Associação Brasileira de História Oral, 20 anos depois: O que somos? O que queremos ser?

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ARTIGOS VARIADOS Associação Brasileira de História Oral, 20 anos depois: O que somos? O que queremos ser?* Angela de Castro Gomes** Estamos persuadidos de que a história oral não está mais nas suas primícias. Chegou já à primavera e é cada vez mais reconhecida e compreendida nos círculos acadêmicos mais tradicionais. Os que contestam a fonte oral travam combates ultrapassados. Em contrapartida, como em todo fenômeno que atinge a maturidade, o risco de perda de vitalidade, de banalização, é real. Seu segundo desafio é o de permanecer fiel à sua inspiração inicial. (Philippe Joutard, 1998) Esse pequeno fragmento que serve de epígrafe às reflexões que se seguem faz parte da conferência proferida por Philippe Joutard no X Con- gresso Internacional de História Oral, realizado no Rio de Janeiro em 1998. Sua comunicação foi reunida com várias outras no livro História oral: desafios para o século XXI, publicado em 2000. 1 Tanto o congresso (o primeiro orga- * Este artigo foi escrito para o XII Encontro Nacional de História Oral, realizado em Teresina (PI) entre 6 e 9 de maio de 2014. Agradeço a Fernanda Mendes, aluna da graduação em História da Unirio, que trabalhou com dedicação e eficiência como auxiliar de pesquisa no levantamento dos dados e na feitura dos gráficos. ** Professora titular aposentada de História do Brasil na Universidade Federal Fluminense (UFF) e profes- sora visitante sênior da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). 1 O livro, publicado pela Editora FGV (Rio de Janeiro), foi organizado por Marieta de Moraes Ferreira, Tânia Maria Fernandes e Verena Alberti.

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No momento em que a Associação Brasileira de História Oral (ABHO)faz 20 anos, esse fragmento está sendo recuperado como mote para pensar.Em 1998, o autor saudava os avanços conseguidos pela metodologia, quehavia vencido fortes e arraigadas resistências no campo das ciências humanase sociais, não sem muita persistência e luta. Segundo o diagnóstico doautor, as fontes orais naquele momento já haviam alcançado um grau dereconhecimento e compartilhamento tão amplo, que tentar questionar sualegitimidade e usos era como travar “combates ultrapassados”. Considerandoessa parte do fragmento, pode-se ponderar que Joutard, não sendo brasileiro,talvez não avaliasse o ritmo particular de cada comunidade acadêmica naacolhida de algumas mudanças – como a adoção de novas metodologias –,especialmente quando desacomodam questões canônicas, como é o casodo valor da fonte escrita como documento – ao menos na área da história.Muito provavelmente, o que ele identifica devia de fato ocorrer em diversascomunidades científicas da Europa. Mas no Brasil, em 1998, muitos dospraticantes da história oral ainda encontravam grande desconfiança (ou algomais) quando apresentavam projetos ou resultados de pesquisas que privilegiavamfontes orais, ou quando adotavam a história oral como um métodonecessário e mesmo incontornável para a construção e análise do objeto aser pesquisado. Entre 1998 e 2014, muita água rolou debaixo dessa ponte, etalvez agora esse combate esteja realmente ultrapassado.

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  • ARTIGOS VARIADOS

    Associao Brasileira de Histria Oral, 20 anos depois: O que somos?

    O que queremos ser?*

    Angela de Castro Gomes**

    Estamos persuadidos de que a histria oral no est mais nas suas primcias. Chegou j primavera e cada vez mais reconhecida e

    compreendida nos crculos acadmicos mais tradicionais. Os que contestam a fonte oral travam combates ultrapassados.

    Em contrapartida, como em todo fenmeno que atinge a maturidade, o risco de perda de vitalidade, de banalizao, real.Seu segundo desafio o de permanecer fiel sua inspirao inicial.

    (Philippe Joutard, 1998)

    Esse pequeno fragmento que serve de epgrafe s reflexes que se seguem faz parte da conferncia proferida por Philippe Joutard no X Con-gresso Internacional de Histria Oral, realizado no Rio de Janeiro em 1998. Sua comunicao foi reunida com vrias outras no livro Histria oral: desafios para o sculo XXI, publicado em 2000.1 Tanto o congresso (o primeiro orga-

    * Este artigo foi escrito para o XII Encontro Nacional de Histria Oral, realizado em Teresina (PI) entre 6 e 9 de maio de 2014. Agradeo a Fernanda Mendes, aluna da graduao em Histria da Unirio, que trabalhou com dedicao e eficincia como auxiliar de pesquisa no levantamento dos dados e na feitura dos grficos.

    ** Professora titular aposentada de Histria do Brasil na Universidade Federal Fluminense (UFF) e profes-sora visitante snior da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).

    1 O livro, publicado pela Editora FGV (Rio de Janeiro), foi organizado por Marieta de Moraes Ferreira, Tnia Maria Fernandes e Verena Alberti.

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    nizado pela Associao Internacional de Histria Oral na Amrica Latina) quanto o livro tornaram-se referncias para pensar os rumos da metodologia da histria oral no Brasil. Alm disso, observou-se a qualidade das comuni-caes apresentadas naquela oportunidade, que foram apenas em parte mate-rializadas no livro.

    No momento em que a Associao Brasileira de Histria Oral (ABHO) faz 20 anos, esse fragmento est sendo recuperado como mote para pensar. Em 1998, o autor saudava os avanos conseguidos pela metodologia, que havia vencido fortes e arraigadas resistncias no campo das cincias huma-nas e sociais, no sem muita persistncia e luta. Segundo o diagnstico do autor, as fontes orais naquele momento j haviam alcanado um grau de reconhecimento e compartilhamento to amplo, que tentar questionar sua legitimidade e usos era como travar combates ultrapassados. Considerando essa parte do fragmento, pode-se ponderar que Joutard, no sendo brasileiro, talvez no avaliasse o ritmo particular de cada comunidade acadmica na acolhida de algumas mudanas como a adoo de novas metodologias, especialmente quando desacomodam questes cannicas, como o caso do valor da fonte escrita como documento ao menos na rea da histria. Muito provavelmente, o que ele identifica devia de fato ocorrer em diver-sas comunidades cientficas da Europa. Mas no Brasil, em 1998, muitos dos praticantes da histria oral ainda encontravam grande desconfiana (ou algo mais) quando apresentavam projetos ou resultados de pesquisas que privile-giavam fontes orais, ou quando adotavam a histria oral como um mtodo necessrio e mesmo incontornvel para a construo e anlise do objeto a ser pesquisado. Entre 1998 e 2014, muita gua rolou debaixo dessa ponte, e talvez agora esse combate esteja realmente ultrapassado. Contudo, sempre bom ser cuidadoso e manter o talvez, que nos coloca em alerta e nos poupa de surpresas desagradveis.

