Auditoria Cidadã Da Dívida Maria Lucia Fattorelli

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AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA AUDITORIA (Maria Lucia Fattorelli Carneiro)  A luta pela AUDITORIA DA DÍVIDA visa abrir a caixa preta da DÍVIDA e levantar toda a verdade sobre o processo de endividamento brasileiro. Precisamos saber que dívida é essa, que tanto afeta a nossa vida e que tem servido de tapete para propostas ainda mais ofensivas à n ossa já aviltada soberania, como a ALCA, qu e representa sério risco de aprofundamento e agravamento dos processos de espoliação, dependência, submissão e a proposta de renegociação de dívida apresentada pelo FMI, que será a institucionalização do fim da soberania. Proposta de renegociação Embalada pela crise argentina, a diretora do FMI  Anne Krueger - se declarou, em novembro/2001, preocupada com “as crises dos mercados financeiros emergentes ”. Por isso, apresentou ao mundo uma proposta que institui mecanismo formal de reestruturação da dívida soberana dos países, a partir de uma nova arquitetura financeira internacional, com a argumentação de que “a proposta ajudará os países a evitar o colapso econômico, estimulará os fluxos de capital privado e eliminará as operações de socorro multimilionárias do Fundo”.  Seu modelo é a instituição de um tribunal de insolvência, do qual participariam os credores e devedores, e teria força de lei em sentido universal, ou seja, seria superior às leis dos países; superior mesmo, à Constituição Federal de cada país! A proposta do Fundo abarca tanto a dívida externa quanto a interna, e visa “reconstruir a confiança dos investidores”, restaurando o crescimento dos países ao colocar, em primeiro lugar, as políticas corretivas de ajuste fiscal (que são inversas as adotadas

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AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA

AUDITORIA 

(Maria Lucia Fattorelli Carneiro) 

A luta pela AUDITORIA DA DÍVIDA visa abrir a caixa preta da DÍVIDA e levantar

toda a verdade sobre o processo de endividamento brasileiro. Precisamos saber que

dívida é essa, que tanto afeta a nossa vida e que tem servido de tapete para propostas

ainda mais ofensivas à nossa já aviltada soberania, como a ALCA, que representa sério

risco de aprofundamento e agravamento dos processos de espoliação, dependência,

submissão e a proposta de renegociação de dívida apresentada pelo FMI, que será a

institucionalização do fim da soberania.

Proposta de renegociação 

Embalada pela crise argentina, a diretora do FMI – Anne Krueger - se declarou,em novembro/2001, preocupada com “as crises dos mercados financeiros

emergentes”. Por isso, apresentou ao mundo uma proposta que institui mecanismo

formal de reestruturação da dívida soberana dos países, a partir de uma nova

arquitetura financeira internacional, com a argumentação de que “a proposta ajudará

os países a evitar o colapso econômico, estimulará os fluxos de capital privado e

eliminará as operações de socorro multimilionárias do Fundo”. 

Seu modelo é a instituição de um tribunal de insolvência, do qual participariam

os credores e devedores, e teria força de lei em sentido universal, ou seja, seria

superior às leis dos países; superior mesmo, à Constituição Federal de cada país! A

proposta do Fundo abarca tanto a dívida externa quanto a interna, e visa “reconstruir a

confiança dos investidores”, restaurando o crescimento dos países ao colocar, em

primeiro lugar, as políticas corretivas de ajuste fiscal (que são inversas as adotadas

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pela maior potência mundial e demais países ricos), o fortalecimento do setor

financeiro e regimes mais flexíveis de câmbio. 

A partir de 17 de abril último, essa proposta passou a ser comentada

publicamente também por Horst Köhler, diretor do FMI. Ele explicou que “os credores

poderiam decidir por uma maioria qualificada, sobre os termos da reestruturação” e

está defendendo a proposta de Krueger que “indica que os credores privados deveriam

fiscalizar a política econômica dos países devedores, garantindo assim que o

compromisso de pagamento acertado na reestruturação fosse honrado”. 

A proposta de renegociação está avançando rapidamente entre os mandatários

do planeta, uma vez que já foi incluída, pelo G7, em seu plano para combater crises

financeiras dos “emergentes”, discutido na reunião de abril de 2002. 

Não podemos deixar de temer que isso possa gerar situações absurdas, como

por exemplo, quando tribunais americanos deram ganho de causa a credores que

processaram países por terem alterado cláusulas de renegociação de dívidas e, em

2000, um juiz norte-americano determinou o seqüestro de bens do patrimônio estataldo Peru (sedes de embaixada e aeronaves) como indenização por títulos vencidos.

Hoje, a Constituição Federal do Brasil impede tais práticas, mas o mecanismo proposto

pelo FMI poderá ter força legal superior, institucionalizando, dessa forma, o fim da

soberania dos países endividados,inclusive o Brasil. 

Proposta Alternativa 

Em contraponto a esse modelo autoritário e desrespeitoso proposto pelo FMI, que

institucionalizará o fim da soberania dos países endividados, representantes da

Campanha Jubileu de diversos países reuniram-se em Guayaquil, no Equador, nos dias

9 a 12 de março, a fim de discutir uma proposta alternativa a esse mecanismo

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A essência dessa proposta alternativa é a transparência do endividamento de

cada país. A nós, diz respeito a dívida brasileira. Como chegaremos a esse ponto?

