Assalto Ao Turno 01

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O ASSALTO AO TURNO: CONTINUIDADE OU RUPTURA Paulo de Tarso GALEMBECK (UEL) 1 Resumo: A conversação é caracterizada pela alternância nos papéis de falante e ouvinte, ambos exercidos de forma transitória. Por isso mesmo, nela é recorrente a troca de falantes, que ocorre por meio de dois procedimentos básicos: a passagem de turno (entrega implícita ou explícita do turno a outro interlocutor) e o assalto ao turno (“inversão” do turno, antes de o falante concluir a sua fala). Este trabalho discute o fato de o assalto ao turno constituir uma entrada inesperada do interlocutor, porém ele não corresponde a uma ruptura tópica. Esse fato evidencia que o assalto ao turno não deve ser visto apenas como uma infração conversacional, mas reflete o desejo de participação. Palavras-Chave: Língua falada. Conversação. Troca de falantes. Assalto ao turno. Preliminares A conversação define-se como uma forma de interação em que se verifica à alternância nos papéis de falante e ouvinte. Trata-se, pois, de uma interação simétrica, na qual os participantes têm, em princípio, igual direito à palavra e participam ativamente da construção do tópico ou assunto. Por esse motivo, a conversação simétrica e a forma em que a dimensão dialógica da linguagem mais se evidencia: nela ocorre a coparticipação ativa e efetiva de todos os interlocutores. Essa coparticipação, aliás, deve ser levada em conta em quaisquer trabalhos referentes aos procedimentos de troca de falantes. Há duas formas pelas quais ocorre a troca de falantes: a passagem de turno e o assalto ao turno. Na passagem, o ouvinte intervém porque verifica que o ouvinte concluiu sua fala ou seu concurso foi de forma explícita (geralmente por meio de uma pergunta) ou implícita (pela verificação da conclusão da fala). Já no assalto, o ouvinte não espera a sua vez e invade o turno antes de o ouvinte concluir a sua fala. Essa invasão, como se verá adiante, pode ocorrer de duas formas: na presença de pausas e outros sinais de lexitação (assalto como “deixa”) ou sem esses sinais (assalto com “deixa”). Em qualquer estudo referente à conversação, é relevante levar em conta o conceito de turno, que é fundamental para se entender a dinâmica da interação simétrica. Neste trabalho, adota-se a conceituação exposta por Galembeck, Silva e Rosa (1990, p. 70 e ss.), segundo os quais turno é qualquer modalidade de intervenção de um interlocutor, tenha ela caráter 1 Docente do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas (área de Linguística Portuguesa) da Universidade Estadual de Londrina. Endereço eleterônico: [email protected] .

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O ASSALTO AO TURNO: CONTINUIDADE OU RUPTURA

Paulo de Tarso GALEMBECK (UEL)1

Resumo: A conversação é caracterizada pela alternância nos papéis de falante e ouvinte, ambos exercidos de forma transitória. Por isso mesmo, nela é recorrente a troca de falantes, que ocorre por meio de dois procedimentos básicos: a passagem de turno (entrega implícita ou explícita do turno a outro interlocutor) e o assalto ao turno (“inversão” do turno, antes de o falante concluir a sua fala). Este trabalho discute o fato de o assalto ao turno constituir uma entrada inesperada do interlocutor, porém ele não corresponde a uma ruptura tópica. Esse fato evidencia que o assalto ao turno não deve ser visto apenas como uma infração conversacional, mas reflete o desejo de participação. Palavras-Chave: Língua falada. Conversação. Troca de falantes. Assalto ao turno. Preliminares

A conversação define-se como uma forma de interação em que se verifica à

alternância nos papéis de falante e ouvinte. Trata-se, pois, de uma interação simétrica, na qual

os participantes têm, em princípio, igual direito à palavra e participam ativamente da

construção do tópico ou assunto. Por esse motivo, a conversação simétrica e a forma em que a

dimensão dialógica da linguagem mais se evidencia: nela ocorre a coparticipação ativa e

efetiva de todos os interlocutores. Essa coparticipação, aliás, deve ser levada em conta em

quaisquer trabalhos referentes aos procedimentos de troca de falantes.

