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Revista de Letras Norte@mentos Estudos Literários, Sinop, v. 9, n. 17, p. 169-190, jan./jun. 2016. 169 AUTOBIOGRAFIA E FICÇÃO: AS CARACTERÍSTICAS DA ESCRITA NA OBRA O AMANUENSE BELMIRO, DE CYRO DOS ANJOS Avanilde Polak 1 RESUMO A análise da escrita literária sempre traz em voga reflexões sobre os limites entre ficção e realidade, bem como, a forma como esses conceitos se entrelaçam. Partindo de referenciais como Aristóteles (2003), Bakhtin (2005), E. Bosi (2002), entre outros. Esse trabalho tem por objetivo identificar como ocorre a relação entre as características dos gêneros biográfico e ficcional na obra O Amanuense Belmiro, do autor Cyro dos Anjos. Os resultados indicam que o romance é composto por características do gênero autobiográfico, porém, o personagem se assume como autor do texto, assim, de certa forma, anulando a presença e função do autor empírico. Palavras-chave: ficção, autobiografia, diário, romance, Cyro dos Anjos. Considerações iniciais Este trabalho tem por objetivo analisar alguns aspectos da estrutura da narrativa da O amanuense Belmiro, do autor Cyro dos Anjos. A obra em questão pertence a segunda geração do período modernista da Literatura Brasileira, porém, tem como enfoque características intimistas na construção do personagem que acaba por refletir ao longo da obra sobre sua vida, sobre o seu “eu”. Nessa perspectiva, o autor Cyro dos Anjos cria um personagem chamado Belmiro Borba, o qual inicia a escrita de um livro de memórias que com o enredo da história acaba assumindo o formato de um diário. Desta maneira, no primeiro momento recorremos às definições sobre os conceitos de verdade e ficção, para que só então pudéssemos chegar à caracterização 1 Mestre em Linguagem, Identidade e Subjetividade pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Atualmente, trabalha como professora colaboradora no Departamento de Letras da Universidade Estadual do Centro-Oeste UNICENTRO Unidade Universitária de Irati - PR. E-mail: [email protected]

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AUTOBIOGRAFIA E FICÇÃO: AS CARACTERÍSTICAS DA

ESCRITA NA OBRA O AMANUENSE BELMIRO, DE CYRO DOS

ANJOS

Avanilde Polak

1

RESUMO

A análise da escrita literária sempre traz em voga reflexões sobre os limites entre ficção e

realidade, bem como, a forma como esses conceitos se entrelaçam. Partindo de referenciais

como Aristóteles (2003), Bakhtin (2005), E. Bosi (2002), entre outros. Esse trabalho tem por

objetivo identificar como ocorre a relação entre as características dos gêneros biográfico e

ficcional na obra O Amanuense Belmiro, do autor Cyro dos Anjos. Os resultados indicam que o

romance é composto por características do gênero autobiográfico, porém, o personagem se

assume como autor do texto, assim, de certa forma, anulando a presença e função do autor

empírico.

Palavras-chave: ficção, autobiografia, diário, romance, Cyro dos Anjos.

Considerações iniciais

Este trabalho tem por objetivo analisar alguns aspectos da estrutura da narrativa

da O amanuense Belmiro, do autor Cyro dos Anjos. A obra em questão pertence a

segunda geração do período modernista da Literatura Brasileira, porém, tem como

enfoque características intimistas na construção do personagem que acaba por refletir ao

longo da obra sobre sua vida, sobre o seu “eu”. Nessa perspectiva, o autor Cyro dos

Anjos cria um personagem chamado Belmiro Borba, o qual inicia a escrita de um livro

de memórias que com o enredo da história acaba assumindo o formato de um diário.

Desta maneira, no primeiro momento recorremos às definições sobre os

conceitos de verdade e ficção, para que só então pudéssemos chegar à caracterização

1 Mestre em Linguagem, Identidade e Subjetividade pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

Atualmente, trabalha como professora colaboradora no Departamento de Letras da Universidade Estadual

do Centro-Oeste – UNICENTRO – Unidade Universitária de Irati - PR. E-mail: [email protected]

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dos gêneros autobiográficos e, finalizando a pesquisa, observando como esses

elementos se relacionam na composição da obra O amanuense Belmiro.

Visitando teorias

Ao analisarmos um texto narrativo, logo são relembrados alguns princípios da

construção e apresentação de narrativas historiográficas e literárias, os quais aproximam

e distanciam esses dois gêneros. Aristóteles (2003, p. 43) afirma que: “[...] o historiador

e o poeta não se distinguem um do outro, pelo fato de o primeiro escrever em prosa e o

segundo em verso [...] Diferem entre si, porque um escreveu o que aconteceu e o outro o

que poderia ter acontecido”. Portanto, segundo o autor o poeta e o historiador não se

distinguem apenas pela forma como apresentam seus trabalhos, e sim, tendo como

principal diferença a abordagem da realidade apresentada em suas obras, pois enquanto

o primeiro utiliza fatos que ocorreram, o outro recria-os para moldar uma suposta

realidade ideal para o público alvo de seus textos.

A construção de um texto histórico enfocará uma pesquisa mais detalhada sobre

fatos verídicos e procurará apresentar a “versão” mais aceita, ou melhor, que mais se

aproximará do senso comum.

Dal Bello (1998, p. 23) ressalta que:

Os assim chamados fatos básicos, comuns a todos os historiadores,

pertencem ao que ele chama de matéria-prima do historiador e não são

a história em si mesma [...] o historiador, na maneira como este os

apresenta, num sistema seletivo de cognição, por ordem ou contexto

eles começam a falar [...] a história que lemos, ainda que embasada

em fatos, não é absolutamente fatual, mas uma série de opiniões

aceitas.