Como conseguiremos essa clareza? 

Acredito que somente através de uma auditoria profunda e abrangente,

chegaremos à verdade. 

Luta pela Auditoria da Dívida 

A Auditoria da Dívida Externa está prevista na Constituição Federal promulgada

no ano de 1988, da qual consta dispositivo que determina a realização de “exame

analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro"

(Artigo 26 das Disposições Transitórias). 

Esse dispositivo inspirou uma das perguntas do grande Plebiscito que aCampanha Jubileu Sul promoveu no ano 2000, quando foram coletados 6.030.329

votos em 3.444 cidades brasileiras, graças ao trabalho intenso de voluntários. A

pergunta era: 

 “O Brasil deve continuar pagando a Dívida Externa sem realizar uma Auditoria

Pública dessa dívida, como prevê a Constituição Federal de 1988?”. 

Mais de 95% dos cidadãos que participaram do Plebiscito responderam que NÃO. 

Respaldados no voto desses cidadãos que querem ver cumprida nossa

Constituição Federal, iniciamos, em abril de 2001, uma “Auditoria Cidadã da Dívida”,

que consiste no resgate de documentos, realização de estudos, levantamento de

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dados, mas visa, especialmente, pressionar a realização da auditoria oficial, prevista

em nossa Constituição. 

 “Erro” de 32,7 bilhões de dólares 

A luta pela auditoria da dívida ganhou impulso a partir de setembro de 2001,

quando o próprio Banco Central anunciou um “erro” em nossa Dívida Extern a no

montante de 32,7 bilhões de dólares!!! Esse fato serviu, no mínimo, para comprovar

que é preciso realizar uma auditoria séria nessa dívida, que tanto tem sacrificado a

sociedade brasileira. Esse “erro” tem valor superior ao festejado acordo da semana

passada com o FMI, de US$30 bilhões. 

Os argumentos apresentados pelo BC foram os seguintes: 

- A metade do “erro” seria, decorrente de reclassificação de empréstimos

como investimento direto; 

- A outra metade, se referia a dívidas que já haviam sido pagas, pasmem,

sem que o Banco Central soubesse!!! 

Essa demonstração de total falta de controle é seríssima e reforça a necessidade de

uma auditoria séria e profunda. 

O agradável e surpreendente anúncio de redução de 32,7 bilhões de dólares no

montante de nossa dívida externa pode, na verdade, estar ocultando outro meio de

propiciar mais garantias e crescentes ganhos ao capital internacional que, depois de

muito bem remunerado como empréstimo, na iminência de algum risco, se reveste da

forma de investimento direto, garante altos lucros e vai embora quando quer. 

Precisamos exigir mais transparência. 

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Momento atual: 

Empréstimo FMI – US$ 30 bilhões (SOCORRO) 

Empréstimo BID – US$ 1 bi (criar novas linhas de crédito para as exportações) 

Empréstimo BM – US$ 2 bi + 4bi (SOCORRO) 

Na reta final do governo FHC, esses recentes empréstimos significam um acréscimo

à dívida externa correspondente a 37 BILHÕES DE DÓLARES. 

E qual a destinação desses recursos? Apenas 1 bi – uma migalha, se comparado ao

volume total de recursos – serão destinados a créditos às exportações, condicionados à

aprovação da operação pela diretoria do BID, uma a uma... Só a saída de recursos

através das famigeradas CC-5, no mês de julho/2002, foi de US$1,25 bilhões, 25%

superiores ao valor destinado às linhas de crédito para exportações pelo BID. Cumpre

ressaltar que, somente agora, a Receita Federal anuncia que, a partir de 01.12.2002, iráexercer controle sobre as contas CC-5, mediante a exigência de CPF, o que irá permitir a

identificação do responsável. Por que só no último mês do governo FHC?... 

Por outro lado, só para honrar compromissos com o próprio FMI em 2003, serão

gastos 10,85 bilhões de dólares... 

Segundo artigo de Walter Molano publicado na Folha de SP de 11/08/2002, o FMI

ofereceu apenas 6 bilhões em dinheiro novo, que será desembolsado ainda em 2002 e

permitirá que FHC chegue ao final de seu mandato sem sofrer o embaraço de uma

moratória ou de um colapso econômico... O resto do pacote foi simplesmente uma

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autorização para que a equipe econômica que está saindo do poder esgote a maior parte

dos ativos líquidos brasileiros. 

A proposta é vencedora para: 

- o Tesouro dos EUA, porque minimiza o uso do dinheiro dos “encanadores e

carpinteiros” que vai parar na Suíça; 

- o Departamento de Estado que causou a impressão de que os Estados

Unidos estão dispostos a apoiar seus aliados latino-americanos; 

- o Departamento de Comércio porque permite o avanço das negociações da

ALCA; 

- FHC, que chega ao final de seu governo sem grandes embaraços; 

- Bancos de investimentos porque permite que liquidem suas posições de

curto prazo e realizem “hedge” para as demais. 

Como ainda podem argumentar que a política de FHC foi ideal? Ideal para quem?

Para o povo brasileiro é que não! É como pegar dinheiro com agiota. No caso do FMI,

podem até alegar que as taxas de juros não são tão elevadas assim, mas não falam da

manipulação embutida nas taxas de câmbio flutuantes... 

