ATIVIDADE PESQUEIRA E EDUCAÇÃO NO CAMPO DA...

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1 ATIVIDADE PESQUEIRA E EDUCAÇÃO NO CAMPO DA COSTA OCEÂNICA DO MUNICÍPIO DE CAIRU/BA: DIÁLOGOS ENTRE EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO Luis Henrique Couto Paixão 1 Cristina Maria Macêdo de Alencar 2 Vanuza Silva Souza da Conceição 3 Murilo Pinto Silva Santos 4 RESUMO Tendo os diálogos entre a educação e desenvolvimento como perspectiva, o presente trabalho busca mostrar a dinâmica pesqueira das localidades de Moreré, São Sebastião, Gamboa e Garapuá, situados no Município de Cairu no litoral sul da Bahia, face ao sistema educacional local. Para isso, utilizou-se de revisão bibliográfica e pesquisas de campo como metodologia para identificar a dinâmica local que circunda a pesca, assim como a dinâmica pesqueira marcada por rebatimentos do desenvolvimento. Por conseguinte, identificou-se o sistema educacional local e sua relação com os jovens. Assim, ficou constatada que a educação formal na escola local ainda segue o molde da educação da zona urbana, não adequando sua estrutura curricular e tampouco seu ensino a prática da pesca local, influenciando para o enfraquecimento da prática da atividade pesqueira. Palavras-chave: Educação contextualizada. Desenvolvimento local. Rural pesqueiro. Juventude e pesca. 1 INTRODUÇÃO A abordagem assumida neste artigo considera o campo como uma noção ampla de expressão de relações com a natureza constitutivas do mundo para aquelas populações que habitam e se reproduzem socialmente nessas relações. Portanto, diz-se educação do campo como relativa a trabalhadores e trabalhadoras na agricultura, na pecuária, na aquicultura, no 1 Geógrafo e Mestre em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social pela UCSal e pesquisador membro do Grupo Desenvolvimento Sociedade e Natureza, E-mail: [email protected]. 2 Economista e Doutora em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela UERJ, Professora adjunto IV e líder do Grupo de Pesquisa Desenvolvimento, Sociedade e Natureza, da UCSal. E-mail: [email protected]. 3 Licenciada em Geografia pela UNEB, Mestre em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social pela UCSAL, professora pelo CETEP do Vale do Jequiriçá e pesquisadora membro do Grupo Desenvolvimento Sociedade e Natureza. E-mail: [email protected] 4 Mestre em Ciências Sociais: Cultura, Desigualdades e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB (2013); Bacharel em Ciências Sociais pela UFRB (2013); Licenciado em Educação Física pela Universidade Católica do Salvador – UCSAL (2003); Professor Efetivo do Centro Juvenil de Ciência e Cultura da Secretaria da Educação do Estado da Bahia. E-mail: [email protected].

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ATIVIDADE PESQUEIRA E EDUCAÇÃO NO CAMPO DA COSTA OCEÂNICA DO

MUNICÍPIO DE CAIRU/BA: DIÁLOGOS ENTRE EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

Luis Henrique Couto Paixão1 Cristina Maria Macêdo de Alencar2 Vanuza Silva Souza da Conceição3

Murilo Pinto Silva Santos4

RESUMO

Tendo os diálogos entre a educação e desenvolvimento como perspectiva, o presente trabalho busca mostrar a dinâmica pesqueira das localidades de Moreré, São Sebastião, Gamboa e Garapuá, situados no Município de Cairu no litoral sul da Bahia, face ao sistema educacional local. Para isso, utilizou-se de revisão bibliográfica e pesquisas de campo como metodologia para identificar a dinâmica local que circunda a pesca, assim como a dinâmica pesqueira marcada por rebatimentos do desenvolvimento. Por conseguinte, identificou-se o sistema educacional local e sua relação com os jovens. Assim, ficou constatada que a educação formal na escola local ainda segue o molde da educação da zona urbana, não adequando sua estrutura curricular e tampouco seu ensino a prática da pesca local, influenciando para o enfraquecimento da prática da atividade pesqueira. Palavras-chave: Educação contextualizada. Desenvolvimento local. Rural pesqueiro. Juventude e pesca. 1 INTRODUÇÃO

A abordagem assumida neste artigo considera o campo como uma noção ampla de

expressão de relações com a natureza constitutivas do mundo para aquelas populações que

habitam e se reproduzem socialmente nessas relações. Portanto, diz-se educação do campo

como relativa a trabalhadores e trabalhadoras na agricultura, na pecuária, na aquicultura, no 1 Geógrafo e Mestre em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social pela UCSal e pesquisador membro do Grupo Desenvolvimento Sociedade e Natureza, E-mail: [email protected]. 2 Economista e Doutora em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela UERJ, Professora adjunto IV e líder do Grupo de Pesquisa Desenvolvimento, Sociedade e Natureza, da UCSal. E-mail: [email protected]. 3 Licenciada em Geografia pela UNEB, Mestre em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social pela UCSAL, professora pelo CETEP do Vale do Jequiriçá e pesquisadora membro do Grupo Desenvolvimento Sociedade e Natureza. E-mail: [email protected] 4 Mestre em Ciências Sociais: Cultura, Desigualdades e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB (2013); Bacharel em Ciências Sociais pela UFRB (2013); Licenciado em Educação Física pela Universidade Católica do Salvador – UCSAL (2003); Professor Efetivo do Centro Juvenil de Ciência e Cultura da Secretaria da Educação do Estado da Bahia. E-mail: [email protected].