    De toda a forma, possvel dizer que, no Brasil do sculo XXI, a meto-dologia de histria oral alcanou sua maturidade. Pensando assim, no h dvida de que um dos instrumentos mais importantes e exitosos na luta pela afirmao da metodologia foi a formao de uma Associao Brasileira de Histria Oral, em 1994. A mobilizao e organizao de seus pratican-tes por meio dessa associao foi decisiva para o fortalecimento dos argu-mentos que defendiam sua especificidade e valor e, no mesmo movimento, conformavam prticas de pesquisa que demarcavam o que seria conhecido como metodologia de histria oral no Brasil. Tratando-se de uma fonte que

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    construda intencionalmente durante o processo de pesquisa, e que cons-truda de forma dialgica porque envolve o prprio sujeito pesquisado alm do pesquisador , foi preciso tempo e debate para chegar a acordos slidos. Evidentemente, nunca se chegou at porque nunca se desejou che-gar a um consenso absoluto. Na verdade, essa uma possibilidade remota no que se refere a escolhas terico-metodolgicas. Entretanto, a construo e o compartilhamento de um conjunto de procedimentos metodolgicos capaz de definir com clareza uma prtica de produo e anlise de fontes de pesquisa foram encarados como incontornveis para legitimar a histria oral no Brasil. Esse trabalho demandou diversos debates e um alto grau de concordncia em questes fundamentais para que um resultado consistente fosse produzido. Caso contrrio, como estava claro para os envolvidos no processo, um reconhecimento mais amplo por parte da comunidade aca-dmica seria muito mais difcil. O desafio, portanto, era estabelecer pontos fundamentais em comum e consagr-los na teoria e na prtica de pesquisa, para que a metodologia fosse reconhecida amplamente e utilizada com segu-rana por seus praticantes.

    A ABHO nasceu e cresceu no enfrentamento desse desafio. Assim, ao ler o comentrio de Joutard dirigido metodologia, julguei que seria interes-sante utiliz-lo como estmulo para pensar nossa associao neste momento de comemorao. Com 20 anos, ela viveria sua primavera e teria alcanado sua maturidade? A prpria pergunta nos impulsiona a refletir sobre o que somos hoje e o que queremos ser no futuro. Se a ABHO foi criada para ser um frum de praticantes de uma metodologia muito questionada e at mesmo negada na rea das cincias sociais, que precisava lutar por seu reco-nhecimento e expanso, 20 anos depois ela precisa ter novos objetivos. E, para comear, seria interessante diagnosticar suas foras e fraquezas, saber do que essa associao feita e traar planos para seguir em frente com vitali-dade. o que queremos, e outro enorme desafio digno do primeiro, que, bem ou mal, foi ultrapassado com sucesso.

    Estimulada por esse desafio, decidi realizar um balano para entender melhor como temos existido ao longo destas duas dcadas. claro que isso j foi feito outras vezes, por outros colegas; mesmo assim, os 20 anos de ABHO impem a repetio do exerccio. Por isso, revisitei mapeamentos anteriores, e um deles, especialmente, teve grande importncia para o que me proponho a fazer. Refiro-me ao artigo Histria oral no Brasil: uma an-lise da produo recente (1998/2008), de autoria de Andr de Faria Pereira

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    Neto, Brbara Arajo Machado e Antonio Torres Montenegro, publicado na revista Histria Oral em 2007. Por trabalhar basicamente com as mesmas fontes que eu iria mobilizar, esse texto forou-me a criar outros arranjos para os dados levantados; alm disso, estou tratando tambm da produo pos-terior a 2008. O artigo mencionado desejou apresentar uma anlise prelimi-nar da produo acadmica brasileira que usava a histria oral entre 1998 e 2008, tendo como fontes os artigos da revista Histria Oral e os cader-nos de resumos das comunicaes apresentadas nos encontros nacionais da ABHO.

    Como meu objetivo procurar ver o que a ABHO em seus 20 anos, tambm teria que privilegiar os artigos da revista, uma fonte rica e estra-tgica para conhecer a associao. Porm, busquei igualmente saber como suas diretorias nacionais foram compostas, e o que se podia ver da ABHO examinando os temas e a localizao de seus encontros, em especial os regionais. Por isso, num primeiro momento, fiz um levantamento de dados, orientada por questes que se relacionavam composio e distribuio dessas diretorias, considerando algumas variveis. Em seguida, organizei os resultados em grficos para favorecer a visualizao. O mvel de toda a pesquisa entender melhor como a ABHO em 2014 e, no menos impor-tante, de que forma ela poderia planejar seu futuro, fugindo do risco de perder sua vitalidade.

    Diretorias e encontros

    Para comear, foi interessante examinar a composio das diretorias nacionais, considerando os estados e as instituies que delas mais partici-param. O levantamento contemplou separadamente, pela importncia dos cargos, a presidncia e a vice-presidncia pois o vice-presidente que ocupa a editoria da revista Histria Oral. Em seguida, tomou todos os cargos da diretoria nacional, organizando-os por estado, por instituio, e tambm o que se mostrou de grande importncia pela rea de insero disciplinar dos integrantes.

    Contudo, antes de observar esses dados, preciso ponderar que neles est refletida uma passagem de tempo de 20 anos. Como bvio, em 1994 o nmero de instituies universitrias, sobretudo com programas de ps--graduao, era muito menor do que em 2014, alm de ser muito mais

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    concentrado no sudeste e no sul do pas. Estou, portanto, considerando que essas so variveis relevantes para entender o estabelecimento da histria oral como metodologia no territrio nacional mesmo sabendo que, nos anos 1990, vrios centros de pesquisa e universidades sem cursos de ps-graduao tinham ncleos que usavam tal metodologia. Essa situao mudou radical-mente nesses 20 anos, com um aumento incrvel de programas de ps-gradu-ao nas reas das cincias humanas e sociais, que impactou o perfil do ensino superior e precisou ser considerado pela ABHO.

    Justamente por diagnosticarem esse processo de transformao, as pr-prias diretorias nacionais tendo em vista expandir o nmero de praticantes da metodologia buscaram incorporar integrantes de vrios estados e re gies do pas, iniciativa a que se aliou a realizao de encontros nacionais fora do eixo Sudeste/Sul. Ou seja, registro neste balano a existncia de uma clara diretriz poltica da ABHO, construda desde o incio de seu funcionamento, no sentido de descentralizar os locais dos encontros nacionais e de incorporar em sua diretoria, de forma estratgica, pesquisadores de diversas formaes e de variados estados e regies do Brasil tudo isso tendo em vista o desejo de que a metodologia fosse conhecida e pudesse se desenvolver e espraiar da melhor forma possvel.

    Assim, os resultados encontrados neste levantamento foram produzidos no marco de uma tenso. De um lado, havia efetivamente mais ncleos de praticantes no Sul e no Sudeste, o que teria que se manifestar na composio das diretorias nacionais, sobretudo nos anos 1990; de outro, havia uma clara proposta da ABHO que procurava minimizar essa concentrao, atraindo para seu centro a diretoria nacional pesquisadores que teriam o papel de estimular e propagar o uso da metodologia em locais onde ela fosse pouco conhecida e utilizada.

