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ASPECTOS DO ATOMISMO LÓGICO DE RUSSELL RESUMO Raimundo Portel a Filho* Carrnem Almeida Portela** Abordagem de aspectos dá concepção de atomismo lógico, elaborada pelo filósofo inglês contemporâneo Bertrand Russell, tendo como base o seu texto" A Filosofia do Atomismo Lógico". Russell quer dizer com a expressão "atornismo lógico" a sua filosofia que tem como ponto de partida uma reflexão sobre os fundamentos da matemática. Os átomos aos quais Russell pretende atingir como resultado último da análise são átomos lógicos e não físicos. Palavras-chave: atomismo lógico,logicismo, paradoxos, teoria das descrições, teoria dos tipos. SUMMARY Approach of aspects of the conception of logical atomism elaborated by contemporary Englisa philosopher Bertrand Russell according to his text entitled "The Philosophy of Logical Atomism. " Russell means by the expression "logical atomism" his philosophy which has as starting point a reflection upon the foundations of mathematics. Russell intends to reach as ultimate result of analysis logical atoms and 'iwt physical ones. Key - words: logical atomism, logicism, paradoxes, theory of descriptions, theory of types. 1 INTRODUÇÃO o filósofo inglês Bertrand Russell (1872-1970) ministrou em Londres, em princípios de 1918 , um curso que se compôs de oito conferências e que se intitulou The Philosophy of Logical Atomism (A Filosofia do Atomismo Lógico). Tais conferências foram publicadas neste mesmo ano em The Monist, contudo só apareceram sob a forma de livro em 1956, quando incluí- das em uma coletânea de ensaios de- nom~nada Logic and Knowledge (Lógica e Conhecimento). , A expressão "atomismo lógico" foi empregada por Russell para indicar a sua filosofia que tem como ponto de partida uma reflexão sobre os funda- memos da matemática. *Professor Adjunto do Departament de Filosofia da UFMA .. **Professora Assistente do Departamento de Filosofia da UFMA. Cad. Pesq., São Luís, v. 11, n. 1, p. 9-28, jan./jun. 2000. 9

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ASPECTOS DO ATOMISMO LÓGICO DE RUSSELL

RESUMO

Raimundo Portel a Filho*Carrnem Almeida Portela**

Abordagem de aspectos dá concepção de atomismo lógico,elaborada pelo filósofo inglês contemporâneo Bertrand Russell,tendo como base o seu texto" A Filosofia do Atomismo Lógico".Russell quer dizer com a expressão "atornismo lógico" a sua filosofiaque tem como ponto de partida uma reflexão sobre os fundamentosda matemática. Os átomos aos quais Russell pretende atingir comoresultado último da análise são átomos lógicos e não físicos.

Palavras-chave: atomismo lógico,logicismo, paradoxos, teoria dasdescrições, teoria dos tipos.

SUMMARY

Approach of aspects of the conception of logical atomismelaborated by contemporary Englisa philosopher Bertrand Russellaccording to his text entitled "The Philosophy of LogicalAtomism. " Russell means by the expression "logical atomism" hisphilosophy which has as starting point a reflection upon thefoundations of mathematics. Russell intends to reach as ultimateresult of analysis logical atoms and 'iwt physical ones.

Key - words: logical atomism, logicism, paradoxes, theory ofdescriptions, theory of types.

1 INTRODUÇÃOo filósofo inglês Bertrand Russell

(1872-1970) ministrou em Londres, emprincípios de 1918 , um curso que secompôs de oito conferências e que seintitulou The Philosophy of LogicalAtomism (A Filosofia do AtomismoLógico). Tais conferências forampublicadas neste mesmo ano em The

Monist, contudo só apareceram sob aforma de livro em 1956, quando incluí-das em uma coletânea de ensaios de-nom~nada Logic and Knowledge(Lógica e Conhecimento). ,

A expressão "atomismo lógico" foiempregada por Russell para indicar asua filosofia que tem como ponto departida uma reflexão sobre os funda-memos da matemática.

*Professor Adjunto do Departament de Filosofia da UFMA ..**Professora Assistente do Departamento de Filosofia da UFMA.

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"A razão pela qual chamominha doutrina deatomismo lógico é porqueos átomos aos quais dese-jo chegar como a espéciede último resíduo da análi-se são átomos lógicos e nãoátomos físicos. Alguns de-les serão o que chamo'particulares' - coisas taiscomo pequenos sinais decores ou sons, COisas mo-mentâneas -, e alguns delesserão predicados ou rela-ções e assim por diante. "(RUSSELL, 1992, p.54)

Russell é partidário do logicismo,cuja tese fundamental é que a mate-mática é redutível à lógica. Talvez fos-se melhor dizer que, segundo ologicismo, a matemática é redutível àlogística - esta também denominada ló-gica matemática, lógica simbólica ouainda lógica algorítmica. De fato, como intuito de provarem sua tese básica,Russell e os demais defensores dologicismo como, por exemplo, Frege(1848 - 1925), desenvolveram bastantea lógica, contribuindo para dotá-Ia deum algoritmo simbólico análogo ao sim-bolismo da álgebra comum, criando anova ciência da logística.

A tese logicista compõe-se de duaspartes: primeiramente, toda idéia ma-temática pode ser definida por meio deconceitos lógicos; em segundo lugar,toda proposição matemática verdadei-ra pode ser demonstrada a partir deprincípios lógicos, mediante raciocíniospuramente lógicos. Ou dito de maneiramais precisa: as proposições aritméti-cas podem ser expressas em termos

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puramente lógicos; além disso, osteoremas aritméticos podem ser obti-dos a partir de axiomas puramente ló-gICOS.

O programa logicista foi ampla-mente desenvolvido nos PrincipiaMathematica, de autoria de Russell eWhitehead (1861-1947) em três volu-mes,publicadosem 1910, 1912e 1913,respectivamente. Anteriormente,Russell já expusera suas teseslogicistas, em linhas gerais, na obra ThePrinciples of Mathematics (Os Princí-pios da Matemática), surgida em 1901.Entretanto, foi somente com os Princi-pia que o logicismo adquiriu sua matu-ridade.

Ao indicar o objetivo de "A Filo-sofia do Atomismo Lógico" asseveraRUSSELL (1992, p. 54):

"Nas presentes conferênci-as, tentarei expor umaespécie de esboço, [...} umaespécie de doutrina lógicaque me parece resultar dafilosofia da matemática-não exatamente de modológico, mas como aquiloque emerge à medida querefletimos: uma certa espé-cie de doutrina lógica e,baseada nesta, uma certaespécie de metafisica. A ló-gica que defenderei éatomista, enquanto opostaà lógica monista das pes-soas que mais ou menosseguem Hegel."