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extrativismo mineral e vegetal, caça e na captura de animais, na produção de mel, de

artesanatos, e a tantas outras formas de constituição de identidade social a partir da produção

material e social da vida. Nessa perspectiva, tratamos da educação de uma população

pesqueira como educação do campo, cuja territorialidade se constrói na interação com a

cidade, assim como a rural na interação com o urbano (ALENCAR, 2010). Ademais,

concordamos com Freire (2005) ao considerar que essas populações têm na natureza mais do

que o suporte sobre o qual realizam suas atividades, o que nos permite falar que constroem aí

sua representação de mundo rural em múltiplas atividades, ou pluriativas (CARNEIRO,

1998). A condição pluriativa dessas populações produz e reproduz rurais multifuncionais,

seguindo ainda a compreensão de Carneiro (2012), o que implica em diferentes usos da

natureza embora um desses usos classifique suas identidades sociais, quer seja camponês,

agricultor familiar, pescadores, caiçaras, marisqueiras, quebradeiras de coco, comunidades de

fundos de pasto, dentre tantas outras comunidades tradicionais.

Para o campo assim configurado, a relação entre educação e desenvolvimento carrega

a complexa condição de contextualizar-se na diversidade, o que pode ser mais complexo do

que parece se pensarmos que a história da educação no nosso país está calcada em relações de

desigualdade e exclusão.

Somente no século XX a escola foi institucionalizada no campo e ainda assim,

excluindo aspectos tão importantes como a relação social, produtiva e cultural do povo.

Portanto, o desafio da educação se torna ainda mais amplo se pensarmos nela como o

caminho essencial de transformação para o desenvolvimento local que, por implicar em

protagonismo da própria população deve estar comprometida com a formação de consciência

crítica para que possam analisar e transformar sua própria realidade. Nas palavras de Paulo

Freire, "[...] é preciso aumentar o grau de consciência do povo, dos problemas de seu tempo e

de seu espaço. É preciso dar-lhe uma ideologia do desenvolvimento [..]" (FREIRE, 1959,

p.28). Nesse sentido, a educação é fator primordial de mudança social e desenvolvimento.

Com essa compreensão sobre a vida das populações rurais, a educação que se refere a

elas, a educação do campo, requer que seja fundamentada na educação sociopolítica

(FREIRE, 2005), de modo que o processo de educação do campo convirja para o

desenvolvimento local, as especificidades culturais, a realização da reforma agrária bem

como a valorização da agricultura familiar, apropriando-se dos avanços que a humanidade

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conquistou em termos de conhecimentos e inovações para o bem-estar, permanentemente

renovado pelo fazeres e pelas demandas dos movimento sociais desses sujeitos.

A dinâmica de desenvolvimento de que trata este artigo refere-se às localidades do

litoral oceânico do município de Cairu/BA, especificamente os povoados de São Sebastião,

Garapuá, Moreré e Gamboa, que passaram por diversas transformações principalmente nos

aspectos do Espaço Geográfico, Território e Paisagem. Essas transformações que compõem o

panorama de mudanças ocorridas também no âmbito social nos possibilitam analisar

propostas de educação sugeridas e ocorridas no âmbito da comunidade. Assim, objetiva-se

identificar a interação da educação na promoção do desenvolvimento entre estas comunidades

pesqueiras, assim denominadas por viverem basicamente de pesca e atividades ligadas à

pesca. A pergunta de investigação que nos orienta na direção desse objetivo é: como a

educação interfere na dinâmica socioespacial, enquanto possível mediadora entre a

representação social que a comunidade elabora sobre desenvolvimento e as recentes

transformações socioeconômicas no local?

Como procedimentos de pesquisa o trabalho utilizou a abordagem de análise e síntese,

utilizando de fontes bibliográficas como jornais, livros, artigos, teses, além de fontes

eletrônicas, como documentos oficiais, leis, estudos de projetos, bem como mídias de órgãos

públicos e privados. Além das referências escritas foram realizadas pesquisas de campo, nos

períodos de meados de 2013; 10 a 18 de dezembro de 2013; 31 de março a 25 de abril e 30 de

junho a 04 de julho em 2014. Nessas pesquisas apreendeu-se através das entrevistas com

moradores, pescadores, gestores municipais e líderes locais, as dinâmicas das comunidades e

sua interação com a pesca e a educação. Além disso, foi realizada pesquisa com um total de

107 estudantes com idades que variam dos 14 aos 37 anos, através de questionário e oficinas,

para apreensão da relação da pesca e ensino e ação das escolas nas localidades.

2 DIÁLOGOS ENTRE A EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

É possível se estabelecer diálogos entre educação e desenvolvimento a partir de

diferentes perspectivas. Uma delas é quando se problematiza a noção de desenvolvimento

associado a quaisquer adjetivos, como econômico, social, socioambiental ou local, entre

outros, atribuindo-lhes sentidos norteadores de parâmetros para avaliá-lo. Esta

problematização supera a clássica polêmica relativa à dimensão econômica da sociedade entre

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crescimento e desenvolvimento, polêmica que consideramos encerrada tendo em vista que ao

contrapormos as estatísticas do crescimento econômico brasileiro com os Índices do

Desenvolvimento Humano5, facilmente chegamos à conclusão que o país não desenvolve ao

mesmo passo em que cresce6. A dissociação entre essas categorias, apesar de possuírem

aproximações e elevado grau de interdependência, resulta de serem tratadas de formas

distintas, com distanciamento e até mesmo como dicotomia quando está em questão a ação do

Estado ao intervir com políticas desenvolvimentistas.

O sentido de desenvolvimento atribuído neste artigo é o local, mas mesmo que

adotássemos o econômico, tornar-se-ia imprescindível inter-relacionar educação e

desenvolvimento diante, por exemplo, da concepção de desenvolvimento econômico utilizada

por Celso Furtado (1964), onde, as necessidades existentes e/ou criadas ao longo de um dado

sistema produtivo, lhes são atendidas através da inserção de inovações tecnológicas, o que não

é possível fazer sem educação no sentido amplo de formação intelectual e cultural. Percebe-se

o quanto a educação torna-se instrumento indispensável para explicar fenômenos e processos

de produção material e social da vida, inerentes à totalidade social e a particularidades do

desenvolvimento local.

