do rio e que serve de figura

inaugural do cinema de Manoel de Oliveira. Este farol faz a relação com a origem

das imagens, colocando o cinema sob o signo da projeção. O que se encontra

diante da câmara possui uma existência efetiva, mas quando esta é projetada, é

uma “imagem de alguma coisa que já decorreu e que, forçosamente, já não existe

da mesma maneira” (Preto, 2008:142). O próprio rio, devido ao movimento das

suas águas, nunca chega a perder esta fantasmagoria.

Para Manoel de Oliveira, habitante do Porto, o apego pelo rio é tão

grande que este passa a ser "o rio da sua aldeia". O rio torna-se uma paisagem

cultural que está impregnada nas suas raízes. Para compreender a obra

oliveiriana, torna-se necessário subir o rio, até às encostas onde surgiram muitas

das suas realizações mais originais. O rio torna-se assim um espelho

multifacetado, que se encontra em constante mutação e transformação, tal como

o ser humano perante a sua linha temporal de vida que define a sua condição

terrena.

O rio acaba assim por ser uma metáfora da vida humana porque segundo

Oliveira "a vida corre por dentro da gente como as águas nos cursos talhados

para os rios até chegar ao seu finamento" (Oliveira, 2001 : 56).

Por todos estes motivos, a presente investigação procura demonstrar que

o Douro representa muito mais que uma paisagem ou um elemento de cenário na

obra do realizador, este representa uma região e a sua cultura. É um elemento

visual que alberga e projeta algo invisível e misterioso, como uma força

55

transcendente que atrai os homens e controla todo o seu destino. Podemos pois

considerar o rio Douro como o cenário, a paisagem e a personagem de uma parte

muito importante da obra de Manoel de Oliveira.

56

Fichas Técnicas

Douro, Faina Fluvial

Junto à zona ribeirinha todos trabalham, na alçada do rio Douro que

irrompe todo o filme. Os três clarões de luz do farol anunciam o dia que nasce de

forma brusca tal como o mar está agitado. Vemo-lo pelas ondas fortes que se

assemelham à força dos pescadores a deslocar o peixe que hão de vender, ou

não fosse aquele o seu sustento. Assoma de resto, alheia a quem tanto trabalha,

a cidade. Um autêntico poema filmado que Manoel de Oliveira nos oferece e

onde, a par do rio Douro que parece erguer-se majestoso, imponente, está uma

classe trabalhadora que tão bem o acolhe, que está de acordo com aquela

vastidão, como se estivessem já destinados àquele encontro.

Origem: Portugal

Ano: 1931

Formato: 35 mm (pb)

Duração: 21 minutos

Realização: Manoel de Oliveira

Produção: Manoel de Oliveira

Argumento: Manoel de Oliveira

Fotografia: António Mendes

Montagem: Manoel de Oliveira

Distribuição: Agência Cinematográfica H. da Costa, Sociedade Portuguesa Atualidades Cinematográficas/SPAC

57

Aniki-Bóbó

A infância, o primeiro amor e o que estamos dispostos a fazer para o

cumprir. Nas crianças de Aniki-Bóbó, a primeira longa-metragem de ficção de

Oliveira, vemos espelhados os problemas do homem e a sua conceção sobre o

bem e o mal, o ódio e o amor, a amizade e a ingratidão, como explicou, anos

passados, o realizador.

Teresinha (Fernanda Matos), a menina dos olhos de Carlitos (Horácio

Silva) e Eduardinho (António Santos) tem como seu desejo maior receber a

boneca que permanentemente apreciava na montra da Loja das Tentações. Os

apaixonados tudo faziam por Teresinha até que Carlitos, não tendo dinheiro que

chegue, resolve roubar a boneca para oferecer à sua amada sendo que o seu

rival, numa inocente brincadeira, vai parar ao hospital.

Um filme que transmite uma mensagem de amor e compreensão do

semelhante à luz da infância pura e inocente de um grupo de amigos de escola.