O autor dos Principia Mathematicasustenta que a sua lógica é atomistaporque:

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"Participo da crença dosenso comum de que exis-tem muitas coisasseparadas; não consideroa aparente multiplicidadedo mundo como consistin-do simplesmente em etapase divisões irreais de umaúnica Realidade indivisivel.Resulta disso que uma par-te considerável do que sedeveria fazer para justifi-car a espécie de filosofiaque desejo defender con-sistiria em justificar oprocesso da análise."(RUSSELL, 1992, p. 54).

Com efeito, esta assertivarusselliana ressalta a necessidade dejustificação do método da análise filo-sófica. Russell sugere que em Filosofiadeve-se proceder de modo a passar dosdados inegáveis, das coisas óbvias, quesão vagas e ambíguas,a algo preciso,claro, definido, que verificamos por in-termédio da reflexão e da análise estarenvolvido na coisa vaga.

Segundo comentadores tais comoHAACK (1978, p.91, nota de rodapé1), Wittgenstein foi considerado aqueleque deu origem ao atomismo lógico,porém a versão russelliana apareceuprimeiro, em suas conferências de 1918,ao passo que a wittgensteiniana foipublicada somente em 1922 na obraTractatus Logico Philosophicus.

Salientamos que não constitui ob-jetivo desse trabalho estabelecer umparalelo entre as concepções deatomismo lógico dos dois filósofos su-pra mencionados. O leitor interessado

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em considerar tal comparação podeconsultar, por exemplo: HAACK, 1978,p.91-92; PINTO, 1998, p.133-] 35; eMARCONDES, 1989, p.33-34.

Passamos, em seguida, ao examee comentários acerca do texto "A Filo-sofia do Atomismo Lógico", sem quetenhamos a pretensão de efetuarmosum estudo exaustivo do referido texto.

2 FATOS E PROPOSIÇÕES

O primeiro dado inegável queRUSSELL (1992, p.56) admite é que

"o mundo contém fatos,que são o que são, não im-portando o que decidimospensar acerca deles, e queexistem também crenças,que se referem aos fatos eque por referência aos fa-tos são ou verdadeiras oufalsas. "

Russell não pretende apresentaruma definição exata, mas uma explica-ção do que ele quer dizer com o termo"fato." Ele entende que fato é "a espé-cie de coisa que toma verdadeira oufalsa uma proposição"(RUSSELL,1992, p. 57). Assim, se dissermos "estáchovendo" , é a condição do tempo, quetoma verdadeiro ou falso este enuncia-do, que será chamada de fato. Se dis-sermos "Sócrates está morto", esteenunciado será verdadeiro dependen-do de um certo fato que aconteceu emAtenas há muito tempo. Se dissermos"a gravitação varia inversamente aoquadrado da distância", este enuncia-do toma-se verdadeiro através de umfato astronômico. Se dissermos "dois edois são quatro", é um fato aritmético

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que torna verdadeiro este enunciado.Pelo contrário, se dissermos "Sócratesestá vivo", " a gravitação varia direta-mente com a distância" ou "dois e doissão cinco", são os mesmos fatos quetornaram verdadeiros os enunciadosanteriores que mostram ser estes no-vos enunciados falsos.

Quando fala de um fato Russellnão quer dizer uma coisa particular exis-tente, como Sócrates, chuva ou sol.

"O que chamo um fato é aespécie de coisa que se ex-pressa por uma sentençainteira, não por um nomesimples como 'Sócrates '.Quando uma única palavravem a expressar um fato,como 'jogo' ou 'lobo' , istoé devido a um contexto nãoexpresso, e a expressãocompleta de um fato sempreenvolverá uma sentença.

Expressamos um fato, porexemplo, quando dizemosque uma certa coisa temuma determinada proprie-dade, ou que tem uma certarelação com outra coisa;mas a coisa que tem a pro-priedade ou a relação nãoé o que chamo um'jato'. "(RUSSELL, 1992,p.57)

Russell admite que há muitas es-pécies distintas de fatos, por exemplo,fatos particulares como "isto é branco"efatos gerais tais como "todos os ho-mens são mortais." Seria um erro mui-to grande supor que poderíamos

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descrever completamente o mundo ape-nas através de fatos particulares. Casofôssemos bem sucedidos em registrarcada um dos fatos particulares de todoo universo, ainda assim não teríamosobtido uma descrição completa deste,a não ser que acrescentássemos: "Es-tes que registrei são todos os fatos par-ticulares que existem." Por conseguinte,não podemos pretender descrever com-pletamente o mundo sem considerar-mos fatos gerais e fatos particulares.Outra distinção ocorre entre fatos po-sitivos como "Sócrates está vivo" e fa-tos negativos como "Sócrates não estávivo."

Faz notar Russell que existem fa-tos que se referem a coisas particula-res ou a qualidades particulares ou arelações, assim como fatos completa-mente gerais como os da lógica, ondenão há qualquer menção a nenhumconstituinte do mundo real, a nenhumacoisa, qualidade ou relação particula-res. Uma das características de umaproposição lógica é que as palavras quenela ocorrem pertencem à sintaxe, istoé, são palavras que exprimem uma for-ma ou conexão, não mencionando qual-quer constituinte particular daproposição na qual elas ocorrem, comopor exemplo: "se uma classe é parte deoutra, um termo que é membro da pri-meira é também um membro da outra."

Um fato não pode ser nem verda-deiro nem falso. Isto nos leva à ques-tão dos enunciados ou proposições quepossuem, de acordo com as palavrasde Russell, "a dualidade da verdade eda falsidade", ou seja, possuem um va-lor-de-verdade ou valor lógico.

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A lógica concentra a atenção naproposição como o veículo típico paraa dualidade da verdade e da falsidade.Uma proposição, no entender deRUSSELL (1992, p.59), consiste em:

"... uma sentença no indi-'cativo, uma sentença queafirma alguma coisa, nãoque questiona, ordena oudeseja. Pode ser tambémuma sentença da espécieque é precedida pela pala-vra 'que': Por exemplo,'que Sócrates está vivo','que dois e dois são qua-tro', 'que dois e dois' são. ,,,CinCO.

Para Russell, uma proposição é umsímbolo complexo no sentido de quetem partes que também constituem sím-bolos, de modo que cada palavra numasentença é um símbolo. No que con-cerne à noção de significado, ele con-sidera-a uma noção mais ou menospsicológica e que, portanto, não é pos-sível obter uma teoria puramente lógi-ca do significado nem do simbolismo(Cf. RUSSELL, 1992, p.60).

Para cada fato existem duas pro-posições, uma verdadeira e uma falsa,senão vejamos. Suponhamos queSócrates está morto seja um fato. En-tão, para as proposições "Sócrates estámorto" e "Sócrates não está morto",existe um fato no mundo que faz umaverdadeira e a outra falsa. Mas, argu-menta Russell, não existe nada na natu-reza do símbolo que nos mostre qual é averdadeira e qual é a falsa, uma vez quese existisse, poderíamos verificar a ver-dade acerca do mundo examinando so-

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mente as proposições, sem olhar aonosso redor, numa espécie de conheci-mento a priori, no sentido kantiano deindependente da experiência.