Assim como recorremos a um autor (Celso Furtado) cuja importância teórica para as

ciências sociais, na área da economia no Brasil é consensuada na comunidade científica

quando o assunto é desenvolvimento, recorremos a Florestan Fernandes, que goza do mesmo

reconhecimento, para explicitar nexos entre o econômico e o social que integram o

desenvolvimento. Nesse sentido, segundo Fernandes (2008), as “mudanças sociais” não estão

separadas das condições financeiras e das relações de poder, tendo em vista que: Os processos de mudança são, com frequência, fenômenos de poder, na evolução das sociedades. E o controle da mudança, por sua vez, quase sempre aparece como fenômeno político (ele não diz respeito, somente, ao poder em geral, como poder econômico, social ou cultural, indiretamente político; mas, também, ao poder especificamente político) (FERNANDES, 2008, p. 55).

Inovações tecnológicas e decisões políticas relativas a diretrizes para o

5 Em 2014 o Brasil ocupou a posição de 7ª maior economia mundial e 79ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano, segundo dados do Banco Mundial e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, respectivamente. 6 Inúmeros exemplos poderiam ilustrar essa afirmação, mas para isso sugerimos consultar o Produto Interno Bruto - PIB e o Relatório de Desenvolvimento Humano do Brasil.

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desenvolvimento impactam diferenciadamente os espaços que são produzidos e reproduzidos

sob a indução desses processos. Os interesses dos agentes e sujeitos sociais envolvidos nas

diferentes escalas e nas relações interescalares onde se concretizam as ações transformadoras

sobre padrões socioprodutivos historicamente construídos configurarão os sentidos que

qualificarão o desenvolvimento nas diferentes totalidades sociais.

É nesse sentido que buscamos reconhecer o diálogo que se está estabelecendo entre

educação e desenvolvimento nas transformações que vêm ocorrendo no município de Cairu

através da atividade de pesca que, na sua costa atlântica integra as mais antigas tradições de

seus habitantes, que mantiveram sua riqueza cultural na exploração dos recursos naturais,

mesmo com a introdução das transformações socioculturais impostas pelo desenvolvimento

econômico (ROCHA, 2010; ALENCAR, 2011).

A inserção e o aprendizado da atividade pesqueira artesanal começam cedo - aos cinco

ou seis anos de idade - quando os pais começam a cobrar dos filhos a realização de suas

primeiras atividades, como forma de treinamento e de colaboração. Tal aprendizado se realiza

pela prática, na continuidade e pela convivência grupal (CARDOSO e CARDOSO et al.,2001,

p.165).

Dessa forma a escola, sendo parte da totalidade social, precisa garantir a esses sujeitos

o direito à formação multidimensional e contextualizada, a qual não pode ser separada da vida

social e nem fragmentada em seu conteúdo, mas deverá estar calcada na concepção

emancipadora de educação. Portanto, a educação dos pescadores das áreas estudadas, por

exemplo, para ser emancipadora, deve estar calcada nos moldes da realidade da dinâmica

social; não basta apenas ter escola, mas ela deve estar inserida na realidade social do espaço

que pertence. Dito de outro modo cabe à escola considerar o saber advindo da experiência

como fonte legítima desse conhecimento.

Os trabalhadores do campo sempre produziram, pela prática, os seus conhecimentos,

experiência produtora de saberes que não podem, simplesmente, ser desprezados pelo saber

acadêmico científico (NETO, 2009, p.32; CEZIMBRA, 2007), o carrega junto sua função

social de inserção no mundo. Percebe-se os efeitos da educação básica que não se relaciona

com a realidade local e sua diversidade sociocultural; ela não possibilita contribuições

profundas nas mentalidades tanto do campo, quanto dos espaços periurbanos, onde está a

agricultura e as demais atividades do mundo rural como lugar de trabalho e vida, que carecem

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de investimentos públicos para a educação escolar e profissionalizante. Esse fato levou

homens e mulheres do campo a reivindicarem que a educação básica e superior, supra suas

necessidades de subsistência, e não mais se restrinja à ideia de investimentos assistencialistas

(Santos, 2013).

“A ausência de uma educação emancipadora e multidimensional em que os sujeitos

sociais do campo são os protagonistas do processo de ensino aprendizagem [...]” (FREIRE,

2005, p.96), bem como a falta de políticas públicas educacionais que garantam o acesso e a

permanência da população do campo na escola (FREIRE, 2005) pode resultar numa pressão

sobre esses sujeitos a optarem entre a atividade de pesca que desenvolvem em conjunto com

suas famílias e a escola resultando em uma inevitável inserção de atividades que não

qualifiquem o viver no campo preservando as bases culturais e respeitando sua especificidade

sociocultural. A escola tem se fechado numa estrutura organizacional autoritária mantendo-se

distante da realidade daqueles que vivem no campo.

Nessa perspectiva, Freire (2005, p.97) aponta que: “[...] não seriam poucos os exemplos que poderiam ser citados, de planos, de natureza política ou simplesmente docente, que falharam porque os seus realizadores partiram de uma visão pessoal da realidade. Porque não levaram em conta, num mínimo instante, os homens em situação a quem se dirigia seu programa”. (FREIRE, 2005, p.97).

Corriqueiramente evidenciamos através das práticas da instituição escolar, um

currículo conteudista, que em grande parte encontra-se desprendido da realidade dos seus

estudantes, vislumbrando a imersão desse público – estudantes – ao mercado de trabalho e

ingresso as Universidades, deixando de lado a formação crítica, reflexiva e política. Esse

contexto refere-se ao que conhecemos como pedagogia tecnicista, onde, através do bojo das

relações institucionais do aparelho escolar, os indivíduos são transformados em mero

reprodutores do conhecimento, pouco refletindo sobre suas práticas de produção e reprodução

ao meio social.