É evidente que o socorro prestado pelo FMI ao país é apenas para garantir seus

próprios interesses e dos demais credores. Esse dinheiro nem virá para o Brasil; não

significará melhoria nas condições de vida da população ou da própria economia nacional,

servindo apenas para comprometer o próximo presidente a esse modelo de política

econômica dependente e subserviente que, além de deixar uma herança maligna,

representada pela dívida financeira monstruosa e pelo agravamento da dívida social,

ainda entregou nosso patrimônio público –  lá se foram nossas estatais estratégicas e

lucrativas – e vem desmontando o Estado (cortando verbas orçamentárias, inclusive das

Forças Armadas) e desregulamentando todos os controles sobre o mercado, facilitando

cada vez mais as atividades especulativas. 

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A “generosa” concessão, inserida no recente acordo para que o Brasil possa reduzir

suas reservas até o limite de 5 bilhões de dólares significa, na verdade, que chegaremos

ao final da era FHC “zerados” e vulneráveis como nunca, o que obrigará o próximopresidente a se ajoelhar diante do Fundo ou iniciar o governo como inadimplente. É o

cúmulo da IRRESPONSABILIDADE FISCAL, MONETÁRIA, CAMBIAL E SOCIAL: 

- Dívida monstruosa (Interna, perto de R$ 800 bilhões e Externa, de US$ 260

bilhões) 

- Parte significativa da dívida interna (mais de 1/3) atrelada ao câmbio 

- Reserva próxima de zero 

- Dólar em alta 

- Retorno da inflação 

- Pobreza – 53 milhões de brasileiros 

- Desemprego – 12 milhões de trabalhadores

- Famintos – 28 milhões (Jean Ziegler - ONU) 

- Sem teto, sem terra 

- Analfabetismo (absoluto + funcional ) alcançando 1/3 da população adulta. 

- Concentração de renda (é a 4a. maior do mundo, apenas três países da

paupérrima África subsaariana ostentam índice de Gini mais vergonhoso que o

nosso) 

- A concentração de renda é ainda mais agravada por uma política econômica

injusta e um sistema tributário que onera principalmente o trabalho e que não

tributa o capital, os latifúndios e as grandes fortunas. 

Durante os 8 anos de FHC, a dívida externa cresceu absurdamente, apesar da

entrega do nosso patrimônio, do enxugamento generalizado dos gastos públicos, arrocho

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salarial dos servidores públicos e agravamento do quadro social. Por outro lado, temos

batido sucessivos recordes de arrecadação, mas ao invés de comemorarmos esses

recordes deveríamos ter vergonha, pois a metade de todos os tributos e contribuições

arrecadados anualmente pela Receita Federal nesses últimos quatro anos, com enorme

sacrifício da sociedade –  cerca de R$ 200 bilhões anuais em média –  está indodiretamente para o bolso da banca financeira nacional e internacional, condenando o País

ao atraso e a miséria. Dinheiro que é subtraído das empresas e famílias, que deixa de

gerar crescimento econômico, empregos e riqueza e que acaba nas mãos de

especuladores. A carga tributária na era FHC subiu de 27 para 35% do PIB, SUPERIOR À

DOS ESTADOS UNIDOS, A MAIOR DENTRE TODOS OS PAÍSES AMÉRICA LATINA, E

SUPERIOR À DE MUITOS PAÍSES EUROPEUS. ONDE FOI PARAR TANTO DINHEIRO??? Só

uma auditoria séria e profunda apurará. 

Salta aos olhos que é absolutamente impossível para a sociedade brasileira resistir

a um aumento de carga tributária conjugado com mais cortes em gastos sociais,

combinados com uma política de juros estratosféricos. Tudo para garantir a produção de

um superávit primário em níveis cada vez mais elevados. Portanto, o modelo se

exauriu. O pior é que esse modelo gera um círculo vicioso. Os ajustes impostos pelo FMI

se traduzem em políticas econômicas perversas e recessivas: obrigam o enxugamento

cada vez mais cruel dos gastos orçamentários, levando a um agravamento do quadro

social. Digo cruel, porque países muito mais ricos que o Brasil não suportariam

enxugamento de gastos nessa ordem e nem taxas de juros tão elevadas. Enfim, os

Estados Unidos, superpotência hegemônica, impõe a países praticamente falidos, como

a Argentina, Moçambique e, por que não, Brasil(?), políticas econômicas suicidas, que

 jamais implantariam em território americano, mas que são consideradas pelo FMI e o

Banco Mundial como essenciais para a rolagem das dívidas desses países. 

No dia 05 de agosto último, vários representantes de entidades que participaram

do seminário “Estratégias Alternativas de Financiamento para o Desenvolvimento do

Brasil”, em Recife, tiveram uma reunião com 2 representantes do instituto de pesquisa do

FMI, Shinji Takagi e Kevin Barnes. Eles nos disseram que já haviam falado com órgãos

oficiais, empresários e instituições financeiras e que seria um erro não falar com os

movimentos sociais. Queriam saber o que pensávamos sobre o acordo de 1998, pois

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estavam preocupados com críticas que estavam recebendo, provenientes de grupos da

Europa e Japão. Na visão dos precitados representantes, nem os Estados Unidos nem o

FMI ditaram ou impuseram coisa alguma... Todas as intenções foram redigidas na Carta

de 98 pelo governo brasileiro e adotadas pelo mesmo. O FMI não estava aqui. Quanta

ironia! 