Poder-se-ia supor que numa filo-sofia do atomismo lógico a primeiracoisa a fazer seria descobrir a partir dequais espécies de átomos se compõemas estruturas lógicas. Russell conside-ra que esta é uma das primeiras coisasa fazer, mas não exatamente a primei-ra. Ele admite que há duas outras ques-tões que devemos examinarinicialmente, a saber: 1 - as coisas queparecem ser entidades logicamentecomplexas são realmente complexas?2 - as coisas que parecem ser entida-des logicamente complexas são real-mente entidades? Podemos adiar asegunda questão até quando abordar-mos o problema da existência, ao pas-so que, segundo Russell, a primeiraquestão devemos considerar desde oinício. Observa Russell que nenhumadestas questões é, do modo como es-tão formuladas, uma questão muito pre-cisa. Contudo, cada uma delas é capazde ter um significado preciso e cadauma delas é efetivamente relevante. Noentanto, a questão prioritária é a seguin-te: que exemplos devemos tomar comoexemplos prima facie, como exemplostípicos, de entidades logicamente com-plexas?

São aparentemente entidades com-plexas todos os objetos ordinários davida cotidiana, tais como mesas, cadei-ras, pães, peixes, pessoas, principadose poderes, bem como todas as espéci-es de coisas às quais usualmente da-mos nomes próprios, como por exemplo,Sócrates, Piccadilly e Romênia. No que

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tange a estes exemplos diz RUSSELL(1992, p.63):

"Parecem ser sistemas com-plexos ligados em algumaespécie de unidade, aque-la espécie de unidade queconduz à concessão de umaúnica denominação. Pensoque é a contemplação des-ta espécie de unidadeaparente que conduziu emgrande medida à filosofiado monismo, e à sugestãode que o universo com umtodo é uma única entidadecomplexa ... "

Entretanto, Russell não admite queestes sejam exemplos prima facie deentidades complexas. Ele argumentaque Piccadilly, por exemplo, é aparen-temente o nome para uma certa por-ção da superfície terrestre, ou melhordito, é uma série de classes de entida-des materiais que em diversos temposocupam aquela porção da superfícieterrestre. Desse modo, o status lógicode Piccadilly está ligado ao status lógi-co de séries e classes. Além disso, sesustentarmos que Piccadilly é real, en-tão devemos sustentar que as séries declasses são reais e, qualquer que seja aespécie de status metafísico que atri-buirmos às séries de classes, devere-mos atribuir também a Piccadilly. Comoas séries de classes possuem paraRussell a natureza de ficções lógicas,resulta que se for mantida esta análise,Piccadilly é uma ficção. Observaçõessemelhantes aplicar-se-ão a outrosexemplos. No caso de Sócrates, queconstitui uma pessoa, poderíamos

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identificá-Ia com a série de suas expe-riências. Ele seria realmente uma sériede classes, visto que temos muitas ex-periências simultaneamente e assimseria muito similar ao caso dePiccadilly. Essas considerações pare-cem desviar-nos da análise de coisasaparentemente complexas com as quaisiniciamos, para começarmos com o pro-blema da complexidade da análise dosfatos.

A complexidade de um fato podeser evidenciada pela circunstância deque a proposição que afirma um fatoconsiste de várias palavras, podendocada uma delas ocorrer em outras con-textos. Num fato podemos obter algu-ma coisa que ele pode ter em comumcom outros fatos, exatamente comopodemos ter "Sócrates é humano" e"Sócrates é mortal", ambos sendo fa-tos e ambos tendo relação comSócrates, embora Sócrates não consti-tua o todo desses dois fatos. Logo, exis-te um sentido no qual os fatos podemser analisados.

Uma característica prima facie decomplexidade nas proposições é queelas são expressas por várias palavras.Esta peculiaridade aplica-se primaria-mente às proposições e derivadamenteaos fatos.

Russell considera que as proposi-ções são símbolos complexos e os fa-tos que elas representam sãocomplexos, ou seja, existe uma com-plexidade objetiva no mundo que a com-plexidade das proposições espelha.Desse modo, Russell sustenta uma cer-ta identidade fundamental de estruturaentre um fato e o símbolo associado,de modo que a complexidade do sím-

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bolo corresponde à complexidade dosfatos por ele simbolizados.

Salientamos que essa identidade deestrutura é postulada ou sugerida comoválida não entre qualquer linguagemexistente e a estrutura metafísica bási-ca do mundo, mas somente entre umalinguagem não natural, entre uma lin-guagem artificial ou formal, logicamenteperfeita, e a estrutura metafísica fun-damental do mundo.

Vejamos então como RUSSELL(1992, p.69) caracteriza uma linguagemlogicamente perfeita:

"Numa linguagem logica-mente perfeita as palavrasnuma proposição cor-responderiam uma a uma,com os componentes do fatocorrespondente, com exce-ção de palavras tais como'ou', 'não' , 'se' , 'então',que possuem uma funçãodiferente. Numa linguagemlogicamente perfeita existi-rá uma palavra e maisnenhuma para cada obje-to simples, e todas as coisasque não são simples serãoexpressas por uma combi-nação de palavras, poruma combinação derivada,obviamente, das palavraspara as coisas simples queentram nela, uma palavrapara cada componente sim-ples. Uma linguagem destaespécie será completamen-te analítica, e mostrará numrelance a estrutura lógicados fatos afirmados ou ne-gados. Pretende-se que a

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linguagem formulada noPrincipia Mathematica sejauma linguagem daquelaespécie. Trata-se de umalinguagem que possui uni-camente sintaxe e nãopossui nenhum vocabulá-

. "no.

Retomando à análise dos fatos,Russell constata que há uma completahierarquia infmita de fatos - fatos nosquais temos uma coisa e uma qualida-de, duas coisas e uma relação, três coi-sas e uma relação, quatro coisas e umarelação, etc. Toda esta hierarquia defatos constitui o que Russell denominade fatos atômicos, os quais são a maissimples espécie de fatos. Estes sãoexpressos por intermédio das proposi-ções atômicas.

Todo fato atômico tem um com-ponente que se expressa por um verboou, no caso da qualidade, pode-se ex-pressar por um predicado, por um ad-jetivo. Esse componente é umaqualidade (relação monádica), ou umarelação diádica, ou uma relação triádica,ou uma relação n-ádica, de modo queas proposições atômicas afirmam rela-ções de ordem variadas. Além da rela-ção, os fatos atômicos contêm ostermos da relação - um termo, se éuma relação monádica; dois, se é umarelação diádica; três, se é uma relaçãotriádica; n, se é uma relação- n-ádica.