Para Costa e Costa com base em Caldart (2008): “[...] é preciso não perder de vista que a escola tem uma forma institucional e uma lógica de trabalhar com a educação que foi construída socialmente e que traz entranhados os mesmos condicionantes históricos das relações sociais que o projeto da Educação do campo se coloca como desafio transformar, entre os quais o da antinomia entre trabalho manual e trabalho intelectual e entre cidade e campo. Por isso, um projeto de educação emancipatório precisa tensionar “a lógica escolar” assumida pelos processos formadores,

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por vezes também naqueles que acontecem fora da escola”. (CALDART, 2008, apud COSTA; COSTA, 2011, p.6).

Entendemos que a educação constitui-se enquanto um dos principais alicerces na

formação dos indivíduos, vinculada a constituição de um projeto de vida que influencia

diretamente no seu modo de subsistência. Porém, o fato de levar escola para o campo não é

suficiente para garantir uma política satisfatória para o desenvolvimento dos sujeitos, visto

que nos últimos anos não houve grandes mudanças no sentido de ajustar o currículo escolar

para a educação do campo que valorize o sujeito do campo buscando o crescimento social e

mais que isso, a educação como parte integrante nas intervenções que estabeleçam estratégias

de desenvolvimento no campo. Assim, a educação tradicional, “[...] que não fala a língua do

educando, não considera a sua cultura, os seus costumes e suas tradições e vocações

econômicas [...]” (REIS, 2004, p.41), deve ser modificada e atualizada para os dias atuais, de

modo a dinamizar e inserir a sociedade.

Porém, de forma geral, a educação vem sendo estruturada a fim de atender aos

interesses do capital, cuja qualificação profissional e oportunidades de inserção no mercado

dos/das jovens advindos das bases detentoras dos meios de produção, se sobressaem frente

aos filhos e filhas dos trabalhadores. A perspectiva de inserção e continuidade da atividade

pesqueira, como atividade econômica frente às outras atividades inseridas nas comunidades e

como parte constitutiva da dinâmica populacional, se insere na representação social de

desenvolvimento e qualidade de vida destas populações. Tal desenvolvimento, para estas

populações, estará ligada ao bem-estar gerados pela dinâmica local sem impactos das

problemáticas vividos no espaço urbano, assim como a disponibilidade para a reprodução de

suas atividades econômicas locais, sobretudo a pesca.

Nesse processo, de valorização das perspectivas locais, de modo a contribuir para o

processo de desenvolvimento local, se tem a educação a valorizar e contextualizar a realidade

na educação formal, acolhendo os valores culturais e do saber informal das localidades,

criando condições de possibilidades para a permanência dos jovens. Além da imperiosa

necessidade de respeito aos saberes relativos aos diferentes modos de vida das populações, a

educação formal deveria pautar-se numa perspectiva plural, onde pudesse atender a diversos

interesses e/ou contextos, proporcionando a ascensão do desenvolvimento intelectual da

população, do que resultaria o estimulo à produção de ciência e tecnologias produtivas e

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sociais aderentes ao desenvolvimento local.

Melhores oportunidades de inserção no mercado profissional, melhores condições de

produção material e social do próprio modo de vida, acesso às conquistas historicamente

produzidas pela humanidade, estímulo ao estímulo do desenvolvimento intelectual, adoção de

novos padrões de comportamento, melhor qualidade de vida, decorreriam da educação

contextualizada.

Enfim, concluímos que a educação frente ao poder transformador, possibilita inúmeras

conquistas por parte da sociedade, se efetivando enquanto um excelente fator para o

desenvolvimento econômico e social de um dado local.

Dito de outro modo, pensar em desenvolvimento é também inserir a educação

contextualizada como um dos patamares catalizadores de ações tanto em escala local quanto

nas demais escalas, que qualifiquem o desenvolvimento a favor da vida da população.

No presente estudo a educação no campo está expressa no modo de vida da

comunidade e a relação com a natureza ditas nas atividades desenvolvidas no lugar. Preservar

esse modo de vida rural numa comunidade litorânea, onde existe grande perspectiva para

desenvolvimento do turismo nos moldes da dinâmica do desenvolvimento industrial

estabelece um grande desafio para a educação local. Aí está a importância da educação na

relação de mediador no diálogo entre representação social de desenvolvimento para

comunidade e as transformações socioeconômicas no local.

Tendo em vista que “[...] conhecimento e desenvolvimento formam um par inseparável

[...]” como afirma Paolo Orefice (2007, p.21), trata-se da educação, envolvendo agora não só

a escolarização formal adquirida nas instituições de ensino, mas, de forma cada vez mais

indispensável, assumindo importante função social quando dialoga com a comunidade e

considera sua perspectiva de transformação e melhorias econômicas ligadas ao valor social

que a comunidade elege.

Segundo a LDB- Lei de Diretrizes e Bases da Educação, no artigo 1º: A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (BRASIL, 1996).

Assim, educação carrega uma missão que vai além do espaço escolar, abrangendo

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outros aspectos da vida, mas fundamentando-se principalmente nas práticas sociais e modos

de vida das comunidades. No caso do município de Cairu, a atividade pesqueira revela-se

como identitária e principal atividade econômica e essa atividade está em sintonia com a

identidade social da população pesqueira desse lugar vulnerável a transformações no espaço

geográfico, territorial e consequentemente às transformações socioespaciais.

É com essa relação que a educação do campo se propõe contribuir, interferindo de

forma a mediar essas transformações e mitigar os impactos negativos sobre a população, visto

que, essas mudanças acarretam transformações diretas na dinâmica socioeconômica do lugar.

Portanto, a educação não deve estar desvinculada dos aspectos que dimensionam os espaços

de vida social e pertencimento dos sujeitos; além de direito fundamental é responsabilidade

social do poder público.

