Auto Regras

download Auto Regras

of 8

Transcript of Auto Regras

Interao em Psicologia, 2005, 9(1), p. 57-64

1

Auto-regras como variveis facilitadoras na emisso de comportamentos autocontrolados: o exemplo do comportamento alimentarAdriana Alcntara dos Reis Eveny da Rocha Teixeira Carla Cristina Paiva ParacampoUniversidade Federal do Par

RESUMO O presente trabalho se prope a discutir e analisar o papel facilitador das auto-regras na emisso de desempenhos autocontrolados. Auto-regras podem tornar o desempenho insensvel s contingncias s quais o indivduo est exposto e facilitar o desempenho do indivduo em situaes semelhantes quela na qual j havia sido formulada uma auto-regra anteriormente. A partir do conhecimento das variveis das quais seu comportamento funo, o indivduo pode manipular as contingncias relacionadas ao prprio comportamento alterando a probabilidade de sua emisso futura. A noo de autocontrole pode enfatizar dois aspectos: 1) o conflito entre as conseqncias positivas e negativas de uma resposta; e 2) a lacuna temporal entre a resposta e sua conseqncia e a magnitude dos reforadores/aversivos tanto a curto como a longo prazo. Uma vez que uma resposta autocontrolada foi emitida com sucesso, uma situao semelhante no futuro pode evocar a descrio da contingncia passada, favorecendo a generalizao do autocontrole. Foram utilizados exemplos relacionados ao comportamento alimentar para ilustrar possibilidades de interveno clnica baseadas nas propostas de autocontrole formuladas por Skinner e por Rachlin. A terapia analtico-comportamental pode dar uma nfase maior s auto-regras, a despeito de dificuldades terico-metodolgicas para identificar o seu papel em comportamentos de autocontrole. Palavras-chave: autocontrole; auto-regras; comportamento alimentar. ABSTRACT Self-rules as facilitating variables on the emission of self-controled behaviors: the example of feeding behavior The present paper aims to discuss and analyze the facilitating role of self-rules in the emission of selfcontrolled behaviors. Self-rules can make the performance insensitive to contingencies to which the individual is exposed and can facilitate the performance of the individual in situations that are similar to the one in which a self-rule had been formulated previously. From the knowledge of the variables of which a behavior is functional, the individual can manipulate the contingencies related to his own behavior modifying the probability of future emission. The self-control definition can emphasize two aspects: 1) the conflict between positive and negative consequences of a response; and 2) the temporal gap between the response and its consequence and the magnitude of reinforcers/aversives both in short and long term contingencies. Once a self-controlled response was emitted successfully, a similar situation in the future can evoke the description of the past contingency, favoring the self-control generalization. Examples related to the feeding behavior were used to illustrate possibilities of clinical intervention based upon the self-control proposals formulated by Skinner and Rachlin. The behavioranalysis therapy can give a greater emphasis to self-rules, despite of the theoretical-methodological difficulties to identify its role in self-controlled behaviors. Keywords: self-control; self-rules; feeding behavior.

A anlise do comportamento no pode desconsiderar a relevncia do aspecto verbal no estudo do comportamento humano, tendo em vista que grande parte do repertrio comportamental governado por regras. Na interao com membros da comunidade verbal o indivduo aprende a descrever para si mesmo as contingncias s quais est sendo exposto; esta descrio pode vir a exercer controle parcial sobre os comportamentos subseqentes, tornando-se assim, um elo

na cadeia comportamental que deve ser investigado no escopo da anlise do comportamento. Descries verbais tambm esto envolvidas no autocontrole do comportamento, o qual pode ser definido como um tipo de manipulao de variveis que tem como objetivo aumentar ou diminuir a probabilidade da emisso de uma resposta futura. Quando um indivduo aprende a manipular variveis, no sentido de tornar mais ou menos provvel a emisso de uma resposta futura, pode a partir da, derivar regras que