Russell define particulares comosendo termos de relações em fatos atô-micos. Ele admite que tal definição épuramente lógica e, portanto, a ques-tão de saber se isto ou aquilo é um par-ticular é uma questão a ser decididalevando-se em consideração esta defi-

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nição lógica. Já a questão de saber quaisparticulares efetivamente encodtram-se no mundo real, constitui para eleuma questão meramente empírica, quenão interessa ao lógico enquanto tal.

No que conceme aos nomes pró-prios , Russell os define como sendopalavras para os particulares. Segundoele, os nomes próprios tinham original-mente a intenção de preencher a fun-ção de representar os particulares e,por outro lado, aceitamos na vida coti-diana como particulares todas as espé-cies de coisas que realmente não sãoparticulares. Os nomes que normalmen-te usamos, tais como "Sócrates" , sãode fato, abreviações para descrições.Além disso, o que eles descrevem nãosão particulares, mas complicados sis-temas de classes ou séries, como osexemplos já abordados de Piccadilly ede Sócrates.

Ao se referir à dificuldade de seobter algum exemplo de um nome nosentido lógico estrito de uma palavracujo significado é um particular com oqual o locutor ou orador esteja familia-rizado, observa RUSSELL (1992, p.72):

"As únicas palavras que seusam como nomes no senti-do lógico são palavrascomo 'isto' ou 'aquilo' .Pode-se usar 'isto' comoum nome que representaum particular com o qual seestá familiarizado nomomento. Dizemos 'isto ébranco '. Se se concordaque 'isto é branco', signi-ficando-se o 'isto' que sevê, usa-se 'isto' como umnome próprio r ..]. Somen-

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te quando se usa 'isto' demodo bastante estrito, re-presentando um objeto realdos sentidos, é que ele é re-almente um nome próprio.r ..] A importância dos no-mes próprios, no sentido emque estou falando, está nosentido da lógica, não davida cotidiana. Pode-se verporque na linguagem lógi-ca estabelecida noPrincipia Mathematica nãoexistem nomes, porque nãoestávamos interessados aliem particulares particula-res mas somente emparticulares gerais, se talfrase me fosse permitida. "

Russell denomina as proposiçõesque contêm outras proposições, quepodemos chamar seus átomos, de pro-posições moleculares. Estas são as pro-posições que possuem expressões taiscomo "não", "e", "ou", " se" , "se esomente se" . Estas expressões, por suavez, passaram a ser conhecidas na lite-ratura lógica como conectivos lógicosou conectivos proposicionais.

Outrossim, RusseIl chama funçãode verdade à proposição molecular cujovalor-de-verdade depende somente dosvalores-de-verdade ou dos valores ló-gicos das proposições atômicas com-ponentes. Assim, por exemplo, ovalor-de-verdade da proposiçãodisjuntiva " p ou q" não depende de umfato objetivo que seja disjuntivo, masdepende dos dois fatos componentes,um dos quais corresponde a p e o outroa q; ou seja, o valor-de-verdade de "pou q" é determinado única e exclusi-

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vamente pelo valor-de-verdade de p epelo valor-de-verdade de q. Dessemodo, uma disjunção é verdadeira se ésomente se pelo menos um dos seuscomponentes (disjuntivos) for verdadei-ro; será falsa, exatamente quando am-bos os disjuntivos forem falsos.

Sheffer demonstrou que as dife-rentes funções de verdade podem serconstruídas a partir de uma única fon-te, a saber, " p é incompatível com q",cuja simbolização completa é p/q. "p éincompatível com q"é verdadeira se esomente se os componentes não sãoambos verdadeiros (pelo menos umdeles é falso); é falsa exatamente quan-do ambos os componentes são verda-deiros.

Vimos que toda proposição mole-cular é uma função de verdade. Porsua vez, não o é uma sentença de atitu-de proposicional, uma proposição queenvolve verbos tais como acreditar,desejar, querer e assim por diante. Istoporque, argumenta RUSSELL (1992,p.79):

"Se p é uma proposição, oenunciado 'eu acredito emp ' não depende para suaverdade ou falsidade sim-plesmente da verdade oufalsidade de p, desde queacredito em algumas masnão em todas as proposi-ções verdadeiras e emalgumas mas não em todasas proposições falsas."

De acordo com Russell há muitascoisas que são estranhas a respeito dacrença do ponto de vista lógico. Umadessas coisas estranhas é que podemosacreditar em proposições de todas as

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espécies de formas. Podemos acredi-tar que" isto é branco" e que "dois edois são quatro" . Trata-se de formasbastante diferentes, embora possamosacreditar em ambas. Se considerarmos"eu acredito em p'' e "eu acredito emq" , então estes dois fatos não são damesma forma lógica, caso p e q nãosejam da mesma forma lógica, pois de"eu acredito em p" não podemos deri-var "eu acredito em q" por substitui-ção dos constituintes de um pelosconstituintes do outro. Isto quer dizerque a crença deverá ter diferentes for-mas lógicas segundo a natureza daqui-lo em que se acredita, de modo que aaparente identidade do acreditar emdiferentes casos é mais ou menos ilu-sória.

Salienta ainda RUSSELL (1992,p.92) que há duas coisas que ele admi-te fundamentais que sejam percebidasnesta questão da crença, a saber:

"A primeira é a impossibi-lidade de tratar aproposição na qual se crêcomo uma entidade inde-pendente, entrando comouma unidade na ocorrênciada crença, e a outra é aimpossibilidade de colocaro verbo subordinado (ooutro verbo além de acre-ditar) ao niv e l_ de seustermos como um termo ob-jetivo da crença."

Ao comparar percepção comcrença, RUSSELL (1992, p.93) diz es-tar propenso

"a pensar que a percepçãoenquanto oposta à crença,

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vai direto ao fato e nãopassa pela proposição.Quando percebemos O fatonão temos, obviamente, aocorrência de erro, porqueno momento em que é umfato exclui-se o nosso ob-jeto de erro. Penso que averificação em última ins-tância sempre se reduziriaà percepção de fatos. Por-tanto, a forma lógica dapercepção será diferenteda forma Lógica da crença,exatamente por causa da-quela circunstância de queé um fato que ocorre."

Os fatos e as proposições exami-nados até agora envolviam apenas par-ticulares, relações, qualidades ou coisasde espécie perfeitamente definida semenvolver coisas indefinidas a que nosreferidos por palavras tais como "to-dos", "alguns", "um", "qualquer" , etc.,que caracterizam as proposições gerais.

As proposições gerais agrupam-seem dois grupos, a saber: um grupo quediz respeito a "todos" e outro grupo quediz respeito a "alguns" . Estas duas es-pécies de proposições gerais estão li-gadas, pois negam-se mutuamente. Porexemplo, a proposição "todos os homenssão mortais" é a negativa de "algunshomens não são mortais."

