ATIVIDADE FÍSICA, PROCESSO SAÚDE-DOENÇA

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ATIVIDADE FSICA, PROCESSO SADE-DOENA E CONDIES SCIO-ECONMICAS: UMA REVISO DA LITERATURA Alexandre PALMA*

RESUMO Apesar da clareza, encontrada em diversos estudos, a respeito dos benefcios que a atividade fsica regular proporciona sade, pode ser questionvel a interpretao que se faz destes achados. De um modo geral, a viso hegemnica aponta para um vis biolgico e individualizado da doena. Por outro lado, j existem, em vrias pesquisas, fortes evidncias das relaes entre condies scio-econmicas e estado de sade. Dentro destas evidncias, encontram-se, tambm, as associaes com a prtica de atividade fsica regular. O objetivo deste estudo, ento, foi organizar uma reviso da literatura sobre as condies scioeconmicas, o processo sade-doena e a prtica da atividade fsica. O trabalho, assim, chega a concluso de que a atividade fsica est bastante associada ao estado scio-econmico e que os programas de interveno em educao fsica, no campo da sade pblica, devem ser revistos. UNITERMOS: condies scio-econmicas, atividade fsica regular, sade pblica. INTRODUO A atividade fsica regular tem sido reconhecida por seus efeitos saudveis nos praticantes (ACSM, 1998; Pate, Pratt, Blair, Haskell et alii, 1995; Shephard, 1995; Blair, 1993; Berlin & Colditz, 1990). possvel relacion-la a alteraes positivas para combater ou prevenir o aparecimento de diversas doenas, tais como: doenas cardiovasculares, obesidade, diabetes, osteoporose, entre outras. Por esta razo, o sedentarismo aparece como fator de risco para estas doenas. Contudo, este modo de olhar a relao entre a atividade fsica e a sade aponta para duas grandes inquietaes. Por um lado, a viso estreita de sade e, por outro, talvez em decorrncia da primeira, a no identificao de grupos desprivilegiados. A noo de sade tem sido traduzida, principalmente, como ausncia de doenas (Bentham, citado por Lewis, 1986, p.1100) e como*

"um estado de completo bem-estar fsico, mental e social e no apenas a ausncia de doena ou enfermidade" (Organizao Mundial da Sade, citado por Lewis, 1986, p.1100). Estas perspectivas, embora paream diferir, conduzem para anlises reducionistas, uma vez que, para elas: a) as doenas decorrem de determinismos biolgicos; b) o foco centrado no indivduo; e, c) a ausncia de doenas o marcador da sade. Neste sentido, o primeiro problema que da decorre, refere-se ao processo de culpabilizao do indivduo frente ao aparecimento de doenas que, em ltima instncia, poderiam ter sido evitadas. Ora, se o processo sade-doena fosse uma determinao biolgica, caberia ao indivduo alterar seus hbitos de sade e estilos de vida para encerrar a causa e, assim, cessar o efeito. Logo, exercitar-se ou submeter-se a um regime diettico, seriam atitudes que conduziriam o sujeito

Universidade Gama Filho e FIOCRUZ.

Rev. paul. Educ. Fs., So Paulo, 14(1):97-106, jan./jun. 2000

98 sade ou ausncia de doenas e, bvio, seriam responsabilidades do prprio indivduo. Burnley (1998) lembra que, entre as teorias que buscam explicar as causas das doenas, a teoria do estilo de vida, congruente com a ideologia dominante de sade, sugere que a preveno uma responsabilidade pessoal, cujo foco de interveno se dar sobre o controle dos fatores de risco individuais. Contudo, este processo no se d de forma to simples. De fato, a complexidade que abarca tal questo obriga a repensar tanto o conceito de sade, como as intervenes que se do neste campo. Um movimento de ruptura aparece na concepo de sade apresentada no relatrio final da VIII Conferncia Nacional de Sade: "sade o resultante das condies de alimentao, habitao, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos servios de sade. , assim, antes de tudo, o resultado das formas de organizao social da produo, as quais podem gerar grandes desigualdades nos nveis de vida (Minayo, 1992, p.10). Para Canguilhem (1995) a sade consistiria em limites de tolerncia s infidelidades do meio social. Como este dinmico, comporta acontecimentos, esta infidelidade sua histria. Assim, a sade seria a possibilidade de agir e reagir, de adoecer e se recuperar. Canguilhem ensina, muito bem, que a doena uma nova dimenso de vida. Porm, conceituar sade sem dvida uma tarefa rdua, pois os conceitos aparecem frgeis, no to bem delimitados. HansGeorg Gadamer (1997) compreende este processo como um mistrio. A doena est relacionada histria do indivduo e deste com a sociedade, ela uma perturbao experimentada pelo indivduo, uma exceo que o afasta das suas relaes vitais em que ele estava habitualmente vivendo. Esta experincia, da doena, relaciona-se ao estado anterior da sade, que estando esquecida ou no chamando a ateno impe o estabelecimento de valores padronizados. Ora, a doena, ento, no pode existir sem a sade. possvel, assim, construir um novo entendimento do que seja sade em consonncia com a compreenso da sociedade, na medida em que, os fatores de risco no so suficientes para explicar as variaes de mortalidade e morbidade desta sociedade. O foco de anlise, deste modo, ultrapassa o indivduo e recai sobre o coletivo. O modo de olhar concentra-se, no apenas nas

PALMA, A.

causas biolgicas, mas antes, nas relaes entre os indivduos, grupos sociais, instituies, economia, poltica, cultura, entre outros (Burnley, 1998; Lawson, 1992; Navarro, 1998). O objetivo deste estudo, ento, foi rever a literatura sobre atividade fsica, sade e doenas, em suas relaes com as condies scioeconmicas. Como fruto deste vis, passa-se a enxergar a vulnerabilidade de certos grupos sociais, os quais, muitas vezes, no conseguem exercer seus direitos sade. PROCESSO SADE-DOENA CONDIES SCIO-ECONMICAS E

Vrios estudos tm incorporado causas no-biolgicas para interpretao do processo sade-doena. O reconhecimento de que os fatores de risco individuais no conseguem ser suficientes explicao da morbidade e mortalidade nas sociedades, fazem avanar o conhecimento da sade coletiva. Num destes estudos, Burnley (1998) procurou examinar as desigualdades na incidncia de doenas isqumicas do corao, na Austrlia entre 1969 e 1994. O autor verificou que, embora se observasse uma queda nas taxas de mortalidade, as diferenas entre as ocupaes profissionais aumentava. Os operrios ou trabalhadores de processos qumicos passaram de uma odds ratio (razo de chances) de 1.00 no perodo entre 19691973, para 1.41 entre 1990-1994, enquanto empregados de escritrio, em perodos semelhantes, passaram de 1,07 para 0,76. No detalhamento por regio, entre 1969 e 1994, Burnley (1998) mostra, tambm, que as taxas de mortalidade, na faixa etria entre 40 a 64 anos, diminuram significativamente na regio metropolitana de Sydney (p