Aumentem o som, América Economía Brasil janeiro 2013

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26 AméricaEconomia Janeiro, 2013 NEGÓCIOS INDÚSTRIA FONOGRÁFICA Apesar do grande consumo de música na América Latina, a oferta de downloads e de streamings ainda é pouco relevante, o que difi culta o intercâmbio regional David Cornejo, de Santiago D uas décadas depois do início da MTV Latina e da ampla difusão de sua música no con- tinente, a banda Café Tacu- ba, do México, tocou no Chile junto com o vocalista do grupo chileno Los Tres. Era o lançamento, em setembro passado, do álbum El Objeto Antes Llamado Dis- co, dos mexicanos. O título e o dueto em Santiago são pura nostalgia “kitsch” por uma época em que os compactos de mú- sica local ditavam o mercado. Conforme evidenciado pela histeria das gravadoras diante dos formatos di- gitais durante a última década, as ven- das físicas de música caíram sem retor- no. Mas o apocalipse do disco – resultado do auge da internet – foi um problema fo- calizado nas gravadoras tradicionais, as mesmas que dominavam 80% do merca- do na segunda metade do século XX, co- mo EMI, Warner, Sony e Universal. Já se falamos da oferta de música via internet, as vendas aumentam todos os anos – e o futuro parece promissor. Segundo números da IFPI (sigla em in- glês da Federação Internacional da Indús- tria Fonográfica) para a América Latina, os brasileiros gastaram em música digi- tal um total de US$ 45,2 milhões em 2011 – ou seja, 17% das vendas totais de músi- ca. No México, com a cifra de US$ 39,6 milhões no mesmo período, o MP3 e ou- tros formatos digitais representaram 28% do mercado total. De fato, o Brasil é o oitavo maior con- sumidor de música no mundo, com ven- das anuais de US$ 262,6 milhões e um crescimento médio de 8% ao ano. “O sucesso em determinados sistemas digitais faz com que haja certo otimismo, embora a pirataria esteja sempre patente na hora de fazer investimentos”, afirma o diretor regional da IFPI para América Latina e Caribe, Javier Asensio. Contudo, além da pirataria, a ofer- ta comercial de música digital foi mui- to baixa na América Latina na última década, em comparação com um ro- busto intercâmbio por meios não regu- lados. De fato, a iTunes Store, com cer- ca de 20 milhões de canções a US$ 0,99 cada, embora funcione no México desde 2009, foi lançada em outros 16 países da América Latina (incluindo o Brasil) so- mente em 2011 – oito anos depois de sua criação pela Apple. Segundo a organização global do se- tor Pro Music, no Brasil existem 18 ca- nais de venda de música online e, no Mé- xico, 20. No Peru há apenas a iTunes, e desde dezembro passado. Consideran- do os recentes números de crescimento dos downloads legais na América Lati- na, este é o momento de se criar um pa- cote completo. NEM TUDO É TANGO A atual oferta da iTunes Store para a América Latina enfatiza o catálogo dos selos transnacionais, sem destaque para as músicas da região. Por isso, o cenário para modelos locais é positivo. Um deles é o chileno Portaldisc, cria- do em 2009 por Sebastián Milos como uma alternativa para ter as canções de sua banda, Difuntos Correa, em down- load legal. Outros músicos interessaram- Aumentem o som 26_NEG_MUSICA.indd 26 12/20/12 4:59 PM

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26 AméricaEconomia Janeiro, 2013

NEGÓCIOSINDÚSTRIA FONOGRÁFICA

Apesar do grande consumo de música na América Latina, a oferta de downloadse de streamings ainda é pouco relevante, o que difi culta o intercâmbio regional

David Cornejo, de Santiago D uas décadas depois do início da MTV Latina e da ampla difusão de sua música no con-tinente, a banda Café Tacu-

ba, do México, tocou no Chile junto com o vocalista do grupo chileno Los Tres. Era o lançamento, em setembro passado, do álbum El Objeto Antes Llamado Dis-co, dos mexicanos. O título e o dueto em Santiago são pura nostalgia “kitsch” por uma época em que os compactos de mú-sica local ditavam o mercado.