Origem: Portugal

Ano: 1942

Formato: 35 mm (pb)

Duração: 70 minutos

Realização: Manoel de Oliveira

Produção: António Lopes Ribeiro

Argumento: Manoel de Oliveira, inspirado na obra de Rodrigues de Freitas Os Meninos Milionários

Fotografia: António Mendes

Montagem: Manoel de Oliveira, Vieira de Sousa

Intérpretes: Nascimento Fernandes, Fernanda Matos, Horácio Silva, António Santos, António Morais Soares, Feliciano David, Manuel de Sousa, António Pereira, Américo Botelho, Rafael Mota, Vital dos Santos, Manuel de Azevedo, António Palma, Armando Pedro, Pinto Rodrigues Produção executiva: António Lopes Ribeiro, Manoel de Oliveira

Distribuição: Lisboa Filme, Exclusivos Triunfo

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O Pintor e a Cidade

Filme que antecede em largos anos o Porto da Minha Infância (2001), é

igualmente um filme-viagem pela cidade do Porto, o Porto de Oliveira, o Porto do

Cinema. A companhia será com certeza a melhor: António Cruz, considerado o

melhor aguarelista português na altura, que caminha connosco ao longo desta

viagem. Oliveira, homem das imagens em movimento, filma; o pintor retrata a

imagem estática de um Porto em movimento. A banda sonora não poderia ser

melhor: é o som da cidade, captado na sua essência. É a essência da vida, de

facto, do dia a dia das gentes.

Há ainda a arquitetura, o contraponto entre o novo e o degradado, entre o

que a cidade tem de mais histórico e o que construiu no decorrer dos últimos

anos, apresentada em vertiginosos planos.

A luz do dia apaga-se. E entre pinturas e deambulações pelas ruas, o

Porto continua bem vivo.

Origem: Portugal

Ano: 1956

Formato: 35 mm (cor)

Duração: 28 minutos

Realização: Manoel de Oliveira

Produção: Manoel de Oliveira

Argumento: Manoel de Oliveira

Fotografia: Manoel de Oliveira

Montagem: Manoel de Oliveira

Distribuição: Doperfilme

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Vale Abraão

Descrito por Agustina Bessa-Luís como “uma aliança entre duas obras

que são diferentes”, Vale Abraão surge baseado no romance homónimo da

escritora, o mesmo baseado no romance do Realismo francês Madame Bovary

(1857), de Gustave Flaubert.

Ema (Leonor SIlveira), uma mulher de uma inegável beleza que se torna,

simultaneamente, num infortúnio. Se, por um lado, era desejada por aquela

beleza causadora de desejo, ao mesmo tempo tornava-se vítima desse desejo.

Era a extremidade de qualquer coisa. Com uma infância vivida praticamente

dentro de casa, Ema conhece Carlos de Paiva (Luís Miguel Cintra) aos 14 anos.

Por entre encontros e desencontros, é aquando a morte de sua tia Augusta que

ambos se tocam – a partir deste primeiro encontro, a narrativa desenvolve-se em

torno da relação entre ambos.

Origem: Portugal / França /Suíça

Ano: 1993

Formato: 35 mm (cor)

Duração: 187 minutos

Realização: Manoel de Oliveira

Produção: Madragoa Filmes, Gemini Films, Light Night

Argumento: adaptação de Manoel de Oliveira a partir da obra original de Agustina Bessa-Luís, Vale Abraão

Fotografia: Mário Barroso

Montagem: Manoel de Oliveira, Valérie Loiseleux

Intérpretes: Luís Miguel Cintra, José Pinto, Isabel Ruth, Leonor Silveira, Diogo Dória, Ruy de Carvalho, João Perry, Filipe Cochofel, Luis Lima Barreto, António Reis, Cecile Sanz Alba, Micheline Larpin, Glória de Matos Produção executiva: Paulo Branco Distribuição: Atalanta Filmes

60

Porto da Minha Infância

Em 2001, quando o Porto é Capital Europeia da Cultura, Manoel de

Oliveira conduz as suas memórias em forma de filme para nos apresentar o Porto

da sua infância. Misturando fotografias suas, que acarinhava (como, por exemplo,

a fotografia da casa onde crescera) com imagens de outros dos seus filmes e com

a atualidade do que filmava, nesse ano, compôs um documentário-ficção sobre a

cidade do Porto que era – e continua a ser - a cidade de Oliveira e que é também

um retrato sócio-cultural da época a que se refere (décadas de 20 e 30).