Apesar da busca pela veracidade dos fatos, o historiador “fará” de certa forma

uma versão para o assunto, pois os fatos e acontecimentos que chegam até este exigem,

de certa forma, uma seleção para a apresentação de uma sequência histórica, a qual

dependerá do contexto e da ordem que o historiador apresentará os fatos, na busca de

uma identificação com o mundo empírico2.

2 A expressão “mundo empírico” é utilizada no sentido de mundo real, ou seja, o mundo em que vivemos.

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Para Nietzsche, em sua obra Da utilidade e desvantagem da História para a vida

ressalta que

A história, na medida em que está a serviço de uma potência a-

histórica e por isso nunca, nessa subordinação, poderá e deverá tornar-

se ciência pura, como, digamos a matemática [...] a história

monumental não poderá usar daquela veracidade total: sempre

depreciará a diferença dos motivos e das ocasiões, para, à custa das

causas, monumentalizar os effectus, ou seja, apresentá-los como

modelares e dignos de imitação: de tal modo que, porque ela prescinde

o mais possível das causas, poderíamos denominá-la, com pouco

exagero, uma coletânea de “efeitos em si”, de acontecimentos que em

todos os tempos farão efeito (s/d, p. 60-61).

Desta forma, apesar da busca pela veracidade, a história não apresenta uma

única resposta, com a precisão que uma ciência exata como a matemática pode oferecer,

pois esta encontra-se em meio a um processo, por esse motivo ela busca a veracidade

através do levantamento das causas que originaram o fenômeno ocorrido e efeitos

gerados por este.

Sobre essa perspectiva Aristóteles (2003) aborda que a poesia (ficção) está mais

perto da filosofia que da história, pois a primeira projeta, “imagina” o ideal, enquanto a

segunda se apoia em fatos e testemunhos concretos, enfim, que aconteceram. Até

mesmo, como foi ressaltado acima, a função do poeta é imaginar, criar ou recriar, a

realidade existente sem a preocupação com a veracidade.

Quanto ao trabalho de representação do poeta, Aristóteles (2003, p. 45) destaca

que “[...] embora lhe aconteça apresentar fatos passados, nem por isso deixa de ser

poeta, pois nada impede que a existência de alguns dos acontecimentos ocorridos seja

verossímil ou possível, e por isso o poeta seja criador deles [...], ou seja, o poeta “pode”

até mesmo apoiar-se em alguns aspectos históricos, porém, mesmo assim, continua

sendo um poeta que apesar de apresentar alguns pontos históricos não apresenta

compromisso com a realidade verídica, e sim, com a veracidade que utilizará para expor

os “acontecimentos”.

A veracidade com que o autor deve se preocupar é a credibilidade como exprime

a realidade em sua obra, a minúcia nos detalhes é o que fará com que sua obra seja

considerada como boa ou má, pois

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[...] para considerarmos bom um romancista basta-nos que seu mundo,

embora não obedeça aos mesmos padrões e escalas que o nosso, seja

englobante de todos os elementos que reputamos necessários a uma

panorâmica compreensiva ou, [...] escolha os elementos profundos e

principais, e que a sua escala ou hierarquia de elementos profundos

nos pareça próprios de um homem maduro (WELLEK; WARREN,

1962, p. 270).

A credibilidade da forma como o autor transmite o assunto proposto e o conduz

é o que faz com que possamos acreditar, de certa forma, e nos situarmos na leitura de

uma obra ficcional, pois adentramos a uma estrutura (mundo), até então, obscura ao

nosso pensamento. E, que nos é apresentado à medida que vai se construindo o enredo,

os personagens, o espaço, ambiente, etc..

Ainda sobre a perspectiva de Wellek e Warren (1962, p. 275), podemos afirmar

que a “[...] motivação realista é um artifício artístico. Em arte, parecer é ainda mais

importante do que ser”. Ou seja, relação que podemos estabelecer com a nossa realidade

é um dos quesitos que instigam a apreciação da literatura imaginativa, ou ficcional, em

suas diversas formas.

Observando o conceito de ficção elaborado por Wellek e Warren (1962, p. 268),

podemos constatar que

[...] a literatura de imaginação é uma ficção, uma mentira. A palavra

ficção conserva ainda este velho traço platônico de acusação à

literatura [...] de produzir um engano, é ainda susceptível de irritar o

romancista sério, que bem sabe como a ficção é menos estranha e

mais representativa do que a verdade [grifo dos autores].

Existe um preconceito em torno da ficção, como sendo uma mentira, pelo fato

desta supostamente recriar a realidade como ideal, perfeita nas obras literárias, que em

certo ponto e em determinadas situações, se distanciam da suposta realidade que fazem

alusão na obra. Mas, vale salientarmos que a ficção tem o papel de recriar, adaptando

como seria uma realidade ficcional organizada, melhor formulada, ao menos para o

pensamento do autor/criador, e a possíveis leitores que possam conduzir a leitura

baseados na capacidade de criação e expressividade do romancista, sem que este se

atenha à veracidade dos acontecimentos que representa.

Um recurso muito utilizado na literatura é a narração em primeira pessoa, que

em alguns casos, até mesmo chega a transmitir a ideia de que quem está “construindo” o

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texto é o próprio personagem, ou seja, o personagem fictício assume o papel do autor

escrevendo sua própria história em forma de diário, autobiografia ou memórias.

Podemos citar como exemplos as obras O Amanuense Belmiro (de Cyro dos Anjos),

Memórias Póstumas de Brás Cubas (de Machado de Assis), Capitu memórias póstumas

(de Dominício Proença Filho), entre tantas outras obras em que o personagem se propõe

a escrever um livro, assumindo o papel de autor, assim volatizando a presença do autor

real.