3 DINÂMICA INTERNA DAS LOCALIDADES

Situadas na costa oceânica do município de Cairu (Figura 1), as localidades de

Gamboa, Garapuá, Moreré e São Sebastião estão condicionadas pelos mesmos fatores

interferentes, constituindo padrão de interferências. Tais fatores são: a mesma regulação de

uso de solo da APA, a influência da plataforma de extração de gás da Petrobrás fixada na

costa oceânica do município, o fluxo turístico advindo de Morro de São Paulo e Velha

Boipeba, e por fim a área geográfica de recifes de corais e manguezais. Vale ressaltar que

Cairu é um município localizado na costa leste do Estado da Bahia, formado por 26 ilhas, com

13 localidades.

A dinâmica destas comunidades é marcada pelo difícil acesso devido à situação de ilha

e à precária infraestrutura de transporte. As localidades não são populosas; segundo o IBGE

(2010) São Sebastião possui 729, Moreré 254, Gamboa possui 2.736 e Garapuá 548.

As atividades econômicas nestas comunidades, principalmente São Sebastião, Moreré

e Garapuá, estão concentradas na pesca, mariscagem, extração de piaçava em fazendas.

Porém, identificam-se atividades ligadas ao turismo e comércio familiar não tão expressivas

quanto em Gamboa, que possui um grande fluxo de pessoas devido a sua proximidade com

Valença (cerca de 1 hora) e rota de embarcações que circulam para Morro de São Paulo a cada

1 hora.

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Figura 1: Localização do Município de Cairu na Bahia e no Território de Identidade do Baixo

Sul Fonte: IBGE, 2010; SEI, 2012. Elaborado por Luis Henrique Couto Paixão.

Em termos de infraestrutura estas comunidades não contam com sistema de esgoto

tratável, fazendo com que os dejetos sejam depositados em fossas e ou nas praias. Há coleta

de lixo diária, energia e água encanada, que é distribuída gratuitamente.

Quanto à dinâmica natural destaca-se a presença de manguezais, recifes de corais e

pequenos copos d’água, como rios e fontes de água, que já foram muito utilizados pela

população para a lavagem de roupas e utensílios domésticos.

Nas dinâmicas espaciais destas localidades encontram-se (Tabela 1) estabelecimentos

religiosos (igrejas católicas, evangélicas, testemunhas de Jeová e outras manifestações

religiosas), edificações de domínio público, bem como estabelecimentos comerciais

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(supermercados, mercearias, lojinhas) e de hospedagem (hotéis e pousadas) além das

residências dos moradores locais, predominantemente nativos.

TABELA 1: NÚMERO DE EDIFICAÇÕES IDENTIFICADAS EM GAMBOA, MORERÉ, SÃO SEBASTIÃO E GARAPUÁ - 2014

TIPO DE EDIFICAÇÃO QUANTIDADE

GAMBOA MORERÉ SÃO SEBASTIÃO GARAPUÁ

Domicílios 858 69 220 161 Religioso 9 2 4 4 Público (escola, posto de saúde, posto policial, etc)

11 2 9 6

Domicílios de veraneio 58 3 16 26

Comercial 82 14 22 12 Estabelecimento de hospedagem

8 11 2 6

Residencial em construção - 5 - 28 Fonte: Pesquisa de campo, 2013; 2014. Elaborado pelos autores.

4 INSERÇÃO DA PESCA NAS LOCALIDADES E SEUS REBATIMENTOS

A atividade pesqueira é uma atividade em que se estabelece forte ligação entre o

homem e a natureza, sendo desenvolvida em toda costa brasileira. Segundo o MPA (2013)

pode ser dividida em profissional, amadora e artesanal, esta última é a modalidade que

tomaremos como base neste estudo.

A pesca é uma “[...] atividade humana de caça realizada em grande escala [...]”

(DIEGUES, 1983, p. 6), que envolve a retirada do produto pesqueiro de um corpo d’água o

que é um reflexo do conhecimento que o homem tem acerca da natureza (MALDONADO,

1986, p.7). Tal atividade econômica é desenvolvida através de traços adaptativos, que

apontam para uma interdependência que vai constituir a identidade do pescador.

A pesca artesanal é uma prática composta por uma gama de saberes, configurando

uma tradição que é passada pelas gerações, como habilidades no lidar com a natureza as

quais, para trabalhadores da pesca que não têm essa tradição, são operadas por equipamentos

como sonares, bússolas, etc. Os pescadores artesanais constituem categoria de sociedades

tradicionais, com modo de vida específico, construindo uma cultura tradicional. Vale ressaltar

que sociedades tradicionais são: [...] grupos humanos culturalmente diferenciados que historicamente reproduzem seu modo de vida, de forma mais ou menos isolada, com base em modos de cooperação social e formas específicas de relações com a

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natureza, caracterizados tradicionalmente pelo manejo sustentado do meio ambiente. (DIEGUES, 2001, p. 22).

Em Cairu, a pesca pode ser identificada através de diversos aspectos, seja simbólico

(imaterial) ou concreto (material), os quais a mantém pulsante nestas localidades. Tal pesca,

pode ser notada na paisagem marítima local e no dia a dia das localidades, onde podem ser

identificadas embarcações no mar, bem como fluxo de pescadores de entrada e saída para

pesca, manutenção de suas embarcações e apetrechos, assim como desenhos de peixes e

placas de venda de pescado.

Quantitativamente, a pesca foi identificada em 80% dos domicílios visitados em

campo. Esta identificação revelou que tais domicílios têm pelo menos um pescador residindo

e gerando renda familiar. Cabe ressaltar que na localidade de Gamboa apenas 42,5% dos

domicílios possuem pescadores residentes, mas mesmo assim é estatisticamente expressivo.

Contudo, foi constatado que a faixa etária responsável por representar os jovens (indivíduos

até os 21 anos) não possui uma expressividade diante das outras faixas, o que sugere

comprometimento futuro da prática pesqueira em termos de quantidade de profissionais.