Conforme evidenciado pela histeria das gravadoras diante dos formatos di-gitais durante a última década, as ven-das físicas de música caíram sem retor-no. Mas o apocalipse do disco – resultado do auge da internet – foi um problema fo-calizado nas gravadoras tradicionais, as mesmas que dominavam 80% do merca-do na segunda metade do século XX, co-mo EMI, Warner, Sony e Universal. Já se falamos da oferta de música via internet, as vendas aumentam todos os anos – e o futuro parece promissor.

Segundo números da IFPI (sigla em in-glês da Federação Internacional da Indús-tria Fonográfi ca) para a América Latina, os brasileiros gastaram em música digi-tal um total de US$ 45,2 milhões em 2011 – ou seja, 17% das vendas totais de músi-ca. No México, com a cifra de US$ 39,6milhões no mesmo período, o MP3 e ou-tros formatos digitais representaram 28% do mercado total.

De fato, o Brasil é o oitavo maior con-sumidor de música no mundo, com ven-das anuais de US$ 262,6 milhões e um crescimento médio de 8% ao ano.

“O sucesso em determinados sistemas digitais faz com que haja certo otimismo, embora a pirataria esteja sempre patente

na hora de fazer investimentos”, afi rma o diretor regional da IFPI para América Latina e Caribe, Javier Asensio.

Contudo, além da pirataria, a ofer-ta comercial de música digital foi mui-to baixa na América Latina na última década, em comparação com um ro-busto intercâmbio por meios não regu-lados. De fato, a iTunes Store, com cer-ca de 20 milhões de canções a US$ 0,99cada, embora funcione no México desde 2009, foi lançada em outros 16 países da América Latina (incluindo o Brasil) so-mente em 2011 – oito anos depois de sua criação pela Apple.

Segundo a organização global do se-tor Pro Music, no Brasil existem 18 ca-nais de venda de música online e, no Mé-

xico, 20. No Peru há apenas a iTunes, e desde dezembro passado. Consideran-do os recentes números de crescimento dos downloads legais na América Lati-na, este é o momento de se criar um pa-cote completo.

NEM TUDO É TANGOA atual oferta da iTunes Store para a América Latina enfatiza o catálogo dos selos transnacionais, sem destaque para as músicas da região. Por isso, o cenário para modelos locais é positivo.

Um deles é o chileno Portaldisc, cria-do em 2009 por Sebastián Milos como uma alternativa para ter as canções de sua banda, Difuntos Correa, em down-load legal. Outros músicos interessaram-

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calizado nas gravadoras tradicionais, as

mo EMI, Warner, Sony e Universal. Já se falamos da oferta de música via internet, as vendas aumentam todos os anos – e o

tria Fonográfi ca) para a América Latina,

tal um total de US$ 45,2 milhões em 2011

tros formatos digitais representaram 28%

das anuais de US$ 262,6 milhões e um

“O sucesso em determinados sistemas digitais faz com que haja certo otimismo, embora a pirataria esteja sempre patente

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-se pela ideia e assim nasceu um site es-pecializado em música chilena, que hoje tem por volta de 3,5 mil discos, tanto de selos independentes quanto de multina-cionais, como Sony Music. E ele já conta com uma crescente oferta de países como Brasil, Colômbia e Argentina.

“O objetivo também é posicionar a am-plitude de música que existe aqui, rom-pendo o paradigma e mostrando algo que para um estrangeiro não é tão ób-vio”, afi rma Milos. “Nem todo o Chile é cueca [estilo musical chileno], e nem tu-do na Argentina é tango.”

Esses modelos de negócios demons-tram a viabilidade de canais especializa-dos para difundir o catálogo local e criar redes que interconectem os países. Al-go urgente em mercados como o brasi-leiro, onde, embora músicos como Cae-tano Veloso tenham seu próprio website para download, falta um canal por onde navegar a partir do exterior e nele encon-trar uma ampla oferta local. Na verdade, o site de Caetano tem músicas para ouvir online, mas apenas para o Brasil.