Na doutrina tradicional dosilogismo assumia-se que quando temosuma proposição tal como "todos os gre-gos são homens", isto implica existiremgregos, o que resulta em falácias taiscomo a seguinte: " todas as ilusões sãoanimais e todas as ilusões respiram aschamas. Portanto, alguns animais res-

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piram as chamas." Isto possui um inte-resse histórico, uma vez que impediuLeibniz de construir uma lógica mate-mática devido a seu respeito por Aris-tóteles. Se dissermos "todos os A sãoB e todos os A são C. Logo, alguns Bsão C", incorremos numa falácia, masLeibniz não acreditava que se tratavade uma falácia e por isso recomeçava.Com efeito, Russell enfatiza que as pro-posições gerais não devem ser inter-pretadas como envolvendo existência.Desse modo, no caso de interpretar-mos a proposição geral universal "to-dos os gregos são homens" no sentidoexistencial, temos de acrescentar umaproposição geral existencial "existemgregos." Se não existisse nenhum gre-go, as proposições "todos os gregos sãohomens" e "todos os gregos não sãohomens" seriam verdadeiras, pois

"Todos os enunciadosacerca de todos os membrosde uma classe que não temmembros são verdadeiros,porque a contraditória dequalquer enunciado geral[universal] afirma a exis-tência e portanto nessecaso é falsa."(RUSSELL,1992, p.94)

Russell admite que o que afirma-mos numa proposição geral tal como"todos os gregos são homens" é a ver-dade de todos os valores do que eledenomina função proposicional.RUSSELL (1992, p.95) define funçãoproposicional como

"qualquer expressão quecontém um constituinte

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indeterminado, ou varto sconstituintes indetermina-dos, e que se torna umaproposição assim que osconstituintes indetermina-dos são determinados."

Um constituinte indeterminadonuma função proposicional é chamadovariável e como exemplos de funçãoproposicional o autor de "A Filosofiado Atomismo Lógico" apresenta osseguintes: "x é um homem", "n é umnúmero", "(x--y) (x-y) =X2_ y2."

Podemos, ademais, classificar umafunção proposicional em necessária,possível ou impossível. Ela é necessá-ria, se é sempre verdadeira como, porexemplo: "x é x" . Ela é possível, se éalgumas vezes verdadeira como, porexemplo, "x é um homem." Ela é im-possível se nunca é verdadeira como,por exemplo, "x não é idêntico a x."Assevera RUSSELL (1992, p.96):

"Em toda a filosofia tradi-cional aparece um título de'modalidade' que discute onecessário, o possível e oimpossível como proprie-dades das proposições, aopasso que de fato são pro-priedades das funçõesproposicionais. As proposi-ções são apenas verdadei-ras ou falsas. "

As funções proposicionais, confor-me RusselI, não são algo remoto ouoculto, mas permeiam a linguagem co-mum num grande número de casos,apesar de comumente não as perce-bermos. Por exemplo, se dissermos "euencontrei um homem", podemos enten-

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der perfeitamente este enunciado semconhecer quem eu encontrei, e a pes-soa real não é um constituinte da pro-posição. Estamos afirmando, nestecaso, que uma determinada funçãoproposicional, a saber "eu encontrei xe x é humano"é possível, isto é, é algu-mas vezes verdadeira, pois existe pelomenos um valor de x para o qual ela éverdadeira.

Relacionando função proposicionale existência, RUSSELL (1992, p.b97)explícita que

"Quando tomamos qual-quer função proposicionale afirmamos acerca delaque ela é possível, que al-gumas vezes ela éverdadeira, isto nos dá osignificado fundamental da'existência '. Podemosexp ressá-lo dizendo queexiste pelo menos um valorde x para o qual aquelafunção proposicional é ver-dadeira. Tome-se 'x é umhomem'; existe pelo menosum valor de x para o qualisto é verdadeiro. Isto é oque significamos dizendo:que 'existem homens' ouque 'os homens existem'. Aexistência é essencialmen-te uma propriedade de umafunção proposicional. Sig-nifica que aquela funçãoproposicional é verdadeiraem pelo menos uma instân-cia.

Para mostrar que a existência é umpredicado de uma função proposicional

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ou derivadamente de uma classe oufunção e não de coisas individuais,RUSSELL (1992, p.98) assim argu-menta:

"Se digo 'as coisas queexistem no mundo existem',este é um enunciado perfei-tamente correto, porqueestou dizendo aí algumacoisa acerca de uma deter-minada classe de coisas;digo-o no mesmo sentido emque digo 'os homens exis-tem '. Mas não devocontinuar até 'esta é umacoisa do mundo, e portan-to isto existe'. Aparece aquia falácia, e trata-se sim-plesmente, como vemos, deuma falácia produzida pelatransferência ao indivíduoque satisfaz uma funçãop rop osicional de umpredicado que se aplicasomente à função propo-sicional. "

A respeito da existência de fatosgerais e de proposições gerais bemcomo das razões para supor tal exis-tência diz RUSSELL (1992, p.100):

"Quando estávamos discu-tindo as proposiçõesmoleculares coloquei umadúvida acerca da suposi-ção de que existem os fatosmoleculares, mas não achoque se pode duvidar de queexistem os fatos gerais.Penso que é perfeitamenteevidente que quando enu-meramos todos os fatos

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atômicos do mundo, é umfato adicional acerca domundo que aqueles são to-dos os fatos atômicos queexistem acerca do mundo,e este é um fato exatamentetão objetivo acerca do mun-do quanto qualquer umdeles. Penso ser evidenteque devemos admitir emadição aos fatos particula-res os fatos geraisenquanto distintos dos fa-tos particulares. [. .. ]Obviamente não é tão difí-cil admitir o que eu poderiachamar fatos existenciais -fatos tais como 'existemhomens', 'existem carnei-ros', e assim por diante.[...] Tais fatos devem entrarno inventário do mundo, edesse modo entram as fun-ções prop osicionaisenquanto envolvidas noestudo dos fatos gerais."

Russell entende por proposiçõescompletamente gerais as proposiçõese as funções proposicionais que con-têm somente variáveis e nada além dis-so. Toda proposição lógica constitui-setotal e unicamente de variáveis, embo-ra não seja verdadeiro que toda propo-sição que se constitua total eunicamente de variáveis seja lógica.

Podemos considerar estágios su-cessivos de generalização como, porexemplo: "Sócrates ama Platão" , " xama Platão", "x ama y", "xRy." Quan-do chegamos a xRy, obtemos um esque-ma consistindo unicamente de variáveis,não contendo qualquer constante,

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chegamos ao puro esquema ou à puraforma das relações duais e, certamente,qualquer proposição que expressa umarelação dual pode ser derivada de xRypor atribuição de valores a x, R e y.