2

Adriana Alcntara dos Reis; Eveny da Rocha Teixeira & Carla Cristina Paiva Paracampo

facilitam a emisso de respostas autocontroladas em situaes semelhantes. Regras podem ento ser definidas como estmulos verbais especificadores de contingncias que podem funcionar como estmulos discriminativos, estmulos alteradores de funo ou operaes estabelecedoras (Albuquerque, 2001). O comportamento governado por regras antecedido por um estmulo verbal que descreve as contingncias de reforo; este estmulo tem funo discriminativa quando est presente no ambiente imediato e torna-se um estmulo alterador de funo quando h uma separao temporal entre o enunciado da regra e o surgimento do estmulo descrito pela regra e a subseqente emisso do comportamento. Uma regra com a funo de operao estabelecedora um evento que altera a efetividade de uma conseqncia e evoca o comportamento que produz esta conseqncia (Albuquerque, 2001). Auto-regras podem ser definidas como descries de contingncias enunciadas pelo prprio indivduo, formuladas a partir de sua exposio s contingncias de reforo, exercendo assim controle sobre a resposta subseqente ou, de outro modo, uma regra enunciada por um falante confivel pode passar a exercer a funo de uma auto-regra para o indivduo. Deve-se considerar, contudo, que auto-regras, tanto as formuladas pelo prprio indivduo quanto as enunciadas por outro falante, podem no descrever fidedignamente as contingncias em vigor. O autoconhecimento condio para a formulao de auto-regras acuradas. A comunidade verbal estimula tatos fidedignos quando questiona o indivduo sobre o que fez, o que est fazendo e o que vai fazer e sobre as situaes em que este comportamento foi emitido no passado. Assim, pode-se afirmar que o autoconhecimento funo da interao do indivduo com o ambiente social. Para que um indivduo descreva verbalmente os comportamentos que pretende emitir no futuro, deve conhecer as variveis das quais seu comportamento foi funo no passado. Se este conhecimento das contingncias falho, o indivduo pode ficar sob controle de auto-regras imprecisas. Isto ocorre por conta de restries de acesso da comunidade aos eventos passados/privados, o que dificulta a modelagem do repertrio descritivo (Skinner, 1974). O autoconhecimento compreendido como um pr-requisito para o comportamento de autocontrole. Atravs do autoconhecimento, o indivduo aprende tanto a observar e descrever seu prprio comportamento, como a relacion-lo com variveis ambientais, passando a derivar (auto-) regras do tipo se...ento que podem ser usadas em ocasies futuras. Logo, o autoconhecimento pode levar formulao de (auto-) regras que favoream a emisso de comportamentos autocontrolados.

