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Valor Econômico, 28/10/2015
Austeridade, dívida pública e crescimento econômico
Pedro Cavalcanti Ferreira, João Victor Issler e Roberto Castelo Branco
Governos que não observam a responsabilidade fiscal acabam compelidos pelos
mercados a adotar políticas fiscais contracionistas em meio a recessões, o caso atual
do Brasil. Adicionalmente, a indefinição quanto ao programa de ajuste amplia as
incertezas provocadas pelo desequilíbrio fiscal, o que magnifica a instabilidade
macroeconômica.
A dívida pública bruta como proporção do PIB se elevou significativamente, devendo
chegar a 66,5% em 2015 e pode atingir 80% em 2018, o que levanta dúvidas sobre a
sustentabilidade no longo prazo. No Brasil o que mais se parece a uma garantia de
sustentabilidade da razão dívida/PIB é a meta de superávit primário. Tomada ao pé da
letra, deve-se gerar um superávit pelo menos igual ao serviço da dívida, evitando que
nos endividemos para servi-la, o que seria insustentável no longo prazo. Infelizmente,
trata-se de uma proteção bastante frágil.
Dada a meta de superávit primário de, por exemplo, 5% do PIB, hipoteticamente
podemos atingi-la arrecadando 99% e gastando 94% do PIB ou arrecadando 25% e
gastando 20%. Na primeira opção, o PIB será bem menor, pois o governo toma 99%
do produto do setor privado! Logo, a meta não limita o gasto publico, só a diferença
entre arrecadação e gasto.
Apesar do uso da regra tender a reduzir o numerador da razão (a dívida), também
pode diminuir o denominador (PIB) ou sua taxa de crescimento, o que dificulta a
estabilização da razão dívida/PIB. Idealmente, deveríamos buscar regras que reduzam
o numerador (dívida) e aumentem o denominador (PIB).
Estudo de Issler e Lima (Journal of Development Economics, 2000) para o período
1947-1992 já revelava que os gastos do governo brasileiro têm comportamento
exógeno vis-à-vis ao da arrecadação. Além disso, dado um aumento inesperado do
gasto, 89% do orçamento é reequilibrado usando-se os impostos correntes e futuros e
apenas 11% via cortes de dispêndios.
Num ambiente em que os gastos saem facilmente do controle e os contribuintes são
convocados a fazer um crowdfunding involuntário, não surpreenderia a ninguém a
trajetória da carga tributária brasileira: de 23% do PIB em 1993 para 35,4% em 2014,
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muito superior à média das economias emergentes (29,1%) e dos demais BRICS
(28,4%).
O sucesso de um programa de ajuste fiscal é medido pela capacidade em reduzir
déficits e a relação dívida pública/PIB com o mínimo de custos sociais. A literatura
econômica, compreendendo estudos com variadas metodologias, aponta claramente
que cortes de gastos públicos são muito mais bem sucedidos do que aumentos de
impostos. A indiferença à composição do ajuste é concepção equivocada, pois os
multiplicadores fiscais são bem distintos em valor presente: em situações semelhantes
ao atual desequilíbrio fiscal brasileiro, cortes de gastos levam à expansão do produto
real enquanto elevações de impostos levam à estagnação/contração do produto real.
Altas de impostos levam à redução de consumo e investimento privado e provocam
distorções na alocação de recursos que penalizam a produtividade e o crescimento
econômico. No Brasil, onde a carga é alta e a estrutura tributária é uma colcha de
retalhos, este efeito tende a ser particularmente forte.
Em contraste, cortes de despesas se mostram capazes de mudar expectativas, o que
afeta positivamente as decisões de consumo e investimento privado. A revisão de
percepções leva à queda dos prêmios de risco e, consequentemente, dos custos da
dívida pública.
A comparação entre resultados de ajustes fiscais recentes na Itália (aumentos de
impostos) e Reino Unido (cortes de dispêndios) é bastante ilustrativa. A Itália sofreu
três anos de recessão profunda (2012-14), enquanto o Reino Unido passou por
recessão moderada seguida por forte recuperação desde 2013. Nas alternativas de
política fiscal apresentadas pelo Governo prevalece a visão contábil: a intenção é
produzir superávit primário indiferentemente da composição, com preferência pelo
aumento de tributação por ser o caminho mais rápido e fácil no curto prazo.
Ressuscitar a CPMF é prejudicial ao crescimento pois não elimina expectativas de
que novos ajustes, talvez até maiores, tenham que ser realizados no futuro. É
inevitável a sensação de “déjà vu”. O fim da CPMF em 2007 foi compensado por
aumentos de outros impostos, o que não impediu que oito anos depois o Governo
demande mais recursos.
Embora a renda da Argentina relativa aos países ricos já viesse caindo há alguns anos,
a criação por Juan Perón de um Estado infinanciável está na raiz do desastre de
crescimento econômico desse país. Pequenos ajustes guiados por uma visão contábil
nos levarão ao mesmo caminho, pois não reverterão a tendência explosiva do gasto
público. É hora de despertar e mudar o atual regime de política econômica de viés
estagnante.
Por fim, o que a moderna teoria (e a evidência empírica) nos ensina é que o ajuste
fiscal como proposto aqui é apenas o primeiro passo em direção a taxas mais elevadas
de crescimento. E para se gerar uma experiência de desenvolvimento que beneficie de
forma permanente os mais pobres – observamos no momento a reversão de muitas das
conquistas dos últimos vinte anos - a meta deve ser a redução dos gastos públicos
combinada com reformas estruturais que estimulem ganhos de produtividade.
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Nesse contexto, são prioritárias a ampla reforma do sistema educacional, com foco na
qualidade e universalização para a primeira infância; a despolitização e modernização
da administração pública; a maior abertura da economia ao comércio internacional de
bens e serviços e a inserção do Brasil nas cadeias globais de suprimentos; a adoção de
programa efetivo de investimento em infraestrutura e a revisão da regulação da
energia e meio ambiente, entre muitas outras medidas. Há, portanto, muito a ser feito
e pensar que tudo será resolvido com aumento de impostos é um engano que pode nos
custar caro em termos de crescimento e principalmente de bem-estar social.
Ferreira e Issler: EPGE/FGV e FGV Crescimento
Roberto Castello Branco – FGV Crescimento