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Atividade Elétrica do Coração 1 CAPÍTULO XIV ATIVIDADE ELÉTRICA DO CORAÇÃO Antônio Carlos de Souza Spinelli Considerações iniciais A ativação das células do miocárdio produz um potencial elétrico que é conduzido por todo o corpo do individuo e pode ser captado na superfície corporal na forma do traçado eletrocardiográfico ( ECG ). A condução deste potencial no ser vivo é realizada com de gradação do potencial inicial caracterizando os seres vivos como condutores de segunda ordem uma vez que os metais, condutores de primeira ordem, conduzem a corrente elétrica sem degradação do potencial conduzido. A gênese do potencial elétrico decorre, tanto na ativação como na repolarização das fibras do miocárdio, da existência na superfície das células de um dipolo, conjunto de cargas elétricas de sinais opostos,próximas uma da outra e em um mesmo meio ( FIG. 14.1) O dipolo origina uma voltagem que se distribui na forma de um campo elétrico, onde a eletro-positividade é cada vez maior à medida que nos aproximamos da carga positiva e a eletro-negatividade aumenta quanto mais nos aproximamos da carga negativa e observando-se potencial zero na metade da distancia entre as duas cargas. A distribuição da eletro-positividade e eletro-negatividade se faz em áreas com voltagem de intensidade crescente, mas com o mesmo potencial ao longo de cada uma delas que são chamadas de superfícies isopotenciais ( FIG 14.2). Figura 14.1

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Atividade Elétrica do Coração

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CAPÍTULO XIV – ATIVIDADE

ELÉTRICA DO CORAÇÃO

Antônio Carlos de Souza Spinelli

Considerações iniciais

A ativação das células do miocárdio produz um potencial

elétrico que é conduzido por todo o corpo do individuo e pode ser captado

na superfície corporal na forma do traçado eletrocardiográfico ( ECG ). A

condução deste potencial no ser vivo é realizada com de gradação do

potencial inicial caracterizando os seres vivos como condutores de segunda

ordem uma vez que os metais, condutores de primeira ordem, conduzem a

corrente elétrica sem degradação do potencial conduzido.

A gênese do potencial elétrico decorre, tanto na ativação como

na repolarização das fibras do miocárdio, da existência na superfície das

células de um dipolo, conjunto de cargas elétricas de sinais

opostos,próximas uma da outra e em um mesmo meio ( FIG. 14.1)

O dipolo origina uma voltagem que se distribui na forma de um

campo elétrico, onde a eletro-positividade é cada vez maior à medida que

nos aproximamos da carga positiva e a eletro-negatividade aumenta quanto

mais nos aproximamos da carga negativa e observando-se potencial zero na

metade da distancia entre as duas cargas.

A distribuição da eletro-positividade e eletro-negatividade se faz

em áreas com voltagem de intensidade crescente, mas com o mesmo

potencial ao longo de cada uma delas que são chamadas de superfícies

isopotenciais ( FIG 14.2).

Figura 14.1

Atividade Elétrica do Coração

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A utilização de galvanômetros, aparelhos que realizam a

mensuração do potencial elétrico de um ponto em relação a outro

denominado referencia, nos permite a exploração do campo elétrico

produzido pelo dipolo; nestes aparelhos encontramos dois pólos, um

representado pelo eletrodo explorador ou ativo e outro que é o eletrodo

referencia. A medida do potencial é realizada colocando-se o eletrodo

explorador na superfície isopotencial que se quer estudar determinando-se o

seu valor em relação ao valor de referencia, ou seja, o sinal da carga é

fornecido pelo potencial captado pelo eletrodo explorador e o módulo é a

diferença entre o ponto estudado e o referencia. .

Para o registro gráfico dos potenciais captados se convencionou

que potenciais positivos resultariam em ondas para cima, potenciais

negativos ondas para baixo e diante de uma situação com potencial zero

uma linha que foi chamada de isoelétrica (FIG 14.3).

Figura 14.2

Atividade Elétrica do Coração

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Ativação de uma fibra cardíaca isolada

Quando ocorre a ativação de uma fibra cardíaca isolada, no

ponto onde foi iniciado o processo observa-se a inversão da polaridade de

repouso enquanto o restante da superfície das membranas permanece com a

polaridade de repouso. Neste instante temos a formação de dipolo e como o

processo de ativação vai se propagar até a ativação de toda fibra, o dipolo

vai se deslocar até o ponto mais distal da superfície desta fibra (FIG 14.4).

