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ASSISTÊNCIA PRÉ-NATAL: CONHECIMENTOS, ATITUDES E PRÁTICAS DE MULHERES INTERNADAS NO SERVIÇO DE OBSTETRÍCIA DE UM HOSPITAL DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, BRASIL* Nelly Martins Ferreira Candeias ** RSPUB9/521 CANDEIAS, N. M. F. Assistência pré-natal: conhecimentos, atitudes e práticas de mulheres internadas no Serviço de Obstetrícia de um hospital do município de São Paulo, Brasil, Rev. Saúde públ., S. Paulo, 14:427-38, 1980. RESUMO: Estuda-se conhecimentos, atitudes e práticas em relação à assis- tência pré-natal de 404 mulheres internadas no Serviço de Obstetrícia de um hospital do município de São Paulo (Brasil). Descreve-se o trimestre da gestação em que a assistência pré-natal teve início, de acordo com o risco gravídico medido através do sistema de avaliação de Perkin. Apresentam-se as razões que impediram o comparecimento no primeiro trimestre de gravidez ou levaram ao não-comparecimento a esse serviço, assim como inconsistências entre atitudes e práticas da população em estudo. UNITERMOS : Assistência pré-natal, S. Paulo, Brasil. Educação em saúde pública. Risco gravídico. * Trabalho baseado na Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Saúde Pública da USP, 1979, subordinada ao título: "Educação em saúde na prevenção do risco gravídico pré-natal e interconcepcional". ** Do Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP — Av. Dr. Arnaldo, 715 — 01255 — São Paulo, SP — Brasil. INTRODUÇÃO Tem-se definido o pré-natal como um programa de exame, avaliação, observação, tratamento e educação de mulheres grávidas para que a gestação, o parto e o nasci- mento se transformem em um processo normal e sem perigo para mães e crianças 19 . Sem dúvida, a assistência pré-natal pode alcançar este objetivo mas, para isto, é preciso que a gestante procure o atendimen- to médico tão logo se aperceba de sua gravidez. A assistência pré-natal oferece oportuni- dade única para observar e tratar a ges- tante por um período que pode ir além de seis meses. Supervisionar e manter a normalidade da gestação, evitar e controlar riscos, dar apoio e educar as pacientes representam os alicerces da boa assistência pré-natal. A primeira visita é particularmente im- portante pois, a partir dela, pode o médico avaliar o risco gravídico, antes mesmo de ter acesso a resultados de exames labora- toriais. Para proteger a saúde materno- infantil é preciso que a gestante saiba o que está ocorrendo consigo própria e com

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ASSISTÊNCIA PRÉ-NATAL: CONHECIMENTOS, ATITUDES EPRÁTICAS DE MULHERES INTERNADAS NO SERVIÇO DE

OBSTETRÍCIA DE UM HOSPITAL DO MUNICÍPIO DESÃO PAULO, BRASIL*

Nelly Martins Ferreira Candeias **

RSPUB9/521

CANDEIAS, N. M. F. Assistência pré-natal: conhecimentos, atitudes e práticas demulheres internadas no Serviço de Obstetrícia de um hospital do municípiode São Paulo, Brasil, Rev. Saúde públ., S. Paulo, 14:427-38, 1980.

RESUMO: Estuda-se conhecimentos, atitudes e práticas em relação à assis-tência pré-natal de 404 mulheres internadas no Serviço de Obstetrícia de umhospital do município de São Paulo (Brasil). Descreve-se o trimestre da gestaçãoem que a assistência pré-natal teve início, de acordo com o risco gravídicomedido através do sistema de avaliação de Perkin. Apresentam-se as razõesque impediram o comparecimento no primeiro trimestre de gravidez ou levaramao não-comparecimento a esse serviço, assim como inconsistências entre atitudese práticas da população em estudo.

UNITERMOS : Assistência pré-natal, S. Paulo, Brasil. Educação em saúdepública. Risco gravídico.