Em questão de gênero, os pescadores (homens) são predominantes nas localidades em

relação às marisqueiras (mulheres)7. A vinculação desses indivíduos com a colônia de

pescadores nas localidades visitadas é expressiva, variando entre 29,4% e 79,5%. Contudo, há

pescadores que ainda têm dificuldades para se colonizarem, como em Moreré, onde 70,6%

dos pescadores ainda não têm esse vínculo. Segundo os pescadores, a falta de documentos

necessários à elaboração da carteira de pescador (em sua maioria) e a vinculação com outro

emprego de carteira assinada, impedem a ligação com a colônia.

A característica de pluriatividade desses pescadores foi constatada nas localidades,

onde a maioria dos entrevistados desenvolvem uma segunda atividade econômica para

complementariedade da renda na pesca. As atividades complementares estão ligadas ao

turismo na localidade, à construção civil e outras atividades, genericamente denominadas por

eles de “bico”.

Tendo a pesca como principal fonte de renda dos responsáveis pelos domicílios, as 7 As denominações marisqueira e pescadores são de caráter local; os pescadores são os homens que vão pescar peixes embarcados ou não, e por vezes realizam outras modalidades de pesca, como a retirada de crustáceos dos manguezais, a depender da área litorânea em que estejam inseridos e a época do ano. Já as marisqueiras vão aos manguezais e praias fazer a extração de crustáceos ou cata (limpeza) dos crustáceos em casa.

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famílias se agregam também às atividades cotidianas da pesca, como a venda, o tratar dos

peixes, bem como o descarregamento das redes e limpeza das mesmas, compondo a cadeia

produtiva da atividade pesqueira. Muitos desses pescadores têm origem externa às

localidades: 8% vêm de área rural de outro município e 7% de área urbana de outro

município, mas vivem nas localidades há mais de 10 anos. Vale ressaltar que os indivíduos que

vieram de outros municípios já adultos vieram com a pesca como sua fonte de sobrevivência.

A pesca, que como dissemos coexiste com novas atividades econômicas incorporadas

ao cotidiano da dinâmica espacial das localidades, é também marcada por conflitualidades nas

atuais dinâmicas de produção do espaço em Cairu que implicam em perdas diversas, o que

dificulta a vida dos indivíduos que a desenvolvem. Constatam-se rebatimentos das atuais

dinâmicas de produção na atividade pesqueira tradicional, tanto nos elos da cadeia produtiva

quanto nas novas atividades, como interferências negativas e positivas face às relações

estabelecidas nessa atual dinâmica.

Assim, a pesca passa a exercer vários papeis além das tradicionais que são fonte de

sobrevivência e de identidade social; passa a ser também objeto de uso do turismo (fornecer

produtos e também compor uma paisagem vendida), fonte de renda para o município, elo

entre o homem e a natureza e assim pretexto para sustentabilidade, no contexto da regulação

ambiental. Contudo, observa-se que o espaço ocupado pela pesca é um espaço fragilizado,

calcado por tensão e conflitos gerados pelas ações do capital privado, que tem o turismo como

o novo motor gerador de desenvolvimento no local e em geração de energia (no caso do gás

natural) com demanda urbana metropolitana a ser atendida.

Nesse sentido a pesca passa a se desenvolver e os pescadores a viverem dentro desse

espaço produzido por eles também, mas apropriado, sobretudo pelo capital privado turístico,

através do turismo e outras ações que atingem as localidades, e pelo capital industrial de

produção de energia.

A convivência da pesca com turismo é conflituosa pela disputa de espaços que antes

eram quase exclusivos da pesca e hoje são divididos com lanchas, barcos e visitas turísticas

constantes. O mesmo acontece com a chegada de empreendimentos privados, que além de

gerar impactos ambientais e na paisagem das ilhas, gera impactos nas áreas de pesca. A ação

do turismo é revelada nas falas dos pescadores, como causa de grande tráfego de meios de

transportes no mar, aumento de pessoas explorando o mar para obter pescado, aumento de

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pessoas nas praias e recifes.

As articulações com órgãos direcionados à pesca ainda é deficitária em Cairu.

Observa-se que a Secretaria de Pesca e Agricultura só foi criada no ano de 2014, revelando a

invisibilidade da pesca para a gestão municipal em um município em que boa parte da

população, situada tanto na área rural como na urbana vive dela. Já a colônia dos pescadores

presente em Cairu torna-se a organização responsável por representar, dialogar e ser elo entre

pescadores e políticas públicas. Com sua sede na ilha de Cairu, a Colônia Z-55 articula-se

com as comunidades através de moradores representantes da colônia, já que há dificuldades

de descolamentos.

A colônia dos pescadores exerce representatividade e importância para os pescadores,

muito maior do que as associações dos moradores. A colônia, nesse sentido, passou a exercer

o papel de garantia dos direitos dos pescadores, uma vez que os mesmos têm dificuldade de se

articular e buscar melhorias. É possível afirmar, neste contexto, que a identidade social rural

desses pescadores na produção material da vida está mais institucionalizada do que na

produção social, embora sejam imbricadas.

Não existem conflitos pela apropriação do espaço de pesca entre pescadores do

município, porém existem conflitos com pescadores de fora, como de Valença e Nilo Peçanha,

além dos barcos de produção industrial, fenômeno observado por Alencar (2011) e Rocha

(2010). Embora eles vejam e tenham o mar como o espaço de exploração de todos, os

pescadores de Cairu apontam para a má utilização dos pesqueiros por parte de pescadores de

fora, com tipos de pesca não permitidas ou não adequadas para o local, gerando impactos

negativos para a pesca. Dos entrevistados, 48% são contra a pesca nas áreas que circundam as

localidades por pescadores de fora, mas estes apontam que tal negatividade está ligada ao tipo

de pesca desenvolvida pelos externos.