Se não foi o FMI que impôs as medidas de ajuste estrutural, como explicar a

adoção, por todos os países que a ele recorreram, das mesmas medidas? É evidente que

estão querendo se isentar da responsabilidade nas conseqüências desastrosas que

assolaram todos os países que as aplicaram. 

A reação foi à altura. Ouviram bastante. 

Mencionamos as metas e exigências estabelecidas na referida carta de 1998 que,

como todos sabemos, são previamente negociadas, sendo que cada item é acertado de

acordo com as exigências do Fundo e a mesma não é assinada até que tudo esteja

devidamente acertado. 

Da mesma forma, os recursos só são liberados se atingidas as referidas metas,

monitoradas a cada 3 meses pelos técnicos que aqui vêem nos inspecionar, às nossas

custas. 

Falamos da imposição de políticas de ajuste inversas às adotadas nos países que

comandam o FMI, o que demonstra que nos receitam um remédio que jamais

tomariam... 

Falamos também do estrago causado à nossa economia pelo fato do FMI classificar

investimento como despesa para fins de cálculo do superavit primário, critério que

impediu fossem feitos os investimentos necessários no setor de energia elétrica, levando-

nos ao apagão, que trouxe enormes prejuízos à nossa economia e à sociedade... 

Sugerimos que, se queriam saber o que pensamos do acordo de 98 e seus reflexos,

bastavam prestar atenção ao que acontece com TODOS os países que se submetem a

acordos semelhantes, atrelados a políticas de ajuste estrutural: as conseqüências são

sempre danosas para a macroeconomia. O caso mais emblemático é o da nossa vizinha

Argentina, que seguiu criteriosamente o receituário do FMI e durante alguns anos

recebeu elogios; quando de repente deu tudo errado, o país se viu em grandes

dificuldades, o FMI e o governo americano viraram-lhe as costas... 

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  Acusamos o modelo de atuação do Fundo de estar provocando miséria e morte.

Apelamos para a questão moral e ética da sua atuação, pois o FMI não é fiel aos

objetivos para os quais foi criado. Não cuida da “saúde” econômica de seus membros,

mas visa APENAS a garantia dos credores. Não se preocupa com os povos dos países

endividados. A proposta de renegociação apresentada por Anne Krueger é prova disso: sóse preocupa com a garantia e com os interesses dos investidores, não se referindo uma

vez sequer aos direitos e interesses dos povos. 

Questionamos: 

- Por que o FMI não apóia a instituição de uma taxa sobre as transações

financeiras internacionais (Taxa Tobin)? Essa taxa, além de render recursos que

poderiam ser destinados ao combate à miséria, serviria de instrumento de

identificação dos verdadeiros donos do dinheiro sujo. Poderia ajudar a comprovarse o secretário do Tesouro Americano tinha razão quando acusou, há poucos dias,

os brasileiros de “ corruptos que enviam seus dinheiros para paraísos fiscais” . 

- Por que o FMI não exige a implementação de medidas saudáveis, semelhantes

às aplicadas pelos países que comandam o Fundo (taxas de juros reduzidas,

proteção comercial e fortalecimento do Estado), que garantam o crescimento

econômico e o PLENO emprego? 

- Se acreditam que o FMI tem sido “bom” para os países que “ajuda”, por quenão providenciam uma boa prestação de contas, discriminando claramente quanto

colocaram em cada país e quanto retiraram? Não adianta ficarmos discutindo;

precisamos verificar os números, que evidenciariam se ajudaram ou lucraram com

as “ajudas” prestadas. 

Concluímos dizendo que as políticas ditadas pelo FMI têm gerado crescente miséria

e desigualdade social no mundo inteiro; que avaliar somente o acordo de 1998 era

insuficiente e que é urgente a inversão das prioridades: a garantia da dignidade de países

e povos deveria vir em primeiro lugar; o pagamento das dívidas financeiras é secundário;que não se pode pensar na economia como um fim em si, mas como um instrumento à

serviço da pessoa humana. Precisamos defender o país e reorientar a economia para

atendermos às necessidades da maioria. 

Um dos representantes do Fundo nos disse que já existem programas que cuidam

das questões sociais e só queriam ouvir comentários sobre o acordo de 1998. 

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  Reagimos, dizendo que tudo que estávamos tratando se referia ao acordo de 1998.

Que era preciso conectar os estragos sociais às medidas econômicas adotadas por

imposição do Fundo. 

Foi evidente a tentativa de convencer-nos de sua visão, de que não têm qualquerresponsabilidade... 

Após compartilhar esse momento que tivemos junto aos representantes do

Instituto de pesquisa do FMI, pergunto: o que fazer diante de tamanha injustiça? 

Recursos jurídicos 

A imensa injustiça que tem permitido que o fluxo de capital dos países pobres

para os ricos tenha aumentado nas últimas décadas, em função dos processos de

endividamento a que esses povos foram submetidos (transfusão de sangue às

avessas), tem suscitado estudos interessantes, dentre os quais gostaria de destacar os

do Comitê de Bruxelas que aborda recursos jurídicos previstos no Direito Internacional,

como a “Dívida Odiosa” e a “Força Maior”, que podem ser invocados como justificativa

ao não-pagamento de dívidas, nos casos em que estas comprometem a VIDA. 