* Trabalho baseado na Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Saúde Pública daUSP, 1979, subordinada ao título: "Educação em saúde na prevenção do risco gravídicopré-natal e interconcepcional".

** Do Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP —Av. Dr. Arnaldo, 715 — 01255 — São Paulo, SP — Brasil.

INTRODUÇÃO

Tem-se definido o pré-natal como umprograma de exame, avaliação, observação,tratamento e educação de mulheres grávidaspara que a gestação, o parto e o nasci-mento se transformem em um processonormal e sem perigo para mães e crianças 19.Sem dúvida, a assistência pré-natal podealcançar este objetivo mas, para isto, épreciso que a gestante procure o atendimen-to médico tão logo se aperceba de suagravidez.

A assistência pré-natal oferece oportuni-dade única para observar e tratar a ges-

tante por um período que pode ir alémde seis meses. Supervisionar e manter anormalidade da gestação, evitar e controlarriscos, dar apoio e educar as pacientesrepresentam os alicerces da boa assistênciapré-natal.

A primeira visita é particularmente im-portante pois, a partir dela, pode o médicoavaliar o risco gravídico, antes mesmo deter acesso a resultados de exames labora-toriais. Para proteger a saúde materno-infantil é preciso que a gestante saiba o

que está ocorrendo consigo própria e com

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o feto, quais as medidas a tomar e osignificado destas. Nesse período, o pro-grama de Educação em Saúde adquire es-pecial relevância: torna-se necessário que,após a primeira visita, a gestante possareconhecer sintomas perigosos, que exigempronto atendimento no período inicial dagestação. Os mesmos cuidados médico-edu-cativos devem estender-se a visitas subse-qüentes para que aquela usuf rua dos bene-fícios de uma gestação devidamente contro-lada. Depende isto, entretanto, do atendi-mento médico no primeiro trimestre dagravidez e do comparecimento regular avisitas marcadas nos trimestres subse-qüentes.

Não é isto que ocorre, em geral. Aocontrário, é comum o espetáculo quotidianode mulheres que chegam à maternidade comriscos "in extremis". No decorrer dosanos tem-se observado uma inesgotávelnegligência no que respeita à assistênciapré-natal5,10.

O estudo do comportamento das gestan-tes em relação à assistência pré-natalassume particular significado para a prá-tica da Educação em Saúde pois, apar de outros fatores, a prevenção dorisco materno-infantil depende diretamentedo comportamento da mãe, de sua pronti-dão em recorrer à assistência pré-natal ede sua obediência à orientação médica. Aimportância do atendimento pré-natal jus-t if ica breve revisão de algumas publicaçõesa respeito.

Estudo realizado por Fiumara 6 , emBoston, no ano de 1951, mostrou a asso-ciação existente entre a incidência de sífiliscongênita e a inadequação do atendimentopré-natal. Evidenciaram os fatos que 16,8%das puérperas internadas no Hospital deBoston, durante um período de quatromeses, não haviam recebido nenhumaatenção médica naquele hospital ou emclínicas particulares. Em média, compa-receram ao serviço pré-natal na 26a. se-mana, sendo que 51% compareceram apenasa partir do terceiro trimestre da gestação.

Também em 1951, Baumgarter e col.2 ,ao estudarem certificados de nascimento nacidade de Nova York, chamaram a atençãopara a disparidade existente entre gruposde diferentes estratificações sociais. Nãose verificou, entretanto, nenhuma influênciade raça, idade e grupo étnico nos grupossem assistência pré-natal ou com iníciotardio.

Dados de pesquisa realizada em SanJose, na Califórnia, mostraram que mulhe-res sem requisitos para admissão ao hospi-tal foram internadas subseqüentemente emestado grave. Verificou-se, também, quemuitas ignoravam estar grávidas e queoutras não compareceram por não ter comquem deixar os filhos ou por problemasde caráter financeiro1 1 .