As auto-regras exercem papel facilitador na determinao do comportamento autocontrolado de pelo menos duas maneiras: tornando o desempenho insensvel s contingncias s quais o indivduo est exposto, isto , mantendo a resposta sob controle prevalente das variveis descritas pela regra, ou ainda, tornando vvida a contingncia em vigor, ao enfatizar a relao do comportamento com suas provveis conseqncias. Este papel facilitador das auto-regras na emisso de um desempenho futuro um importante elo no paradigma do autocontrole. A noo de autocontrole pode enfatizar dois aspectos: 1) o conflito entre as conseqncias positivas e negativas de uma resposta, como na proposta de Skinner (1953); e 2) a lacuna temporal entre a resposta e sua conseqncia e a magnitude dos reforadores/aversivos tanto a curto como a longo prazo, na perspectiva de Rachlin (1974, 1991). Embora a temporalidade e a magnitude sejam diferenciais relevantes entre os dois paradigmas, as duas propostas podem ser consideradas complementares na medida em que ambas referem-se ao autocontrole como um tipo de manipulao de variveis com a funo de tornar mais ou menos provvel a emisso de uma resposta subseqente. De acordo com Skinner (1953), a necessidade do autocontrole surge quando uma mesma resposta gera conseqncias tanto positivas quanto negativas, instaurando-se assim um conflito. Tal conflito freqentemente envolve conseqncias para o indivduo que contrastam com o interesse do grupo. Um exemplo de conflito ao qual Skinner de refere pode ser extrado de uma situao na qual se opta por ir piscina ao invs de realizar um trabalho escolar na casa de um amigo: ir piscina produz conseqncias positivas, mas tambm conseqncias negativas como punio social por parte do amigo. A manipulao das variveis que altera a probabilidade de emisso de uma dada resposta denominada resposta controladora. Na situao em questo, uma resposta controladora seria a emisso de auto-verbalizaes, com funo de estmulo, que descrevessem a contingncia em vigor (se eu for piscina, o meu amigo ficar chateado comigo e eu no terei nota no trabalho). A resposta controlada seria a resposta de ir piscina, suprimida a partir dessa manipulao de varivel. Reconhecendo a dificuldade para emisso de comportamentos autocontrolados, Skinner (1953) enfatiza a importncia das contingncias sociais tanto para a instalao como para a manuteno do repertrio de autocontrole. Dessa forma, o prprio autor destaca como fonte ltima de controle do comportamento as variveis no ambiente social. Partindo da anlise do autocontrole proposta por Skinner, Nico (2001) afirma que o indivduo est exposto a sanes sociais e ticas que o impelem a emitir comportamentos que beneficiamInterao em Psicologia, jan./jun. 2005, (9)1, p. 57-64

Auto-regras e autocontrole

3

o grupo em detrimento daqueles que beneficiam o indivduo. A proposta de Rachlin (1974, 1991) destaca o papel das contingncias futuras na determinao do comportamento autocontrolado. Recompensas de menor magnitude disponveis no ambiente freqentemente devem ser ignoradas para que uma recompensa maior possa ser obtida, como quando deixamos de comprar coisas suprfluas agora para adquirir um bem mais precioso no futuro ou deixamos de comer doces e frituras agora para perder peso em alguns meses. De modo contrrio, tambm se pode evitar grandes aversivos no futuro atravs de pequenos aversivos no presente, como deixar de fumar para se evitar as doenas apregoadas nas embalagens de cigarro ou usar fio dental diariamente, a despeito do incmodo que possa causar, para evitar cries. Indivduos que esperam por um longo tempo tm que se comportar na presena da recompensa como se ela no estivesse l; logo, algo pode ser feito para prevenir a disponibilidade subseqente das recompensas menores. Isto o que Rachlin (1974, 1991) denomina resposta de compromisso: emisso de comportamentos alternativos, que possam competir com o comportamento que deve ser evitado (como ligar para a melhor amiga em vez de ligar para o ex-namorado), ou ainda, emisso de respostas que reduzam o valor reforador das conseqncias produzidas pelo comportamento inadequado (por exemplo, come-se salada antes do prato principal para reduzir a quantidade de macarronada ingerida depois). A resposta de compromisso pode ser antecedida ou no por uma promessa um estabelecimento de metas que pode ser emitido privada ou publicamente. Quando a promessa publicizada, garante-se um certo controle social sobre a resposta indesejada (ao contarmos aos nossos amigos sobre nossa tentativa de fazer dieta, damos a eles direito de monitorar nossos esforos). Penalidades podem ser estabelecidas para o seu no-seguimento. O efeito da resposta de compromisso a reduo das escolhas disponveis, forando o indivduo a emitir a resposta que levar ao reforador a longo prazo (Rachlin, 1974, 1991). A manuteno dos comportamentos cujas conseqncias so improvveis ou remotas depende, em certa medida, de mediao social, visto que estas esto a muito longo prazo para exercer um controle eficaz sobre o comportamento. As conseqncias com as quais o indivduo de fato mantm contato so aquelas providas pela comunidade verbal, que exerce o papel de monitorizao do comportamento, aumentando assim a sua probabilidade de emisso. Grande parte das auto-regras envolvidas na emisso do comportamento autocontrolado enfatiza tais conseqncias sociais.Interao em Psicologia, jan./jun. 2005, (9)1, p. 57-64