Dívida Odiosa: 

Eric Toussaint defende que “As dívidas dos Estados contraídas contra os

interesses das populações locais são juridicamente ilegítimas”. 

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  Essa noção vem do fim do século XIX quando os Estados Unidos tomaram o

controle de Cuba, depois de uma guerra contra a Espanha, e esta lhes pediu que

assumisse a dívida cubana com a Coroa Espanhola, conforme estabelecia o direito

internacional. A comissão de negociação dos Estados Unidos recusou essa dívida,

qualificando-a de “peso imposto ao povo cubano sem acordo”. A comissão argumentouque  “a dívida foi criada pelo governo da Espanha para atender a seus próprios

interesses e por seus próprios agentes. Cuba não teve voz no capítulo”. Acrescentou

que “os credores aceitaram o risco de seus investimentos”. 

Mais tarde, na década de 1920, uma corte de arbitragem internacional, da qual

participava o juiz Taft, presidente da Corte Suprema dos Estados Unidos, declarou que

os empréstimos concedidos por um banco britânico estabelecido no Canadá aopresidente Tinoco, da Costa Rica, eram nulos, pois não haviam servido aos interesses

do país, mas sim, ao interesse pessoal de um governo não democrático. (Fonte: A

Bolsa ou a Vida, de Eric Toussaint) 

O grupo de estudos da “Auditoria Cidadã” resgatou Relatório da Comissão

formada em 1987, no Senado Federal, cujo objetivo era analisar a moratória decretada

por Funaro. O relatório, de autoria do Senador Fernando Henrique Cardoso, comprovaque boa parte da dívida brasileira atendeu a outros interesses que não o do povo

brasileiro: 

 “O possível confronto entre os  países produtores-exportadores e os países

consumidores de petróleo foi evitado pelo endividamento dos países em

desenvolvimento, através da reciclagem dos petrodólares”.(página 6) 

 “O engajamento dos países em desenvolvimento nesse processo foi

possibilitado, obviamente, pelos bancos internacionais, que concediam os

empréstimos; endossado pelo FMI, que acompanhava a avaliava, anualmente, as

economias dos seus membros; e, encorajado pelos governos dos países credores, que

deram apoio político à estratégia de crescimento econômico com financiamento

externo. Torna-se evidente, desta perspectiva, que a crise da dívida externa do

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os do povo argentino, que agora amarga as conseqüências, enfrentando desemprego,

fome e com mais da metade da população vivendo na miséria. 

A caracterização da dívida Argentina como ODIOSA ficou evidente no

 julgamento ocorrido em 2000 do processo iniciado pelo jornalista Olmos Alejandro noano de 1982, ainda no tempo ditatorial. Nesse julgamento, provou-se que o

endividamento foi ponto de apoio fundamental à ditadura que prendeu, torturou e

matou arbitrariamente milhares de cidadãos, e serviu aos interesses das instituições

financeiras e elites corruptas que transferiram suas riquezas para o exterior,

especialmente para paraísos fiscais. Na transição do regime, dívidas privadas foram

tornadas públicas, destacando-se as dívidas dos próprios agentes financeiros que

figuravam também como credores: City Bank, First National Bank of Boston, Deutsche

Bank, Chase Manhattan Bank, Bank of America. Como diz Eric Toussaint: “Sem

comentários”... 

Enquanto isso, o Estado foi se enfraquecendo e a população empobrecendo-se.

Esta é a dívida odiosa, ilegal e infame. 

Força Maior: 

O Direito Internacional prevê situações nas quais um Estado pode,

legitimamente, decidir se deve ou não pagar suas dívidas, de acordo com suas

necessidades e capacidades. Um dos exemplos é o argumento da “FORÇA MAIOR”,

princípio do direito internacional que reconhece que uma mudança nas condições

econômicas vigentes, quando foi firmado um contrato pode justificar o seu não

cumprimento. É a repudiada “Cláusula Contratual Incerta”, que justifica anulação de

pacto feito sob boa fé. A regra denominada pela locução latina “rebus sic stantibus”,

que significa precisamente “o mesmo estado de coisas”, estabelece que as cláusulas

contratuais são válidas, apenas enquanto subsistem as mesmas condições

estabelecidas no pacto. 

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  O argumento da “Força Maior” pode ser invocado quando um país se encontra na

impossibilidade de respeitar uma obrigação internacional, exatamente pelo fato de

estar submetido a um constrangimento exterior, que não provocou. O maior exemplo

disso foram as taxas de juros flutuantes, contidas nos contratos externos, que

permitiram a brutal elevação das taxas de juros, realizada unilateralmente pelosEstados Unidos no início da década de 80, alterando-se completamente as condições

pactuadas. Esse fato levou os países que se encontravam altamente endividados a

crises econômicas e à moratória. Atualmente, as taxas de câmbio flutuantes e a

manipulação do “risco-país” por agências internacionais  exercem o mesmo papel

manipulador das antigas taxas de juros flutuantes. Com que autoridade estas agências

definem nosso nível de risco, já que elas estão sendo fortemente questionadas e até

mesmo processadas por seus recentes atos ilícitos, relacionados às fraudes de

balanços nos EUA? A insegurança nos termos das negociações financeiras

internacionais é enorme, e as condições são de total imprevisibilidade, ferindo as

normas do direito internacional, que precisamos resgatar. 