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    Grfico 1 Estados que participaram da presidncia e vice-presidncia da ABHO

    O grfico acima mostra a distribuio dos presidentes e vice-presiden-tes das diretorias nacionais por estados da federao. Os estados do Rio de Janeiro e So Paulo tiveram cinco (5) representantes cada um; os estados de Pernambuco e Rio Grande do Sul, trs (3) cada um. Os demais estados, com um representante cada, foram Acre, Cear, Minas Gerais e Piau. No Rio de Janeiro, as instituies que responderam por esses cargos foram o CPDOC/FGV (Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do Brasil, da Fundao Getulio Vargas), a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e a UFF (Universidade Federal Fluminense), havendo casos de dupla filiao. J em So Paulo o destaque a USP (Universidade de So Paulo), que, em nmeros absolutos, foi a instituio que mais ocupou essas posies (5 pesquisadores), tendo a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) apenas uma presena. No Rio Grande do Sul a participao foi dividida entre a UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e a Unisinos (Uni-versidade do Vale do Rio dos Sinos), mas em Pernambuco, a UFPE (Univer-sidade Federal de Pernambuco) respondeu pelos trs representantes. No Acre, Cear e Piau eles vieram das universidades federais respectivamente, UFAC (Universidade Federal do Acre), UFC (Universidade Federal do Cear) e

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    UFPI (Universidade Federal do Piau) , mas em Minas Gerais saram da PUC Minas (Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais).

    A seguir, apresento dois grficos que demonstram a distribuio de todos os integrantes das diretorias nacionais por estados e instituies, o que amplia muitssimo o nmero absoluto de envolvidos. Mesmo assim, observa-mos que, no que se refere aos estados da federao, Rio de Janeiro e So Paulo continuam mantendo franca liderana, acompanhados por Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, sendo que os dois ltimos quase se equi-valem. Vale notar, contudo, atestando o objetivo de integrar pesquisadores de vrias partes do pas, que numerosa a presena de membros da direto-ria vindos de diferentes estados de todas as regies. O grfico que registra as instituies corrobora essa concluso, bem como a fora das instituies paulistas e fluminenses. Mais uma vez, a USP a mais presente isoladamente, sendo tambm importante a PUC-SP (Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo). J o Rio de Janeiro participa com uma espcie de grupo formado pela UFRJ, UFF, CPDOC/FGV e Fiocruz (Fundao Oswaldo Cruz), todas bem representadas, embora, como mencionei, haja muitos casos de dupla filiao. Em Minas, a PUC Minas e a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) esto praticamente equiparadas.

    Grficos 2 Estados que participaram da diretoria da ABHO

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    Grfico 3 Instituies que participaram da diretoria da ABHO

    De toda forma, a presena macia nas diretorias nacionais de professores de universidades federais, algumas no por acaso com ncleos de pesquisa formados em torno do uso de fontes orais e visuais, antes mesmo da criao da ABHO, ainda nos anos 1980. Esse um ponto que vale ponderar, sobretudo porque nesses 20 anos cresceu muito o nmero de universidades estaduais, alm do nmero de campi de universidades federais fora da capital dos estados. Esse duplo movimento tem sido, em grande parte, responsvel pela expanso do ensino superior e de ps-graduao no interior dos estados. Ou seja, vale pensar que se a ABHO deseja manter sua diretriz de formar praticantes em vrios estados e regies do Brasil, espraiando o uso da metodologia, o caso de dar ateno particular s universidades estaduais e aos diversos campi de uni-versidades federais em vrias cidades dos estados brasileiros, at porque nessas unidades, pesquisas que se voltam para questes regionais/locais so estimula-das pela facilidade de acesso a fontes documentais e tambm a depoentes. Em tempos de valorizao de jogos de escala, com tantos e to bons exemplos de microanlise, esse dado no pode, nem deve, ser minimizado ou visto com qualquer tipo de desapreo, como ocorria em passado nem to distante.

    Para encerrar o exame das diretorias nacionais, procurei construir um grfico que mostrasse a origem disciplinar de seus membros. Afinal, todos

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    os que participam da ABHO j ouviram que essa uma associao interdis-ciplinar, uma vez que o que nos une so os procedimentos metodolgicos, e no os temas e questes de pesquisa. Alm disso, o que bvio, os historia-dores que usam a metodologia so os que trabalham com a chamada histria do tempo presente, um tempo que no passou completamente, at porque muitos dos seus atores esto ainda vivos. So desses atores os testemunhos que os historiadores buscam nas suas entrevistas de histria oral.

    Grfico 4 reas disciplinares dos participantes da diretoria da ABHO

    Grfico 5 Incidncia de repetio de nomes na diretoria da ABHO

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    O que o grfico 4 evidencia que a ABHO e talvez sempre tenha sido uma associao de historiadores, com participao numericamente pequena de pesquisadores das reas da sociologia, antropologia e histria da cincia, discretssima presena do servio social e, menor ainda, da educao. Consi-derando que sabemos que o uso de entrevistas (no diria da histria oral) muito comum em pesquisas de servio social, educao e tambm literatura e direito, vale pensar nas razes dessas significativas ausncias, ao menos no caso das diretorias nacionais. No estou querendo de forma alguma consi-derar que um mal para a ABHO ser uma associao de historiadores, ape-nas que bom que ela tenha conscincia disso para traar diretrizes de ao e pensar, com essa perspectiva, em algumas das questes que a mobilizam. Outro dado interessante para ser considerado, ao lado do anterior, o alto ndice de repetio de nomes nos cargos dessas diretorias nacionais, j que ultrapassam 50% do universo. Esse percentual aponta para um baixo nvel de renovao, e as causas disso precisam ser pensadas com cuidado e vagar o que primeira vista pode parecer mera manuteno de posies por parte de um grupo (hiptese que no se deve excluir) pode indicar tambm uma grande dificuldade de recrutamento para ocupar cargos com apoio institu-cional, como o caso em exame.

    Enfim, tais resultados instigam novas reflexes. Uma delas a possibi-lidade de que a ABHO seja muito atraente para professores e pesquisadores de vrias reas do conhecimento no que diz respeito participao em seus encontros nacionais e regionais, mas que seu poder de seduo fique por a. Ou seja, pode ser que os participantes de encontros busquem o salo inte-lectual como um espao onde se do a ver e so vistos, caminho certo para o reconhecimento e, sendo irnica, para o preenchimento do currculo Lattes. Mas esses participantes, de fato, no entram na rede dos praticantes de his-tria oral: no se interessam em se associar, ou em integrar suas diretorias, ou em publicar em sua revista etc. Concluindo, orbitam a ABHO, mas dela no participam efetivamente.

    Como se sabe, a ABHO organiza-se por meio de diretorias regionais, o que congruente com o tamanho e a diversidade do pas, bem como com seu desejo de no se tornar uma associao restrita a alguma regio. Ao longo des-ses 20 anos, sempre houve diretorias regionais. interessante acompanhar a composio de cada uma, considerando as duas variveis examinadas: estados e instituies. Os dados aqui utilizados foram coletados do site da ABHO, onde esto publicados os nomes de todos os integrantes de todas as diretorias

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    no pas. Contudo, nem sempre foi possvel mapear todos os encontros regio-nais realizados, e pode ser que reunies no registradas tenham ocorrido, de maneira que, uma vez que haja razes para inferir que aconteceram, s se pode dat-las aproximadamente.

    No caso da Regional Norte, todos os estados (Acre, Par, Rondnia, Roraima e Tocantins), com exceo do Amazonas, participaram da diretoria. O Acre (4) e o Par (3) se destacam amplamente por meio de suas universi-dades federais. A total ausncia do Amazonas d o que pensar. O estado de Tocantins abriga ncleos de pesquisa que vm trabalhando com a metodo-logia e participando sistematicamente dos encontros da regio. Como sabe-mos que a existncia de um grupo de interessados na metodologia mesmo que pequeno e geralmente organizado em laboratrios ou ncleos comu-mente a base para uma aproximao da ABHO, cabe pensar se h grupos organizados ou no no Amazonas. Se no existem, ou se existem e ainda no participam, por qu? Talvez os colegas do Norte possam nos ajudar a enten-der melhor esse fato.