Na obra O narrador Ensimesmado, Dal Farra (1978) contrapõe os conceitos de

Kayser e Booth, os quais segundo a autora, possuem opinião semelhante quando

afirmam que o romance tanto em uma obra narrada em primeira pessoa quanto em uma

obra narrada em terceira pessoa não apresentam uma diferença radical, mas diferem

suas opiniões com questão ao narrador, pois Kayser atribuiria ao narrador o conceito de

“narrador com máscara de autor” (DAL FARRA, 1978, p. 20), ou seja, o próprio autor

dentro da obra ficcional. Explicando essa teoria, Dal Farra (1978, p. 19) enfatiza que:

Como seu representante e porta-voz, o narrador se torna, então mais

que a personagem fictícia assentada como tal: ele se transforma no

verbo criador da linguagem, no espírito onisciente e onipresente que

cria e governa o mundo romanesco [...].

O narrador, ou melhor, o personagem criado para narrar a saga ou conflitos,

próprio ou de terceiros, cria e conduz os acontecimentos retratados, conhecendo e

alterando tudo naquele contexto ficcional.

A distância entre o personagem e o autor também torna-se importante na

interpretação entre os limites um do outro. Segundo Bakhtin (2003), são possíveis três

tipos de casos em que o autor perde a distância com relação ao personagem: o primeiro

quando o personagem domina o autor, que por sua vez observa tudo sob a perspectiva

do personagem; o segundo tipo é quando o autor incute seus princípios e anseios à

personagem que pode ser autobiográfica (que representa sua vida) ou não (ficcional); e

o terceiro tipo é representado por um personagem “independente” do autor e que narrará

sua própria vida.

Nos três casos destacados por Bakhtin (2003), o autor se faz presente, apenas

modificando sua distância com a personagem e enfatizando a construção textual, através

da perspectiva desta, concordando com ela (primeiro caso), ou tentando

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despercebidamente incutir seus conceitos a trajetória dela (segundo caso) ou a

observando ao longe (terceiro caso).

Trazendo à tona a reflexão sobre a relação autor-personagem-narrador não

podemos deixar de destacar o gênero autobiográfico o qual se constitui na reflexão entre

esses elementos.

O termo texto autobiográfico surgiu há pouco tempo, mas seus registros na

história aparecem desde a Antiguidade sob forma epistolar ou de confissões (até o

período literário de Santo Agostinho). Miranda (1992), tomando como base o estudo

elaborado por Michel Foucault sobre “a noção do indivíduo e da „estética da

existência‟” (MIRANDA, 1992, p. 27), afirma que, desde os registros de textos mais

antigos, enfocando a análise de uma personalidade, podemos destacar que há uma

(re)estruturação da configuração da imagem pessoal, com o intuito de enfatizar um

imagem, geralmente boa, a esperada, do personagem em questão, sob a ótica de um

público leitor previsto.

Quando nos referimos a um texto narrativo autobiográfico (seja ele uma

biografia, uma autobiografia, um diário ou memórias) logo surge a ideia de veracidade,

ou seja, de fatos reais que se distanciam da ficção (de algo ilusório), por apresentarem

uma realidade esta que retrata a vida ou acontecimentos de determinado indivíduo.

Para Bakhtin (2003), algumas “peculiaridades” são importantes e presentes

nesse estilo textual, como: o enredo (pautado em acontecimentos da vida de

determinado personagem); alteração na trajetória de vida do personagem conforme a

adequação ao enredo; o tempo biográfico “segue” a trajetória vital e acontecimentos

pertinentes à vida do personagem; as personagens secundárias existentes na obra

recebem a importância vinculada ao “biografado” em questão; e, por último, a

construção da imagem da personagem que tem seu destino criado.

Através da memória, as lembranças do passado assumem caráter fundamental

nesse estilo literário. Na obra Memória e Sociedade Lembranças dos Velhos (2004), E.

Bosi elabora um estudo comparativo das abordagens de Henri Bergson (com uma

análise mais voltada à questão filosófica sobre a presença da memória na “vida” das

pessoas) e de Maurice Halbwachs (voltando à questão da memória do indivíduo em um

aspecto social). Partindo de uma análise bergsoniana sobre a memória, E. Bosi (2004, p.

47) cita que “[...] a memória aparece como força subjetiva ao mesmo tempo profunda e

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ativa, latente e penetrante, oculta e invasora”, ou seja, a memória é algo que parte do

indivíduo, somente dele que parte a imagem do que ele foi, viveu ou presenciou. Essas

lembranças estão incutidas no próprio ser que este passa a agir, assim revivendo-as ou,

até mesmo, reprojetando conforme a sua realidade atual. Ainda que essa realidade atual

esteja impregnada de fatos originados da memória, pois existem dois tipos de memória:

a memória-hábito (aquela dos hábitos, conceitos e costumes inseridos no cotidiano e

que percebemos que fazem parte da nossa memória) e as lembranças independentes

(aquelas imagens de momentos vividos que não se repetirão mais).

Sobre a teoria da memória elaborada por Bergson, E. Bosi (2004, p. 47) explica

que “[...] a memória é essa reserva crescente a cada instante e que dispõe da totalidade

da nossa experiência adquirida”. A cada experiência nova acumulamos mais dados em

nossa memória e “reformulamos” o que já aconteceu sob uma nova visão, do ser que

somos hoje e, quanto mais subjetivas forem essas imagens, maior será o grau de

“recriação”.

[...] Quanto mais pessoal, mais livre (isto é, menos socializada, menos

presa à ação presente) for a lembrança, mais distante, rara e fugitiva

será a atualização pela consciência. [...] Essas lembranças singulares

devem, de algum modo, despersonalizar-se senão banalizar-se para se

encaixarem na percepção atual que se põe como relação imediata e

ativa do corpo com o mundo, do eu com a sociedade (BOSI, 2004, p.

51).

Quanto mais pessoal for uma lembrança maior será o grau de recriação sobre

esta, pois o “eu” que vivenciou determinado fato e, não está mais presente, cedeu lugar

a um novo “eu”, que está em outro contexto social e com novas experiências. Esse novo

“eu”, geralmente recria seu passado adaptando-o ao seu presente, tendo como base as

“formas de comportamento que já deram certo” (BOSI, 2004, p. 47), as formas que se

destacam na sociedade ou enfatizam “ângulos” positivos do ser em questão.