Por sua vez, RUSSELL (1992,p.101) entende por forma de uma pro-posição "aquela forma que obtemosquando substituímos cada um de seuscomponentes simples por uma variá-vel", ou então,

"a classe de todas aquelasproposições que podemosobter de uma proposiçãodada substituindo-se um oumais dos constituintes quea proposição contém poroutros constituintes. Porexemplo, em 'Sácrates amaPlatão' ,podemos substi-tuir 'Sôcrates' por algumaoutra pessoa, 'Platão' poralguma outra pessoa, e'ama' por algum outro ver-bo. Desta maneira, existeum número determinado deproposições que podemosderivar da proposição'Sâcrates ama Platão ',substituindo-se os constitu-intes daquela proposiçãopor outros constituintes, detal forma que temos aí umaclasse determinada de pro-posições, e todas essasproposições têm uma formadeterminada, e pode-se di-zer, se alguém assim odesejar, que a forma quetodas elas têm é a classeque consiste de todas elas. "(RUSSELL, 1992, p.lOl)

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Entre as proposições que são pro-posições da lógica incluem-se, de acor-do com Russell, todas as proposiçõesda matemática pura, as quais podemser expressas em termos lógicos e po-dem ser deduzi das das premissas dalógica e, por conseguinte, são proposi-ções lógicas.

Além das proposições da matemá-tica pura há muitas proposições que sepodem expressar em termos lógicos,mas que não se podem demonstrar apartir da lógica e, certamente, não sãoproposições que fazem parte da lógica.Russell exemplifica este caso com aproposição "Existe pelo menos umacoisa no mundo" , que pode ser expres-sa em termos lógicos, mas não pode-mos saber a partir da lógica se ela éverdadeira ou falsa. Ele argumenta (Cf.RUSSELL, 1992, p.I03) que conhece-mos tal proposição empiricamente, vis-to que poderia ocorrer de não existirum universo, e então ela não seria ver-dadeira. É um acidente, por assim di-zer, que exista um universo.

Russell considera que toda propo-sição da lógica deve ser de algum modoparecida a uma tautologia, ou seja, as-sumir o valor lógico verdadeiro paraquaisquer que sejam as atribuições devalores lógicos a seus componentesatômicos. As proposições lógicas de-vem ter uma qualidade peculiar deter-minada, que ele não sabe como definir.São exemplos de proposições lógicastípicas de acordo com Russell: Se pimplica q e q implica r, então p implicar; se todo a é b e todo b é c, então todoa é c; se todo a é b e x é um a, então xéumb.

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3 TEORIAS DASDESCRIÇÕES

o autor de "A Filosofia doAtomismo Lógico" admite duas espé-cies de descrições, a saber: as descri-ções ambíguas, quando falamos de"um fulano de tal" e as descrições de-finidas, quando falamos de "o fulano detal." São exemplos de descrições am-bíguas: "um homem", "um cachorro","um porco", "um gabinete ministerial."Constituem exemplos de descriçõesdefinidas: "o homem com a máscarade ferro", "a última pessoa que entrouna sala", "o único inglês que ocupou aSé papal"; "o número de habitantes deLondres"; "a soma de 43 e 34." Umadescrição pode descrever não só umindivíduo como também um predicadoou uma relação a alguma outra coisa.

Russell passa a tratar das descri-ções definidas, já tendo abordado asdescrições ambíguas ao tratar das fun-ções proposicionais.

Ele faz notar que uma expressãoé uma descrição definida apenas porsua forma e não porque exista um indi-víduo definido assim descrito. Porexemplo, a expressão, "o habitante deLondres" é, devido a sua forma, umadescrição definida, embora ela de fatonão descreva qualquer indivíduo defi-nido.

Russell diz que a primeira coisa ase perceber a respeito de uma descri-ção definida é que ela é um nome apa-rente, mas de fato não é um nome, nãoé uma expressão referencial, não serefere a objetos, mas sim a proprieda-des (Cf. RUSSELL, 1992, p.106) .Russell toma como exemplo a expres-

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são "o autor de Waverley." Ele ob-serva que ela não é um nome, não éum símbolo simples, é um símbolocomplexo, contendo partes que sãosímbolos. Ela contém quatro palavrascujos significados já estão fixados etais palavras componentes fixaramo significado da expressão, de modoque não existe nada de arbitrário ouconvencional no significado da expres-são, uma vez, fixados os significadosde "o" "autor"," de", "Waverley."Neste aspecto, "o autor de Waverley"difere de "Scott", porque, segundoRussell, quando se fixou o significadode todas as outras palavras da lingua-gem não se fixou o significado dapalavra "Scott."

Russell passa a abordar sobre oque ele entende quando se diz que umadeterminada coisa descrita existe. Eleassevera que quando dizemos "o autorde Waverley existe" temos que res-ponder antes de mais nada à ques-tão: o que é "o autor de WaverIey"?É a pessoa que escreveu Waverleye, por conseguinte, está envolvida afunção proposicional "x escreveWaverley." Para que a pessoa queescreveu Waverley possa existir, énecessário que esta funçãoproposicional tenha duas proprieda-des, a saber: a primeira é que eladeve ser verdadeira para pelo menosum x; a segunda é que ela deve serverdadeira para no máximo um x.

Se ninguém escreveu Waverley,o autor não poderia existir e se maisde uma pessoa o tivesse escrito, "o"autor não poderia existir. A proprieda-de de ser verdadeira para pelo menosum x é a propriedade já examinada

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anteriormente de uma funçãoproposicional ser possível. E a segundacondição, de ser verdadeira para nomáximo um x, pode ser expressa doseguinte modo: "Se x e y escreveramWaverley, então x é idêntico a y, qual-quer que seja x e qualquer que seja y."Tal enunciado ainda seria verdadeiromesmo se ninguém tivesse escritoWaverley. Este enunciado não diz quealguém escreveu, mas que no máxi-mo uma pessoa o escreveu. Russellsustenta que a primeira dessas propri-edades ou condições de existênciafalha no caso, por exemplo, dounicómio, enquanto a segunda condi-ção falha. no caso, por exemplo, dohabitante de Londres, uma vez queaqui não ocorre a unicidade.

Russell afirma que há muita pro-dução filosófica que se apóia na no-ção de que a existência é, por assimdizer, uma propriedade que podemosatribuir às coisas, que as coisas queexistem têm a propriedade da exis-tência e que as coisas que não exis-tem não a têm. Tal concepção é falsapara ele, quer tomemos as espéciesde coisas, quer as coisas individuaisdescritas (Cf. RUSSELL, 1992, p.112).

Salienta Russell que as descriçõesdefmidas, as classes e as relações toma-das em extensão são exemplos de sím-bolos incompletos, isto é, de agregadosde símbolos que não têm qualquer signi-ficado isoladamente, mas somente ad-quirem significado num contexto.

