ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS NOVA VISÃO - NOVAS PRÁTICAS · decorrência natural do fato de o país...
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ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS
NOVA VISÃO - NOVAS PRÁTICAS
Autoria:
Viviane Manzione Rubio1
Angélica Ap. Tanus Benatti Alvim2
Resumo
Partindo do entendimento de que o direito a cidade passa pelo reconhecimento da necessidade da
qualificação dos assentamentos precários, uma vez que estes são uma alternativa de moradia
encontrada pela população, frente à ausência de oferta adequada, este artigo procura refletir sobre
uma nova visão acerca destes territórios, à luz da discussão sobre o sistema linear de produção e
consumo que é praticado mundo afora, e que colabora com o uso indiscriminado e não inteligente
dos recursos naturais.
Palavras-chave: Assentamentos Precários, favela, ambiente urbano, urbanização, habitação,
modelo, inovação e desperdício.
Abstract
Leaving of the understanding that the right the city goes by the recognition of the need of the
qualification of the precarious establishments, once these are a home alternative found by the
population, front to the absence of appropriate offer, this article tries to contemplate on a new vision
concerning these territories, to the light of the discussion on the lineal system of production and
consumption that world is practiced out, and that collaborates with the indiscriminate use and no
intelligent of the natural resources.
Key-words: Precarious establishments, slum, urban ambient, urbanization, habitation, model,
innovation and waste.
1 Arquiteta graduada pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo em 1986, Coordenadora de Projetos de Urbanização de Favelas da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano do Município de Osasco, aluna do segundo semestre do Curso de Pós-graduação – Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bolsista Capes 2009/2010. Reflexão no âmbito da disciplina Mutações Urbana: Clusters e Inovação Ambiental. Ministrada pelos Professores Carlos Leite e Angélica Benatti Alvim. 2 Arquiteta, Prof. Dra., coordenadora do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Periferias espraiadas: numa cidade compacta, territórios como a Cantareira
Imagem retirada da apresentação do Prof. Carlos Leite para o Sustenta! sustentabilidade para uma vida real, Megacidades sustentáveis? Desafios e Oportunidades em São Paulo. Carlos Leite
ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS
NOVA VISÃO - NOVAS PRÁTICAS
Introdução
O ano de 2007 definiu um marco para as cidades mundiais: 50% da população mundial neste momento é
urbana. Neste contexto, as cidades constituem-se em espaços privilegiados de diversidade econômica,
cultural e política, sendo o padrão de urbanização, um elemento é capaz de definir e estabelecer vínculos e
relações entre a sociedade com o uso e a apropriação do território urbano que constitui um determinado
ambiente urbano.
Entretanto, embora as cidades constituem-se em lócus privilegiado para a sociedade contemporânea, a
crise socioeconômica pela qual vem passando as grandes cidades, principalmente as situadas nos países
em desenvolvimento (e neste bloco inserem-se as cidades brasileiras), assume dimensões produzindo um
ambiente urbano precário e desigual.
A ausência de infraestrutura básica, associada à informalidade e a pobreza reproduzem espaços altamente
segregados e, conseqüentemente, degradados – tanto sob do ponto de vista social, quanto ambiental,
transformando a paisagem destas localidades nas cidades, então, aos olhos do mais despretensioso
observador em estarrecedoras imagens.
O intenso processo de urbanização, ocorrido nas últimas décadas, particularmente no Brasil, elevou ao
mesmo tempo a demanda por moradia, por oportunidades de trabalho e por serviços públicos nas cidades.
Ainda no início da década de 1970 a população brasileira torna-se predominantemente urbana, 56% da
população total passa a viver nas cidades, contra 45% em 1960, conforme dados do Censo do IBGE. Em
2000, a urbanização eleva para 81% os números de habitantes que vivem em meio urbano.
Em números absolutos a
população residente em áreas
urbanas passou de 32 milhões em
1960 para cerca de 138 milhões
habitantes em 2000.
A dificuldade de acesso a terra
urbanizada por grande parte da
população, devido principalmente
ao alto custo da terra e à
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ausência de políticas públicas no setor habitacional, associa-se às carências de infraestrutura,
particularmente de saneamento básico e transportes, acentuando a condição de precariedade de inúmeras
localidades dos centros urbanos, característica comum das grandes e médias cidades brasileiras.