Rosenfeld e Donabedian16 e mais tardeDonabedian e Rosenfeld5 , reexaminandodados anteriores, observaram que, apesarda melhor qualidade de atendimento médicodispensado a mães nos Estados Unidos, seestava longe de oferecer a devida proteçãoa gestantes de vários segmentos da popu-lação.

Pakter 14 estudou o parto de mães sol-teiras, observando ser o comparecimento aopré-natal deste grupo bastante mais pre-cário do que o das mulheres casadas.

O estudo de Gadalla 8 mostrou o rela-cionamento entre comportamento na assis-tência pré-natal e prontidão psicológica dasmães: concluiu-se que mães com níveismais elevados de prontidão psicológicaprocuravam a assistência pré-natal no inícioda gestação, sendo menos significativosos demais fatores.

Apesar da importância prática de dadosdesta natureza, no Brasil poucos são osestudos desenvolvidos na área do atendi-mento pré-natal. Ciari Jr. e col.4 realizarampesquisa sobre avaliação quantitativa deserviços pré-natal, apresentando indicado-res de atividades médicas e do grau deproteção oferecida à gestante. Os resulta-dos evidenciaram baixa produtividade namaioria dos serviços observados e excessivo

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número de horas ociosas, chamando aatenção para circunstâncias ligadas ao tri-mestre da gestação em que procurou oatendimento médico. Alvarenga 1 e Iunes9

também se preocuparam com aspectos rela-tivos ao período da gestação em que serealizou a primeira visita ao pré-natal.

Contudo, até a presente data, nenhumestudo analisou, de modo mais global, co-nhecimentos, atitudes e práticas de gestan-tes em relação à assistência pré-natal.Dados dessa natureza assumem particularsignificado quando se tem como esquemade referência o risco gravídico, pois sóatravés do imediato comparecimento a ser-viços de assistência pré-natal pode o mes-mo ser reduzido ou mesmo eliminado.

Tendo em vista estas considerações, passaa ser objetivo do presente estudo apresen-tar alguns dados sobre o comparecimentoa serviços de atendimento pré-natal depuérperas internadas no Serviço de Obste-tr íc ia do Hospital São Paulo.

MATERIAL E MÉTODOS

A população deste estudo foi constituídapor 404 mulheres internadas em um serviçode obstetrícia do Hospital São Paulo, noperíodo de abril a setembro de 1975. Apósreceberem alta médica, as puérperas foraminquiridas consecutivamente, dando origem

à informação básica do presente trabalho.Os dados foram processados por computa-dor. Em trabalho anterior foi descrito, commaior detalhe, os procedimentos desenvol-vidos (Candeias 3 , 1980).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Trimestre da gestação em que a assis-tência pré-natal teve início.

O trimestre da gestação em que a assis-tência pré-natal tem início, assim como amédia de consultas por gestante, represen-tam importantes critérios a considerar naavaliação quanti tat iva do atendimento rece-bido.

A Tabela l apresenta a distribuição dapopulação amostral segundo o trimestre daprimeira visita à assistência pré-natal.

De acordo com a Tabela l, apenas 42,2%das mulheres procuraram atendimento mé-dico no pr imeiro trimestre da gestação,sendo que 30,8% o fizeram a partir dosegundo trimestre e 7,2% apenas a part irdo terceiro trimestre. Uma proporçãorelativamente elevada de mulheres, 19,8%,não recebeu qualquer tipo de assistênciapré-natal, evidenciando-se assim a necessi-dade de dinamizar o processo educativojun to às gestantes com vistas a aumentara cobertura desse tipo de serviço.

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Trimestre da gestação em que a assistênciapré-natal teve início e risco gravídico

As Tabelas a seguir fornecem uma des-crição das d i ferenças existentes em relaçãoà assistência médica, mediante análise com-parativa das proporções de mulheres se-gundo o período em que in ic iaram aassistência pré-natal e o grau de risco

gravídico, avaliado este pelo sistema pro-posto por Perkin 15.