    Na Regional Norte foram computados seis (6) encontros entre 2003 e 2013. Mas como em 2003 tratava-se do III Encontro, a suposio de que houve duas reunies anteriores, provavelmente bem no final dos anos 1990. possvel supor tambm que tais encontros tenham clara relao com os esforos da ABHO de chegar a todas as regies do pas. Os seis encontros que esto no site realizaram-se em cinco estados diferentes, havendo repeti-o apenas do Acre, que abrigou um encontro nacional em 2006. Ou seja, fica evidente o cuidado na escolha das sedes dos encontros regionais, de forma que a ABHO visitasse estados e instituies distintas na regio, certamente com o objetivo de, com seus debates, esclarecer e estimular o conhecimento da metodologia de maneira ampla. As temticas desses encontros apontam, ao longo desse tempo, para um perfil de questes particularmente caras prpria regio, contemplando o meio ambiente e as diversidades culturais da regio Amaznica, por exemplo.

    As diretorias da Regional Nordeste so um bom exemplo do alcance que a ABHO conseguiu ter, considerando o nmero de estados que compem a regio. Foram computados oito (8) encontros de 2001 a 2013, e h apenas um encontro no registrado, provavelmente em 1999. O total de encon-tros realizado no Nordeste, portanto, seria nove, o que um nmero alto. Os oito encontros registrados se distriburam em cinco (5) estados, tendo a Bahia, Paraba e Piau recebido duas reunies cada um. Pernambuco no

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    recebeu nenhum encontro regional, mas abrigou dois encontros nacionais: em 1997 e em 2010. O Piau est abrigando o encontro de 2014, to especial. Ou seja, parece que h uma distribuio de encontros, no geral equilibrada; cabe pensar a disponibilidade de outros estados para receberem encontros nacionais. Vale observar, no que se refere a abrigar encontros da ABHO, a ausncia completa dos estados do Cear e Rio Grande do Norte, que tm ati-vos departamentos e cursos de ps-graduao de histria. Ambos os estados, inclusive, j sediaram Encontros Nacionais da Anpuh (Associao Nacional de Histria), o que exige muita capacidade de organizao. Portanto, fiquei pensando se esse fato poderia produzir algum desgaste nas universidades, aliando-se a um certo desinteresse pela participao na ABHO. No tenho como refletir melhor sobre esse ponto, mas considerei interessante levant-lo aqui e agora. Alagoas tambm nunca sediou qualquer encontro e no tenho ideia se h grupos de professores desse estado que participem de encontros regionais e nacionais da ABHO. Vale saber, nesse caso, se h algum labo-ratrio ou ncleo de pesquisa voltado para a metodologia, e, se for o caso, mobiliz-lo mais. Quanto s temticas dos encontros, interessante perce-ber uma maior presena de debates ligados s questes do patrimnio e das narrativas orais sem dvida, algo que diz muito sobre os frutferos usos da metodologia na regio.

    Na regio Centro-Oeste foram computados seis (6) encontros regionais entre 2001 e 2013, sendo que o de 2001 nomeado como o quarto encon-tro. Logo, possvel que os encontros regionais tenham comeado ainda em finais dos anos 1990, logo aps a criao da ABHO. Se isso de fato aconte-ceu, o total de encontros seria de nove (9), mas no se pode ter certeza. A distribuio de dois (2) encontros no Distrito Federal, dois (2) no Mato Grosso e um (1) no Mato Grosso do Sul. O estado de Gois sediou um (1) encontro regional e um encontro nacional, este ltimo em 2005. Nada se observou de mais especfico quanto s temticas desses encontros.

    A regio Sudeste realizou sete (7) encontros regionais entre 2001 e 2013, sendo o ocorrido em 2001 o quarto encontro, tal como ocorreu no Centro-Oeste. Nesse caso, o total seria de dez (10) encontros regionais pro-movidos, tambm um nmero alto. Tais reunies foram distribudas entre os estados de Minas Gerais (3), So Paulo (2) e Rio de Janeiro (2). O destaque a ausncia do estado do Esprito Santo, mesmo que se considere que seus pes-quisadores participem dos encontros do Sudeste. Essa regio a que recebeu maior nmero de encontros nacionais ao todo seis (6) dos 12 realizados,

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    distribudos entre So Paulo, com trs (3); Rio de Janeiro, com dois (2) e Minas Gerais, com um (1). Algo para pensar se essa concentrao de encon-tros na regio ao todo 16 produziu algum efeito no que diz respeito, por exemplo, a um possvel esvaziamento dos encontros regionais. Qualquer encontro exige financiamento, deslocamento etc., ou seja, esforos e recur-sos que devem ser despendidos por seus organizadores e participantes; seria interessante que a regional Sudeste pudesse verificar se declinou o nmero de participantes de seus encontros regionais sobretudo aqueles que se rea-lizaram mais recentemente , e considerar se tal fato pode estar relacionado ao grande nmero de encontros realizados na regio, alm de outros fatores mais especficos, como o prprio local do encontro regional.

    As diretorias da regional Sul promoveram seis (6) encontros entre 2001 e 2013, sendo o de 2001 o segundo. Logo, a regio teria realizado sete (7) encontros. Desses, o Rio Grande do Sul recebeu trs (3); o Paran, dois (2) e Santa Catarina, um (1). Embora esse nmero absoluto seja menor do que o encontrado em outras regies, ele demonstra um dos resultados mais eficazes do investimento da ABHO em disseminar ncleos de praticantes da meto-dologia no pas afirmo isso porque quando a ABHO se formou, a regio Sul tinha poucos representantes. Houve, portanto, um grande crescimento, sobretudo se for considerado que o Rio Grande do Sul tambm recebeu um encontro nacional em 2008, realizado na Unisinos. No que diz respeito s temticas desses encontros, cabe ressaltar a presena do debate em torno da integrao latino-americana, cara dinmica poltica da regio Sul. Essas brevssimas observaes quanto s temticas dos encontros regionais visam apenas divisar se existem temas mais especficos de uma regio que de outra e se eles vm se impondo, por exemplo, na revista da ABHO.

    No geral, os encontros regionais acompanham as temticas dos nacio-nais, sempre amplas e abarcando discusses em torno das relaes entre his-tria oral, memria e histria; memria e narrativa; tempo e narrativa; his-tria e tradio oral; diversidade cultural e histria oral; histria oral e tica; histria oral, democracia e justia, entre outros. No que diz respeito a um cruzamento entre os temas dos encontros em especial os nacionais e os temas dos dossis da revista Histria Oral, interessante observar que so poucas as coincidncias. Apenas em trs oportunidades o tema do encontro nacional se transformou em dossi da revista, o que deve ser alvo de reflexo. No que isso seja algo bom ou mau em si mesmo. Porm, vale pensar se (e de que forma) os encontros, quer por meio de suas temticas, quer por via dos

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    trabalhos neles apresentados, alimentam a revista da ABHO e respondem por suas dificuldades ou facilidades de captao de artigos. Os trs (3) casos encontrados foram os do encontro nacionais de So Paulo, em 2002, cujo tema, Tempo e narrativa, foi dossi da revista em 2003; o do encontro de 2004, ocorrido em Gois, com o ttulo de Tradio oral e histria, que estru-turou um dos nmeros de 2005 da revista; e, finalmente, o do encontro ocor-rido no Rio de Janeiro em 2012, cujo tema, Memria, democracia e justia, esteve presente na revista no mesmo ano.