Há duas formas pelas quais ocorre a troca de falantes: a passagem de turno e o assalto

ao turno. Na passagem, o ouvinte intervém porque verifica que o ouvinte concluiu sua fala ou

seu concurso foi de forma explícita (geralmente por meio de uma pergunta) ou implícita (pela

verificação da conclusão da fala). Já no assalto, o ouvinte não espera a sua vez e invade o

turno antes de o ouvinte concluir a sua fala. Essa invasão, como se verá adiante, pode ocorrer

de duas formas: na presença de pausas e outros sinais de lexitação (assalto como “deixa”) ou

sem esses sinais (assalto com “deixa”).

Em qualquer estudo referente à conversação, é relevante levar em conta o conceito de

turno, que é fundamental para se entender a dinâmica da interação simétrica. Neste trabalho,

adota-se a conceituação exposta por Galembeck, Silva e Rosa (1990, p. 70 e ss.), segundo os

quais turno é qualquer modalidade de intervenção de um interlocutor, tenha ela caráter

1 Docente do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas (área de Linguística Portuguesa) da

Universidade Estadual de Londrina. Endereço eleterônico: [email protected].

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referencial ou informativo (turno nuclear, ligado ao desenvolvimento do tópico ou assunto)a

ou apenas se revista de caráter fático ou interacional (turnos inseridos que denotam, por

exemplo concordância ou assentimento.

Este trabalho tem por objetivo mostrar que embora o assalto ao turno constitua uma

violação de um princípio da conversação (respeitar a vez do outro), não deve ser considerada

necessariamente uma ruptura. Trata-se, ao contrário, de uma forma de participação ativa do

ouvinte, que procura dar a sua contribuição no momento em que ela parece ser mais

necessária.

O córpus do trabalho é constituído por dois fragmentos correspondentes a 30 minutos

de gravação extraído dos Inquéritos 062 e 343 (D2 – diálogos entre dois informantes). Esses

inquéritos pertencem ao arquivo do Projeto NURC/SP, e eles estão publicados em Castilho e

Preti (1987).

Processos de Troca de Falantes

Sacks, Schefloff e Jefferson (1974, p. 703) e Marcuschi (1986, p. 6) apontam como

uma característica da conversação a alternância nos papéis de falante e ouvinte. Esses papéis

são exercidos transitoriamente, por isso um dos traços mais evidentes da conversação é a troca

de falantes, fenômenos que, segundo os autores já citados, é recorrente na citada forma de

interação verbal. Aliás, segundo os mesmos autores, só se pode falar efetivamente em

conversação ou diálogo se houver pelo menos uma troca de falantes: na conversação, a troca

de falante recorre ou pelo menos ocorre.

Galembeck, Silva e Rosa (1990, p. 75 e ss.) definem duas estratégias básicas pelas

quais ocorre a troca de falantes: a passagem de turno e o assalto ao turno. No primeiro caso, o

ouvinte intervém num ponto em que – segundo a sua percepção – o falante concluiu a sua

fala: um final de frase ou uma pergunta. No assalto ao turno, o ouvinte “invade” a fala do seu

parceiro conversacional, sem esperar a conclusão do enunciado. Nesse sentido, pode

considerar-se o assalto a violação de um princípio conversacional, porém a análise do córpus

revela que não é dessa forma que o assalto deve ser considerado.