O processo de urbanização da cidade produziu o crescimento e adensamento de sítios na maioria
inadequados à ocupação humana, hoje de tal forma consolidados, que suscitam investimentos cada vez
mais vultosos para que sejam transformados e integrados ao conjunto do ambiente que compõe a cidade.
A favela, expressão mais dura da realidade dos assentamentos precários, definida como “ocupação
irregular” passa a ser reconhecida como a alternativa, ou a resposta popular a provisão habitacional de
moradias e torna-se alvo, na década de 1990, de inúmeros projetos de urbanização e regularização
fundiária, que pretendiam a qualificação do território, para que fosse legalmente reconhecido.
Neste momento o poder público, políticos e técnicos que atuam na cidade voltam os olhares para o
problema crescente da moradia precária, e passam a discutir nos gabinetes e escritórios, cada vez mais
aberta e democraticamente sobre a qualificação, a princípio física, destes ambientes que se reproduzem em
todo território brasileiro.
O Direito à Cidade passa a ser a palavra – chave que irá articular as proposições urbanísticas em prol de
um ambiente urbano com qualidade. A Carta Mundial do Direito à Cidade, discutida no Fórum das
Américas, define o direito à cidade “como o usufruto eqüitativo das cidades dentro dos princípios da
sustentabilidade e da justiça social”. Ou seja, como:
[...} o direito coletivo dos habitantes das cidades em especial dos grupos vulneráveis e
desfavorecidos, que se conferem legitimidade de ação e de organização, baseado nos usos e
costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito a um padrão de vida adequado.
(Carta Mundial do Direito à Cidade, 2004)
Partindo do entendimento de que o direito a cidade passa pelo reconhecimento da necessidade da
qualificação destes territórios, uma vez que estes são uma alternativa de moradia frente à ausência de
oferta adequada neste setor, este artigo procura refletir sobre uma nova visão acerca dos assentamentos
humanos precários à luz da discussão sobre o sistema linear de produção e consumo que é praticado
mundo afora, que colabora com o uso indiscriminado e não inteligente dos recursos naturais.
Embora ainda não seja alvo de um consenso, a prática de “urbanização de favelas” evoluiu no Brasil de
forma gradativa, acompanhando o processo de democratização do país.
Para França, a urbanização faz parte da construção de um modelo de intervenção do Brasil dos anos de
1980, alternativo aos padrões estabelecidos pelo governo federal em parceria com estados e municípios
nos anos de 1960 / 1970 por meio do SFH/BNH (Sistema Financeiro de Habitação / Banco Nacional de
Habitação) que tinha como ponto de partida a implantação de grandes conjuntos habitacionais nas áreas
periféricas dos centros urbanos, desprovidas de infraestrutura e acessibilidade.
A urbanização de uma favela representa uma melhoria significativa nas condições de vida da população
que ali habita, pois inicialmente procura responder às necessidades primárias da comunidade - implantação
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de infraestrutura, sistema viário – em seguida insere o morador no ambiente urbano melhor qualificado com
espaços públicos, equipamentos comunitários, reforçando os seus vínculos com a comunidade e com
aquele território e que de certa forma passa a ser reconhecidamente seu. De alguma forma oferece o direito
a cidade e tenta integrá-lo, o território à cidade dita formal.
1. Urbanização das cidades: A forma de acumulação do sistema capitalista produzindo e
contribuindo para um sistema linear de produção e consumo.
É bastante comum pensarmos que a dramática situação em que estão as cidades brasileiras é uma
decorrência natural do fato de o país ter hoje cerca de 80% de sua população morando nas cidades. É como se
o caos urbano, as favelas, o transporte precário, a falta de saneamento, a violência, fossem características
intrínsecas às cidades grandes, justificando a enorme dificuldade do Poder Público em resolver esses
problemas e gerir a dinâmica de produção urbana. Essa é, entretanto, uma visão equivocada. Ao contrário dos
países industrializados, o grave desequilíbrio social que assola as cidades brasileiras – assim como outras
metrópoles da periferia do capitalismo mundial – é resultante não da natureza da aglomeração urbana por si
só, mas sim da nossa condição de subdesenvolvimento. Em outras palavras, as cidades brasileiras refletem,
espacialmente e territorialmente, os graves desajustes históricos e estruturais da nossa sociedade. Como
muitos autores já ressaltaram, o fenômeno de urbanização desigual observado em grande parte dos países
subdesenvolvidos se deve à matriz de industrialização tardia da periferia. (FERREIRA, 2003)
O sistema capitalista segundo Marx nasceu da economia feudal, a dissolução de um produziu elementos
constitutivos do outro. A essência do sistema capitalista está na separação radical entre o produtor e os
meios de produção.