Tomando por respaldo os estudos de Halbwachs, E. Bosi (2004, p. 55) aborda

que “[...] a memória não é sonho, é trabalho [...]”, ou seja, na perspectiva desse autor

lembrar é reconstruir algo que aconteceu, porém, o que vai interferir nessas

reconstruções é o meio em que o sujeito está inserido e qualquer modificação ocorrida

nesse contexto atingirá diretamente o indivíduo, visto que, a lembrança se formará a

partir de recursos disponíveis na realidade atual.

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E. Bosi (2004) destaca que tanto Bergson quanto Halbwachs têm como traço

comum em seus estudos o fato de a memória ser trabalhada, ou seja, o adequamento de

lembranças conforme a realidade atual do sujeito. O que converge para a abordagem dos

estudos bakhtinianos, que afirmam “[...] qualquer memória do passado é um pouco

estetizada, a memória do futuro é sempre moral” (BAKHTIN, 2003, p. 140).

Autobiografia: tentativa de definição

Os textos autobiográficos assemelham-se em suas estruturas narrativas e

temporais. Segundo Bakhtin (2003) são apenas alguns elementos que distinguem a

autobiografia da biografia. Em um texto autobiográfico o autor-personagem-narrador

tenta transmitir, utilizando a linguagem, uma imagem do seu ser, através de

acontecimentos passados e que, ao serem narrados constroem, de certa forma, uma

imagem a qual o ser quer que seja a imagem observada de si próprio. Miranda aborda a

aproximação que Béatrice Didier estabelece entre o diário e autorretrato, ampliando esse

sentido até a autobiografia, ou seja, “[...] o caráter lapidar do autorretrato obrigaria o

retratista a empreender um resumo daquilo que seria a essência da sua vida – operação

confessional efetuada num momento em que o indivíduo sente-se muito próximo do

final (MIRANDA, 1992, p. 35).

O autobiógrafo em um processo de retrospecção ao passado, o qual resultaria no

processo de introspecção que exporia a sua essência, as principais informações e

acontecimentos de sua vida, que segundo Didier, se daria no momento que sentisse o

fim de sua existência.

A autobiografia se fundamenta, segundo conceito fundado por Lejeune e

retomado por Miranda (1992, p. 29), em uma espécie de “pacto autobiográfico”, “[...]

isto é, afirmação da identidade autor-personagem-narrador, remetendo em última

instância ao nome do autor na capa do livro”, ou seja, através desse “pacto

autobiográfico”, o autor afirma uma espécie de compromisso com possíveis leitores,

transmitindo credibilidade na unificação autor-narrador-personagem, como o mesmo ser

que transmitirá apenas a veracidade dos fatos através da empiricidade e experiência nos

acontecimentos vividos ou presenciados por este.

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Caso não haja veracidade no pacto entre autor-personagem-narrador, como

sendo e representando a mesma pessoa, o pacto não existirá, conforme as ideias

retomadas por Miranda (1992).

Apesar do gênero autobiográfico tentar expor uma suposta veracidade, Miranda

(1992) adverte sobre o risco de ficcionalização, ou seja, na autobiografia, apesar de

expor a própria vida através da narração, terá um fundo interpretativo (um ponto de

vista) subjetivo, o qual

Apesar do aval de sinceridade, o conteúdo da narração autobiográfica

pode perder-se na ficção, sem que nenhuma marca decisiva revele, de

modo absoluto, essa passagem, porquanto a qualidade original do

estilo, ao privilegiar o ato de escrever, parece favorecer mais o caráter

arbitrário da narração que a finalidade estrita à reminiscência ou o

caráter documental do narrado (MIRANDA, 1992, p. 30).

Essa interpretação de experiência vividas, pode e toca, levemente no gênero

ficcional, pois de forma arbitrária enfatiza o subjetivismo na narração e que em

determinado ponto extravasa o limite histórico/documental, ou seja, o registro dos fatos

na íntegra dos acontecimentos.

A biografia é um estilo literário em que um determinado autor tenta retratar a

vida de uma pessoa (real), através de seu ponto de vista e do conhecimento que tem

sobre esta, através da convivência, de documentos pessoais (cartas, diários, memórias,

etc.) e depoimentos orais da própria pessoa (autor-personagem) e terceiros. Passando

dessa forma a pessoa que pertence ao mundo empírico, a assumir o papel, de certa

forma, de personagem na obra. Partindo disso, destacamos Wellek e Warren (1962, p.

62), segundo os quais,

[...] os problemas do biógrafo são simplesmente os de um historiador

[...]. O tão lato corpo de trabalho que tem sido consagrado à biografia

como gênero ocupa-se de questões como estas, que de modo algum

são especificamente literárias.

A questão biográfica exige um vasto trabalho e pesquisa por parte do autor, para

que este consiga se aproximar, ao máximo, da essência e da realidade do personagem.

Na biografia os valores (conceitos sociais e pessoais) do autor com o

personagem (de quem se está narrando a trajetória) devem e são condizentes, podem

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chegar a se mesclar, ou seja, o autor projeta (constrói) a imagem e características de sua

personagem tendo como respaldo valores observados no indivíduo em questão (sob a

ótica do autor) e influência da vida do próprio autor que pode se colocar em

determinadas situações no contexto da obra, agindo por si próprio e não como o ser

analisando, criando dessa forma uma imagem idealizada do personagem.

O diário íntimo é constantemente confundido com uma autobiografia, mas vale a

pena ressaltarmos que na autobiografia existe o “pacto autobiográfico”, em que o autor-

narrador-personagem se fundem, ou seja, são a mesma pessoa que se propõe a escrever

a sua história de vida, como vimos acima, com o intuito de narrar sua vida a um leitor

que é tido em mente desde o início da obra. No diário íntimo, o papel e a função do

autor-narrador-personagem permanecem o “mesmo” da autobiografia, porém, com o

intuito de permanecer como algo secreto, ou seja, sem que se tenha como objetivo

possíveis leitores.