Uruguai 

Recentemente, a mesma crise econômica experimentada pelo Brasil e pelaArgentina se manifestou também no Uruguai. Com a queda na atividade econômica

dos 2 primeiros países, o Uruguai teve uma diminuição de 40% nas suas exportações

no primeiro trimestre do ano. Isso aprofundou a recessão uruguaia (que já dura 4

anos), fazendo com que o país, que já teve seu PIB decrescido em 1,5% em 2000,

experimentasse em 2001 uma diminuição de 2,5% em sua economia. O desemprego,

que já estava em 13,6% em 2000, aumentou para 15,4% em 2001. 

A redução das exportações também diminuiu o nível das reservas cambiais

uruguaias, obrigando o país a recorrer aos empréstimos do FMI. Para evitar a fuga de

capitais, o governo uruguaio adotou o “corralito”, que, tal como na Argentina,

bloqueou os depósitos bancários da população e desencadeou uma onda de protestos

populares e de saques a supermercados. Hoje, no Uruguai, uma em cada 4 famílias

tem pelo menos um membro que abandonou o país. 

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Essa ocorrência de crises econômicas semelhantes em todos os países que

adotaram políticas recomendadas pelo FMI, demonstra o fracasso do receituário

neoliberal: as privatizações, a abertura comercial e financeira apenas trouxeram arecessão, desemprego, fome, miséria e o aumento das dívidas externas dos países,

que agora estão completamente submissos aos ditames do Fundo. 

Rússia 

A Rússia não acatou as imposições de ajuste estrutural do FMI, decretou

moratória de sua dívida e conseguiu superar uma de suas piores crises. Seus índices

de crescimento econômico são da ordem de 8% ao ano, o que tem garantido melhoria

das condições de vida da população. É interessante ressaltar que a adoção dessas

medidas não a isolou do comércio internacional nem do mercado de títulos, ao

contrário, seus títulos estão muito bem cotados e o risco-país está baixíssimo, apesar

da moratória... 

Outros exemplos de países que se deram muito bem ao desafiarem o receituário

imposto pelo FMI foram China, Malásia e Vietnã. A China, por exemplo, também

alcança níveis de crescimento econômico de 8 a 10% ao ano.

Posição da ONU: Fundamentos Jurídicos Contra Ataques Especulativos Às Moedas

Nacionais Dos Países Endividados 

A UNCTAD se pronunciou, em setembro de 1998, pelo direito dos países de

declararem uma moratória do pagamento de suas dívidas externas: “O país atacado

poderia então decidir por uma moratória do serviço de sua dívida, a fim de dissuadir

aos predadores e dispor de um balão de oxigênio que lhe permita implementar um

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plano de reestruturação de sua dívida.... O artigo VIII dos Estatutos do FMI poderia

fornecer a base jurídica necessária à declaração de uma moratória do serviço da

dívida.... A decisão de impor uma moratória poderia ser tomada unilateralmente pelo

país sujeito a um ataque contra sua moeda.”  

Os ataques que sofremos atualmente se revestem de manipulações

cambiais e “risco-país”. 

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Risco-país 

Um dos trabalhos que o grupo de estudos da “Auditoria Cidadã” está se dedicando é o

cálculo do ônus representado pelas taxas de risco impostas ao Brasil ao longo dos

anos, conforme o gráfico abaixo. 

Entendemos que, se o risco atribuído pelas “agências internacionais” não se efetivou, e

que temos sido os melhores e mais generosos remuneradores de capital do planeta, o

que pagamos a título de risco, ao longo das últimas décadas, foi INDEVIDO e essas

parcelas devem ser consideradas como pagamento antecipado do principal, abatendo o

valor da dívida ou até sendo devolvidas.

Por outro lado, há que se questionar o poder dessas agências internacionais de

risco, bem como as regras para tais “cálculos”. A maior potência econômica do mundo

é também o país mais endividado e seu risco é considerado ZERO. Mesmo depois de

sofrer violento ataque terrorista e após repetidos anúncios de fraudes contábeis nos

balanços das maiores corporações norte-americanas, VERDADEIROS ESCÂNDALOS

ECONÔMICOS E FINANCEIROS, que causaram enormes prejuízos, o risco-USA continua

zero! Há muita inconsistência nesse parâmetro do risco-país, que tanto tem nos

prejudicado. A posição em que classificam o Brasil é ridícula, se comparada à nossa

condição de excelente pagador. 

Na verdade, nossa maior vulnerabilidade está exatamente nas elevadíssimas

taxas de juros, impostas pelo “mercado”, como declarou nosso presidente viajante,

quando se encontrava na Rússia. 

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Essa política de vultosas taxas de juros é uma política suicida, imposta pelo FMI, mas

inversa à aplicada pela maior potência mundial, cuja economia, quando em recessão,

cresce em cima de políticas que o governo adota (redução de juros, aumento dos

gastos públicos e investimentos internos), contrárias às políticas que prega através do

FMI. 

Os últimos movimentos das agências internacionais de risco, depreciando ainda

mais os títulos brasileiros, diante do crescimento de candidato da esquerda em pesquisas

eleitorais, constituem uma clara e inescrupulosa tentativa de interferência no processo de

escolha democrática, inaceitável sob todos os aspectos. Recentemente, os jornais

publicaram falas do megaespeculador George Soros, que explicitou esta grave ofensa à

soberania política da nação brasileira: “Na Roma antiga, só votavam os romanos.   Nocapitalismo global moderno só votam os americanos; os brasileiros não votam”. 