De acordo com a Tabela 2, 20,6% dasmulheres de alto risco jamais procurarama assistência pré-natal, sendo este valorimediatamente seguido por 18,8% no grupode baixo risco e 18,0% no grupo de médiorisco.

A Tabela 3 complementa estas informa-ções.

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De acordo com a Tabela 3, 68,4% demulheres sem assistência pré-natal perten-ciam ao grupo com alto-risco, decrescendoa percentagem para 27,8% no grupo commédio risco e para 3,8% no grupo semrisco gravídico.

Atitudes e práticas na área da assistênciapré-natal

O estudo das atitudes e práticas de umapopulação, ou seja, do que a mesma achae faz quanto ao comparecimento a serviçosde atendimento médico, assume particularrelevância na área da Educação em Saúde,levando à seguinte indagação: se os indi-víduos não comparecem devida e regular-mente a esses serviços, em que contexto sedeve conduzir o processo educativo e quemétodos deverão ser utilizados?

As Figuras visam a ilustrar inconsistên-cias nas atitudes (o que acha?) e práticas(o que faz?) da população em estudo noque respeita ao início da assistência pré-natal. Para f ins de análise, dividiu-se a

amostra em três grupos: primíparas(N = 142), não primíparas (N=258) e ado-lescentes (N=50); este último grupo foiselecionado dentre as pr imíparas e nãoprimíparas.

A Fig. l permite observar a defasagementre atitudes e práticas de mães primí-paras. Note-se que apesar de 86,3%mencionarem o primeiro trimestre da ges-tação como o período ideal para iniciar aassistência pré-natal, apenas 35,2% o fize-ram na prática. Cumpre assinalar, também,que apesar de 100,0% das gestantes teremmencionado o primeiro e segundo trimestrescomo período ideal para iniciar o pré-natal,29,6% compareceram apenas no terceirotrimestre ou jamais tiveram assistênciapré-natal, evidenciando-se, assim, a incon-sistência entre as atitudes e práticas dogrupo em estudo.

Quanto ao grupo de mães não primípa-ras, seria de esperar que a experiência

reprodutiva as levasse a iniciar a assistên-cia pré-natal no primeiro trimestre dagestação em decorrência da educaçãoadquirida em contato com a equipe desaúde. No entanto, como se observa na Fig.2, é profunda a defasagem entre atitudese práticas das mães: 84,9% mencionaramo primeiro trimestre como representando operíodo ideal para iniciar a assistênciapré-natal; na prática, apenas 46,1% pro-cu ra ram o pré-natal nesse período.

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Se considerarmos, separadamente, aopinião das adolescentes, grupo de particu-lar risco (Fig. 3), 82,0% mencionam oprimeiro trimestre como período ideal, noentanto, apenas 27,3% inic iaram a assis-tência médica neste período.

Barreiras que prejudicam a assistênciapré-natal

O que leva algumas mulheres a nãoprocurarem a assistência pré-natal no pri-meiro trimestre da gestação? Por queoutras jamais compareceram à assistênciapré-natal? As Tabelas a seguir visam aesclarecer estas indagações.

Como se observa na Tabela 4, as razõesmais freqüentemente mencionadas para nãocomparecer ao pré-natal no primeiro tri-mestre foram: "por não achar necessário"e por "ignorar que estavam grávidas",

respostas particularmente importantes doponto de vista educativo.

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A Tabela 5 permite observar as razõesque levaram as gestantes a não procurar,em qualquer momento, a assistência pré-natal.

As respostas mais freqüentes foram, nestesegundo caso, "porque abortaram" e "por-que não achavam necessário", podendo-sechamar a atenção, mais uma vez, para oquanto estas respostas representam dedeficiências educativas no grupo em estudo.