Considera Harvey (2006, pg. 71) que a teoria de acumulação de capital de Marx pode ser analisada sob o
ponto de vista de uma escala geográfica expansível, melhor dizendo Marx entendia que a criação pelo
capital da mais-valia dependia de uma expansão da circulação, “especificamente de uma expansão
constante da esfera da circulação”, pois o capital possui a tendência de sempre criar mais trabalho
excedente fazendo com isso que exista o aumento conseqüente dos pontos de troca.
Harvey (ibid.) propõe uma interpretação sobre o sistema de produção onde argumenta que a reprodução da
vida cotidiana depende das mercadorias produzidas mediante um sistema de circulação de capital, que tem
a busca do lucro como objetivo direto e socialmente aceito.
A circulação de capital se baseia inclusive na relação entre classes sociais, explicando: A circulação de
capital impõe a compra e venda da força de trabalho como mercadoria. A separação entre vendedores e
compradores suscita uma relação de classes entre eles, existindo então dos lados, uma divisão de papeis.
Apesar destas não representarem as únicas relações de classes importantes para a circulação de capitais
estas são de fato imprescindíveis uma vez que sem a compra e venda de força de trabalho não poderia
haver a produção de mercadorias, nem exploração, nem lucro e muito menos a circulação do capital
propriamente.
Para que então a circulação de capital se mantenha viva e desta forma perpetue a o processo de
acumulação é preciso que haja expansão populacional como condição necessária, para que cresça a força
de trabalho assalariada, incluindo um exército de reserva industrial (Marx, in HARVEY, 2006 pg.119).
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Podemos considerar então que a expansão da circulação de capital suscite a expansão territorial e a
expansão de força de trabalho se desdobre no aumento da população.
A mudança do sistema produtivo mundial impulsionou o aumento da população nas cidades por conta da
libertação da servidão e criação da hierarquia industrial.
A revolução industrial é seguida imediatamente por um crescimento populacional nas cidades. É um
fenômeno que segundo Choay (2003), tem níveis de importância de acordo com os níveis de
industrialização dos países.
Segundo Lefebvre (1999), em “A cidade do capital”, onde discorre sobre a teoria de Marx e Engel, diz que
as forças produtivas, no seu crescimento, apesar dos entraves as relações de produção capitalistas,
produzem espaço e que ele não é somente criado e ocupado, mas também transformado.
Segundo Davis (2006), a terra se urbanizou ainda mais depressa do que previra o Clube de Roma em seu
relatório de 1972, Limits of Growth. Em 1950, havia 86 cidades no mundo com mais de 1 milhão de
habitantes; hoje são 400, em 2015 serão pelo menos 550.
As cidades absorveram quase dois terços da explosão populacional global desde 1950 e hoje o crescimento
é de 1 milhão de nascimentos e migrantes por semana. Em conseqüência disto, as cidades serão
responsáveis por quase todo o crescimento populacional do mundo, cujo pico, espera-se para 2050,
atingindo cerca de 10 bilhões de habitantes.
Somos aproximadamente 280 milhões de habitantes vivendo em Megacidades: dentre estes enclaves
urbanos alguns com mais de 10 milhões, concentrando mais de 9% da população, onde duas questões são
recorrentes e urgentes: os desequilíbrios climáticos e sociais. Uma em cada 03 pessoas vive em favelas,
muitas ocupando áreas de proteção ambiental, consumindo e produzindo resíduos.
O economista Paul Krugman, Prêmio Nobel de 2008, prognosticou que o crescimento das megacidades
será o futuro do modelo econômico de desenvolvimento e crescimento.
São nas megacidades que se verificam as maiores transformações da vida contemporânea, gerando uma
demanda inédita por serviços públicos, matérias-primas, produtos, moradia, transporte e emprego. Trata-se do
grande desafio atual para os governos e as empresas, exigindo mudanças na gestão pública e nas formas de
governança, demandando maior participação da sociedade civil organizada e obrigando o mundo a rever os
padrões de conforto típicos da vida urbana. (LEITE, 2009)
O panorama apresentado, que nos remete a imagem do caos absoluto, mostra que é preciso modificar a
visão sobre o sistema de produção, estabelecida até então, pois este reflete na organização espacial, e
conseqüentemente modifica as diretrizes de planejamento e o projeto das cidades.