    Partindo de tais observaes, passo a examinar a prpria revista Histria Oral, buscando conhec-la melhor e refletir mais sobre o que somos e o que queremos ser nos prximos anos e dcadas.

    A ABHO e a revista Histria Oral

    Sem dvida, a revista da associao uma das fontes mais importantes para refletir sobre a trajetria da ABHO, pelo fato de permitir (uma vez que est disponvel on-line) a consulta e a combinao de muitos e variados dados com facilidade. A revista comeou a ser publicada em 1998; portanto, pouco tempo aps a fundao da ABHO. Com absoluta certeza, a rapidez com que se organizou o peridico e a boa qualidade que apresentou foram decisivas para a visibilidade da associao no pas e no exterior. Alm disso, a revista foi e continua sendo uma das principais ferramentas da ABHO na conformao e disseminao dos procedimentos prprios metodologia, dos principais debates que movimentaram seus praticantes no Brasil e dos resultados de importantes pesquisas que se valeram da histria oral.

    O volume de 1998, o de seu lanamento, foi um volume-piloto, sendo a publicao efetivamente organizada como peridico com conselho edi-torial e consultivo a partir do volume de 1999, cujo dossi versava sobre violncia e poltica. Entre 1998 e 2004, a ABHO lanou apenas um nmero da revista por ano, embora seu projeto, desde o incio, fosse o de ter um peri-dico semestral. De 2005 em diante, esse propsito foi alcanado, apenas com uma breve interrupo, ocorrida nos anos de 2008 e 2009, quando somente um nmero (e com atraso) foi lanado pela ABHO. Por tais razes, entre

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    1998 e 2013,2 um total de 23 revistas foi lanado, com as mesmas caracte-rsticas de capa e organizao interna. Uma mudana importante ocorreu quando a revista abandonou o papel como suporte para circular por meio eletrnico, por razes compartilhadas por praticamente todos os peridicos nacionais e internacionais.

    Mas o que se pode saber da ABHO consultando sua revista? Considerei que devia continuar trabalhando com as variveis instituies e estados, desta feita para analisar a composio da direo da revista e refletir sobre a distri-buio da participao nesse aspecto. Como o editor da revista o vice-presi-dente da ABHO, tomei toda a diretoria da revista para um registro quantita-tivo. Comecei pelas instituies, e o resultado o que se v no grfico:

    Grfico 6 Instituies que participaram da direo da revista

    A evidente presena da USP, durante todo esse tempo, continua sendo o destaque. So 19 pessoas que, se somadas aos cinco (5) integrantes da Uni-camp, mostram a dominncia do estado de So Paulo no peridico. A isso se segue a participao de trs (3) instituies do Rio de Janeiro, que pode estar superestimada por duplas filiaes, como j se observou. Mesmo assim,

    2 Como escrevo em maio de 2014, os nmeros relativos a este ano no podem ser considerados, pois ainda no foram lanados.

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    pode-se dizer que ocorre uma razovel distribuio de funes na diretoria da revista por instituies, o que bom para a associao e foi por ela estimu-lado. No fundamental, isso se confirma quando os dados so organizados por estado e So Paulo e Rio de Janeiro voltam a aparecer amplamente.

    Grfico 7 Estados que participaram da direo da revista

    Se uma parte dessa concentrao pode ser entendida pela presena de ncleos de praticantes da metodologia nesses dois estados na primeira dcada de existncia da revista, vale pesquisar se tal fato foi alterado e se, nesse caso, foi acompanhado de mudanas entre os responsveis pelo peridico. De toda forma, os dados levantados mostram a presena de outras instituies e esta-dos fora do eixo So Paulo-Rio de Janeiro havendo a possibilidade de eles estarem refletindo momentos mais recentes. Contudo, bom averiguar com mais elementos de que maneira essa diversificao que aparece na revista tem sido construda, e verificar se possvel melhor-la ainda mais. O problema, j detectado e debatido, que muitas vezes a concentrao dessas atribuies

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    em alguns estados e instituies resulta menos de um desejo de controlar posies do que da dificuldade de encontrar pesquisadores e instituies que possam conduzir com segurana os rumos do peridico, j que isso demanda apoio institucional, extrapolando vontades individuais e de grupo. Isso tam-bm vale, efetivamente, para a distribuio de cargos da direo da associa-o, como foi referido anteriormente.

    A questo que me moveu a seguir foi a de saber de que reas do conhe-cimento vinham os artigos da revista Histria Oral. Seria muito mais difcil, e provavelmente menos til, empregar essa varivel numa aproximao das comunicaes dos encontros nacionais e regionais. Tais trabalhos so extre-mamente numerosos, diversificados e tambm volteis; alm disso, difcil o acesso a eles. Como verificamos, muitos dos participantes (talvez a ampla maioria) no mantm vnculos com a ABHO fora dos encontros. J quem tem seu artigo publicado na revista demonstra no s um nvel de reflexo mais apurado, como, em princpio, algum relacionamento com a ABHO pode-se admitir a hiptese de ser um associado ou at mesmo um associado que participou mais de perto da ABHO em algum momento. Investigar que filiao disciplinar tm os textos publicados pela revista remete, de outra perspectiva, questo da interdisciplinaridade da associao. Quer dizer, costume afirmar-se que a metodologia teria como uma de suas riquezas a possibilidade de efetivamente reunir reflexes de pesquisadores oriundos de vrios campos disciplinares.

    Nesse sentido, considerando-se a real utilidade dos encontros em pro-moverem essa ultrapassagem de fronteiras e, assim, produzirem uma troca bastante frutfera de experincias, seria razovel imaginar que a revista tam-bm evidenciaria certa diversidade de origens disciplinares entre os autores de seus artigos mesmo que as diretorias da ABHO fossem, como se veri-ficou, maciamente compostas por historiadores. A concentrao de cargos de diretoria na rea da histria de forma alguma precisaria ter como desdo-bramento necessrio outro tipo de concentrao disciplinar, no caso, a de artigos no peridico. Contudo, o resultado encontrado pelo levantamento realizado na totalidade dos autores de artigos publicados no diminuiu a concentrao j encontrada na rea da histria, muito ao contrrio, como se pode visualizar.

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    Grfico 8 reas disciplinares em que os autores publicados atuam

    Como claramente se v, considerando-se o conjunto dos autores de arti-gos publicados na revista, a ABHO mostra-se como uma associao de histo-riadores, com boa participao de cientistas sociais e presena muito discreta de profissionais da rea da educao. Ou seja, nesses 20 anos, a associao no atraiu profissionais de outras reas disciplinares para publicar em sua revista, nem mesmo, de forma mais significativa, socilogos e antroplogos. Evidentemente, insistindo mais uma vez, isso no significa que profissionais de outras formaes disciplinares no participem dos encontros nacionais e regionais realizados em diversos locais do Brasil nestas duas ltimas dcadas. Eles podem estar participando, e at de forma razovel, o que coloca uma questo a ser investigada com mais tempo e dados; porm, se isso ocorre, eles no esto publicando na revista, no esto participando das diretorias nacio-nais e regionais e talvez nem mesmo se associando ABHO.