A noo de autocontrole proposta por Rachlin (1974, 1991), de acordo com a qual reforadores de longo prazo esto em competio com reforadores imediatos de menor magnitude, pode ser descrita como um tipo de contingncia de ao indireta. Segundo Malott (1989), a formulao de regras uma condio facilitadora para o cumprimento de tarefas cujas conseqncias so de longo prazo, improvveis ou muito pequenas (comportamentos mantidos por contingncias indiretas). Regras possibilitam o conhecimento da contingncia de ao indireta, tornando mais provvel a emisso de comportamentos que geram reforadores de maior magnitude a longo prazo e a insensibilidade a reforadores imediatos. Dentre as condies necessrias para o controle por contingncias indiretas, Mallot (1989) cita a autoavaliao que possibilita ao indivduo determinar quando o prprio comportamento corresponde regra que descreve contingncias de longo prazo, para que recompensas e punies sejam liberadas; o autoreforamento definido como a administrao de conseqncias pelo prprio indivduo, contingente ao seguimento desta regra (a eficcia destas conseqncias determinada pela histria ambiental); o estabelecimento de metas pblicas que funcionam como um estmulo discriminativo para o controle social (reforamento de comportamentos compatveis com a regra e punio de comportamentos que a contradizem). Todos esses fatores esto envolvidos com a noo de autocontrole e autogerenciamento. O autocontrole tambm necessrio quando as contingncias so diretas, caso dois tipos de conseqncias estejam em competio reforadoras e aversivas (Skinner, 1953). Nas ocasies em que o comportamento autocontrolado no ocorreria naturalmente, dado o apelo do outro conjunto de contingncias, faz-se necessria a formulao de (auto-) regras. Zettle e Hayes (1982) denominam de auto-ply regras enunciadas pelo prprio indivduo que descrevem conseqncias sociais para seu (no) seguimento, e auto-augmental regras que alteram o valor reforador dos eventos por elas descritos. Exemplificando, o comportamento correspondente verbalizao vou para casa, pois se eu permanecer mais tempo aqui no bar, vou ter problemas com minha esposa pode ser denominado de auto-pliance, enquanto que o comportamento que segue a verbalizao Quando encontrar meu ex-namorado hoje noite preciso me lembrar o quanto ele me magoou e dar o troco pode ser identificado como auto-augmenting, e ambos ilustram como auto-regras podem facilitar a emisso de respostas autocontroladas. Uma vez que uma resposta autocontrolada foi emitida com sucesso, uma situao semelhante no futuro pode evocar a descrio da contingncia passa-

4

Adriana Alcntara dos Reis; Eveny da Rocha Teixeira & Carla Cristina Paiva Paracampo

da, favorecendo a ampliao do repertrio de autocontrole. A auto-regra generalizada para esta nova situao que demanda a emisso de um desempenho autocontrolado mantm sua funo facilitadora, posto que torna o desempenho insensvel aos reforadores presentes no ambiente imediato e clarifica a contingncia em vigor. Por exemplo, ao aprender que a restrio de estmulos distrativos (como evitar comprar gibis) aumenta a probabilidade da emisso de um

comportamento de estudo, a mesma estratgia pode ser utilizada para aumentar a probabilidade de fazer dieta, ao reduzir a disponibilidade de guloseimas (como evitar comprar biscoitos doces). Estas situaes nas quais auto-regras podem funcionar como um elo comportamental na cadeia do autocontrole sero esquematizadas nos quadros que se seguem:

R1 (fumar)

Conseqncia direta Sensaes fisiolgicas agradveis e eliminao da condio de privao

Conseqncia indireta Danos sade (risco de cncer, impotncia sexual, problemas cardacos etc.)