Trabalhos da Auditoria Cidadã 

Para concluir, gostaria de mencionar alguns dos trabalhos desenvolvidos pelo

grupo de estudos da “Auditoria Cidadã”, além dos já mencionados sobre o risco-país,realização de estudos sobre o “erro” anunciado pelo Bacen e sobre a proposta de

renegociação das dívidas: 

- Resgate de documentos: 

Auditoria de 1931 por Osvaldo Aranha, quando foi apurado que apenas 40% dos

contratos encontravam-se documentados, não havia contabilidade regular e nem

controle das remessas ao Exterior. Naquela época, houve uma articulação entre 14

países da América Latina, o que hoje é proibido pelo FMI, que exige que cada país

se apresente sozinho. Precisamos reconstruir essa articulação; 

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Relatório FHC em 1987 

A conclusão de FHC foi categórica: 

 “A situação que ora vivemos - arrocho salarial direto dos trabalhadores no setor

público e indireto de toda força de trabalho, submissão da política econômica às regras

e monitoramento do FMI, acomodação aos interesses dos grandes bancos

internacionais, etc - não passa de uma encenação da inequívoca demonstração da falta

de governo no País.” (página 159) 

Relatório Comissão de 1989 (Severo Gomes e Luiz Salomão) 

 “Sem qualquer sombra de dúvida, aqui está o ponto mais espantoso dos Acordos.

De notar, aliás, a grosseria dos credores, ou a pusilanimidade dos negociadores

brasileiros, admitindo uma cláusula que, sobre ferir os brios nacionais, é

fundamentalmente inútil, no contexto da negociação. ... Esta cláusula retrata um Brasil

de joelhos, sem brios poupados, inerme e inerte, imolado à irresponsabilidade dos que

negociaram em seu nome e à cupidez de seus credores... Este fato, de o Brasil

renunciar explicitamente a alegar a sua soberania, faz deste documento talvez o mais

triste da História política do País. Nunca encontrei ... em todos os documentos

históricos do Brasil, nada que se parecesse com esse documento, porque renúncia de

soberania talvez nós tenhamos tido renúncias iguais, mas uma renúncia declarada à

soberania do País é a primeira vez que consta de uma documento, para mim histórico.

Este me parece um dos fatos mais graves, de que somos contemporâneos.” (Senador

Severo Gomes) 

- Análise do Orçamento 

JANEIRO A JUNHO DE 2002 

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GOVERNO FEDERAL 

RELATÓRIO RESUMIDO DA EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA 

DEMONSTRATIVO DA EXECUÇÃO DAS DESPESAS POR FUNÇÃO/SUBFUNÇÃO 

ORÇAMENTOS FISCAL E DA SEGURIDADE SOCIAL 

Orçamento 

(itens selecionados) 

Previsto 

(R$ mil) 

(Dotação Anual) 

Realizado (R$ mil)

até Junho 

(Valores Liquidados) 

Liquidado 

(%) 

Segurança Pública 

2.063.035 

616.465 

29,88 

Assistência Social  6.430.810  2.727.952  42,42 

Saúde  25.885.811  10.008.936  38,67 

Educação  14.246.974  5.164.279  36,25 

Cultura  358.681  67.239  18,75 

Urbanismo 

795.536 

951 

0,12 

Habitação  226.099  0  0 

Saneamento  248.984  0  0 

Gestão Ambiental  2.786.295  224.209  8,05 

Ciência e Tecnologia  2.013.536  519.021  25,78 

Agricultura 

8.710.736 

1.584.687 

18,19 

Organização Agrária  1.561.023  298.832  19,14 

Sub-total  65.327.520  21.212.571  32,47 

Serviço da Dívida Interna  83.576.329  39.684.158  47,48 

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Serviço da Dívida Externa  27.720.796  7.962.947  28,73 

Serviço da Dívida - Total  111.297.125  47.647.105  42,81 

Fonte: Relatório resumido da execução orçamentária do Governo Federal e

outros demonstrativos, Junho de 2002, pág 10. Disponível no site:

www.fazenda.stn.gov.br 

- Resoluções do Senado Federal 

Resoluções que aprovaram empréstimos de endividamento junto ao exterior,

desde o ano de 1946 – Planilha contendo 815 resoluções. 

Selecionamos os temas POBREZA/MISÉRIA e ENERGIA ELÉTRICA. 

Expedimos 59 ofícios para governadores e presidentes dos Tribunais de Contas dos

Estados envolvidos com os empréstimos selecionados. 

Oficiamos também as companhias de energia elétrica e o que perguntávamos

nesses ofícios era: 

1. Se o empréstimo mencionado na resolução do Senado se efetivou; 

2. Solicitamos a disponibilização de cópia do contrato de empréstimo externo; 

3. Detalhamento completo sobre os projetos nos quais foram empregados os

recursos, informando nomes dos beneficiários, bem como o montante destinado acada caso, de forma a tornar transparente e clara a aplicação dos recursos

externos que motivaram o empréstimo; 

4. Se foram atingidos os objetivos dos referidos projetos/ Em que fase os mesmos

se encontram. 