    Uma possibilidade interessante para conferir a formao disciplinar dos integrantes da ABHO , portanto, coletar os dados de seus filiados. Isso d trabalho, mas factvel, na medida em que necessrio preencher uma ficha para se associar. No pude trabalhar com esse material no momento, mas

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    isso pode trazer informaes bem mais precisas sobre quem est fazendo a ABHO existir. Caso tal levantamento se realize, poderemos saber, por exem-plo, se a associao composta basicamente de historiadores desde suas bases os associados ou se tal concentrao ocorre apenas em outro nvel, em funo de razes a serem bem pensadas.

    No balano realizado em 2007, j mencionado neste artigo, tal concen-trao disciplinar entre os autores da revista foi claramente notada. Naquele momento, 63,7% dos autores eram oriundos da rea da histria, enquanto 19,8% vinham das cincias sociais e apenas 7,7% da educao. Nessa opor-tunidade, contudo, foi possvel cotejar esses percentuais com os dos parti-cipantes dos encontros nacionais. Feita a comparao, observou-se que nos encontros nacionais se mantinha a preponderncia de historiadores, mas se alterava a distribuio das outras reas disciplinares: ao contrrio do que ocorria na revista, nos encontros a participao de educadores era maior que a de cientistas sociais.

    De toda forma, cabe perguntar o que poderia explicar essa presena macia de historiadores na revista. Uma hiptese a ser verificada a de, alm de serem eles a maioria absoluta de membros das diretorias, serem tambm a maioria de filiados a at de participantes dos encontros da ABHO. Afi-nal, existem associaes com excelente grau de mobilizao e organizao em todas as reas disciplinares das cincias sociais de que so exemplos a ANPOCS (Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Cincias Sociais), a ABA (Associao Brasileira de Antropologia), a SBS (Sociedade Brasileira de Sociologia) , como tambm na da educao e na do servio social. Tambm existe um grande nmero de peridicos de qualidade que podem aceitar textos que trabalhem com a metodologia da histria oral, mas cujas questes substantivas so afetas s reas disciplinares que no a da histria. Com escassez de recursos, por um lado, e crescentes custos de par-ticipao, por outro, poderia estar havendo uma seleo fina, quer para par-ticipar de encontros, quer para se filiar a associaes, quer para escolher um peridico para publicar um artigo. Isso para no falar no Qualis Peridicos da Capes (Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior), que avalia o lugar da revista Histria Oral. Como deixei claro, essa revista sofreu descontinuidade entre 2008 e 2009, e com isso, obviamente, pode ter deixado de ser atraente para muitos autores, em especial os menos envolvidos com a associao.

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    Por fim, fundamental fazer um tipo de observao que tambm foi realizada pelo texto de 2007. No Brasil, a ABHO exige de seus associados formao universitria, diferentemente do que ocorre na Europa e nos Esta-dos Unidos, onde associaes semelhantes so compostas tambm por pes-quisadores filiados a movimentos sociais ou ligados a empresas. Assim, valeria investigar melhor essa caracterizao, buscando, por exemplo, informaes mais recentes de associaes de outros pases, sobretudo na Amrica Latina, cuja realidade nos mais prxima.

    Por conseguinte, o que estou ponderando que a ABHO pode estar perdendo participantes de encontros, associados e tambm autores para sua revista devido a um contexto muito competitivo, tendo em vista o campo em que se organizam disciplinas como a antropologia, a sociologia, o servio social etc. Ou seja, o fato de uma metodologia nos unir poderia funcionar como vantagem, mas igualmente como desvantagem, dependendo da fora de atrao da ABHO e da qualidade acadmica de seu peridico. Fica aqui a sugesto para se pensar em mais essa questo, com bastante vagar e com mais elementos, pois ela bem complexa.

    Seguindo em meu levantamento de dados, como somos uma associa-o ligada pela prtica de fazer entrevistas segundo procedimentos acordados nacional e internacionalmente, fui conferir que entrevistas foram publicadas na revista, at porque essa foi uma proposta inicial considerada estratgica pelo peridico.

    Grfico 9 Presena de entrevistas na revista

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    Grfico 10 Temtica das entrevistas

    O resultado me surpreendeu. Em 23 nmeros, 12 tinham entrevistas e 11 no, meio a meio. Considero pouco, j que tais entrevistas deveriam ocupar um espao nobre na revista, dedicado a pr os leitores em contato no s com importantes nomes da histria oral do Brasil e do mundo, com tambm com importantes experincias de pesquisa que usaram a metodolo-gia. Pelo menos esse era o objetivo quando a revista foi criada. Examinando que entrevistas eram essas, verifiquei que 50% delas eram realmente exemplos de entrevistas. Explicando melhor: eram depoimentos feitos com um mestre de capoeira, uma esportista etc. que mostravam, na prtica, como se faz uma boa entrevista. Porm, no tinham como tema explcito uma reflexo sobre como fazer entrevistas. Os outros 50% se dividiam em dois tipos. Aquelas entrevistas feitas com acadmicos, entre os quais historiadores como Jacques Revel e Lus Reis Torgal, que no se relacionam diretamente com a histria oral, perfaziam 33% do total. Obviamente, o fato de serem historiadores que no usam a metodologia no tira nada do mrito e do valor das entrevistas, at porque a ABHO tem insistido, de forma geral, em explorar as relaes entre teoria e metodologia, o que pode certamente ser bem explorado nesses casos. Os 17% restantes do total das entrevistas parcela pequena, a meu ver que remetem construo da memria da histria oral no Brasil, e, marginalmente, fora do Brasil, na medida que exploram a experincia de his-toriadores que trabalham com histria oral. Esse o caso das entrevistas feitas com Aspsia Camargo, Mercedes Vilanova e Marieta de Moraes Ferreira, em 1999 e 2001. Ou seja, faz tempo.

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    Sei que qualquer tipo de classificao arbitrria e que a que fiz com esse pequeno conjunto de entrevistas no foge regra. Mesmo assim, entendo que ela pode ser til, na medida em que mostra que a revista no manteve um investimento sistemtico em publicar entrevistas, e no conseguiu fazer do espao dedicado s entrevistas um lugar de memria para a histria da ABHO e dos usos da metodologia da histria oral dentro e fora do Brasil. Digo isso entendendo que essas entrevistas podem ser exemplares dos pro-cedimentos da metodologia, constituindo um material privilegiado para se refletir criticamente sobre ela. Talvez, passados 20 anos, devssemos pensar que, entre ns mesmos, h vrios pesquisadores a entrevistar, tendo em vista diversas experincias de trabalho que usaram a metodologia e fizeram acha-dos importantes para diversas disciplinas. Talvez, com 20 anos de estrada, possamos pensar em uma lista de entrevistados e entrevistadores muito esti-mulante para os prximos nmeros da revista; ou seja, planejar a montagem de um conjunto de depoimentos que registre a memria de nossa experincia com a metodologia nesse espao simblico que o peridico da ABHO.

