As Teorias Da Influência Do Ambiente Sobre Os Homens

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    Breve histrico sobre as teorias da influncia do ambiente sobre

    os homens.

    Mrcia Siqueira de Carvalho1

    1.INTRODUO

    A teoria da influncia do meio sobre os homens (e por

    extenso, aos povos) pode ser considerada como o mais antigo

    paradigma da Geografia, independente do fato dela ter sido

    utilizada para justificar a superioridade de um povo sobre outros.

    Talvez por estudarmos a Geografia a partir do sculo XIX,

    entendendo o determinismo geogrfico como aspecto principal da

    concepo ratzeliana, esta antigidade da relao ambiente-homemno esteja totalmente revelada, acontecendo o mesmo com a sua

    contemporaneidade.

    As crticas ao determinismo geogrfico foram to

    exacerbadas a ponto de escond-lo do temrio geogrfico. Nega-se a

    priori com o receio de reviver uma justificativa de dominao e

    explorao dos povos. Porm, mesmo sem ele a dominao e a

    explorao continuam a existir e no ser pela discusso deste

    tema que estaremos fazendo uma defesa da sua pertinncia. No

    faz-la, entretanto, significa no conhecermos uma relao que foidesenvolvida desde mdicos a filsofos e cientistas polticos e

    quais as suas implicaes para as cincias no sculo XIX.

    2. AS TEORIAS NA ANTIGIDADE

    Na filosofia grega encontramos os primeiros registros

    sobre a influncia do ambiente sobre os homens. O clima seria o

    responsvel sobre os humores do corpo humano, e eles variariam de

    acordo com a localizao geogrfica dos lugares, da a importnciados astros (principalmente o Sol) para a explicao do destino dos

    homens. O desequilbrio entre os humores do corpo humano

    1 Dr. em Geografia Humana, docente do curso de Geografia do Departamento de Geocincias (UEL), do curso deEspecializao em Ensino de Geografia (DEGEO/UEL) e professora visitante do Curso de ps-graduao em Geografiada UNESP (Presidente Prudente)

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    tambm o gado que criado vigoroso e particularmente frtil, equando adultos tm a mais bela aparncia; os habitantes tambm,so bem alimentados e diferem muito pouco entre si quanto aocorpo e ao tamanho, os mais bonitos em aparncia e de grandeestatura; e quanto ao prprio pas, to lembrado pelo tipo dedoura das estaes, pode-se dizer que lembra muito primavera.

    A coragem, a tolerncia ao sofrimento, a iniciativa laboriosa, oesprito elevado, podem no ser produzidos num estado de coisascomo este entre os seus habitantes nativos ou naqueles de pasdiferente, porque l necessariamente reina a paz. Tambm por estarazo as formas dos animais selvagens so muito variadas. Isto ,como eu penso, com os egpcios e os lbios.2

    Nesta obra esto relacionadas as caractersticas dos povos

    de acordo com os climas, porm o aspecto cultural aplicado no

    fsico humano tem a sua participao no sentido de diferenciar os

    povos de um mesmo continente. Hipcrates refere-se aosmacrocfalos, povo que tinha o hbito de deformar a cabea,

    alongando-a at que pela continuidade comearam a nascer com tal

    caracterstica. Quanto ao ambiente, os habitantes do rio Phasis3,

    enfrentavam um clima de chuvas abundantes, quente, mido, num

    lugar pantanoso e cheio de florestas. Este ambiente levou os seus

    habitantes a se deslocarem sempre atravs de barcos e no por

    estradas, o que levou-os a ser naturalmente mais lnguidos para

    suportar a fadiga fsica4. A atmosfera mida resultava em frutos

    sem vio, insalubres e aguados e afetava os seus habitantesprovocando a rouquido, e os seus corpos eram plidos pelo hbito

    de andarem agasalhados.

    A relao entre o clima (estaes do ano) e a ndole dos

    povos de Hipcrates tambm apontava para o tipo de regime poltico

    correspondente, pelo menos entre os asiticos. Rotulados de

    pusilnimes e covardes, detestavam a guerra, e sob a monarquia

    tornavam-se escravos de outros, e caso um asitico fosse

    corajoso ou amante da guerra, seria modificado pelas

    instituies polticas5

    .Ao se referir aos europeus, Hipcrates descreve os

    Saurmatas, da raa dos Citas, que habitavam os confins do Palus

    2Hipcrates. On Airs, Waters and PLaces. E-texto em Inc. Telnet book.com. Cap. 12.3Com esse nome era conhecido o rio considerado como limite entre a Europa e a sia. O rio Tanais (atual Don) tambmera considerado com sendo outro limite.4Hipcrates. E-texto em Inc. Telnet book.com. Cap. 15.5Ibid. Cap. 16.