Um rememorar do que de mais significativo aconteceu na cidade (e na

sua vida nesta cidade) aos seus olhos e que faz recordar ou dar a conhecer ao

espectador todo o esplendor do passado e do presente. Os sítios que foram e já

não o são, os sítios que eram e continuam a sê-lo. Há um Porto que

atravessamos e contemplamos, entre passado e presente, sabendo hoje em dia

qual o futuro que lhe foi concedido.

Ano: 2001

Formato: 35 mm (cor)

Duração: 21 minutos

Realização: Manoel de Oliveira

Produção: Madragoa Filmes, Radiotelevisão Portuguesa/ RTP.

Argumento: Manoel de Oliveira

Fotografia: Emmanuel Machuel

Montagem: Valérie Loiseleux

Intérpretes: Ricardo Trêpa, Jorge Trêpa, Rogério Samora, Agustina Bessa-Luís, José Wallenstein, Maria de Medeiros, Leonor Silveira, Leonor Baldaque, Duarte de Almeida, João Bénard da Costa, Peter Rundel Produção executiva: Paulo Branco Distribuição: Atalanta Filmes

61

O Estranho Caso de Angélica

Na década de 50, quando era hábito perpetuar a imagem dos ente-

queridos falecidos numa fotografia, Isaac (Ricardo Trêpa) é incumbido dessa

tarefa, enquanto único fotógrafo das redondezas.

Vão chamá-lo à pensão onde habita para uma última fotografia que o

aprisionou tanto quanto a beleza da jovem falecida Angélica (Pilar López de

Ayala) por quem se apaixona.

Como se diz, a alma transcende o corpo. O espírito de Angélica sai das

fotografias que se encontram espalhadas pronto a invadir a "realidade do sonho"

de Isaac. Juntos sobrevoam as belas paisagens do Douro Vinhateiro que

emolduram este filme. Várias dualidades são-nos apresentadas neste filme: vida e

morte, físico e espiritual, o infinito e o transitório.

Ano: 2010

Formato: 35 mm (cor)

Duração: 132 minutos

Realização: Manoel de Oliveira

Produção: Madragoa Filmes, Gemini Filmes, Radiotelevisão Portuguesa/ RTP.

Argumento: Manoel de Oliveira

Fotografia: Renato Berta

Montagem: Valérie Loiseleux, Catherine Krassovsky

Intérpretes: Luis Miguel Cintra, Isabel Ruth, Leonor Silveira, Diogo Dória, Leonor Baldaque, Júlia Buísel, Duarte de Almeida, António Fonseca, Ricardo Trepa, Cecília Produção executiva: Paulo Branco Distribuição: Atalanta Filmes

62

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Infância como Autoficción, em Atas –III Encontro Anual AIM , Coimbra, 122-131.

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Caso: Livro II - A Terra Prometida [Video na Web: http://lugardoreal.com/video/o-

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Nasci Adulta e Morrerei Criança [Video na Web:

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Suma Filmes (Produtor) & Rocha, P., (Realizador). (1993). Oliveira, O Arquiteto

[DVD]. França/Portugal: LA SEPT, AMIP, RTP, INA.

ANEXOS

II

Índice 1 – O cenário 2 – A pintura 3 – O ferro 4 – A censura 5 – O trabalho e lazer 6 – A atratividade 7 – A fusão 8 – O sonho

9 – O rio, a vida, o cinema

III

1 – O cenário

Imagem 1 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 2 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 3 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 4 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 5 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 6 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

IV

Imagem 7 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 8 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 9 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 10 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 11 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 12 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 13 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 14 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

V

Imagem 15 – O Príncipio da Incerteza,

Manoel de Oliveira (2002)

Imagem 16 – O Príncipio da Incerteza,

Manoel de Oliveira (2002)

Imagem 17 – O Príncipio da Incerteza,

Manoel de Oliveira (2002)

Imagem 18 – O Príncipio da Incerteza,

Manoel de Oliveira (2002)