Passagem de turno

Neste caso, a transição de um turno a outro ocorre num ponto em que o ouvinte projeta

a conclusão da fala pelo seu interlocutor (lugar relevante para a transição – LRT). O problema

é que o LRT não constitui um conceito auto-evidente, dado o acúmulo de pistas (sintáticas,

prosódicas, gestuais), por isso - neste trabalho – consideramo-lo de dois modos distintos: o

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final do enunciado ou uma solicitação explícita, representada por uma pergunta ou um

marcador, de busca de aprovação discursiva. (né?; sabe?; entende?).

a) Passagem requerida: a passagem requerida pelo falante é caracterizada pela entrega

explícita do turno a outro interlocutor:

(01) L2 (...) ou digamos um dia de chuva está um dia horrível para trabalhar um dia que você está indisposto você poderia pegar voltar para sua casa entrar num cinema distrair um pouco entende?... que (que você) você poderia fazer isso? L1 não ... pode perfeitamente eu acho que:: essa:: essa:: ... essa responsabilidade ... ela nos é atribuída (...) (Inq. 062, linhas 254-260) (02) L2 então:: não dá:: o indivíduo fala “poxa eu vou perder um ano dois anos aí pesquisando vou levantar um problema defender uma tese aí” ... e às vezes não tem sorte na vida dele entende? L1 uhn uhn ... é que hoje:: dentro da nossa profissão ainda mais uma vez falando nela ... até parece que sou emPOLGAdo por ela né? ((riscos)) não acha? ... o:: ... que com a empresa privada hoje em dia ela atende muito melhor entende? ... (Inq. 062, linhas 846-854). Em ambos os casos, verifica-se a presença da entoação interrogativa. Essa entoação

constitui a marca mais nítida da solicitação explícita endereçada ao ouvinte que, por isso

mesmo, intervém e dá continuidade ao tópico em andamento. Cabe considerar, ademais, que o

ouvinte intervém porque o seu concurso é explicitamente solicitado, por meio de uma

pergunta ou interpelação. Ocorre, pois, a entrega explícita do turno a outro interlocutor.

No ex. 01, a passagem requerida é assinalada por uma pergunta (“Você poderia fazer

isso?”), e no ex. 02, por um marcador de busca de aprovação (entende?).

b) Passagem consentida: o outro caso e a passagem consentida, exemplificada pelo

fragmento a seguir:

(03) L1 e mais uma vez eu ... eu vejo a influência do clima e tudo mais ... se é um clima chuvoso tal talvez até me ajude ... nesse sentido eu posso ficar ... e nem ter vontade de de sair de lá para me deslocar para algum outro local porque não dá também ... perderia muito tempo .... dia de chuva ... conforme o:: ... o dia realmente prejudica nesse aspecto. L2 eu:: eu lhe perguntaria aí dentro desse problema ... você não ... possui uma ... um controle – digamos assim – em cima de você você deve produzir tanto num dia ... (Inq. 062, linhas 244-253).

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Nesse caso, tem-se a entrega implícita do turno a outro falante, caracterizada pela

entoação descendente e o fim de uma unidade sintático-semântico-pragmática. Yngue (1970:

570) considera também os sinais paralinguísticos ou cinésicos (ricos, gestos, expressões

faciais), porém esses sinais não são registrados nas transcrições do Projeto NURC/SP.

Nas duas ocorrências do ex. 03, a passagem de turno é assinalada pelo final do

enunciado.

Assalto ao turno

O assalto ao turno é marcado pelo fato de o ouvinte intervir sem que a sua participação

tenha sido direta ou indiretamente solicitada. Em outras palavras, o ouvinte “invade” o turno

do falante fora de um lugar relevante de transição (LRT), por isso o assalto representa uma

violação do princípio básico da conversação: apenas um dos interlocutores deve falar por vez

(MARCUSCHI, 1996, p. 19). Preliminarmente, o assalto pode ser unicamente considerado

uma infração às regras conversacionais, porém, como se verá a partir dos exemplos

solicitados, ele resulta antes do desejo de participação.

Assalto com “deixa”

O assalto pode ocorrer ou não na presença de alguma “deixa”. No primeiro caso

(assalto com “deixa”), o ouvinte aproveita-se de um momento de hesitação, caracterizado pela

ocorrência dos seguintes fenômenos: pausas (e...); alongamentos (e::); repetições de palavras

ou sílabas (é/era). Esses fenômenos vêm, com frequência, associados. Vejam-se exemplos de

assalto com “deixa”:

(04) L1 (...) mas vai chegar uma hora digamos que... que tem quase tudo se fazendo por computador então o cara aprende como fazer mas:... L2 mas você acha que dá?... acho que algumas coisas dá... (Inq. 343, linhas 888-891) Nesse exemplo, o assalto ocorre em face do alongamento e da pausa (mas:::...): estas

são as pistas de que L2 se vale para “invadir” o turno de L1. Considera-se, nessa ocorrência,

que L1 não conclui o enunciado, de modo que não ocorre a sobreposição de vozes.