Auto-regra: No quero correr o risco de um enfarto. Vou caminhar em vez de fumar. Conseqncia direta R2 (caminhar) Evitao / privao do cigarro Contato com novas pessoas; bem-estar Figura 1: Contingncias de ao indireta Conseqncia indireta Reduo de danos sade (risco de cncer, impotncia sexual, problemas cardacos etc.)

R1 (ir piscina)

Conseqncia positiva Relaxar, pegar sol

Conseqncia aversiva Deixar de estudar e ter nota no trabalho; brigar com o amigo

Auto-regra: Se eu for piscina, o meu amigo ficar chateado comigo e eu no terei nota no trabalho. Conseqncia positiva Estudar e ter nota no trabalho; encontrar o amigo Figura 2: Contingncias de ao direta Conseqncia aversiva Deixar de relaxar, pegar sol

R2 (estudar)

Conseqncia positiva R1 (comprar gibis) R2 (estudar) Ler gibis Aquisio de conhecimento; boa nota

Conseqncia aversiva Deixar de estudar e ter nota baixa Deixar de ler gibis

Auto-regra: melhor no comprar nada que me distraia do meu objetivo.

Interao em Psicologia, jan./jun. 2005, (9)1, p. 57-64

Auto-regras e autocontrole

5

R2 (no comprar biscoito e fazer dieta)

Conseqncia positiva Perder peso

Conseqncia aversiva Privao de doces

Figura 3: Generalizao do autocontrole atravs de regras

Implicaes prticas da relao entre auto-regras e autocontrole Grande parte da demanda clnica est relacionada com a necessidade de aprender a emitir comportamentos autocontrolados. Este aprendizado pode ser estimulado atravs da modelagem de descries verbais adequadas das contingncias. Dado o comportamento humano fazer parte de cadeias comportamentais complexas, com grande extenso temporal entre uma resposta e a sua conseqncia efetiva, de fundamental importncia a elaborao de auto-regras que descrevam acuradamente as contingncias em vigor. No contexto teraputico analtico-comportamental, a elaborao e modificao de auto-regras favorecida pelo fortalecimento do repertrio de autoconhecimento. Um exemplo que ilustra a necessidade do uso de estratgias de autocontrole so os repertrios comportamentais relacionados sade, por implicarem na disponibilidade de reforadores imediatos que devem ser ignorados e na probabilidade de obteno de benefcios em um tempo futuro, tais como, a evitao de substncias psicoativas (nicotina, lcool etc.), a emisso de comportamentos de higiene (lavar as mos, higiene bucal freqente), a prtica regular de atividades fsicas, a adoo de hbitos alimentares saudveis, dentre outros. Quando uma pessoa com dislipidemia opta por ingerir alimentos de baixo teor calrico (pobres em acares e graxos) e ricos em fibras, perde alguns reforadores imediatos como o paladar e o aroma de alimentos que compunham a dieta habitual e o reforador social presente em churrascadas e festinhas. Em contrapartida, os reforadores para o seguimento de uma dieta surgem muito a longo prazo (perda de peso, reduo do colesterol) ou so apenas provveis (diminuio do risco cardaco). A dificuldade em emitir desempenho autocontrolado pode estar relacionada com o fato dos indivduos no disporem de pr-requisitos comportamentais como a auto-observao e o autoconhecimento, os quais podem ser aprendidos no contexto teraputico. O processo teraputico analtico-comportamental, ao focar o comportamento alimentar inadequado, busca as variveis das quais aquele comportamento funo. O terapeuta, alm de identificar reforadoresInterao em Psicologia, jan./jun. 2005, (9)1, p. 57-64

