atividade sobre poesia romantica 2º ano F

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ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO HEITOR VILLA-LOBOS PROFESSORA: ROSELI GOMES MARTINS ALUNO (A): _________________________ SÉRIE: 2º TURMA: F Sabiás românticos Se eu disser que o mês de agosto chega no bico dos sabiás quem me vai entender? Quem vai me entender, se eu disser que entre as névoas da manhã, sabiás invisíveis nas mangueiras? Nos ipês? anunciam o céu azul e o dia mesmo? Ninguém sabe o nome das aves. As aves desaparecem com as muralhas de cimento armado, com os fios que cruzam os ares, com a fumaça e os ruídos da cidade hostil. Os velhos cronistas que viram uma terra diferente, puderam anotar com minuciosas palavras: “... criam-se em árvores baixas, em ninhos, outros pássaros, a que o gentio chama sabiá-oca, que são todos aleonados, muito formosos, os quais cantam muito bem”. O ouvido do segundo cronista era mais apurado – e ele escrevia: “Outro pássaro se acha, chamado sabiá, da feição do melro de Espanha – e antes cuido que é o próprio, porque canta como eles, sem lhe faltar mais que um dobrete”. Um terceiro cronista opinava: “... sabiás que chamam ‘das praias’, por andarem sempre nas ribanceiras (onde só cantam), mais que todos suaves”. Não me lembro de ter ouvido esses cantos “mais que todos suaves” entre os versos do século XVIII. Nesse tempo, andavam os poetas ainda muito lembrados dos rouxinóis europeus, e a paisagem brasileira facilmente se confundia com os bosques da Arcádia. Foi preciso que viessem os românticos, já num Brasil independente, para que, na culta Coimbra, uma voz recordasse os bosques e as várzeas da pátria distante, e escrevesse a “Canção do exílio”: Minha terra tem palmeiras Onde canta o sabiá... Os jovens poetas que se seguiram, todos se lembrando do pássaro de voz suave: É um país majestoso Essa terra de Tupã, Desd’ o Amazonas ao Prata, Do Rio Grande ao Pará! - Tem serranias verdejantes

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ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO HEITOR VILLA-LOBOS

PROFESSORA: ROSELI GOMES MARTINS

ALUNO (A): _________________________ SÉRIE: 2º TURMA: F

Sabiás românticos

Se eu disser que o mês de agosto chega no bico dos sabiás – quem me vai entender? Quem vai me entender, se eu disser que entre as névoas da manhã, sabiás invisíveis – nas mangueiras? Nos ipês? – anunciam o céu azul e o dia mesmo? Ninguém sabe o nome das aves. As aves desaparecem com as muralhas de cimento armado, com os fios que cruzam os ares, com a fumaça e os ruídos da cidade hostil.

Os velhos cronistas que viram uma terra diferente, puderam anotar com minuciosas palavras: “... criam-se em árvores baixas, em ninhos, outros pássaros, a que o gentio chama sabiá-oca, que são todos aleonados, muito formosos, os quais cantam muito bem”. O ouvido do segundo cronista era mais apurado – e ele escrevia: “Outro pássaro se acha, chamado sabiá, da feição do melro de Espanha – e antes cuido que é o próprio, porque canta como eles, sem lhe faltar mais que um dobrete”. Um terceiro cronista opinava: “... sabiás que chamam ‘das praias’, por andarem sempre nas ribanceiras (onde só cantam), mais que todos suaves”.

Não me lembro de ter ouvido esses cantos “mais que todos suaves” entre os versos do século XVIII. Nesse tempo, andavam os poetas ainda muito lembrados dos rouxinóis europeus, e a paisagem brasileira facilmente se confundia com os bosques da Arcádia.

Foi preciso que viessem os românticos, já num Brasil independente, para que, na culta

Coimbra, uma voz recordasse os bosques e as várzeas da pátria distante, e escrevesse a “Canção do exílio”:

Minha terra tem palmeiras

Onde canta o sabiá...

Os jovens poetas que se seguiram, todos se lembrando do pássaro de voz suave:

É um país majestoso

Essa terra de Tupã,

Desd’ o Amazonas ao Prata,

Do Rio Grande ao Pará!

- Tem serranias verdejantes

Que repetem incessantes

Os cantos do sabiá!

O sabiá sugeria vozes de anjos mortos, de almas errantes, de gênios da tarde. (São os sabiás que cantam/ nas mangueiras do pomar...)

Chamavam-no formoso, sonoro, poeta da solidão... Chamaram-no mesmo alado Anacreonte...

Isso foi um tempo de mansões, varandas, laranjeiras, mangueiras, quando os poetas conversavam com donzelas líricas e muito frágeis, que lhes diziam: Nunca mais eu virei, risonha e louca/roubar o ninho ao sabiá choroso... (Falavam assim, as moças de então!)

Agora vem agosto, nas asas dos sabiás suaves. E eu penso nos

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velhos cronistas que os descreveram e nos poetas que prestaram atenção ao seu canto: um Gonçalves Dias, um Bernardo Guimarães, um Casimiro de Abreu, um Fagundes Varela, um Castro Alves... E é como se estivessem comigo, esses poetas, para ouvir, entre mangueiras e ipês, os “chorosos sabiás”.

MEIRELES, Cecília. Sabiás românticos. In: ______. O que se diz

e o

Que se entende. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980.p. 34-5.

Vocabulário

Aleonados: da cor do leão

Anacreonte: poeta lírico grego

Cuidar: imaginar, pensar

Gentio: o indígena, o índio

Hostil: agressivo, adverso

RELEIA ATENTEMENTE O TEXTO

1. Por que a autora acha difícil ser entendida se disser que o mês de agosto chega no bico dos sabiás?

2. O choque do eu da cronista com o seu mundo leva-a a fazer o quê?

3. O choque constituíam os textos escritos pelos velhos cronistas aos quais se refere a autora?

4. Por que os poetas do século XVIII falavam dos rouxinóis, e não dos sabiás?

5. A que estética literária pertenciam os poetas do século XVIII?

6. Que fato político se associa ao advento do Romantismo no Brasil?

7. Como são caracterizadas as “donzelas românticas”?

8. A autora descreve o ambiente urbano moderno e o ambiente urbano romântico. Que diferença há entre eles?

9. Os poetas românticos, ao contrário dos árcades que cantavam rouxinóis, celebraram sabiás, aves tipicamente brasileiras. O que se pode depreender disso?

10. “É um país majestoso

Essa terra de Tupã,

Desd’ o Amazonas ao Prata,

Do Rio Grande ao Pará!”

Entre os elementos de auto-afirmação e orgulho, verdadeiros mitos nacionais do Brasil romântico, quais os que podemos encontrar nos versos anteriores?