Em relação a mulheres que jamais pro-curaram serviços de atendimento pré-natalhouve interesse em conhecer as razões pelasquais isso ocorreu, considerando-se o riscogravídico do grupo: a Tabela 6 discriminaos resultados obtidos.

Quanto à razão mais mencionada, recaiuo valor modal sobre a resposta "porqueabortaram", seguindo-se, em ordem de im-portância, "porque não achavam necessário"e "porque o trabalho impediu".

Do ponto de vista educativo, estes dadostêm importantes implicações. Em primeirolugar, deve salientar-se o fato de a maioriadas mulheres sem assistência pré-natal eque abortaram, 37,8%, pertencerem aogrupo de alto risco, o que leva às seguintesindagações: Teria o aborto sido induzidoou abortaram espontaneamente? E, neste

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caso, t e r i am abor tado mesmo se tivessemrecebido a devida atenção? Tais questõeslevantam problemas que escapam ao âmbitodo presente estudo, sugerindo, entretanto,estudo subseqüente a respeito. Em segundolugar, deve considerar-se o fato de 16,9%terem respondido "por não achar necessá-rio", o que por si só dispensa quaisquercomentários.

Número de visitas a serviços de assistênciapré-natal

A Tabela 7 permite observar o númerode visitas efetuadas a serviços de assistên-cia pré-natal.

Como se observa, 52,3% f ize ram menosdo que seis visitas ao pré-natal, númeromínimo recomendado pela OrganizaçãoMundial da Saúde 1 3 ; 19,7% alcançaram 6 a

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7 visitas, distribuindo-se os restantes per-centuais entre 8 e 13 visitas. O númeromodal, 19,0%, recaiu sobre mulheres semnenhuma assistência pré-natal, sendo ime-diatamente seguido por valores bimodais,11,0%, referentes a mulheres com 6 e 8visitas.

A percentagem relativamente baixa demulheres que iniciaram o pré-natal no pri-meiro trimestre da gestação, 42,2%, Tabelal, conjuntamente com o número reduzidode visitas, constituem situações altamentedesfavoráveis que afetam a saúde materno-fetal, aumentando o risco gravídico do

grupo em estudo.

Expectativas em relação à assistência pré-natal, tempo despendido da residência à

clínica e tempo de espera.

A Tabela 8 mostra as expectativas demulheres com queixas e sem queixas médi-cas quanto à assistência pré-natal.

Em ambos os grupos, a expectativa maismencionada foi "proteger a saúde dacriança": 23,9% no grupo com queixasmédicas e 37,6% no grupo sem queixas mé-dicas.

A Tabela 9 descreve o tempo despendidopelas mulheres para se deslocarem da resi-dência à clínica.

Com a Tabela 10 tem-se uma idéia dotempo de espera antes da consulta pré-natal.

Talvez represente este um dos maioresproblemas na área da assistência pré-natal.Cerca de 56,1% das pacientes afirmaramter esperado uma hora e meia ou mais antes

de serem atendidas. Considerando-se o fatode que muitas residem relativamente longeda clínica, é fácil compreender uma dasqueixas registradas no presente estudo: "agente espera a vida inteira e no fim man-dam a gente embora depois de alguns mi-nutos". O problema da espera tem sido

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relacionado como uma "falta de interessepelo indivíduo, prejudicando esforços sub-seqüentes do médico e do pessoal no querespeita a apoio emocional"17.

Preferência pelo sexo do médico

O tema pudor tem sido regularmenteexplorado pela literatura sociológica eantropológica, não só na América Latina,mas também em outros países7,12,18. Par-tindo do pressuposto de que representaproblema particularmente grave entre mu-lheres de baixo nível sócio-econômico, houveinteresse em indagar qual a preferênciada população amostral no que concerne ao

sexo do médico. A Fig. 4 ilustra a respostade 171 mulheres que responderam à questãoem pauta.