Ressalta ainda Russell que se ten-tarmos entender a análise do mundo,ou a análise dos fatos, ou ainda se pre-tendermos ter alguma idéia do queexiste realmente no mundo, é funda-

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mental percebermos quanto do que hána fraseologia é da natureza dos sím-bolos incompletos. Podemos notar issonitidamente no caso da descrição defi-nida "o autor de Waverley", porqueesta expressão não representa Scottnem qualquer outra coisa isoladamen-te. Caso "o autor de Waverley" re-presentasse Scott, então "Scott é oautor de Waverley" seria a mesmaproposição que "Scott é Scott", des-de que pelo princípio de substituição,se duas expressões quaisquer a e bsão co-referenciais, tudo o que é ver-dadeiro em uma é verdadeiro naoutra e são intersubstituíveis em qual-quer proposição sem modificação dovalor-de-verdade da mesma. Contu-do, "Scott é o autor de Waverley" nãoé a mesma proposição. que "Scott éScott." Caso contrário, seriam as mes-mas proposições "George IV' quer·saber se Scott é o autor de Waverley"e "George IV quer saber se Scott éScott." Certamente, George IV dese-java saber a verdade da primeira pro-posição - e, de fato, Scott é o autorde Waverley - mas não a da segunda- "Scott é Scott" - que é umatautologia. Por outro lado, se "o autorde Waverley" representasse algumacoisa além de Scott, então a proposi-ção "Scott é o autor de Waverley"seria falsa, o que não ocorre. Logo, "oautor de Waverley"não representa iso-ladamente nada, o que é típico dos sím-bolos incompletos.

4 TEORIADOS TIPOS

No decorrer da elaboração dasconcepções logicistas, que procuravam

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fornecer uma rigorosa fundamenta-ção à matemática, surgiram, por vol-ta de 1900, numerosos paradoxos ouantinomias, isto é, argumentos que con-duzem a contradições. Referindo-seaos paradoxos assevera RUSSELL(1992, p.118):

. "..se procedermos descui-dadamente na lógicaformal, poderemos commuita facilidade cair emcontradições. Conhecem-se muitas delas desdemuito tempo, algumas atémesmo desde o tempo dosgregos, mas apenas muitorecentemente é que se des-cobriu que elas se ligam àmatemática, e que o mate-mático comum está apto acair nelas quando se apro-xima dos domínios dalógica, a menos que estejaprecavido. "

Russell apresenta em seu traba-lho "A Filosofia do AtomismoLógico"três exemplos de paradoxos,a saber: o paradoxo de Russell, o pa-radoxo de Cantor ou do máximo car-dinal e o paradoxo do mentiroso. Osdois primeiros são chamados na lite-ratura de paradoxos lógicos, que en-volvem noções conjuntistas, ao passoque o terceiro constitui um exemplode paradoxo semântico, que se relacio-na com as noções semânticas de ver-dade e de falsidade. Exporemos emseguida uma formulação de cada umdeles, assim como a proposta deRussell para evitá-los ou eliminá-los.

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Caracterizemos o assim chamadoparadoxo de RusseIl. Para isto tome-mos inicialmente a noção de conjunto.Por conjunto entende-se qualquer co-leção de objetos, por exemplo, o con-junto de todas as colheres de chá domundo, o conjunto dos seres humanos.Os objetos que compõem ou pertencema um conjunto são denominados seusmembros. Há conjuntos que podem sermembros de si mesmos. Por exemplo,o conjunto de todos os conjuntos (clas-se universal) que, por ser um conjunto,é membro de si mesmo. Porém, todosos conjuntos comuns da vida cotidiananão são membros de si mesmos, comoé o caso do conjunto de todos os sereshumanos que, por não se constituir emum ser humano, não é membro de simesmo.

Isto posto, consideremos o conjun-to A formado por todos os conjuntos Xque não são membros de si mesmos,ou seja: A={XJcIX}. Pelo princípio doterceiro excluído, A é membro de simesmo ou A não é membro de si mes-mo. Examinando-se as conseqüênciasdestas duas hipóteses alternativas te-remos o que se segue. Se A é membrode si mesmo e como A é o conjuntoconstituído por todos os conjuntos quenão são membros de si mesmos, entãoA não é membro de si mesmo. Outros-sim, se A não é membro de si mesmo ecomo tal hipótese está de acordo coma definição de A, então A é membrode si mesmo. Assim, A é membro de simesmo se e somente se A não é mem-bro de si mesmo, o que constitui umacontradição.

Como preliminar ao paradoxo deCantor vejamos algumas definições.

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Dados dois conjuntos A e B, A tem omesmo número de elementos de B see somente se A for equipotente a B.Por sua vez, dois conjuntos sãoequipotentes caso possamos estabele-cer uma correspondência biunívocaentre seus elementos. Além disso, onúmero de elementos ou o número car-dinal de um conjunto qualquer M é aclasse de todos os conjuntosequipotentes a M. E, finalmente, con-junto das partes ou conjunto potência(set power) de um conjunto qualquer éo conjunto de todos os subconjuntosdeste conjunto.

Isto posto, vejamos então, em li-nhas gerais, em que consiste o parado-xo de Cantor. O matemático Cantor(1845-1918), considerado o criador dateoria intuitiva dos conjuntos, provou queo número cardinal do conjunto das par-tes de um conjunto qualquer A é sem-pre maior do que o número cardinal deA. Tomemos, então, a classe universalI, isto é, o conjunto de todos os conjun-tos. Pode parecer óbvio que o númerocardinal de I deve ser tal que não exis-te qualquer outro cardinal que lhe sejamaior, isto é, pode parecer que o nú-mero cardinal de I seja o máximo car-dinal. Entretanto, conforme demonstrouCantor, o número cardinal do conjuntodas partes de I é maior do que o núme-ro cardinal de I, obtendo-se, dessemodo, uma contradição.

O paradoxo do mentiroso, por suavez, conhecido desde a antiguidade gre-ga, pode ser exposto em uma formula-ção simples da maneira que se segue.Suponhamos que um homem diga: "Euestou mentindo." A questão e', então,se ele está mentindo ou não. Caso ele

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esteja mentindo, então o que ele diz nãoé verdadeiro e, portanto, não é verdadeque ele está mentindo, ou seja, ele nãoestá mentindo. Por outro lado, se elenão está mentindo, então o que ele dizé verdadeiro e, conseqüentemente, éverdade que ele está mentindo, isto é,ele está mentindo. Por conseguinte, eleestá mentindo se e somente se ele nãoestá mentindo, o que constitui uma con-tradição.

Como então evitar, ou melhor, eli-minar os paradoxos? Russell chega àconclusão que os paradoxos a seremevitados resultam de certa espécie decírculo vicioso, decorrente da suposi-ção de que uma coleção de objetos podeconter membros definíveis somente pormeio da coleção como um todo. O prin-cípio do círculo vicioso, formulado porRussell, afirma que "tudo o que envol-ve uma coleção não pode ser membrodessa coleção." E quando defmimos umente qualquer violando o princípio docírculo vicioso, dizemos que a defini-ção correspondente é impredicativa.Com efeito, Russell admite que os pa-radoxos surgem de definiçõesimpredicativas.