    Examinadas as entrevistas, passei a uma classificao dos temas dos dossis da revista, para, em seguida, fazer o mesmo com todos os artigos do peridico, estivessem ou no nos dossis; exclu apenas as resenhas de livros. Para os dois casos, foi necessrio montar uma tipologia de temas com base na observao do que foi publicado, bem como do que foi indicado pelos ttu-los dos encontros regionais e nacionais. Propositalmente, procurei elaborar uma tipologia diferente daquela proposta pelo artigo de 2007, aumentando e diversificando o nmero de temas. Naquele texto, os autores propunham trs grandes divises: artigos que tratavam das camadas populares, que foram os mais numerosos (42); os que se voltavam para os segmentos dominantes (13); e os que discutiam problemas de historiografia, teoria e metodologia (31). Essa classificao da produo estava ligada viso de que a histria oral devia se voltar para os atores que no produziam documentao textual e que, como se dizia, no eram priorizados pela academia; dessa forma, com o uso da histria oral, podiam ganhar nova visibilidade e reconhecimento pol-tico-social. Alm desses atores, no se devia descurar dos estudos que elegiam as elites polticas, burocrticas e militares, por exemplo , que tambm uti-lizavam muito essa metodologia. Como tal exerccio j tinha sido feito, con-siderei que no precisava ser retomado sete anos depois. Comeando pelos dossis nos quais, em certos casos, entendi ser necessrio computar mais de um tema , elaborei o grfico a seguir.

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    Grfico 11 Incidncia de temas nos dossis da revista

    O tema mais frequente, com oito (8) dossis, resulta da agregao de um conjunto que remete ao que se pode considerar a questo de fundo da metodologia da histria oral: as relaes entre histria, memria, tempo e os processos de construo de identidades que sempre se combinam, mais ou menos explicitamente, com o debate de questes metodolgicas. A seguir, com quatro (4) dossis, est o tema da poltica, igualmente produto do grupamento de vrias questes, como a da violncia e a da militncia que remetem diretamente s experincias autoritrias do Brasil e de outros pases , alm do tema do comunismo o que interessante. Com trs (3) dossis cada, surgiram dois temas: os clssicos estudos sobre trabalho e tra-balhadores, que marcaram o perfil da histria oral internacionalmente, e um tema digamos novo, chamado de natureza e Amaznia por se dedicar aos debates sobre o meio ambiente. Imediatamente a seguir, com dois (2) dossis, surgem outros dois temas bem visitados pela histria oral: gnero e narrativa. Os demais temas esto em apenas um dossi.

    Uma rpida observao da revista por essa distribuio de dossis constata que ela continuou a privilegiar os temas tericos e metodolgicos ligados histria oral, como em 2007. Evidentemente, isso no quer dizer que no exista esse tipo de preocupao em dossis que contemplem outros

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    temas explicitamente; trata-se apenas de ponderar a nfase e a oferta de tex-tos. Vemos tambm, por um lado, que os temas do trabalho e de gnero no tiveram tanta fora, mas, por outro lado, que cresceram em importncia os artigos que tratam da poltica, sobretudo por seu lao com a militncia e a violncia ligadas aos regimes ditatoriais. Essa inflexo certamente est acom-panhando a produo acadmica das reas da histria e das cincias sociais no Brasil. Por fim, vale observar como os debates sobre meio ambiente creio que praticamente inexistentes em 2007 avolumaram-se, a ponto de gerar trs dossis. Enquanto isso, aqueles referentes etnia parecem no ter aumen-tado tanto, a despeito das grandes mudanas e debates ocorridos nesta ltima dcada no Brasil. Essas ponderaes s fazem sentido na medida em que a escolha do tema do dossi de uma revista seja encarada como um produto tanto do que se faz em um campo de pesquisa, quanto do que os editores da revista desejam estimular em termos de reflexes consideradas estratgicas em determinado momento. Com alguns ajustes, o mesmo tipo de classifica-o foi aplicado aos artigos da revista, num total de 189, conforme o grfico abaixo demonstra.

    Grfico 12 Temtica dos artigos da revista

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    O primeiro ponto a observar que a distribuio dos temas dos arti-gos no replica aquela dos dossis. Nesse sentido, o tema da poltica, que era o segundo em incidncia nos dossis, refora-se muito quando observamos o nmero de artigos da revista: s esse tema rene 31 textos. Do mesmo modo, se o tema do gnero teve dois dossis, sua presena na parte de arti-gos livres da revista absolutamente expressiva, a ponto de ser o segundo mais frequente, com 24 textos, ao lado dos temas identidade, memria, tra-dio oral e tempo. J o tema trabalho, agrupado com o de migraes de trabalhadores, est, por esses indicadores, em recuo na revista, e talvez nas pesquisas que usam a metodologia. Avana, por sua vez, presena de temas como o das questes ambientais e dos suportes audiovisuais, ambos tendo recebido incentivos dos editores, por meio de dossis e de uma espcie de nova seo.

    O segundo ponto a se destacar que a revista, pelos temas de seus arti-gos, efetivamente contemplou o que se pode chamar de questes tericas e metodolgicas que envolvem a histria oral. Se no grfico essas questes esto separadas por subtemas para uma melhor visualizao e especificao do que se publica dentro do grande tema , o agrupamento dessas variaes evidencia a importncia da revista para quem deseja saber o que e como pra-ticar bem a metodologia. Juntos, os temas identidade, memria, tradio oral e tempo renem 24 artigos; questes metodolgicas e acervos, 20; histria oral, memria e histria, 14; narrativas e narradores, 10. Esse grande tema, portanto, perfaz um montante de 68 artigos, num total geral de 118 des-prezando-se os que foram classificados como outros , o que equivale a um percentual maior do que 50%.

    Tal concentrao congruente com as temticas dos encontros nacio-nais e regionais de forma geral, como j havia sido assinalado no artigo de 2007. At essa data, inclusive, verificou-se que 51% dos trabalhos apresen-tados em encontros nacionais o que chegava a 141 comunicaes envol-viam os temas historiografia, teoria e metodologia. Ou seja, pode-se imaginar que se at 2013 a revista continuou a publicar predominantemente esse tipo de grande tema, foi porque, muito provavelmente, ele continuou a crescer em apresentaes nos encontros da ABHO ao menos essa uma das hipteses que se pode considerar e testar.

    Por fim, chama a ateno reiterando o que j se tinha observado quanto pequena participao de pesquisadores ligados rea da educa-o na ABHO a quase irrelevante presena de artigos sobre histria oral

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    e educao. Considerando-se que os historiadores como se viu, a maioria absoluta dos autores da revista tm se dedicado mais sistematicamente a pensar os vnculos entre histria, historiografia e ensino de histria na escola e fora dela, e considerando-se que a metodologia da histria oral uma ferra-menta conhecida e utilizada por pesquisadores na rea da educao, fica esse alerta fornecido pelos dados. Quer dizer, ficam as perguntas: Para onde vo as reflexes que esto sendo elaboradas a respeito dos usos da histria oral na educao e, em particular, no ensino de histria? Vo para outros peridicos? Ou essa uma suposio equivocada e, na verdade, no existem tantas refle-xes sobre essa questo? Nesse caso, por que no existem? E o que fazer para que existam e apaream mais em nossa revista?