Imagem 19 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

Imagem 20 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

Imagem 21 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

Imagem 22 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

VI

Imagem 23 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

Imagem 24 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

Imagem 25 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

Imagem 26 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

VII

2 – A pintura

Imagem 1 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 2 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 3 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 4 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 5 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 6 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

VIII

Imagem 7 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 8 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 9 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 10 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 11 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 12 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

IX

Imagem 13 – O Pintor e a Cidade,

Manoel de Oliveira (1956)

Imagem 14 – O Pintor e a Cidade,

Manoel de Oliveira (1956)

Imagem 15 – O Pintor e a Cidade,

Manoel de Oliveira (1956)

Imagem 16 – O Pintor e a Cidade,

Manoel de Oliveira (1956)

Imagem 17 – O Pintor e a Cidade,

Manoel de Oliveira (1956)

Imagem 18 – O Pintor e a Cidade,

Manoel de Oliveira (1956)

X

Imagem 19 – O Pintor e a Cidade,

Manoel de Oliveira (1956)

Imagem 20 – O Pintor e a Cidade,

Manoel de Oliveira (1956)

Imagem 21 – O Pintor e a Cidade,

Manoel de Oliveira (1956)

Imagem 22 – O Pintor e a Cidade,

Manoel de Oliveira (1956)

XI

3 – O ferro

Imagem 1 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 2 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 3 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 4 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 5 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 6 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

XII

4 – A censura

Imagem 1 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 2 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 3 – Aniki - Bóbó,

Manoel de Oliveira (1942)

XIII

5 – O trabalho e lazer

Imagem 1 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 2 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 3 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 4 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 5 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 6 – O Pintor e a Cidade,

Manoel de Oliveira (1956)

XIV

Imagem 7 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 8 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 9 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

Imagem 10 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

Imagem 11 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

Imagem 12 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

XV

Imagem 13 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 14 – Douro, Faina Fluvial,

Manoel de Oliveira (1931)

Imagem 15 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 16 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 17 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

XVI

6 – A atratividade

Imagem 1 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 2 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 3 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 4 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 5 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 6 – O Príncipio da Incerteza,

Manoel de Oliveira (2002)

Imagem 7 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

Imagem 8 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

XVII

Imagem 9 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

Imagem 10 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

XVIII

7 – A fusão

Imagem 1 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 2 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 3 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 4 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 5 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 6 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

XIX

Imagem 7 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

Imagem 8 – Vale Abraão,

Manoel de Oliveira (1993)

XX

8 – O sonho

Imagem 1 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

Imagem 2 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

Imagem 3 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

Imagem 4 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

Imagem 5 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

Imagem 6 – O Estranho Caso de Angélica,

Manoel de Oliveira (2010)

XXI

9 – O rio, a vida, o cinema.

Imagem 1 – Porto da Minha Infância,

Manoel de Oliveira (2001)

Imagem 2 – Porto da Minha Infância,

Manoel de Oliveira (2001)

Imagem 3 – Porto da Minha Infância,

Manoel de Oliveira (2001)

Imagem 4 – Porto da Minha Infância,

Manoel de Oliveira (2001)

Imagem 5 – Porto da Minha Infância,

Manoel de Oliveira (2001)

Imagem 6 – Porto da Minha Infância,

Manoel de Oliveira (2001)

XXII

Imagem 7 – Porto da Minha Infância,

Manoel de Oliveira (2001)

Imagem 8 – Porto da Minha Infância,

Manoel de Oliveira (2001)

Imagem 9 – Porto da Minha Infância,

Manoel de Oliveira (2001)

Imagem 10 – Porto da Minha Infância,

Manoel de Oliveira (2001)

Imagem 11 – Porto da Minha Infância,

Manoel de Oliveira (2001)

Imagem 12 – Porto da Minha Infância,

Manoel de Oliveira (2001)

Imagem 13 – Porto da Minha Infância,

Manoel de Oliveira (2001)

Imagem 14 – Porto da Minha Infância,

Manoel de Oliveira (2001)

XXIII

Imagem 15 – Porto da Minha Infância,

Manoel de Oliveira (2001)

Imagem 16 – Porto da Minha Infância,

Manoel de Oliveira (2001)