Além dessa diferença, quanto à questão da intenção para possíveis leitores,

Miranda (1992, p. 34) ressalta outro ponto fundamental para a distinção do diário íntimo

e a autobiografia sendo a questão temporal, pois no diário “[...] há uma possibilidade

maior de exatidão, de precisão e finalidade temporal entre o evento e o seu registro

[...]”. Assim, o diário apresenta uma diferença temporal mínima com o acontecimento,

as anotações são diárias, ou quase, enquanto a autobiografia retrata eventos que

ocorreram a um determinado tempo e, consequentemente, já sofreram o fluxo da

memória, ou seja, estão sendo relembrados na realidade que o personagem está vivendo,

e reconstruindo fatos no momento presente.

Segundo Cardoso (1994, p. 20), o diário íntimo “[...] dá menos ideia de coisa

acabada, funcionando como uma espécie de retrato das preocupações cotidianas do

autor [...]”. Essa forma de “retratar” preocupações e angústias diárias, dividem a

vivência do ser em fragmentos diários que, segundo Miranda (1992) esses casos e

contingentes da experiência diária, tornam-se os responsáveis pela fragmentação do

diário.

Memórias são relatos e/ou registros dos acontecimentos importantes que

marcaram de certa forma a vida de determinado indivíduo ou de uma sociedade. Como

salienta Cardoso (1994, p. 20-21), “[...] as memórias que, por sua vez, têm o apelo do

resíduo do que ficou apesar do tempo, da lembrança de alguém que é testemunha do

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passado [...]”. Através do testemunho do próprio autor ou de terceiro, determinado

assunto vai ser relembrado e, de certa forma, reconstruído conforme a realidade atual do

narrador.

A distinção entre memórias e autobiografia não é evidentemente definida,

Miranda (1992) enfatiza que uma das distinções seria o fato de a memória não abordar

exclusivamente a vida e/ou ações referentes apenas a uma personalidade como acontece

na autobiografia, e assim, fatos e ações presenciados por alguém e que são pertinentes a

lembrança do grupo ou, até mesmo, individual.

Miranda (1992, p. 37) ainda enfatiza que “apesar de essas distinções não serem

bastante convincentes, a autobiografia propriamente dita seria uma autorrepresentação

(o indivíduo assume papel preponderante no texto) e as memórias uma cosmo-

representação [...]”. Ou seja, a autobiografia atém-se exclusivamente a vida de um ser,

do próprio ser que está narrando sua saga, enquanto a memória buscará o todo (o

cosmo) de que o indivíduo faz parte, testemunhou e, até mesmo, participou dos

acontecimentos.

Quanto ao gênero autobiográfico, vale a pena ressaltar que os autores, quase

sempre personagens e narrador, são representados em um mesmo ser, que tenta definir

através da linguagem escrita o seu Eu complexo e de diversas faces, ou seja, tentando

organizar seus diversos pensamentos em uma estrutura construída, a qual desempenhará

o papel de sua identidade, exata segundo a pessoa que a está originando e, ao mesmo

tempo, limitada.

Essa identidade até então escondida dentro do ser e, posteriormente, definida

pela linguagem inicia seu processo através da introspecção, ou seja, partindo para uma

busca interior (um resgate dentro) do próprio ser procurando uma definição, a qual será

exposta (exteriorizada) em um estágio posterior, com uma determinada ordem para que

haja a compreensão de si próprio e do resgate do mundo.

Partindo desses pressupostos teóricos abordados, analisaremos no próximo item

a análise desses aspectos na obra O amanuense Belmiro, do autor Cyro dos Anjos.

Cyro dos Anjos: contextualização de estilo e época

Cyro Versiani dos Anjos nasceu em 1906, em Minas Gerais, publicou romances,

memórias, ensaios, entre outros gêneros literários. Mas, o que destaca a atenção para

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sua obra é o fato de que seus três romances O amanuense Belmiro, Abdias e Montanha

enfatizam a questão da memória dos personagens.

A narrativa construída por Cyro dos Anjos, em O Amanuense Belmiro, faz com

que de certa forma a sua presença (presença do autor) é volatizada na obra, pois a

narração em primeira pessoa e a estrutura do romance, acabam aproximando-o de um

texto autobiográfico, memórias e/ou diário, fazendo com que o leitor despercebido

“esqueça” que esta é uma obra ficcional, ou seja, o personagem que supostamente está

escrevendo a obra não é real, não pertence ao mundo empírico em que vivemos, como

os autores-personagens de textos autobiográficos, onde fica estabelecido um “pacto

autobiográfico”, como vimos nos pressupostos norteadores da análise.

Cardoso (1997) enfatiza que podemos observar características que aproximam

Cyro dos Anjos a Machado de Assis, entre elas, a aproximação da realidade com a

ficção, ou seja, “[...] ao invés de a ficção invadir os domínios da realidade do autor, a

realidade é que penetra em suas obras de ficção” (p. 42). Cyro dos Anjos, antes de

escrever O Amanuense Belmiro, publicou algumas obras com o heterônimo de Belmiro

Borba, fato que torna-se pertinente, pois durante a leitura temos a “impressão” de

estarmos lendo uma obra de Belmiro Borba, em estilo autobiográfico.

Machado de Assis utilizou diversas vezes estruturas autobiográficas em seus

romances entre os mais conhecidos podemos citar Memórias Póstumas de Brás Cubas,

em que o personagem Brás Cubas após sua morte resolve escrever sua biografia,

iniciando em um processo “reverso”, ou seja, iniciando pela sua morte e finalizando em

seu nascimento.