Imaginando-se uma fibra que se ativa de um ponto A para um

ponto B, colocando-se o eletrodo explorador de um galvanômetro próximo

ao ponto A com o referencia em potencial zero vamos obter o registro de

uma onda negativa, se este eletrodo for colocado próximo do ponto B o

registro será uma onda positiva e se o eletrodo for colocado na metade da

distancia entre os pontos A e B o gráfico obtido será uma onda positiva

seguida de outra negativa. Observe que temos três formas distintas de

registro para o mesmo evento, pois em cada situação o eletrodo “vê” o

processo por posição diferente. Na situação onde o eletrodo foi colocado na

metade da distancia entre a origem e o final da ativação, observamos dois

instantes definidos do processo originando duas ondas, inicialmente o

dipolo encontra-se na primeira metade da fibra e recebe a influencia da

carga positiva do dipolo e no segundo instante o dipolo migrou para a

segunda metade da fibra e vai receber agora a influencia da carga negativa

do dipolo; vale ressaltar que em todos os exemplos apresentados tanto antes

da ativação (polaridade de repouso) como após a ativação (polaridade

invertida), não existem dipolos na superfície das membranas e, portanto o

registro será a linha isoelétrica. A figura 14.4 apresenta a ativação de uma

fibra isolada com os possíveis registros.

Repolarização de uma fibra cardíaca isolada

Figura 14.3

Atividade Elétrica do Coração

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No processo de repolarização de uma fibra isolada, observa-se

que o processo se completa primeiro no ponto onde teve início a ativação.

Novamente temos a formação de um dipolo, pois a superfície do ponto A

torna-se positiva enquanto o restante da fibra permanece ainda povoada, em

sua superfície, por cargas negativas; este dipolo apresenta suas cargas com

localização trocada em relação ao dipolo da ativação, mas também vai se

deslocar do ponto A para o ponto B. Obviamente o registro obtido com o

eletrodo explorador colocado próximo ao ponto A será uma onda positiva,

se o eletrodo explorador for colocado próximo ao ponto B o registro obtido

será uma onda negativa e se a posição do eletrodo for a metade da distancia

entre os dois pontos observaremos a inscrição de uma onda negativa

seguida de outra positiva; observe que os traçados obtidos são exatamente o

oposto dos apresentados no registro da ativação da fibra cardíaca( FIG.

13.4).

Notação Vetorial

O dipolo pode ser representado por um vetor uma vez que tem

sentido (polo positivo e polo negativo) e se desloca em uma direção; por

convenção ficou padronizado que a cabeça do vetor representa o polo

positivo e a cauda o polo negativo (FIG.14.5).

Figura 14.4

Atividade Elétrica do Coração

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O vetor da ativação desliza apontando para onde progride a

mudança da polaridade de repouso e o vetor da repolarização se desloca

apontando para a origem da repolarização por isso se diz que o seu

movimento se faz em marcha-à-ré.(FIG.14.6)

Atividade Elétrica do Coração

Durante a ativação e repolarização do miocárdio são gerados

inúmeros que se somam vetorialmente resultando o traçado

eletrocardiográfico (ECG). Tomando como exemplo a ativação a partir do

Nó Sinusal vamos observar vários vetores que apresentam diferentes

direções de acordo com a posição das fibras ativadas e que se somam

originando um vetor resultante.

Ativação e Repolarização Atrial

Na ativação dos átrios, observa-se inicialmente a produção da

polaridade invertida na região circunvizinha ao nó sinusal enquanto regiões

mais distais permanecem com a polaridade de repouso; esta situação vai

originar vários dipolos cujo vetor resultante se desloca da direita para

esquerda, de cima para baixo, podendo seguir para frente ou para traz, e esta

configuração espacial do vetor permite registrar ondas P negativas a partir

de eletrodos colocados do lado direito do individuo e registros positivos

Figura 14.5

Figura 14.6

Atividade Elétrica do Coração

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com eletrodos fixados no lado esquerdo e regiões inferiores ao tórax

(FIG.14.7)

A repolarização atrial origina um vetor resultante que se desloca

com sentido oposto ao da ativação isto é, aponta para o nó sinusal, ou seja,

para cima e para direita e consequentemente resulta em registros positivos

quando o traçado é realizado com eletrodos posicionados à direita e

registros negativos com eletrodos á esquerda, entretanto quando analisamos

em eletrocardiograma não encontramos a onda de repolarização atrial, pois,

ela encontra-se mascarada pela ativação ventricular que apresenta maior

magnitude e ocorre no mesmo instante.