“A América Latina está fragmenta-da, não sabemos o que está acontecendo na Colômbia ou na Venezuela, mas sim o que ocorre na Espanha. Estamos todos isolados, porque não há circuitos”, afi r-ma o cantor e compositor chileno Gepe, que ocupa lugar de destaque em sites es-pecializados dos Estados Unidos e Espa-

Neste modelo de streaming, a apro-priação da música deixa de ter sentido, já que não se paga para possuí-la. Mediante um desembolso mensal, sites como Un-limited Music ou Spotify oferecem can-ções para ouvir em múltiplos dispositivos e evitam o problema do acúmulo de ar-quivos que nunca escutaremos. “O con-sumidor passa de uma cultura de possuir a música a uma na qual pode acessar a canção que quiser, quando quiser e onde quiser”, acrescenta Asensio.

Nem o Unlimited Music nem o Spoti-fy estão disponíveis na América Latina, embora a América Móvil tenha imple-mentado em 2012 a Ideas Music, uma lo-ja online que, além de vender canções, in-clui o modelo de escuta por streaming por 75 pesos mexicanos mensais (US$ 5,80).

“O tradicional vai conviver com as novidades: a venda direta de artista pa-ra consumidor, livrarias como Spotify com o download ilegal”, afi rma o argen-tino Sergio Marchi, autor de livros sobre Charly García e Beatles.

Tudo indica que, em uma região mes-tiça, continuaremos com uma mistura de formatos, desde as edições de luxo em vinil à escuta nas nuvens, até as fi tas cas-sete que ainda são vendidas em algumas regiões da América Latina.

nha, mas é desconhecido no restante do continente americano. Certamente, pre-cisamos nos ouvir mais.

CANÇÃO FANTASMAEnquanto os modelos de venda online engatinham na América Latina, a ten-dência atual na Europa e nos Estados Unidos é outra: a escuta paga online. “Observamos um movimento em dire-ção ao streaming [distribuição de con-teúdo multimídia em tempo real, sem gravação de arquivos na máquina do usuário] ou escuta ‘à la carte’. Na Amé-rica Latina, esses movimentos sempre chegaram tarde”, diz Asensio, da IFPI.

ONDE ESTÁ A MÚSICA?Há uma década, o crescimento da música latino-americana visto nos Estados

Unidos colocou nomes como Shakira, Ricky Martin e Carlos Santana no predomí-nio artístico mundial. Contudo, hoje apenas a colombiana continua em evidência no âmbito global. Se, em meados do século XX, a imagem da música da região era a de Carmen Miranda com o seu característico enfeite de frutas equilibrado na ca-beça, hoje o reggaeton e o “Ai se eu te pego”, do brasileiro Michel Teló, represen-tam a identidade da região para o mundo.

As referências de ontem estão em baixa e não há mudança à vista, como ocorre com a Argentina – que teve três décadas de ouro de rock e caiu em um precipício. “A Argentina se mantém, mas não conseguiu recuperar esse lugar de prestígio. Tal-vez a nova forma não tenha mais a ver com talentos da magnitude de um [Luis Al-berto] Spinetta [fundador do rock argentino]”, reconhece o jornalista Sergio Marchi.

Em uma época digital como a que vivemos, os músicos que ultrapassam fronteiras são fenômenos virais. Neste nicho de curiosidades estão o equatoriano Delfín Quishpe e a peruana Wendy Sulca que, embora sejam capazes de colocar seu nome no recente festival Youtube na Espanha, não deixam de fazer parte do grande circo de curiosidades da internet.

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na Colômbia ou na Venezuela, mas sim o que ocorre na Espanha. Estamos todos isolados, porque não há circuitos”, afi r-ma o cantor e compositor chileno Gepe, que ocupa lugar de destaque em sites es-pecializados dos Estados Unidos e Espa-

mentado em 2012 a Ideas Music, uma lo-ja online que, além de vender canções, in-

novidades: a venda direta de artista pa-ra consumidor, livrarias como Spotify

tino Sergio Marchi, autor de livros sobre

tiça, continuaremos com uma mistura de

vinil à escuta nas nuvens, até as fi tas cas-

regiões da América Latina.

dência atual na Europa e nos Estados Unidos é outra: a escuta paga online. “Observamos um movimento em dire-ção ao streaming [distribuição de con-ção ao streaming [distribuição de con-ção ao streaming [teúdo multimídia em tempo real, sem gravação de arquivos na máquina do usuário] ou escuta ‘à la carte’. Na Amé-rica Latina, esses movimentos sempre chegaram tarde”, diz Asensio, da IFPI.

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