O estilo da construção narrativa apresentado em várias obras voltadas à temática

da memória, reconstrução de fatos passados e traços construídos de humor, sutileza,

cinismo e até mesmo ironia, o que segundo Cardoso (1997, p. 40) foi prejudicial a Cyro

dos Anjos, pois “[...] acabou por sufocar um pouco o que poderíamos chamar de

identidade da obra de Cyro dos Anjos, transformando-o em mais um machadiano [...]”.

Essa aproximação anula alguns méritos de Cyro dos Anjos com relação à estruturação

de suas obras, como se ele tivesse formatado-as baseado no brilhante esquema

elaborado por Machado de Assis durante o período realista no Brasil.

A Geração de 30 do período modernista não era uniforme, mas apresentava uma

tendência par ao social extremado, tendência que fez com que algumas obras intimistas

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fossem, de certa forma, marginalizadas. Apesar da contradição quanto à questão do

social extremo (linha “neo-realista”) e do eu (linha intimista), ambas as correntes

apresentam algumas características citadas por Dacanal (1982) quanto ao perfil que

seguiam grande parte das obras desse período, sendo sete características principais que

são: a verossimilhança; a linearidade do tempo no tempo da narrativa; linguagem que

enfatiza a norma culta da língua; estruturas históricas, origens agrárias na composição

histórica; crítica social e otimismo com relação à realidade social enfatizada na obra.

Em O amanuense Belmiro, podemos identificar quase todas essas características

apontadas por Dacanal (1982), tendo como exceção o otimismo com relação à estrutura

social da época, sendo que a obra em análise é introspectiva, logo não apresenta

preocupação na sociedade como um todo e sim, nas angústias do sujeito em si.

Belmiro ao longo da obra propõe a escrita de um diário, onde retrata a questão

da sua personalidade e comportamento no campo (infância e juventude) e resquícios

disso em sua vivência atual na cidade (vida adulta).

Descendente de uma família de grandes latifundiários, os Borbas e os Maias,

Belmiro ressalta em quase toda a obra características e imagens desses, com origem

agrária e perfil de grande latifundiário que possuíam prestígio e soberba com relação

aos seu subordinados e classes menos providas de bens, porém, o desenvolvimento da

urbanização junto com o da industrialização fez com que os Borba falissem

financeiramente. Com a morte dos pais, Belmiro teve que assumir os cuidados com as

irmãs: “[...] Quando Borba morreu (a velha Maia partiu bem antes) e a fazenda foi à

praça, recebi-as como herança. Emília não tinha, então, cabelo grisalho, e Francisquinha

andava pelos trinta [...]” (ANJOS, 2002, p. 26). Com a morte dos pais, Emília e

Francisquinha precisavam de amparo, pois o lar em que sempre viveram e do qual

nunca saíram foi a praça, ou seja, serviu para quitar as dívidas adquiridas pelo velho

Borba.

Nesse ponto que começam alguns “choques” de conceitos e costumes entre o

panorama agrário e o urbano da obra, pois Emília e Francisquinha foram criadas com

costumes tradicionais da fazenda e uma forma de agir, pensar e de utilizar a linguagem

de uma forma coloquial, com alguns “ditos” adquiridos até mesmo dos escravos que

viviam na fazenda antes da Abolição.

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Belmiro mesmo tendo a mesma origem de suas irmãs, passou muito tempo fora

da fazenda, já passara a analisar e aceitar as mudanças de espaço (campo/cidade). Fazia

parte de um grupo de amigos que poderíamos denominar de boêmios, que contava com

uma integrante mulher, Jandira, a qual era considerada por Emília como uma pervertida.

Para Emília, devido a seus costumes, era inconcebível que uma mulher como

Jandira saísse sozinha ou apenas com homens, para beber e conversar, além, do fato de

Jandira trabalhar fora de casa, o que para a “sociedade ainda arcaica da época” era algo

visto com maus olhos, pois a mulher era condicionada a se casar e ser uma boa dona-de-

casa.

A questão da linguagem abordada por Cyro dos Anjos, nesse contexto

(campo/cidade) é muito interessante, pois demonstra algumas expressões advindas do

campo com uma linguagem coloquial, que se apresenta paralela com a norma culta, no

romance mais utilizada no meio urbano e alguns estrangeirismos (termos expressos em

outros idiomas).

Emília representa o núcleo da obra que utiliza a linguagem coloquial

relembrando na memória de Belmiro algumas expressões utilizadas em Vila Caraíba,

como:

- A excomungada mandou um positivo trazê um escrito. Está em riba

da mesa do quarto ou ainda a fala do vaqueiro, „Seu Juca do Riachão

mandou um positivo aqui para dizê ao sinhô seu Coroné qui ele já fez

o acero‟, ou ainda, „Propre, seu Coroné?‟ (ANJOS, 2002, p. 121).

A linguagem coloquial aparece dividindo o espaço com a norma padrão, pois

entre a roda de amigos de Belmiro é esta a forma de expressão mais ressaltada, esse

núcleo é constituído por típicos representantes da “nova” sociedade. A sociedade urbana

estava emergindo junto com o intelecto desenvolvido de alguns membros que possuem

um vasto arquivo mental de leituras e estudo, chegando ao ponto de alguns membros

dominarem os outros somente pelo fato de aparentarem conhecimentos ou domínio de

outro idioma, como é o caso de Silviano que escreve seu diário ora em alemão ora em

latim, além de Prudêncio que faz questão de se expor com expressões em inglês.

Na história de Belmiro, Cyro dos Anjos retrata o perfil de um homem de meia

idade (38 anos), sem identidade definida e que anseia através da autoanálise impulsionar

a vida. A construção da narrativa em forma de texto autobiográfico transmite ao leitor

um tom de veracidade da vida e existência de Belmiro. Além, da veracidade que Cyro

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transmite na construção do personagem Belmiro, faz determinadas alusões à divisão

social da época quando Belmiro registra em seu diário o perfil de seus amigos, ficando

relacionadas as diversas “classes” sociais e de formas de pensamento que prevaleciam

na época.