Para aplicar efetivamente o prin-cípio do círculo vicioso e, assim, elimi-nar os paradoxos, Russell elaborou ateoria dos tipos lógicos. Segundo estateoria, as várias entidades de que trataa lógica, a saber, indivíduos, classes,proposições, propriedades, etc., são dis-postas numa hierarquia de tipos distin-tos. No que tange às proposições, porexemplo, diz RUSSELL (1992, p.121):

"Podemos começar poraqueLas proposições quenão se referem de modo aL-

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gum aos conjuntos de pro-posições. Então tomaremosa seguir aquelas proposi-ções que se referem aosconjuntos de proposiçõesdaquela espécie que tínha-mos antes. Estas proposi-ções que se referem aosconjuntos de proposiçõesdo primeiro tipo, podemoschamar o segundo tipo, eassim por diante. "

No que conceme às propriedades,podemos descrever a hierarquia, gros-so modo, da seguinte maneira: os indi-víduos do universo, não submetidos àanálise lógica, fazem parte de um tipozero; as propriedades de indivíduos per-tencem a um tipo 1; as propriedades depropriedades de indivíduos, a um tipo2; e assim por diante. Ademais, qual-quer propriedade, para ter sentido, devepertencer a um desses tipos.

No tocante às classes, temos pri-meiro os indivíduos (tipo zero); depois,classes de indivíduos (tipo 1); a seguirclasses de classes de indivíduos (tipo2); e assim por diante, sendo que todaclasse deve pertencer a um tipo deter-minado dessa hierarquia.

Por sua vez, para satisfazer àsexigências do princípio do círculo vici-oso, em cada tipo superior ao tipo zerodistingue-se uma nova hierarquia deordens. Por exemplo, no tipo 1, propri-edades definidas sem se recorrer a ne-nhuma totalidade pertencem à ordemzero; propriedades definidas de modoa envolver a totalidade das proprieda-des de ordem zero são de ordem 1; eassim por diante.

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Por conseguinte, Russell pretende,por intermédio da teoria dostipos,eliminar os paradoxos lógico-se-mânticos, em especial os três já menci-onados, senão vejamos. Os paradoxosde Russell e de Cantor são eliminados,uma vez que na teoria russelliana dostipos não tem sentido um conjunto sermembro de si mesmo e igualmente aclasse universal não pode existir.

Além disso, tio que se refere aoparadoxo do mentiroso, se aplicarmosa teoria dos tipos à pessoa que diz "Euestou mentindo", sustenta RUSSELL(1992, p.121) que:

"Verificaremos que a con-tradição desapareceu,porque ela deverá dizerque tipo de mentiroso ela é.Se ela diz 'estou afirman-do uma proposição falsado segundo tipo', de fatoaquele enunciado, uma vezque se refere à totalidadedas proposições de primei-ro tipo, é do segundo tipo.Logo, não é verdade queela está afirmando uma pro-posição falsa do primeirotipo e ela permanece umapessoa mentirosa. r ..] E ocontra-argumento paraprovar que ela também nãoera uma pessoa mentirosadesapareceu. "

5 CONCLUSÃO

O método de análise lógica dasteorias científicas e do discursoconcemente às coisas ocupa posiçãocentral na filosofia de Russell, articu-

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lando aspectos epistemológicos emetafísicos.

O atomismo lógico constitui umatendência filosófica que procura anali-sar logicamente a estrutura do mundoem seus componentes mais fundamen-tais, a saber, os átomos lógicos.

A tese fundamental do atornismológico russelliano é a de que o mundoconsiste de particulares simples, que sóapresentam qualidades simples e quemantêm entre si apenas relações sim-ples. Isto não impede que os particula-res possuam propriedades complexas,porém estas devem ser redutíveis a pro-priedades simples.

Russell, em "A Filosofia doAtomismo Lógico", assume uma teo-ria da verdade enquanto correspondên-cia, na qual considera que a verdadede uma proposição consiste nas suasrelações com o mundo, com os fatos.O mundo consiste de átomos lógicos,em vários complexos ou arranjos, quesão os fatos. Numa linguagem perfei-tamente precisa, numa linguagem logi-camente perfeita, os arranjos daspalavras numa proposição atômica ver-dadeira espelhariam os arranjos dosátomos lógicos do mundo. Podemos di-zer que a correspondência consistiria,então, neste isomorfismo entre a estru-tura de uma proposição e a estruturado fato correspondente.

No que conceme à teoria das des-crições, Russell mostrou que as cha-madas descrições definidas são nomesaparentes e que podemos usá-Ias sig-nificativamente sem precisarmos admi-tir que existam as entidadessupostamente nomeadas. Por intermé-dio da teoria das descrições Russell pre-

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tendeu eliminar os paradoxosmetafísicos da existência bem como osparadoxos dos não-existentes.

Quanto à teoria dos tipos, ela cer-tamente apresenta a vantagem de eli-minar os paradoxos ou antinomias.Contudo, tem a desvantagem de sermuito restritiva. Ela não permite as de-finições impredicativas em geral, o queparece inconveniente, uma vez que emmatemática se utilizam freqüentemen-te tais definições como, por exemplo,na teoria dos números reais deDedekind. Desse modo, para não sa-crificar capítulos importantes da mate-mática clássica, Russell foi levado aformular o assim chamado axioma deredutibilidade segundo o qual "dadaqualquer propriedade de ordem maiordo que zero, existe uma propriedade deordem zero que lhe é equivalente."Dizermos que, dadas as propriedadesP e Q, a primeira é equivalente à se-gunda, significa aqui afirmarmos quetodo objeto que possuir P possui tam-bém Q e, reciprocamente, todo objetoque possuir Q possui P.

Entretanto, o axioma daredutibilidade assevera a existência decertas propriedades, constituindo umahipótese sobre o mundo real e, nãotem, portanto, caráter estritamente ló-gico, dado que as leis lógicas devemser independentes deste ou daquelefato relativo ao mundo real, Como di-ria Leibniz, as leis lógicas devem va-ler em todos os mundos possíveis. E,visto que o sistema lógico dos Princi-pia Mathematica pretende reduzir aMatemática à Lógica, uma suposiçãocomo o axioma da redutibilidade,pouco evidente e logicamente mal

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fundamentada, constitui séria falha.Daí que contrariamente à teselogicista, a Matemática não foi redu-zida à Lógica. A redução da Mate-mática à Lógica só teria sentido sefosse completa e apresentasse vanta-gens, o que não ocorre, porquanto oslogicistas tiveram de recorrer a prin-cípios extra-lógicos em sua tentativade redução.

o grande mérito do logicismo estáem ter avançado o desenvolvimento dalogística e de haver tomado patente quea matemática e a lógica são disciplinasintimamente relacionadas,inseparáveis.Entretanto, não tem sentido, hoje, al-guém querer reduzir a matemática à ló-gica, pois a matemática atual situa-sebastante afastada dos limites que ologicismo lhe quis impor.

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