Ativação Ventricular

Observando o traçado eletrocardiográfico identificamos um

complexo de três ondas (QRS) representando a ativação ventricular o que

nos garante que este processo ocorre em três temos distintos; este situação

prende ao fato estimulo, após atravessar o nódulo átrio-ventricular, continua

a percorrer o feixe de His seguindo depois pelos ramos direito e esquerdo do

feixe e a medida que vai descendo pelos ramos ocorre a ativação da

musculatura do septo inter-ventricular inicialmente pelo lado esquerdo onde

a condução é mais rápida, originando o primeiro vetor denominado de vetor

septal que se dirige para baixo para direita e para frente permitindo que

eletrodos colocados do lado esquerdo do tórax recebam influencia de uma

eletro-negatividade e seja registrada a primeira onda negativa do QRS..

Após a ativação septal o estímulo chega às paredes livres dos

ventrículos caracterizando o segundo instante da ativação ventricular; os

ventrículos são ativados quase que simultaneamente pela condução rápida

das fibras da Rede de Purkinje e o vetor resultante se para a esquerda para

baixo e para trás e eletrodos colocados à esquerda do tórax recebem

influencia da carga positiva registrando a primeira onda positiva da ativação

ventricular a onda R como mostra a figura 14.8.

Fig. 14.7

Fig. 14.8

Atividade Elétrica do Coração

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A ultima fase da ativação ventricular ocorre nas paredes basais

de ambos ventrículos e o processo é iniciado pela porção inferior da região

local chega o estimulo conduzido pelos ramos do feixe de His e temos como

resultante um vetor que se dirige para direita para cima e para trás

resultando na inscrição da segunda onda negativa da ativação

ventricular(S), quando realizamos o ECG a partir de eletrodos situados à

esquerda do tórax(FIG 14.8).

Repolarização ventricular

Quando observamos a repolarização ventricular no traçado

eletrocardiográfico, encontramos uma onda única chamada de onda T e isto

nos garante que a repolarização dos ventrículos se faz ao mesmo tempo; a

onda T apresenta geralmente uma menor amplitude que o complexo QRS e

se inscreve mais lentamente. Outro aspecto interessante é que na maioria

dos registros ela se apresenta concordante com a maior onda da ativação

ventricular, permitindo concluir que a repolarização ventricular não se

completa inicialmente no mesmo ponto onde se iniciou a ativação; de fato a

ativação ventricular se faz do endocárdio para o epicardio, uma vez que o

sistema de condução é endocárdico e origina um vetor que aponta para o

epicárdio. Na repolarização o endocárdio não reúne as condições para

iniciar o processo de repolarização, pois este instante coincide com a

contração ventricular que produz uma isquemia fisiológica localizada no

endocárdio e o epicárdio sem sofrer esta redução de aporte sanguíneo, uma

vez que a circulação coronária é epicárdica, se repolariza primeiro

originando um vetor que também aponta para o epicárdio e desliza em

direção do endocárdio (FIG 14.9).

Atividade Elétrica do Coração

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Derivações Eletrocardiográficas

Os potenciais elétricos gerados pelo coração durante a ativação e

a repolarização são registrados tradicionalmente utilizando 12 derivações

eletrocardiográficas que estabelecem os pontos na superfície corporal para a

colocação dos eletrodos. A captação desses potenciais permite avaliar a

atividade elétrica do coração através do eletrocardiograma (ECG) que

registra os potenciais elétricos que precedem os batimentos cardíacos; os

registros obtidos são de grande valia em condições de hipertrofia atrial e

ventricular. Infarto do miocárdio, arritmias, ação de drogas e outras

situações que afetam o coração.

Os registros eletrocardiográficos obedecem aos princípios

estabelecidos por Einthoven no inicio do século; este autor postulou que o

coração encontrava-se situado no centro de um triangulo imaginário cujos

vértices eram os ombros e o púbis e a partir desta constatação idealizou as

primeiras derivações eletrocardiográficas.

O eletrocardiograma completo é constituído por 12 derivações

assim definidas:

Derivações bipolares ou Clássicas

Estas derivações, também chamadas de derivações de

Einthoven, são obtidas a partir de dois eletrodos, um de referencia e outro

registrador, também chamado de explorador ou ativo. São denominadas de

DI, DII e DIII.

DI é a diferença de potencial (DDP) entre o membro superior

esquerdo, eletrodo ativo e o membro superior direito, eletrodo referencia.