imediatos que controlam o comportamento do indivduo, deve ensinar o cliente a faz-lo. O repertrio de auto-observao deve ser instalado antes que se tente estabelecer diretamente um desempenho autocontrolado diante da comida, sob a pena de tornar o processo teraputico tecnicista e de difcil generalizao. Na fase seguinte, de automonitoramento, so comuns tarefas de registro que devem ser preenchidas em casa e analisadas em conjunto com o terapeuta. Depois que o cliente est instrumentalizado a quantificar os alimentos que ingeriu e a sinalizar em que ocasies os ingeriu com mais freqncia, torna-se apto a identificar as situaes que demandam a emisso de autocontrole e quais as respostas controladoras mais adequadas para cada situao. O autogerenciamento exige que o indivduo seja capaz de programar a liberao de conseqncias e, para tanto, basta que haja uma histria ambiental que garanta este tipo de aprendizagem. Quando o cliente passa a analisar funcionalmente seus comportamentos, emitindo respostas mais eficientes a longo prazo e ficando cada vez menos sob controle dos reforadores imediatos disponveis, pode da derivar regras, que sinalizam novas ocasies em que respostas autocontroladas devem ser emitidas e tornam mais vvidas a contingncia que est em operao (Rachlin, 1974, 1991). No contexto clnico, muitas queixas esto relacionadas com a necessidade de controle do comportamento alimentar. Considerando isto, o tpico a seguir utilizar exemplos relacionados ao comportamento alimentar para ilustrar possibilidades de interveno clnica baseadas nas propostas de autocontrole formuladas por Skinner (1953, 1974) e por Rachlin (1974,1991). Tcnicas de autocontrole aplicadas ao comportamento alimentar Skinner (1953) sugere algumas tcnicas de controle de comportamentos, nas quais possibilidades de controle por auto-regras sero exploradas de acordo com a proposta inicial do presente trabalho. Mudana de estmulos: nesta tcnica, manipulam-se estmulos discriminativos ou eliciadores do comportamento a ser controlado. Exemplos so: retirar potes de doce da geladeira; esconder pacotes de biscoito no armrio, em vez de deix-los mostra na

6

Adriana Alcntara dos Reis; Eveny da Rocha Teixeira & Carla Cristina Paiva Paracampo

prateleira. Auto-regra possvel: vou botar essas cocadas em um pote que no seja transparente, assim nem as vejo.... Privao e saciao: uma pessoa (...) pode saciarse parcialmente com uma refeio ligeira antes de ir jantar para tornar a probabilidade de emisso do seu comportamento menos conspcua. Quando um convidado se prepara para ir a um coquetel oferecido por uma anfitri insistente bebendo antes grande quantidade de gua, usa auto-saciao como medida de controle. (Skinner, 1953, pp. 227-228). Auto-regra possvel: vou comer mais salada antes de me servir da macarronada. Manipulao de condies emocionais: induo de mudanas emocionais com propsito de controle (apresentao ou remoo de estmulos que adquirem o poder de evocar reaes emocionais por causa dos eventos que ocorreram em conexo com eles). Exemplo: um indivduo pode suprimir o comportamento de tomar refrigerante relembrando sua ltima reao alrgica causada por corantes. Auto-regra possvel: da ltima vez que tomei refrigerante fiquei com o rosto inchado por trs dias.... Uso de estimulao aversiva: condicionamento de reaes aversivas atravs de emparelhamento de estmulos ou criar estmulos verbais que tenham efeito sobre o indivduo por causa das conseqncias aversivas passadas. Exemplo: um indivduo coloca a receita da nutricionista na porta da geladeira, presa em ms de porquinhos. Auto-regra possvel: ou sigo esta dieta ou fico gorda como este porquinho!. Drogas: uso de drogas que estimulam o efeito de outras variveis no autocontrole, que no possam ser facilmente alterados de outra maneira. Exemplo: na sndrome Prader-Willi, que afeta o hipotlamo (regio do crebro que regula a fome e a saciedade), o comportamento de comer deve ser controlado com ansioltico. Auto-regra possvel: se no tomar o meu remdio agora, daqui a pouco vou sentir aquela urgncia em comer!. Condicionamento operante: No bem claro o lugar do condicionamento operante no autocontrole. (...) O auto-reforo do comportamento operante pressupe que o indivduo tenha o poder de obter reforo mas no o faz enquanto uma resposta particular no for emitida (Skinner, 1953, pp. 230-231). Exemplo: uma pessoa estabelece que s assistir televiso noite se durante o dia seguir a dieta prescrita. Autoregra possvel: Se eu comer demais, fico sem minha novela!.... Punio: um indivduo pode administrar autoestimulao aversiva contingentemente a uma resposta. Exemplo: o homem preocupado com a reduo do peso pode apertar o cinto o mximo possvel e continuar assim, apesar de forte efeito aversivo (Skinner, 1953, p. 232). Auto-regra possvel: no