[...] Redelvim, anarquista; Jandira, socialista; Silviano, um homem de

hierarquia intelectual e da torre de marfim; Glicério, com tendências

aristocráticas; Florência, tranquilo pequeno burguês, de alma simples

que não opina [...] (ANJOS, 2002, p. 182).

O tempo é impreciso na composição da narrativa, fazendo com que haja uma

linearidade apenas na composição do diário de Belmiro, que através de algumas

recordações da infância e juventude, o personagem faz planos e inicia a escrita de seu

livro de memórias que se transforma em diário, sendo o final da obra quando Belmiro

decide parar de registrar os seus acontecimentos, pois a vida dela havia parado.

Portanto, o romance foi produzido tendo como base linear o período que Belmiro

idealizou, desenvolveu e finalizou seu “diário”.

A primeira leitura ou para leigos o texto apresenta uma estrutura simples no

estilo textual autobiográfico, porém, no desenrolar da narrativa se observarmos com um

aspecto mais crítico, percebemos que Cyro dos Anjos apresenta um “leque” de

informações e lacunas para diversas possibilidades de análise.

Antônio Candido, no prefácio da obra, classifica o escritor como “um dos

maiores dentre os poucos estrategistas da literatura brasileira contemporânea (ANJOS,

2002, p. 13), destacando sua técnica, a segurança e a superestrutura sobre a qual foi

construído O amanuense Belmiro, além, das citações de clássicos como Goethe, Proust,

Bergson, Freud, entre tantos outros que aparecem na composição do romance o que

demonstra o equilíbrio e a grande experiência intelectual por parte do autor.

Em O amanuense Belmiro o personagem central da obra, Belmiro Borba, é um

homem lírico que pretende por em prática um antigo desejo de escrever suas memórias,

porém, ao ser construída a narrativa as memórias passam a assumir formato de diário.

Nos noventa e quatro períodos3 que subdividem a obra, Belmiro vaga entre o passado e

o presente, sendo que um passa a interferir no outro, ou seja, o passado é reconstruído

com imagens do presente e o presente é vivido através das “sombras” do passado,

3 A terminologia “períodos” foi selecionada para representar as partes e ou registros do diário de Belmiro

Borba.

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originando um excesso de autoanálise que faz com que o personagem se fixe em um

estado de extasia com relação a sua vida atual, o seu presente.

É pertinente que retomemos a abordagem de E. Bosi (2004) quanto à questão da

memória a qual é classificada de duas formas: a memória-hábito, que está incutida em

nosso dia-a-dia em hábitos, costumes e ações que realizamos e, muitas vezes, nem

percebemos que estamos os colocando em prática; e, a memória imagem-lembrança que

representa recordações de momentos isolados, que não têm a possibilidade de se repetir

e, de certa forma, são “recontados” pelo nosso conhecimento atual.

Belmiro em seu estado de passividade tenta buscar um sentido em sua vida

lembrando, revivendo as situações e emoções da juventude, como: a memória que

poderíamos chamar de “imagem-lembrança” da fazenda em Vila Caraíbas, Camila o

primeiro e inocente amor de infância que falecera muito jovem, as festas e aventuras da

juventude. No presente estão incutidos os costumes e hábitos de uma educação

tradicional e agrária.

Porém, é importante enfatizar que, segundo E. Bosi (2004), o passado é

reconstruído tendo como base a sua realidade atual, fato que é fundamental para a vida e

a obra (memória/diário) que Belmiro se propõe a escrever, pois daquele passado agrário

de costumes, tradições e hábitos conservadores só restaram lembranças, que são

reconstruídas a cada momento. Apesar da obra ser ficcional, Belmiro tem consciência

das mudanças ocorridas na memória, ao redigir

[...] assim como a matéria se esvai, algo se desprende da coisa, a cada

instante: é o espírito cotidiano, que lhe configura a imagem no tempo,

pois lhe foge, cada dia, para dar lugar a um novo espírito que dela

emerge. Esse espírito sutil representa a coisa, no momento preciso em

que com ela nos comunicamos. Em vão procuramos depois: só

veremos outro, que nos é estranho (ANJOS, 2002, p. 98).

À medida que a vida vai passando, Belmiro vai se transformando, sua realidade

social, familiar e intelectual ao se alterarem, modificam também o seu aspecto

psicológico, ao lembrar com saudade e melancolia do passado “mascarando-o” com a

realidade atual. O personagem-narrador tem consciência disso ao afirmar que no

regresso àquela realidade conhecida (vivida) só se encontra algo desconhecido (novo),

uma recriação.

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Belmiro afirma que é “plano antigo” registrar suas memórias, lembranças de um

passado que não retornará e através desses registros poderia “dar a luz” a uma vida

gerada em trinta e oito anos e requer autonomia: [...] sou um amanuense complicado,

meio crítico, meio lírico e a vida fecundou-me a seu modo, fazendo-me conceber

qualquer coisa que já me está mexendo no ventre e reclama autonomia no espaço. Ai de

nós, gestantes (ANJOS, 2002, p. 30).

O personagem tenta revelar uma nova forma de vida, ou melhor, definir sua

identidade através de suas memórias, ao se assumir em meio a diversas características

surgidas em sua vida, percebe-se incômodo e constata que existe algo mais dentro dele,

por sua vez, reclamando seu lugar na vida de Belmiro, como um filho gerado e prestes a

nascer.

Essa transposição das recordações, anseios, angústias para o papel fazem com

que Belmiro penetre em um estado profundo de introspecção e autoanálise, pois ao

constatar que “[...] minha vida parou, e desde muito volto para o passado, perseguindo

imagens fugitivas de um tempo que se foi. Procurando-o procurei a mim próprio”

(ANJOS, 2002, p. 32). Transmite-nos a ideia de estar na busca de uma definição de seu

eu, ou seja, ele tenta se auto-definir como quem é realmente Belmiro Borba ou tentando

se caracterizar em um novo perfil.