Fiura 14.9

Atividade Elétrica do Coração

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DII é a diferença de potencial entre o membro inferior esquerdo

e eletrodo ativo e o membro superior direito, eletrodo referencia.

DIII é a diferença de potencial entre o membro inferior

esquerdo, eletrodo ativo e o membro superior esquerdo, eletrodo referencia.

Derivações Unipolares Aumentadas

Para se realizar o registro eletrocardiografico nestas derivações,

utiliza-se como referencia um eletrodo indiferente obtido a partir da união

de dois colocados nos membros não estudados; este artifício, denominado

de central de Goldberger, fornece potencial próximo a zero e permite um

aumento na amplitude do registro quando comparamos com o traçado

obtido utilizando um indiferente com a união dos membros superiores e o

membro inferior esquerdo. A derivações unipolares ou monopolares são

chamadas de aVR, aVL e aVF.

aVR ddp entre membro superior direito,eletrodo ativo e união de

membro superior esquerdo com o membro inferior esquerdo.

aVL ddp entre o membro superior esquerdo,eletrodo ativo e a

união entre membro superior direito e o membro inferior esquerdo.

aVF ddp entre o membro inferior esquerdo, eletrodo ativo e a

união dos membros superiores.

Derivações Precordiais

Nestas derivações o eletrodo indiferente é o ponto de união dos

eletrodos colocados nos membros superiores e o do membro inferior

esquerdo recebendo este artifício o nome de central de Wilson que garante

potencial zero; o eletrodo registrador será então colocado em pontos

definidos do tórax ( região precordial ). As posições do eletrodo explorador

nas de derivações precordiais são:

Figura 14.10

Figura 14.11

Atividade Elétrica do Coração

10

V1 4º espaço intercostal à direita da borda esternal.

V2 4º espaço intercostal à esquerda da borda esternal.

V3 posição intermediaria entre V2 e V4.

V4 5º espaço intercostal na linha hemiclavicular esquerda.

V5 5º espaço intercostal na linha axilar anterior esquerda.

V6 6º espaço intercostal na linha hemiaxilar esquerda.

Várias outras derivações são possíveis, embora tenham seu uso

mais restrito a situações especiais e os registros obtidos apresentam

características distintas nas varias derivações já que cada uma delas “vê” o

coração de posições diferentes.

O Eletrocardiógrafo

Trata-se de um galvanômetro que pode ser resumido no diagrama abaixo:

===> ===> ===>

ELETRODOS

CASADOR DE

IMPEDÂNCIAS

TRIÂNGULO DE

RESISTORES

AMPLIFICADOR

DIFERENCIAL

REGISTRADOR

ATENUADOR DE

INTERFERÊNCIAS

Figura 14.12

Atividade Elétrica do Coração

11

Alem dos eletrodos para registro, os aparelhos apresentam um outro

que geralmente é fixado na perna direita do paciente e que tem função na redução

das interferências provocadas pelas variações induzidas pela rede elétrica. Vale a

pena destacar a necessidade de utilização de uma pasta condutora especial, para

estabelecer melhor contato elétrico entre a pela e os eletrodos.

Para o registro do ECG convencional, o paciente deve estar em

repouso, deitado e relaxado, e deve-se: limpar previamente com álcool os

locais onde serão fixados os eletrodos, para remover a gordura que funciona

como isolante, aplicar a pasta condutora sobre estes locais, fixar os eletrodos

nos pontos untados com a pasta e efetuar o registro de acordo com as

instruções de funcionamento do aparelho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS

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BURTON AC. – Fisiologia e Biofísica da Circulação, 2* edição, Guanabara Koogan, Rio

de Janeiro, Brasil, 1977

Atividade Elétrica do Coração

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CAPÍTULO XV -

ELETROCARDIOGRAMA

NORMAL

Antônio Carlos de Souza Spinelli

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A ativação e repolarização do miocárdio

originam inúmeros vetores que se somam e formam

vetores resultantes que são registrados na forma do

traçado eletrocardiográfico – ECG.

Basicamente a interpretação do ECG

constitui na analise da ativação atrial traduzida pela

onda P, da ativação ventricular representada pelo

complexo QRS e da repolarização ventricular na

forma da onda T; algumas traçados apresentam

ainda outra deflexão, a onda U, que por muito tempo

foi atribuída à potenciais tardios originados na

repolarização dos músculos papilares e hoje a teoria

mais aceita indica que a gênese desta deflexão vem

Figura 15.1

Atividade Elétrica do Coração

13

da repolarização das células M, localizadas entre o

endocárdio e epicárdio ventricular.