deveria ter ido churrascaria... Aquela gordura pode afetar meu corao. Que peso na conscincia!. Fazer alguma outra coisa: emisso de comportamento alternativo ou incompatvel. Exemplo: um indivduo vai cozinha e bebe gua em vez de comer. Auto-regra possvel: no, no vou comer essa torta de chocolate... melhor beber gua. De maneira semelhante como foram utilizados os exemplos elaborados por Skinner (1953), tambm sero exploradas as tcnicas de autocontrole apresentadas por Rachlin (1974, 1991). Autocontrole de fora bruta: quando a tentao oferecida e simplesmente recusada. A causa direta de tal comportamento a correlao de longo prazo entre o seu comportamento e suas conseqncias. Exemplo: o indivduo passa pela porta da padaria sem entrar para comprar po. Auto-regra possvel: Se eu comer po, no conseguirei perder peso.... Auto-reforo: o indivduo recompensa a si mesmo por ter emitido um comportamento. Esta recompensa adquire funo de estmulo, na medida em que torna mais vvida a contingncia de longo prazo. No processo de aprendizagem, o comportamento autocontrolado passa a ficar gradativamente sob controle de reforadores externos. Exemplo: Uma pessoa pode estabelecer que a cada quilo perdido por seguir corretamente recomendaes nutricionais ir presentear-se com uma pea de roupa nova. Como a cada quilo perdido o manequim da roupa diminuir, comprar roupas cada vez menores pode adquirir valor reforador. Esta pessoa pode comprar roupas mesmo sem ter perdido peso, mas sero roupas sempre do mesmo tamanho e assim, a relao entre o perder peso e suas conseqncias (como sentir-se bem em frente ao espelho, receber elogios) no estar sendo ressaltada. Auto-regra possvel: A cada quilo perdido, comprarei uma pea de roupa nova! Vou comer mais salada e menos arroz durante essa semana... Ser que aquela cala n 38 vai caber se eu perder um quilo? A vendedora disse que ia guardar at sbado.... Compromisso: tem a funo de reduzir as escolhas do indivduo compeli-lo a comportar-se de acordo com as contingncias de longo prazo; um contrato que especifica as conseqncias que sero administradas em funo do comportamento emitido. Uma resposta de compromisso tem a funo tanto de prevenir a disponibilidade subseqente da recompensa menor ou substancialmente reduzir o seu valor enquanto a recompensa maior ainda pode ser obtida. Promessas e resolues so tipos de compromissos que dependem da histria do indivduo em seguir regras; elas no evitam a tentao, mas reduzem o seu valor reforador. Exemplo: ao entrar no supermercado um indivduo estabelece que todos os alimentos calInterao em Psicologia, jan./jun. 2005, (9)1, p. 57-64