Na relação com a Petrobrás, os pescadores têm impacto indireto. Para os pescadores

que desenvolvem sua atividade nas proximidades da costa restam a desconfiança ou medo de

um desastre causado pela plataforma de gás, através do derramamento de algum composto

químico. Para aqueles que realizam pesca em alto mar, os impactos visíveis estão no fato de

que os peixes são atraídos para o perímetro proibido, que circunda a plataforma. Esta atração

de peixes exercida pela plataforma, segundo os pescadores, é causada pela iluminação à noite,

e durante o dia, à sombra na água que a plataforma provoca. Esta situação se configura como

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perda na atividade por ter sido ali, antes da Petrobrás, um grande pesqueiro para a região.

Resumidamente, as causas da baixa do número de pescado, segundo a percepção dos

pescadores, estão vinculadas à presença da Petrobrás, à exploração por pescadores de fora e

pescadores industriais, assim como ao aumento do número do contingente de pessoas que

vivem ou exercem a atividade da pesca, face à falta de outros trabalhos nas localidades, mas

apontam a pesca predatória do arrastão como uma das principais causas.

Outro sintoma de perda para a pesca na localidade é a demonstração, por parte do

pescador, do seu não sentimento como classe trabalhadora. Esse fato foi demonstrado quando

os pescadores revelaram sua dinâmica de pesca como prática de modo de vida com mais

significado do que como atividade econômica. Embora, institucionalmente, a regulamentação

junto à Colônia de pescadores signifique reconhecimento da profissão, para os pescadores e

marisqueiras o que justifica é ser a Colônia fonte de benefícios individuais e não de acesso a

direitos, ou seja, de garantias de direitos e melhorias para a atividade através de políticas

públicas. Esse sentimento está atrelado principalmente ao descrédito das associações das

localidades e à falta de acesso a direitos de cidadania, tendo em vista que muitas vezes não

são ouvidos, por exemplo, em reuniões. De todo modo, os colonizados reconhecem que a

Colônia é o órgão que dá acesso a avanços trabalhistas já alcançadas até os dias atuais, como

a aposentadoria, financiamentos e afastamento por acidente de trabalho.

Além dessas perspectivas sobre a institucionalização da profissão, as entrevistas

realizadas junto aos pescadores revelaram que não há união nem liderança entre eles para

reivindicar e conquistar direitos. Assim, a participação de reuniões em associações ou visita à

prefeitura, é uma atitude individual, quando cada qual considera ser necessário. Podemos

inferir que, nas localidades estudadas, a não articulação como classe trabalhadora evidencia

que a pesca é vivenciada como atividade de um segmento populacional cujo modo de vida é

decorrente do trabalho como labor e não da profissão institucionalizada quer como autônomo

quer como assalariamento.

Em meio a esta dinâmica a pesca vai se mantendo e os pescadores se adaptando às

novas perspectivas que passam a se incorporar nas localidades e nas suas práticas, como

instrumentos ou novas formas de pescar, bem como alternância de horas de pesca ou períodos

para conciliar com o turismo. A falta de institutos ou órgãos que fomentem a pesca,

principalmente no âmbito municipal também acirra dificuldades e faz com que os pescadores

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sobrevivam por si só. Apenas em 2014 se inicia a criação da Secretaria da Pesca no município

e até o mês de abril de 2014 ainda não havia iniciado as atividades efetivas para a melhora da

pesca.

5 A EDUCAÇÃO LOCAL E SEU REBATIMENTO NA ATIVIDADE PESQUEIRA

Reconhecemos que a população jovem de Cairu enquadra-se como a população capaz

de dar continuidade à atividade pesqueira e acima de tudo apontar o processo de mudança

nestas áreas rurais locais, mostrando modificação das atividades econômicas e modos de vida,

com a chegada de outros valores em cada comunidade. Nesse sentido, compreendemos que os

jovens são agentes economicamente e educacionalmente ativos com condições de

possibilidades na perspectiva de continuidade e renovação da pesca nas localidades

pesquisadas. Como, então, tem sido estabelecida a relação dos jovens com a pesca em termos

atuais e de perspectivas futuras com base na dinâmica existente em suas localidades?

Nas localidades visitadas existem escolas do ensino fundamental, ensino médio e

creches. Em São Sebastião o sistema educacional é composto por uma creche, uma escola de

ensino fundamental I e uma destinada ao ensino fundamental II e ensino médio, que é

extensão na zona rural de uma escola de zona urbana localizada na sede do Município. Em

Garapuá (que atende também a comunidade de Batateira) existe uma escola que atende ao

mesmo tempo os ensinos fundamentais (I e II), o ensino médio e a creche. Em Moreré existe

apenas uma escola de ensino fundamental I, que atende também a creche. Já em Gamboa os

crianças e jovens são atendidos por creches, escola de ensino fundamental I e II e ensino

médio, estes últimos alocados numa escola modelo do município nesta localidade.

A estrutura física das instituições, especificamente as que atendem o ensino médio,

não são avançadas; não possuem bebedouros, quadra de esportes, sala de informática e nem

biblioteca, com exceção da escola modelo situada em Gamboa, que possui todos estes itens.

Em termos de projetos, não há projetos em que haja relação escola e comunidade, fato apenas

encontrado na escola inserida em Gamboa, que desenvolve este trabalho em alguns fins de

semana durante o ano. Vale ressaltar que atualmente há um projeto do governo federal

denominado Mais Educação que desenvolve um trabalho com os alunos do fundamental I

durante a semana no período oposto às aulas, que constitui atividades recreativas e de reforço

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escolar.

No ensino médio, foco deste trabalho, não foi constatado matéria específica que

direcione estes jovens que precedem ao mercado de trabalho a uma compreensão do espaço e

comunidade onde vivem. Em entrevistas aos diretores escolares, os mesmos informaram que

não tinha nada previsto nos planos pedagógicos que contemplassem essa ligação entre o

ensino na escola e sua relação com a dinâmica local, cabendo ao professor a sensibilidade de

tal direcionamento. Esse não direcionamento ainda é agravado pela falta de materiais

didáticos ligados à realidade rural destas localidades, ficando dependentes do material padrão

sudeste e sul que não se adéquam ao nordeste e tão pouco aos modos de vida contidos numa

ilha oceânica. Na maioria das vezes tratamos a questão da pesca como uma atividade muito difícil, por conta das dificuldades que os pescadores encontram na prática. Tentamos mostrar aos alunos que o estudo é o melhor caminhar para mudarmos o status financeiro, não que venhamos a menosprezar a atividade pesqueira porque sabemos que nem sempre o mar está para peixe (Diretora de uma das escolas entrevistadas).