Além dos aspectos morfológicos de P,

QRS, T e U, interessam na analise do ECG a

amplitude e duração das deflexões, por isto é

imprescindível saber que utilizando a calibração N e

a velocidade de 25 mm/segundo para o registro do

ECG, cada milímetro na horizontal representa 0,04

segundos de duração e na vertical 0,1 milivolt de

intensidade, isto significa que se uma onda é inscrita

em 2 mm (2 quadradinhos) ela dura 0,08 segundos e

se tem 4mm de altura ela tem 0,4mv de intensidade.

Quando analisamos a ativação atrial e

ventricular observamos o fenômeno elétrico

responsável palas sístoles dos átrios e ventrículos,

enquanto a onda T ocorre durante a diástole

ventricular.

Figura 15.2

Atividade Elétrica do Coração

14

2. ATIVAÇÃO ATRIAL

A onda P do eletrocardiograma em

condições normais se apresenta como uma onda

única de forma arredondada com eixo elétrico

dirigido da direita para esquerda de cima para baixo

e de trás para frente resultando em registros

positivos nas derivações esquerdas (DI AVL V5 e

V6 ), inferiores (DII, DIII, e AVF ) e anteriores (

V1, V2, V3, V4 ) e apenas em AVR observa-se uma

onda negativa, caracterizando o ritmo sinusal.

A onda P é o resultado da ativação do átrio direito

inicialmente e do átrio esquerdo em seguida, como

tem normalmente uma duração de 0,08 a 0,10

segundos os 0,03 segundos iniciais representam a

ativação do átrio direito, os 0,03 segundos

intermediários são formados pela ativação dos dois

átrios e nos 0.03 segundos finais temos apenas a

ativação do átrio esquerdo.

Quanto a amplitude da onda P em condições

normais, observamos uma voltagem que varia de

0,05 a 0,2 milivolts podendo chegar a um extremo

de 0,25 mv.

Conhecendo as características acima descritas

podemos imaginar que o aumento na amplitude da

onda P acima de 0,25 mV decorre habitualmente de

um incremento na porção inicial e em resuma traduz

sobrecarga do átrio direito, enquanto um aumento na

duração da onda P acima de 0,10 segundos

habitualmente é decorrente de um incremento na

porção final da onda e traduz sobrecarga de átrio

esquerdo.

Atividade Elétrica do Coração

15

Em alguns traçados eletrocardiográficos

a onda P na Derivação V1 é frequentemente difásica

do tipo mais-menos, todavia deve apresentar o

componente inicial positivo mais demorado para ser

considerada normal; a observação do inverso

representa um dos critérios de crescimento de átrio

esquerdo.

3. INTERVALO PR

O intervalo PR é medido do início da

onda P até o início do complexo QRS, representa o

tempo que vai da origem do estímulo sinusal até sua

chegada ao músculo ventricular, deve ser mensurado

na derivação bipolar que se apresentar mais longo e

tem sua duração normal entre 0,12 e 0,20 segundos.

Valores abaixo deste limite representam pré-

excitação ventricular por via anômala e valores

acima de 0,20 segundos caracteriza Bloqueio Átrio -

Ventricular do primeiro grau.

4. COMPLEXO QRS

A morfologia do complexo QRS em

pessoas sem patologias é bastante variável e decorre

Figura 15.3

Atividade Elétrica do Coração

16

das várias posições que o coração adota no

mediastino e também entre as diversas derivações

eletrocardiográficas.

A duração do complexo QRS em

condições normais varia entre 0,06 e 0,10 segundos,

ou seja, o mesmo tempo máximo de inscrição da

onda P.

A voltagem do complexo QRS é muito

variável e isoladamente nem sempre é parâmetro

para o diagnostico de patologias, existindo,

entretanto critérios que quando utilizados podem

caracterizar baixa voltagem; é quando não

encontramos complexos com 0,5 mV de amplitude

nas derivações do plano frontal (Bipolares e

Unipolares Aumentadas) e com 0,8 mV nas

derivações do plano horizontal ( Precordiais ).

Também existem critérios de alta voltagem, como

o índice de Sokolov, quando a soma do S de V1

com o R de V5 ou V6 resulta em um valor acima de

35 mm, que pode indicar sobrecarga de ventrículo

esquerdo .