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O sistema capitalista gera, segundo Tides Foundation & Funders Workgroup for Sustainble Prodution and
Consumption, um sistema linear de produção e consumo que por sua vez impede que aconteça a
renovação dos recursos naturais utilizados nos processos de produção. O esquema apresentado acima
representa o sistema linear de produção e consumo, indicando o percurso que a matéria prima faz desde a
extração até o descarte e o cumulo dos resíduos de volta a natureza.
A busca por emprego e meios de sobrevivência tem feito o homem rural deixar seu lugar de origem e migrar
para as áreas urbanas da cidade. Uma vez na “cidade” ele se vê obrigado a buscar moradia nos
assentamentos irregulares, uma vez que nem sempre as ofertas de emprego possibilitam a obtenção de
moradia próxima aos locais de trabalho.
Pasternak (2006) em “Um olhar sobre a habitação em São Paulo” comenta que a família é um fenômeno
predominantemente metropolitano.
Segundo Tramontano (2005) na história de diversos países do mundo o processo de industrialização tem
sido associado à concentração de população em pólos industriais e as profundas mudanças na composição
do grupo familiar e nas relações entre seus membros.
Magalhães (2003) por sua vez discute o fenômeno da renucleação familiar que também suscitou o
adensamento construtivo nos assentamentos precários, uma vez que à família de baixa são agregados
novos membros, como genros, noras e netos há a necessidade de aumentar ou dividir as habitações
A regra que se observa, nas áreas próximas às ofertas de trabalho: o custo de vida e da moradia é alto,
impossibilitando ao trabalhador morar próximo ao local de trabalho, deste modo as famílias vão inchando
cada vez mais as ocupações irregulares, que por natureza são desprovidas de serviços de saneamento
adequados e regularidade fundiária.
E sob esta ótica podemos especular sobre a possibilidade de um assentamento humano precário não ser
um desperdício de território e sim uma nova prática, uma inovação.
2. Sistema Cíclico de Produção e Habitação
Para discutir a especulação apresentada pelo titulo do artigo lançamos mão do livro Cradle to Cradle, onde
McDonough and Braungart (2002) discutem o conflito entre a indústria e o ambiente, sem parecer uma
acusação sobre o consumismo, mas sim uma oportunidade para o desenvolvimento de um design
consciente. Um novo design dos produtos e do sistema de manufatura como ferramenta para a modificação
e a construção de uma revolução industrial refletindo uma preocupação com os valores cotidianos,
entendendo que a perpetuação do modelo contemporâneo é um caminho com conseqüências trágicas.
McDonough and Braungart (2002) argumentam que podemos transformar resíduos em alimento,
repensando o sistema de produção e utilização das matérias primas. Desta forma, os resíduos se
desmanchariam nos aterros, ou poderiam ser lançados em qualquer terreno e se transformariam em
adubos, comida para as plantas, e plantas são o alimento e a base para as matérias primas de inúmeros
produtos.
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Imagens retiradas do site www.storyofstuff.com
WASTE = FOOD
SOBRAS = COMIDA = COMIDA PARA AS PLANTAS =
COMIDA PARA O HOMEM
O vídeo THE STORY OF STUFF, produzido por ANNIE LEONARD, através de subsídios e recursos da
TIDES FOUNDATION & FUNDERS WORKGROUP FOR SUSTAINBLE PRODUTION AND
CONSUMPTION, levanta a discussão sobre o processo linear de produção e consumo dos produtos
industrializados que se observa no mundo globalizado.
Este formato nos leva a raciocinar sobre onde
queremos chegar e o que fazer para que o mundo
sobreviva e proporcione vida aos seus habitantes. A
perpetuação deste sistema linear nos levará a exaurir
as fontes de recursos naturais e a produção
exacerbada de lixo, inclusive do lixo que não é lixo. A
discussão parte do principio que buscamos matérias
primas na natureza, as transformamos através do
processo industrial, os produtos chegam ao mercado
são consumidos pelos homens e descartados na
natureza novamente. Este sistema não devolve
recurso, só o utiliza e esgota.