A fala desta diretora de uma das escolas pesquisadas revela não somente a dissociação

entre ensino formal e contextualização da educação, mas também mensagem subliminar de

que a atividade pesqueira prescinde de estudos ao mesmo tempo em que, explicitamente, o

estudo se justifica para obter ganhos financeiros.

A descontextualização da educação formal fica evidente diante da composição familiar

dos estudantes em relação à produção material e social de suas vidas ao se constatar que

40,2% deles são filhos de pescador ou de marisqueira, sendo que 60% destes ajudam de

alguma forma nas atividades ligadas à pesca, compondo a cadeia produtiva na interação

familiar. Vale ressaltar, que os 59,8% que não possuem pais pescadores ou marisqueiras,

apontam que estes possuem outra profissão principal, como costureira, comerciante,

vendedor, pedreiro, padeiro, diarista, funcionário público, carpinteiro, entre outros, mas que

também, nas horas vagas desenvolvem a arte de pesca. A combinação ente essas profissões

caracteriza a pluriatividade do mundo rural na relação estabelecida com a natureza.

As condições de tensões e conflitos vividas na realização da atividade pesqueira

associada à descontextualização da educação formal explicam o desinteresse que os jovens

demonstraram para a realização desta atividade. Suas escolhas profissionais passaram a ser:

policial, advogado, médico, administrador, marinheiro e dentista, e explicam o porquê.

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Eu vi os meus parentes pescando e era muito difícil. É trabalhosa e dura a vida de pescador, não é fácil não (Aluna de Garapuá, 37 anos). Meus pais desejam algo melhor para mim, e é pensando nisto que desejo ser professora ou psicóloga, ou então estudar nutrição. Ainda estou em dúvida (Aluna de São Sebastião, 17).

As vinculações com o mundo rural de Cairu, para os entrevistados, são reveladas

quanto à falta de infraestrutura para os mesmos desenvolverem suas futuras profissões. Foi

revelado que 34,6% não desejam permanecer morando em suas localidades. Outro aspecto

observado é a necessidade e desejo destes jovens saírem do local de origem, para alcançar os

objetivos profissionais que a localidade não tem como fornecer condições de realizá-los. Vale

ressaltar que esse panorama é uma realidade encontrada nas áreas rurais, não só nas visitadas,

mas também em outras áreas do Brasil (CARNEIRO, 2012). Porém, mesmo após a saída os

jovens pretendem retornar às suas origens, pois ainda possuem grande vínculo afetivo, como

destaca a fala do jovem: Gostaria de sair, mas voltar com os meus sonhos realizados, para poder ajudar todos da minha comunidade e atingir todos os meus desejos (Jovem, Garapuá, 17 anos).

Já para os jovens que tem vontade de permanecer nas localidades, a ligação com os

pais, a beleza e tranquilidade existente em suas localidades justificam suas escolhas. Pois independentemente do local e da população, penso que irá evoluir futuramente. E assim poderei exercer minha profissão aqui mesmo. (Jovem, 15, Garapuá). Porque na minha localidade, é um local que não gera violência, roubos, estupros, pontos de drogas e entre outros. (Jovem, 21, Garapuá).

Mostra-se também uma preocupação com a continuidade na transmissão dos saberes

da pesca entre as gerações. Os outros que falam: a pescaria tá ruim. Mas pescaria tem seus dias bons e seus dias ruins, é que nem o tempo antigo que falava a pescaria. Mas hoje aqui todo mundo dessa ilha é rico. Todo mundo aqui vive de quê? A não trabalhar aqui na prefeitura, todo mundo é pescador. Tem seu barquinho, tem sua canoa, tem isso, tem aquilo. Vai trabalhar de quê? Da pesca! E tem muita gente que trabalha aqui há muito tempo em fazenda e não tem nada (Pescador de São Sebastião, 2014).

Mas os jovens ainda reconhecem e apontam pontos positivos na pesca, como fonte de

renda e sobrevivência nas localidades, bem como a proximidade com a natureza que a

atividade proporciona, de modo a gerar bem-estar a quem pratica.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode ser percebido que a dinâmica pesqueira das localidades estudadas vive processo

de transformação em que diversos fatores rebatem em sua atividade principal, influenciando

para o enfraquecimento da mesma e dificultando elos da cadeia produtiva. A pesca, que

representa um modo de vida específico, convive com as novas dinâmicas locais, advindas do

projeto de desenvolvimento advindo de várias escalas, inclusive global, mas também da

escala municipal, enquanto a escala local segue outros padrões de desenvolvimento.

Paralelamente a esta dinâmica, as escolas locais que têm como função de formar

pessoas, não promove qualquer direcionamento para realidade vivida, que seja capaz de

fomentar o desenvolvimento da atividade econômica responsável pela construção histórico-

social do espaço geográfico e tão pouco abordar a dinâmica de vida local. A escola, sendo

parte da totalidade social, precisaria garantir a esses sujeitos o direito à formação

multidimensional e contextualizada. Não poderia reproduzir-se separada da vida social e nem

fragmentada em seu conteúdo, mas deveria estar calcada na concepção emancipadora de

educação. Observou-se que a escola não atua como fator de construção das identidades social

e cultural local, e sim, na construção de identidade homogeneizante, diretamente ligada aos

padrões externos locais, que mesmo mantendo a atividade pesqueira, não seria de modo a

encadear sua trajetória histórico-social, haja vista a pesca industrial, já constatada.

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