No exemplo a seguir, a “deixa” para o assalto é a representada pela silabação

(le/levar):

(05) L2 mas existe um limite em que você deva um mínimo le/levar neste tal de faturamento? [ L1 não não existe... não existe... não existe... (Inq. 062, linhas 267-269)

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L2 conclui a pergunta, porém L1 não espera que ele o faça e antecipa a resposta,

atitude que acaba por gerar a sobreposição de vozes.

Assalto sem “deixa”

O outro caso é o assalto sem deixa, aquele que não ocorre em face de sinais de

hesitação e corresponde, pois, a uma entrada brusca e inesperada do “assaltante” no turno do

outro interlocutor:

(06) L2 (...) o dia que você estiver chateado o dia estiver muito bonito você pode pegar seu carro e:: dar uma deslocada para o litoral e tal [ L1 é mas seria difícil né? que você que para a subsistência você [ L2 um dia chuvoso L1 você precisa trabalhar bastante (Inq. 062, linhas 270-277) No exemplo anterior, há dois casos de assalto sem sinais de hesitação: L1: é mais seria difícil né? L2: um dia chuvoso Nos três exemplos assinalados, o “invasor” dá continuidade ao tópico em andamento:

no ex. 04, L2 formula uma objeção; no ex. 05, L1 antecipa a resposta à pergunta de L2; no ex.

06, L1 faz uma objeção, enquanto L2 acrescenta uma informação que lhe parece relevante

(“um dia chuvoso”). A correspondência entre continuidade tópica e assalto ao turno será

discutida no próximo item desta exposição e também será enfatizado o fato de que o assalto

tem funções específicas e resulta do desejo de participação dos interlocutores.

Acrescente-se que, em ambos os inquéritos, há uma situação de equilíbrio entre as

ocorrências de assalto com ou sem “deixa” (52% com “deixa”; 48% sem “deixa”). Por isso

mesmo, esse dado não será considerado nas análises efetuadas.

Assalto ao Turno e Continuidade Tópica

O assalto ao turno pode ser associado à continuidade tópica, pois, no córpus, há uma

única ocorrência de assalto com ruptura tópica:

(07) L2 (...) eu conheço pouco a cidade né?... por exemplo se eu for comparar com... L1 você viu ser está gravando direito aí? Doc está eu já deixo no automático... L1 ah o automático não indica velo/...

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Doc não... L2 tenho saído sim (...) (NURC/SP, 343, l. 5-12)

No exemplo anterior, há uma digressão: L1 abandona o tópico em andamento

(cidades) e passa a falar do gravador. A seguir, L2 volta ao tópico principal.

Esse caso, como já foi dito, constitui uma exceção, pois o ouvinte assalta o turno não

para provocar uma ruptura, mas para intervir de modo ativo na construção do diálogo, por

meio da continuidade do assunto em andamento. Essa “invasão” tem sempre funções

específicas, como será discutido a seguir:

Objeções

Neste caso, o interlocutor intervém para discordar do falante ou manifestar um ponto

de vista a ele contrário.

(08) (L2 trata dos engenheiros que atuam no mercado financeiro). L2 então::a é vantagem que eles levam né? ...((risos)) entende? Seria mais para ele seria muito mais [ L1 mas eles têm atendido e::... os exemplos L2 tem não L1 que nós nós que nós temos visto aí (...) o engenheiro está muito bem situado (...) (NURC/SP, 062, l. 541-547). No exemplo anterior, há dois assaltos (“mas eles têm atendido...”; “têm não”) e ambos

constituem objeções. Acrescente-se que as objeções são devidas ao fato de ambos os

interlocutores terem posições diferentes acerca da atuação dos engenheiros no mercado

financeiro: L2 é contrário a ela, porém L1 é favorável. Pode-se admitir, assim, que o assalto

decorre da natureza polêmica do tema, a qual conduz à refrestação e à discordância.