    Concluindo o exame desses dois grficos e, em especial, atentando para a grande e qualificada produo publicada na revista a respeito de variados temas que abarcam questes tericas e metodolgicas da histria oral, no pude deixar de fazer um questionamento. Por que, apesar da ABHO cum-prir seu papel de disseminar quais so os procedimentos considerados mais adequados e compartilhados para se fazer o que chamamos de entrevistas de histria oral, vejo (vemos) sistematicamente, nos encontros regionais e at nacionais, comunicaes que pecam em pontos bsicos da metodologia? Como explicar a apresentao de trabalhos que demonstram claramente no saber exatamente o que uma fonte oral, ou como produzir um depoimento de forma correta, ou ainda como proceder sua transcrio sem desrespeitar o que o depoente disse? Mais grave ainda, como explicar a apresentao de comunicaes que simplesmente no trabalham com a metodologia e que no deviam ser submetidas aos encontros da ABHO (e, no caso de submis-so, deviam ser recusadas por inadequao)?

    Consideradas as diversidades presentes e necessrias em qualquer campo do conhecimento, sabemos que a ABHO, ao longo desses 20 anos, conseguiu estabelecer regras procedimentais aceitas pelos praticantes da histria oral, algo que no foi fcil e a que precisamos dar muito valor. Ento, por que a sensao , muitas vezes, a de que caminhamos pouco? Se tal observao tem algum fundamento, o que devemos fazer alm de continuar publicando na revista Histria Oral? Que outras estratgias e mdias a ABHO pode utilizar? Seria interessante repensar como est rea-lizando seus encontros e, particularmente, selecionando comunicaes e compondo mesas redondas? Seria til responder de forma mais incisiva s questes fundamentais da metodologia, por exemplo, no site, por meio de

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    uma janela de consultas de um pesquisador interessado? Seria bom orga-nizar, a exemplo de outras associaes, um concurso de teses e dissertaes em que as fontes orais fossem privilegiadas e uma reflexo frutfera sobre elas, explcita ou implcita, estivesse presente?

    Tambm procurei saber, a exemplo do que foi feito em 2007, de que regies vinham os artigos de Histria Oral. Naquela oportunidade, de um total de 91 artigos, 67% vinham do Sudeste. Com dois dgitos, mas muito abaixo, estavam as regies Nordeste (12%) e Sul (11%). Com um dgito, encontravam-se o Centro-Oeste e o Norte, com 5,5% e 4,4% dos artigos, respectivamente.

    Grfico 13 Regies dos autores publicados pela revista

    Em 2013, o percentual do Sudeste abaixou, mas no tanto, pois de 189 textos, 103 (54,5%) ainda vm dessa regio. Cresceu bastante a participa-o do Sul, responsvel por 49 textos (ou 25,9%). Quer dizer, o Sudeste e o Sul juntos respondem por 80% do total de textos publicados. Pode-se dizer que tambm houve aumento da participao das regies Centro-Oeste, que passou a deter 6,3%, Norte, com 5,2%. J a regio Nordeste teve um decrscimo, passando a corresponder a 9,5% dos artigos publicados. Ou seja, de forma geral, a distribuio por regies est menos concentrada, mas a contribuio do Sudeste ainda muito grande. No quero, contudo, dar

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    a entender que isso um mal em si mesmo, at porque reconheo que h um esforo das editorias de Histria Oral para diversificar as autorias por instituies o que inclui a varivel regio , at mesmo para que o peri-dico tenha uma boa avaliao no Qualis da Capes e participe do Scielo, por exemplo. Essa distribuio est relacionada com um conjunto de outros dados, alm do recorte incluir o perodo de implantao da metodologia no Brasil, quando o Sudeste teve um papel decisivo por meio de vrias ins-tituies do eixo Rio-So Paulo.

    Tambm visando diversificar a autoria de artigos, os editores buscaram textos de autores estrangeiros com os quais diversos membros da ABHO mantm contatos at mesmo pela forte insero do Brasil na Associao Internacional de Histria Oral. Alguns desses autores visitaram o Brasil e proferiram palestras em vrias universidades. Sua presena no peridico , portanto, indicativa dos diversos laos que unem a ABHO a pesquisadores importantes internacionalmente na rea da histria oral.

    Grfico 14 Autores estrangeiros

    Autores estrangeiros so 18% dos colaboradores da revista, o que, a meu ver, um excelente percentual. Entre eles , a maioria de europeus e latino-ameri-canos, o que no nenhuma surpresa. O pequeno nmero de norte-americanos

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    sem dvida tem a ver com as caractersticas da produo de histria oral nos Estados Unidos, mas tambm com as redes de sociabilidade intelectual que os pesquisadores da ABHO construram ao longo destes 20 anos.

    Para finalizar, insisto que estas reflexes pretendem ser apenas um est-mulo, j que so fundadas nos dados quantitativos mais facilmente dispon-veis. Sua inteno nos fazer pensar mais no presente da ABHO e em seu futuro, neste ano to simblico para a histria oral no Brasil.

    Referncias

    FERREIRA, Marieta de Moraes; FERNANDES, Tania Maria; ALBERTI, Verena (Org.). Histria oral: desafios para o sculo XXI. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz; CPDOC/Fundao Getulio Vargas, 2000.

    PEREIRA NETO, Andr de Faria; MACHADO, Brbara Arajo; MONTENEGRO, Antonio Torres. Histria oral no Brasil: uma anlise da produo recente (1998/2008). Histria Oral, v. 10, n. 2, p. 113-126, jul./dez. 2007.

    Resumo: Em 1994, como produto de esforos de profissionais de vrias disciplinas por mais uma dcada, formou-se a Associao Brasileira de Histria Oral (ABHO). A mobilizao e organizao de seus praticantes por meio dessa associao foi decisiva para o fortalecimento dos argumentos que defendiam sua especificidade e valor e, no mesmo movimento, conformavam prticas de pesquisa que demarcavam o que seria conhecido como metodologia de histria oral no Brasil. Esse trabalho demandou intensos debates e um consistente grau de concordncia em questes fundamentais para que um resultado respeitvel fosse produzido. Em 2014, portanto, a ABHO faz 20 anos. Nesse momento especial, o presente artigo tem como objetivo realizar um balano para entender melhor como a ABHO tem existido ao longo dessas duas dcadas. Para tanto, investe em um diagnstico de suas foras e fraquezas, conhecimento necessrio para traar planos para seguir em frente com vitalidade.

    Palavras-chave: ABHO, metodologia de histria oral, associaes cientficas.

    Brazilian Association of Oral History, 20 years later: What are we? What do we want to be?

    Abstract: In 1994, as a result of the efforts of professionals of various areas during over a decade, the Brazilian Association of Oral History (ABHO) was created. The mobilization and organization of its participants through this association was decisive for the strengthening of the arguments that defended its specificity and value and, in the same movement, shaped research practices that demarcated what would be known as methodology of Oral History in Brazil. That work demanded intense debates and a consistent level of agreement concerning fundamental

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    issues so that a respectable result could be produced. In 2014, the ABHO completes 20 years of existence. In this special moment, the present article aims to conduct an assessment in order to better understand how the ABHO has existed throughout these two decades. For that, this paper diagnoses its strengths and weaknesses, a necessary knowledge in order to make plans and move forward with vitality.

    Keywords: ABHO, methodology of Oral History, scientific associations.

    Recebido em 10/05/2014Aprovado em 27/07/2014