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    Maeotis6. Suas mulheres andavam a cavalo e usavam arcos na caa

    aos javalis com habilidade, pois quando crianas tinham o seio

    direito queimado. Os demais citas, tambm chamados nmades, viviam

    em carroas. Morenos, explicava-se esta cor pelo queimado do frio.

    O clima influenciava-os tornando-os gordos e corpulentos,j que no se exercitavam por no enfrentarem estaes

    contrastadas, pois

    o pas est sob as Ursas do Norte, e das Montanhas Riphaean,

    quando o vento norte sopra; o sol s se aproxima muito deles no

    solstcio de vero, aquecendo-os por um curto perodo, e muito

    dbil; e os ventos que sopram das regies quentes no os atingem,

    ou raramente e com pouca fora; mas os ventos do norte so

    constantes, congelados pela neve, gelo e muita gua (...) pode-sedizer que o inverno est sempre entre eles. (...) A mudana das

    estaes ento, no so muito violentas".7

    Hipcrates atribua a diferena entre as raas na Europa

    variao entre as estaes do ano, grandes e freqentes e um

    clima com contrastes (induz) aos exerccios vigorosos tanto do

    corpo quanto da mente: (...) e destes exerccios e dores (so

    engendrado), a coragem.Porm outros fatores, como a altitude, o

    tipo de relevo, a qualidade das guas e a fertilidade do solo,explicariam mais detalhadamente a diversidade da altura, da

    aparncia e do temperamento dos europeus.

    Aristteles (c. 384 - 322 a. C.), praticamente

    contemporneo de Hipcrates, em sua obra A Poltica tambm

    associou o clima ao carter dos povos e apontou os benefcios de

    um stio urbano adequado. A escolha deste ltimo deveria levar em

    considerao alguns fatores, entre eles, a salubridade e a

    qualidade das guas. A salubridade seria conseguida com a cidade

    exposta aos "ventos do oriente", mais saudveis do que os outros evoltada para o norte "por ser menos tempestuoso". A qualidade das

    guas, fossem elas das fontes ou as das chuvas recolhidas em

    cisterna seriam responsveis tambm pela sade dos seus

    6Ou Lago Maeotis. Herdoto (IV) estabelece uma relao entre os saurmatas e o povo das amazonas. No PriplodoPseudo Sclax 9338-335 a. C. h referncia aos Saurmatas, que eram governado por mulheres.7Hipcrates. E-texto em Inc. Telnet book.com. Cap. 19.

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    habitantes. Sendo o ar e as guas fatores importantes para a

    localizao de uma cidade, Aristteles ainda acrescentava a

    estrutura das casas e das ruas ("regulares") que inclussem os

    lugares amplos para as reunies civis, pois ele conclua que "as

    democracias amam os terrenos nivelados".8

    Entretanto, ele mesmo reconhecia a dificuldade da

    concretizao destes projetos pois: "... pertencem ao domnio dos

    desejos; sua execuo um favor que s poderemos esperar da

    sorte".9

    Numa escala mais ampla, a influncia do meio (ventos e

    climas) originaria povos diferentes e esta questo interessou a

    Aristteles no aspecto de como a "arte poltica" se adaptaria e se

    tornasse conveniente a cada um deles. A partir da ele explica a

    diferena entre os povos do norte europeu, os asiticos e osgregos, habitantes de trs regies diferentes:

    "Os povos que habitam as regies frias, principalmente da Europa,so pessoas corajosas, mas de pouca inteligncia e poucos talentos.Vivem melhor em liberdade, pouco civilizados, de resto, eincapazes de governar seus vizinhos.

    Os asiticos so os mais inteligentes e mais prprios para as artes,mas nem um pouco corajosos, e por isso mesmo so sujeitados porquase todos e esto sempre sob o domnio de algum senhor.

    Situados entre as duas regies, os gregos tambm participam de

    ambas. Em sua maioria, tm esprito e coragem; conseqentementeconservam a sua liberdade, e so muito civilizados".10

    Porm, Aristteles usa um recurso pouco sutil para

    argumentar sobre as causas das diferenas dos gregos entre si,

    fazendo uma ponte entre o carter geral de um povo e a diversidade

    individual. Ao faz-lo - pela combinao de propores diferentes

    das caractersticas de cunho climtico - ele acaba por relativizar

    o determinismo ambiental frente aos aspectos cultural, social e

    poltico.

    8Aristteles. A Poltica. Trad. Roberto Leal Ferreira. So Paulo: Martins Fontes, 1991. Livro II. Captulo VII. DasDimenses e da localizao da cidade. p. 78.9Ibid. p. 81.10Aristteles.A Poltica. Trad. Roberto Leal Ferreira. So Paulo: Martins Fontes, 1991. Livro III. Captulo XI. Do MelhorGoverno. p. 130.