A diferença de opiniões também aparece no exemplo a seguir:

(09) L2 não mas... o saneamento... sabe você

não vai eliminar causa que provocou a a poluição por exemplo... ( ) pensar em termos de:: culpa coletiva por exemplo

L1 [ é só que isso não tem importam/... certo mas só que não tem nada que ver uma coisa com a outra porque... na psicologia... se você... só elimina o:: efeito não elimina a causa... Você chega dizer que você pode... muDAR... o problema de um lugar para outro né?... agora uma L2 [mas a problemas continua o mesmo

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L1 cidade não é isso você eliminou a poluição acabou (...) (NURC/SP, 343, l. 249-259).

Nesse exemplo, a polêmica surge porque L1 e L2 têm pontos de vista diferentes a

respeito dos problemas da cidade: L1, engenheiro, faz uma analogia entre os problemas da

cidade e os do ser humano, mas L2, psicóloga, recusa essa analogia. Essa discordância se

manifesta nos dois assaltos ao turno: “é são que isso não tem importam/...”; “mas o

problema...”. Mais uma vez, cabe ressaltar que o assalto decorre da natureza polêmica do

tema e do fato de os interlocutores desejarem refutar imediatamente o que lhes pareça

equivocado. Nesse caso, pode-se admitir que o assalto manifesta o desejo de sobrepor-se ao

outro e, assim, rompe o equilíbrio conversacional. Na seqüência do diálogo, porém, verifica-

se que esse equilíbrio é prontamente restaurado.

Veja-se o exemplo a seguir:

(10) (L1 e L2 comentam a profissão de vendedor.). L2 você tem uma vantagem sobre a gente entende? o dia que você estiver chateado o dia estiver muito bonito você pode pegar seu carro e:: e dar

uma deslocada para o litoral e tal L1 [ é mas seria difícil né? que para a subsistência você precisa trabalhar bastante (NURC/SP, 062, l. 270-276). L1 discorda de L2 e, ao mesmo tempo, reafirma que, para ter sucesso, o vendedor

precisa trabalhar bastante.

As objeções correspondem a 58% por cento das ocorrências de assalto ao turno e esse

predomínio revela que a natureza polêmica é um fator decisivo para desencadear as

interrupções da fala do interlocutor. Isso significa, ademais, que o assalto está ligado ao

próprio desenvolvimento da interação e resulta da coparticipação dos interlocutores.

Acréscimo de informação ou opinião

Outra função relevante do assalto ao turno é o acréscimo de uma informação ou

opinião que o interlocutor considera relevante para esclarecer o tópico em andamento e, ao

mesmo tempo, mostrar a sua participação:

(11) L2 (...) uma vez o Franck sabe aquele que... que é arquiteto? L1 uhn L2 ele estava falando que a topografia da cidade é muito bonita (...) colunas e tal mal aproveitado bom (aí você vai entrar

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na na área verde... que quase não tem e tal [ L1 isso é bem de cidade grande né? (NURC/SP, 343, l. 65-73) (12) (Os informantes tratam do fim das áreas verdes em São Paulo.) L1 é seria ao progresso que está chegando né? dizem que é o progresso... dizem né? sei lá... [dizem... né? é o progresso mal controlado (NURC/SP, 062, l. 70-73) Nos dois exemplos anteriores, os interlocutores assaltam o turno para acrescentar uma

opinião ou informação que o ouvinte prefere enunciar naquele exato momento, para não

deixar passar a ocasião oportuna. Além disso, com informações também, os interlocutores

também demonstram atenção e concordância.