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Recebemos 16 respostas: 

I. O Presidente do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, Sr. Hélio Saul

Mileski, nos informou que “a operação de crédito está resguardada pelo sigilo bancário,

na forma da Lei 4.595/64”  

II. A Companhia Estadual de Energia Elétrica –  CEEE –  informou que “as

operações financeiras mencionadas nas Resoluções do Senado Federal não foram

efetivadas por esta Companhia”. 

III. O Tribunal de Contas de Roraima nos informou que é o Tribunal de Contas

da União o órgão competente para controle e acompanhamento das contratações de

operações de crédito, uma vez que é a República Federativa do Brasil que exerce o

papel de garantidor/avalista nos referidos contratos. 

IV. O Presidente do Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul nos informou que

 “nada foi encontrado naquele Tribunal do Contas que tratasse do assunto em questão”. 

V. O Presidente do Tribunal de Contas de Pernambuco informou que “esta Corte

de Contas não dispõe das informações solicitadas naquele expediente”. 

Os demais ofícios encaminhados não mereceram resposta, até o momento. Na

nossa avaliação, as respostas recebidas constituem uma boa amostra da necessidade

de se auditar essa dívida. 

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- Processo de conscientização: Elaboração de materiais didáticos (cartilhas e

panfletos) e palestras em escolas, entidades, eventos diversos. 

Conclusão 

A nossa dívida é absurda, ilegítima e ilegal. 

Foi montada como uma forma de dominação, espoliação e mutilação constante.

Não tem correspondência com a melhoria das condições de vida da população ou com

os investimentos feitos no país. 

Se compararmos o que já foi pago, não compreendemos como ainda devemos

tanto, por isso defendemos uma auditoria completa desse processo que tem levado o

país ao mais dramático quadro de injustiças sociais. 

Evolução da Dívida Externa – Valores em US$ bilhões 

ANO 

DÍVIDA EXTERNATOTAL 

PAGAMENTOSEFETUADOS 

Juros  Amortizações 

1988 

113,511 

9,832 

17,087 

1989  115,506  9,633  14,549 

1990  123,439  9,748  8,826 

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1991  123,910  8,621  7,827 

1992  135,949  7,253  8,572 

1993  145,726  8,280  9,978 

1994  148,295  6,338  50,411 

1995  159,256  8,158  11,023 

1996  179,935  9,840  14,271 

1997  199,998  10,391  28,701 

1998  243,163  11,948  33,587 

1999  241,056  15,168  51,905 

SOMA  115,210  256,737 

Fonte: Conjuntura Econômica, fev e jun 2000 (pág XXVI e XXVII)e Banco Central 

A FOME, que atinge 1/3 da população brasileira, é sintoma de falta de ÉTICA. O

progresso tecnológico alcançado pela humanidade não está sendo competente o

bastante para resolver o problema da fome e da miséria do mundo: 19 mil crianças

morrem, por dia, no mundo, devido ao custo financeiro da dívida. 

Não se pode falar em ÉTICA enquanto seres humanos são excluídos da

possibilidade de vida digna. Nada mudará se continuar prevalecendo a ganância e a

corrupção. 

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Postura ÉTICA é a da AUDITORIA, da TRANSPARÊNCIA do acesso à VERDADE. 

No Brasil, os direitos humanos têm sido historicamente desrespeitados. Isso

decorre da falta de ÉTICA desse modelo perverso que se baseia na competição e no

lucro e só busca a satisfação do mercado e não das necessidades humanas. Ao

CAPITAL tudo, ao SOCIAL, nada. 

Precisamos romper com esse processo continuado de espoliação

URGENTEMENTE. 

Somos um país potencialmente rico – em todos os sentidos. Nossas riquezas

humanas, culturais, naturais e econômicas são incompatíveis com esse quadro de

degradação social que estamos assistindo. Precisamos trabalhar para que esse

potencial se concretize, em favor do povo brasileiro, de forma que todos usufruam das

riquezas e tenham vida digna. 

Convoco todos aqueles que amam este País a abraçarem essa luta pela auditoria. 

O que está em jogo é a nossa verdadeira independência, até hoje não

conquistada, pois somos prisioneiros e reféns dessa dívida que nos massacra. Além dessa

grave ofensa à nossa soberania, os recursos sangrados pela dívida estão fazendo muita

falta no combate à miséria e à violência assustadora... estão impedindo os investimentos

necessários em saúde, educação, segurança, reforma agrária, geração de empregos;

estão atingindo a dignidade do nosso povo... 

Abrir essa caixa preta será um ato de respeito para com os que estão morrendo ou

se encontram condenados à marginalidade social em função dessa dívida. 

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Precisamos colocar a satisfação das necessidades sociais no posto de comando, em

substituição à “lógica da morte” que domina a ação do capital. E quem pode colocar em

prática as medidas necessárias para atingir os objetivos prioritários da humanidade? Asinstituições financeiras? Os organismos multilaterais? O G7? As multinacionais? Será que

são confiáveis?... Acredito que essa tarefa é nossa, dos movimentos sociais que lutam na

base da sociedade. 

Para concluir, fico com as palavras do mestre Albert Jacquard: 

A tarefa mais urgente não é a de submeter os despossuídos ao apetite dos abastados,

como fazem atualmente o Banco Mundial e o FMI, mas a de preservar de modo

duradouro as garantias sociais ou ecológicas obtidas, freqüentemente ao preço de

duras lutas, por alguns. Depois, a de estender estas garantias a todos os habitantes da

Terra. 

Albert Jacquard, 1996