McDonough (2002) com suas pesquisas conseguiu
transformar o sistema produtivo de uma indústria têxtil
na Suíça. Através da substituição da matéria prima
sintética, que era devolvida a natureza, pelos resíduos
esta produção, por fibras e tinturas naturais. Desta
forma, com esta nova matéria prima, os resíduos
produzidos no processo de fabricação dos tecidos é
devolvida a natureza e se transforma em alimento para a produção de mais matéria prima. O fenômeno da
ocupação irregular do território das cidades não é privilégio do Brasil, ele pode ser isto sim, considerado
como reflexo do crescimento exacerbado das áreas urbanas da cidade influenciado pelo sistema capitalista.
Pensando assim, podemos considerar que os assentamentos precários poderiam ser também fonte de
produção de matéria prima a partir de novos conceitos de projeto e da construção do território e de um novo
panorama:
Quando a criação do novo está em jogo, resignar-se ao provável e ao exeqüível é condenar-se ao passado e à
repetição. No universo das relações humanas, o futuro responde à força e à ousadia do nosso querer. A capacidade de
sonho fecunda o real, reembaralha as cartas do provável e subverte as fronteiras do possível. Os sonhos secretam o
futuro. (GIANNETTI, 1996)
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Imagens arquivo do fotógrafo
O esquema abaixo considera que o panorama referente aos assentamentos precários encontrados nas
grandes cidades remete ao caos absoluto, uma situação insolúvel sob o ponto de vista das práticas e
políticas públicas implementadas até hoje.
PANORAMA ATUAL
ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS = OCUPAÇÃO E EXPANSÃO DA CIDADE DESORDENADA = DESPERDÍCIO DE
TERRITÓRIO = DEGRADAÇÃO DO AMBIENTE = DESPERDÍCIO DE RECURSOS = SISTEMA LINEAR
PANORAMA ESPERADO
OCUPAÇÃO DIRIGIDA = CONSTRUÇÃO INTELIGENTE E CONSCIENTE = APROVEITAMENTO DOS RECURSOS
EXISTENTES = REMANUFATURA + RECICLAGEM = REUSO =
TRANSFORMAÇÃO DO SISTEMA LINEAR EM UM SISTEMA CICLICO E REPRODUTIVO
Bem como transformar o paradigma atual em um novo paradigma:
PARADIGMA ATUAL
Assentamentos Precários Ocupação Irregular e Desordenada =
CAOS e DESPERDÍCIO INEVITÁVEL E SEM SOLUÇÃO
NOVO PARADIGMA =
Reordenação + Reuso + Reciclagem + Moradia + Trabalho e Renda = Alternativa
Para tanto, podemos utilizar da discussão
de Koolhas em Mutations (2001), onde
discute o papel da Cidade genérica, sendo
a multiplicação dos modelos, por vezes
eficaz e por outras perigosas. A presente
discussão pretende fomentar a idéia que a
mudança da visão sobre os assentamentos
precários como fonte produtiva e de
inúmeras possibilidades significa modificar
o futuro das ocupações e das práticas a
serem implementadas.
- 9 - Imagens retiradas do arquivo de projeto da Secretaria Municipal de Habitação de Osasco - SP
Considerando que ali podem ser encontradas oportunidades de melhoria de vida modificando o paradigma
atual que encara as ocupações como sistema linear para um sistema cíclico e produtivo, produzindo
inclusive trabalho e renda.
Conforme Moreira (2009) em seu artigo na Vitruvius:
Koolhas ao buscar nestes casos o genérico, reabilita a fórmula corbusiana, moderna, de reduzir os
acontecimentos a uma matriz única. Trata-se de uma estratégia, seja de expansão ou de criação de domínios,
devemos então estar alertas para a importância do modelo adotado e o seu papel na construção do
pensamento e seus efeitos na cidade.
O modelo não se transformaria numa receita única, e sim faria uso das especificidades do lugar, do território
e do ambiente construído estudado. Seria utilizar a análise de Heidegger (1954), que discutia a intenção de
dirigir a atenção, para trazer à luz a aquilo que na
maior parte das vezes se oculta, naquilo que na
maior parte das vezes se mostra, mas que é
precisamente o que se manifesta nisso que se
mostra. Transportando a análise para o objeto a ser
estudado, os assentamentos precários, seria
considerar que estes territórios possuem
características que podem ser utilizadas, em seu
favor, na formulação das propostas para as
intervenções para a qualificação destas ocupações.
Tirar das situações e contextos, conceitos e
modelos para o que se quer aplicar.