No exemplo a seguir, o acréscimo assume a forma de uma pergunta:

(13) (A informante trata de um tratamento feito por pajés.) L2 (...) aí vieram três pajés e ficaram duas horas suan::do ali em cima ... um negócio assim... pronto sarou era isso que estava interferindo... era um espírito não sei das quantas... que estava né? L1 [e o cara ficou bom? L2 não ela disse qaue ((ri)) ela não sabe se ele ficou bom porque não teve coragem de dizer (...) (NURC/SP, 343, l. 765-773). A pergunta de L1 é aceita por L2, que a responde e, assim, há continuidade ao tópico

em andamento.

Os assaltos dessa modalidade correspondem a 22% das ocorrências.

Antecipação Outra função do assalto que cabe ressaltar é a antecipação: (14) (A informante trata de pessoas com distúrbios psíquicos.) L1 (...) o indivíduo entra numa fossa... não sabe mais o que fazer... L2 [mesmo porque aí que ele vai procurar ajuda né? L1 aí... ele vai procurar terapia (NURC/SP, 343, l. 201-204) (15) L1 (...) está todo mundo querendo partir para o campo da construção L2 [Bolsa caiu...

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L1 é o que está dando dinheiro agora ... deixou de ser bolsa né? agora é construção... (NURC/SP, 062, l. 1691-695) Em ambos os exemplos, o ouvinte projeta o que seria dito pelo falante e este incorpora

essa elocução, por meio de uma repetição ou uma paráfrase (procurar ajuda/procurar terapia;

bolsa com/o que está dando dinheiro agora... deixou de ser bolsa).

Veja o exemplo a seguir:

(16) L1 (...) do ponto de vista da empresa... deve absorver um engenheiro ou deve absorver um técnico? Às vezes em termos de despesa... é mais vantagem... L2 [um técnico) L1 adquirir um técnico... inclusive ele vai... suprir perfeitamente... vai atender perfeitamente a necessidade da empresa (...) (NURC/SP, 062, l. 591-597). L1 incorpora a antecipação e, ademais, amplia o que estava sendo dito pelo seu

interlocutor.

Comentários Conclusivos

Os exemplos citados confirmam que o assalto ao turno não pode ser visto apenas como

uma violação às regras conversacionais, pois se trata de uma forma de participação efetiva,

com um sentido claramente colaborativo. Não é apenas uma tomada de turno: é uma

intervenção que o falante supõe oportuna, então ele não espera o interlocutor concluir o

enunciado. Por isso mesmo, o assalto constitui um fenômeno complexo: está ligado ao

desenvolvimento do tópico, ao desejo de participação dos interlocutores, às trocas que se

efetuam durante a conversação – em suma, ao próprio dinamismo do ato conversacional.

As três funções do assalto mencionadas neste trabalho (objeção; acréscimo de

informações; antecipação) bem demonstram o desejo de participação dos interlocutores e o

dinamismo da conversação. Por isso – reitere-se – o assalto não pode ser visto apenas como

uma violação das regras conversacionais: trata-se de uma forma de efetivação de

coparticipação por parte dos interlocutores.

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Referências

CASTILHO, Ataliba Teixeira de; PRETI, Dino (orgs.). (1987). A linguagem falada culta na

cidade de São Paulo. v. III. Diálogos entre dois informantes. São Paulo: T.A. Queiroz/FAPESP. GALEMBECK, Paulo de Tarso; SILVA, Luiz Antônio; ROSA, Margarete de Miranda. (1990). O turno conversacional. In: PRETI, D. e URBANO, H. (orgs.). A linguagem falada

culta na cidade de São Paulo. v. IV. Estudos. São Paulo, T. A. Queiroz/FAPESP, p. 59-98. MARCUSCHI, Luiz Antônio. (1986). Análise da conversação. São Paulo: Ática. SACKS, H.; SCHEGLOFF, E.E.; JEFFERSON, G. (1974). “A simplest systematias for the organization of turn-taking for conversation”. Language, 50: 696-735. YNGUE, Victor H. (1970). “On getting a word in edgewise”. In: CAMPBELL, A. et alii (orgs.). Papers from the Sixth Regional Meeting of Chicago Linguistics Society. v. VI, p. 567-578.