Auto-regras e autocontrole

7

ricos que colocar em seu carrinho sero doados aos carregadores de compras. Auto-regra possvel: Esse ano vou conseguir perder os cinco quilos que preciso... Vou tomar mais cuidado com o que ponho no meu carrinho de compras. As tcnicas sugeridas por Skinner (1953) e Rachlin (1974, 1991) ora apresentadas no se configuram como uma prescrio para a atuao em contexto teraputico, posto que apenas foram utilizadas para ilustrar como auto-regras podem estar envolvidas no comportamento autocontrolado. O uso de tcnicas de autocontrole s se justifica dentro de um contexto analtico-funcional no qual sejam identificadas as variveis controladoras do comportamento foco de interveno.

resultar na elaborao de auto-regras que favorecem a emisso de comportamentos autocontrolados dentre os quais destacamos os comportamentos pr-sade e que tais auto-regras devem ser valorizadas por seu papel facilitador na emisso de tais comportamentos.

REFERNCIASAlbuquerque, L. C. (2001). Definio de regras. Em H. J. Guilhardi, M. B. B. P. Madi, P. P. Queiroz, P. P. & M. C. Scoz (Orgs.), Sobre comportamento e cognio: expondo a variabilidade (pp. 132-140). Santo Andr: Esetec. Malott, R. (1989). The achievement of evasive goals: Control by rules describing contingencies that are not direct acting. Em S. C. Hayes (Org.), Rule-governed behavior: cognition, contingencies, and instructional control (pp. 269-322). New York: Plenum Press. Nico, Y. C. (2001). A contribuio de B. F. Skinner para o ensino do autocontrole como objetivo da educao. Dissertao de mestrado no publicada. Pontifcia Universidade Catlica, So Paulo. Rachlin, H. (1974). Self-control. Behaviorism, 2, 94-107. Rachlin, H. (1991). Introduction to modern behaviorism. New York: Freeman. Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. New York/London: Free Press/Collier MacMillan. Skinner, B. F. (1974). About Behaviorism. New York: Alfred A. Knopf. Zettle, R. D. & Hayes, S. C. (1982). Rule-governed behavior: a potencial theorical framework for cognitive-behavioral therapy. Em P. C. Kendal (Org.), Advances in cognitive-behavioral research and therapy. Vol. 1 (pp. 76-118). London: Academic Press.

CONSIDERAES FINAISSujeitos humanos no podem ser isolados de sua capacidade verbal. Desempenhos no-verbais so sempre acompanhados por auto-verbalizaes um produto colateral das contingncias mesmo que estas no exeram nenhum papel causal sobre eles. A terapia analtico-comportamental pode dar uma nfase maior s auto-regras, tendo em vista que so um importante elo na cadeia comportamental. A despeito de dificuldades terico-metodolgicas para identificar o papel das auto-regras em comportamentos de autocontrole, analistas do comportamento no devem, sob esta justificativa, se isentar de operar sobre elas. A atuao de terapeutas analtico-comportamentais sobre auto-regras no contexto clnico ocorre, com mais freqncia, para identificar verbalizaes que no descrevem adequadamente as variveis controladoras do comportamento; contudo, este trabalho vem ressaltar que a manipulao de contingncias pode

Enviado: 01/12/2004 Revisado: 22/03/2005 Aceito: 10/06/2005

Sobre as autoras:Adriana Alcntara dos Reis: Psicloga e Mestranda do Programa de Ps-Graduao em Teoria e Pesquisa do Comportamento da Universidade Federal do Par. Endereo eletrnico: e-mail: [email protected]. Eveny da Rocha Teixeira: Psicloga e Mestranda do Programa de Ps-Graduao em Teoria e Pesquisa do Comportamento da Universidade Federal do Par. Profa. Dra. Carla Cristina Paiva Paracampo Docente do Programa de Ps-Graduao em Teoria e Pesquisa do Comportamento da Universidade Federal do Par.

Interao em Psicologia, jan./jun. 2005, (9)1, p. 57-64

8

Adriana Alcntara dos Reis; Eveny da Rocha Teixeira & Carla Cristina Paiva Paracampo

Interao em Psicologia, jan./jun. 2005, (9)1, p. 57-64