Embora as diferenças não tinham sidoestatisticamente significantes, vale a penaobservar a alta proporção de jovens comidade igual ou menor do que 20 anos, queafirmaram preferir o atendimento por mé-dicas e não por médicos.

Médicos, assim como demais membros daequipe de saúde, têm sido prejudicados emseus esforços para reduzir a mortalidadematerno-infantil por valores culturais refe-rentes ao tipo de relacionamento conside-rado desejável entre médicos e gestantes.Segundo Foster 7, em países muçulmanos elatino-americanos é freqüente não se aceitarque outro homem, que não o marido, possater o grau de intimidade exigido por examesginecológicos. Por isso, muitas mulherespreferem não se submeter a exames duranteo período pré-natal, problema este quepoderia ser facilmente controlado atravésda maior utilização de médicos do sexofeminino7 . Tendo em vista os resultadosapresentados na Fig. 4, seria aconselháveldo ponto de vista educativo, que as ges-tantes pudessem optar pelo sexo do médicodurante a assistência pré-natal. Acredita-seque, com isto, se reduziria séria barreira àcomunicação humana.

CONCLUSÕES

— Apenas 42,2% das gestantes procuraramo serviço de atendimento pré-natal noprimeiro trimestre da gravidez.

— Das gestantes com alto risco, 20,6% ja-mais procuraram a assistência pré-natal.

— Das gestantes que jamais procuraram aassistência pré-natal, 68,4% pertenciamao grupo com alto risco gravídico.

— Apesar de 86,3% das primíparas men-cionarem o primeiro trimestre da gesta-

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ção como período ideal para iniciar aassistência pré-natal, apenas 35,2% of izeram; 84,9% de mulheres não p r imí -paras mencionaram o pr imeiro trimestreda gestação como período ideal parai n i c i a r a assistência pré-natal, porémapenas 46,1% o f ize ram; 82,0% deadolescentes mencionaram o pr imeirotrimestre da gestação como período idealpara iniciar a assistência pré-natal, po-rém apenas 27,3% o f i z e r a m .

"Por não achar necessário" e "por igno-rar que estavam grávidas" fo ram asduas razões mais freqüentemente men-cionadas para não comparecer no pré-natal no pr imei ro tr imestre da gravidez.

As duas razões mais freqüentementemencionadas para não comparecer àassistência pré-natal foram "por teremabortado" e "por não achar necessário".

Das entrevistadas, 52,3% f izeram menosdo que seis visitas ao pré-natal; o valormodal, 19,0% recaiu sobre mulheres semnenhuma assistência pré-natal.

"Para proteger a saúde da criança",foi a expectativa mais mencionada noque respeita à assistência pré-natal.

Pre fe r i ram ser atendidas por médicas,67,7% das mulheres com 20 anos oumenos, 54,9% das mulheres com 21 aos29 anos e 59,2% das mulheres com 30anos ou mais.

RSPUB9/521

CANDEIAS, N. M. F. [Prenatal care: knowledge, attitudes and practices of womenpatients of the Obstetrics Clinic of a hospital in the municipality of S. Paulo,Brazil] Rev. Saúde públ., S. Paulo, 14:427-38, 1980.

ABSTRACT: The knowledge, attitudes and practices, in relation to prenatalcare, of 404 women patients in the Obstetrics Clinic of a hospital in the munici-pality of S. Paulo (Brazil) were studied. The period of gestation in whichprenatal care started is described in accordance with pregnancy risk as measuredby Perkin's method of assessment. This study sets out the reasons with hinderedthe patients' taking advantage of the services offered by this Clinic during thefirst trimester of pregnancy or at any time during pregnancy, as well as theinconsistencies between the attitudes and practices of the population sampleunder review.

U N I T E R M S : Prenatal care, S. Paulo, Brazil. Health education. Pregnancy risk.

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Recebido para publicação em 14/03/1980

Aprovado para publicação em 23/06/1980