O projeto então se torna peça chave na
identificação e apropriação destas características,
traduzindo-as nas propostas de intervenção. Olhando sob
esta nova ótica os assentamentos precários poderiam
adquirir um caráter de inovação e alternativa, desde que
observadas as condições de qualidade.1
Os assentamentos precários por muito tempo foram
considerados o lugar do caos, da violência, do desperdício
provocado pela ocupação irregular, seriam então o
1 Qualidade aqui entendida a princípio como adequação específica
quanto à inexistência de atendimento de serviços de saneamento básico no ambiente construído e quanto à insalubridade das moradias.
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desperdício de materiais, de mão-de-obra, de terras, de investimento das famílias e da produção de lixo.
O lugar das desigualdades, do desequilíbrio, das ausências, de olhar do poder público e de oportunidades.
O que queremos considerar é que estes assentamentos podem ser tratados como lugar das oportunidades,
das possibilidades. O lugar das novas praticas, do saber popular que pode e deve ser aproveitado,
reutilizado e potencializado. Os resíduos produzidos ali podem ser utilizados ali e no restante da cidade, é
resíduo revertido em matéria prima.
ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS = NOVAS PRÁTICAS DE OCUPAÇÃO E CONSTRUÇÃO
INOVAÇÃO OU DESPERDÍCIO?
NOVAS PRÁTICAS=
URBANIZAÇÃO = A RECUPERAÇÃO FISICA DOTERRITÓRIO RECUPERANDO O AMBIENTE =
RECICLAGEM DE RESIDUOS SOLIDOS =
MATERIA PRIMA = PAVIMENTO= NOVOS CAMINHOS =
MATERIA PRIMA = ARGAMASSA = NOVAS CONSTRUÇÕES=
NOVA VISÃO = SISTEMA CICLICO = NOVO TERRITORIO = NOVO AMBIENTE
[...] interpretar o que se mostra pondo luz, ou
desvendando isso que se manifesta aí, mas que, no
início e na maioria das vezes, não se deixa ver.
(HEIDGGER, 1954)
Cabe aqui uma consideração a respeito do que Rubano
(2009): Deseja-se usar o projeto como mecanismo operante
às lógicas das políticas compensatórias e ao mecanismo da
segregação ou seria possível reencontrar as tarefas do projeto
que estejam indo ao encontro às suas questões mais
fundamentais? [...] E, por estes tantos motivos, faz-se
fundamental uma revisão das possibilidades e das
formulações teóricas postas ao projeto de arquitetura e urbano
hoje: busca-se a dimensão que eles podem ter como
mecanismos de democratização da condição urbana ou de
distribuição da riqueza produzida coletivamente. Sob este
olhar podemos dizer que o projeto pode ser um
instrumento de revitalização e ou afirmação das
qualidades existentes nos assentamentos humanos. Imagens retiradas do Planeta Favela, Davis (2006) e do arquivo pessoal de Viviane M. R. Câmara
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É preciso abrir um parêntese sobre esta afirmação: sabemos que durante muito tempo os estados, ou
melhor, o poder público esteve de costas para a questão habitacional, e em um dado momento os
assentamentos foram a alternativa que a população de baixa renda encontrou para responder às
necessidades de habitação que ora se apresentavam.
3. Conclusão
Lembrando que a principio esta é uma reflexão, podemos dizer que esta nova visão poderá redimensionar a
atuação do projeto, enquanto prática e enquanto resposta. Considerando que o assentamento precário
pode ter e ser um sistema cíclico, este pode produzir território e matéria prima. Território, enquanto se
qualificam as ocupações através da implantação de infraestrutura de saneamento básico, bens e serviços
públicos, através de um projeto inovador e matéria prima enquanto se reutilizam os materiais das
demolições e reconstruções para a construção de novos edifícios e espaços.
Apesar disso certas práticas, implantadas há pouco na cidade, de reutilização de materiais produzidos pela
construção e reconstrução da cidade possibilitariam o estabelecimento desta nova visão, do sistema cíclico,
como por exemplo, a instalação da usina de reciclagem de entulho para a produção de matéria prima para a
confecção de agregados para argamassas e para bases de pavimentos, bem como na fabricação de
alvenarias.
A partir deste ponto de vista, com a qualificação destes assentamentos humanos, tanto a problemática
habitacional, quanto a ambiental poderão ser, se não equacionadas, minimizadas nos grandes centros
urbanos.
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