Outro parâmetro de analise do QRS é a

medida do tempo de aparecimento da deflexão

intrinsecóide, que é medida do inicio do QRS até o

vértice da onda R e deve durar no máximo 0,045

Figura 15.4

Atividade Elétrica do Coração

17

segundos para as derivações precordiais direitas e

0,035 segundos para as precordiais esquerdas, e o

seu atraso significa aumento no tempo da ativação

ventricular.

Na analise das ondas Q considera-se

como limites normais 0,03 segundos de duração e

3,0 mm de profundidade, analisado nas derivações

AVR, AVL e DIII. Podemos ter estes limites

ultrapassados em condições normais em função do

eixo elétrico do individuo, mas, como regra geral as

ondas Q não podem ter profundidade superior à 25%

da onda R que a sucede, ou seja não pode

representar 1/3 do total do QRS.

5. EIXO ELÉTRICO

Para a determinação do eixo elétrico

(âQRS) vamos imaginar duas linhas perpendiculares

uma horizontal e outra vertical que se cruzam ao

nível do nódulo átrio-ventricular dividindo o tórax

em 04 quadrantes como mostra a figura abaixo:

Analisando o complexo QRS das

derivações DI e AVF podemos definir o eixo

elétrico de um individuo, se o QRS se apresenta

positivo em DI sabemos o eixo elétrico está voltado

para à esquerda, se nesta mesma derivação o QRS

Figura 15.5

Atividade Elétrica do Coração

18

se apresentar negativo sabemos que o eixo elétrico

está voltado para a direita, a analise da derivação DI

nos permite então afirmar se o coração está voltado

para direita ou para esquerda já a observação da

derivação AVF nos informa se o coração está

voltado para baixo (QRS positivo) ou para cima

(QRS negativo); se encontramos num traçado

eletrocardiográfico complexos QRS positivos em DI

e AFV o eixo elétrico encontra-se entre 0º e +90º .

Na figura abaixo encontramos todas as

possibilidades do eixo elétrico determinados pelo

processo ora apresentado e denominado de método

do quadrante fácil.

6. FREQÜÊNCIA CARDÍACA

A inscrição do ECG é habitualmente

realizada na velocidade de 25 mm/segundos

permitindo que se obtenha em 01 minuto 1500 mm

de traçado; se dividirmos este número pelo intervalo

entre 02 ondas R em milímetros vamos encontrar a

frequência cardíaca (FC) do paciente examinado e

de imediato definir se ela é considerada normal, se

existe bradicardia ou taquicardia.

Figura 15.6

Atividade Elétrica do Coração

19

A determinação da frequência cardíaca

deve ser realizada com os dados da derivação DII ou

da derivação bipolar onde o QRS se apresenta mais

proeminente.

7. SEGMENTO ST

O segmento ST começa no ponto J,

ponto onde termina a inscrição do complexo QRS e

se continua com a porção ascendente da onda T. Na

interpretação do traçado eletrocardiográfico não se

analisa duração ou eixo do segmento ST, o que se

deve observar é a ocorrência de desníveis já que

num traçado normal este segmento encontra-se

nivelado com o segmento PR.

8. REPOLARIZAÇÃO VENTRICULAR

A onda T em decorrência da

configuração do seu vetor apresenta-se na maioria

Figura 15.7

Figura 15.8

Atividade Elétrica do Coração

20

das derivações concordante com a maior onda do

complexo QRS (vetor de paredes livres).

Sua principal característica é a

assimetria, uma vez que a porção ascendente se

inscreve mais lentamente que a porção descendente.

Na interpretação do ECG não se

mensura isoladamente a duração da onda T ficando

esta medida incluída na determinação do intervalo

QT; a determinação voltagem da onda também não

se constitui num parâmetro importante na avaliação

do traçado, podendo se aceitar com regra geral, que

em condições normais a onda T apresenta uma

voltagem inferior ao complexo QRS que a

antecedeu.

9. INTERVALO QT

O intervalo QT é medido do início do

QRS até o final da onda T. tem sua duração máxima

de 0,42 segundos podendo em mulheres este limite

superior pode atingir 0,44 segundos. Devemos

normalmente corrigir o intervalo QT para freqüência

cardíaca do paciente utilizando a equação de Bazett:

O intervalo QT pode estar aumentado nas

bradicardias, na síndrome do QT longo, na

hipopotassemia e hipocalcemia, na ação de drogas

como a Quinidina, entre várias outras situações. O

intervalo QT pode estar encurtado nas taquicardias.

Atividade Elétrica do Coração

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS

CARNEIRO, E.F. - O eletrocardiograma 3º edição - Livraria

Ateneu, 1983.

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