Belmiro em sua autoanálise, quase excessiva, faz uma espécie de contra-ponto

de opiniões, colhidas em diversos momentos, de seus amigos e de sua irmã sobre o que

ele é: por parte de Emília (sua irmã) Belmiro é um excomungado; Jandira (sua amiga)

como afirma o próprio Belmiro, o brindou com o adjetivo de analgésico, apesar de

gostar do adjetivo, Belmiro afirma: “[...] está dito: sou analgésico. É o que pensam as

mulheres, pela sua representante junto à Rua Erê” (ANJOS, 2002, p. 56); ainda é

destacada as opiniões de Redelvim e Silviano, sendo:

[...] para o primeiro, serei um céptico pequeno burguês que, não por

ação, mas por omissão, serve o sistema capitalista; para o segundo,

sou um homem fraco, que não tem senso de hierarquia e tende para o

igualitarismo dissolvente (ANJOS, 2002, p. 56-57).

Em meio a opiniões tão distintas, Belmiro chega à conclusão de que nem ao

menos se define, se conhece: “Afinal, todos exceto eu, sabem o que sou [...]. Acham

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indispensável classificar o indivíduo em determinada categoria. E se eu não for coisa

alguma, ou for tudo, ao mesmo tempo?” (ANJOS, 2002, p. 57).

Essa definição de Belmiro faz com que essa busca interior no passado interfira

em seu presente, ou seja, seu presente é moldado de acordo com o seu passado. Um

exemplo bem claro dessa intromissão das lembranças no presente, é quando em um

baile de carnaval, no período intitulado 6. Carnaval, Belmiro, embriagado, toca na mão

de uma jovem, da qual passa a criar toda uma fantasia em torno de um amor de infância,

Camila, que morreu muito jovem e da donzela Arabela dos contos de fadas. Algum

tempo depois, Belmiro descobre por intermédio de Glicério (um jovem colega de

trabalho, que nesse mesmo instante tornou-se um grande informante da vida de sua

nova amada), que Carmélia pertencia a uma família tradicional da cidade.

Belmiro, a partir desse momento, passa a projetar uma imagem para Carmélia,

através apenas de imagens vistas dela a distância e dos comentários de Glicério, também

demonstra determinado interesse pela jovem o que provoca, de certa forma, nos

pensamentos do amanuense ciúme e irritação.

Belmiro contempla Carmélia e a idealiza sempre à distância, com medo do

ridículo, como se julgava e pensava como os outros o julgariam, se soubessem dessa

“paixão” por uma mulher belíssima e muito mais jovem que ele, pois

[...] um homem não se deve entregar, assim, a uma vida inútil, de

vagabundo lírico. [...] construí uma Carmélia cerebral que me causava

devastações. A solidão fez com que eu revivesse um processo infantil

e o velho mito de Arabela perseguia-me sempre [...] a Carmélia que

amei não existe [...] não se pode ser criança aos trinta e oito anos [...]

(ANJOS, 2002, p. 78).

A autoanálise faz com que Belmiro veja em seu presente o passado, porém, a sua

consciência crítica não o deixa agir livre de seu passado, assim como não o deixa agir

como na sua juventude, pois não se vê mais apto para viver uma aventura ou um grande

amor, conforme mencionado acima, é como se sua vida tivesse parada. Mas, apesar

dessa forma de pensar e agir, Belmiro, em seu diário, se retrata em determinadas

passagens como se fosse um conquistador: “[...] Não lhes contei que é um dos meus

fracos dar certo tom picante às conversações com as moças donzelas [...]” (ANJOS,

2002, p. 84). Apesar dessa confissão contradizer totalmente com as características

explícitas durante a construção da narrativa, Belmiro argumenta que “[...] dificilmente

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isso se concilia com as minhas inclinações líricas, mas a contradição é da vida”

(ANJOS, 2002, p. 84). O personagem não consegue assumir uma identidade, a

personalidade, pois ele se contradiz em seus relatos e declarações, concluindo que a

contradição faz parte do que está vivo e, consequentemente, de tudo o que está em

processo de mudança.

O anseio pela mudança, consequente da autoanálise, o personagem Belmiro no

diário chega ao extremo de afirmar que: “Este caderno, onde alinhavo episódios,

impressões, sentimentos e vagas ideias, tornou-se a minha própria vida, tanto se acha

embebido de tudo o que de mim provém e constitui a parte mais íntima de minha

substância” (ANJOS, 2002, p. 32).

O diário tornou-se sua vida, sua vida se transformou em recordações

reconstruídas teoricamente sem ação alguma. E se torna tão “real” esse diário e a vida

de Belmiro, além do fato, que através da autoanálise o personagem constrói seu

processo introspectivo.

Em seu diário Belmiro apresenta uma preocupação quanto à dissolução do grupo

de amigos, que passam a exprimir com mais ênfase seus ideais que se contradizem,

principalmente, em questões sociais e políticas. Redelvim é um anarquista, Jandira

segue a corrente socialista, Silviano é um típico representante da hierarquia social e

intelectual, Florêncio é um burguês, enquanto Glicério representa um típico aristocrata.

Nesse grupo de opiniões tão distintas fica quase impossível evitar conflitos e a dispersão

entre seus integrantes, isso acarreta mais angústia a nosso amanuense, que como de

costume começa a analisar a situação:

[...] Noto que fui eu, com o meu desejo de sociedade, quem criou e

sempre procurou sustentar essa agitada assembleia onde atuam forças

tão antagônicas. [...] Por que hão de os homens separar-se pelas

ideias? De bom grado, eu sacrificaria minha ideia mais nobre para não

perder um amigo. Neste mundo, sou apenas um procurador de amigos

(ANJOS, 2002, p. 182).

Ao analisarmos a composição do diário de Belmiro, percebemos que este retrata

flashs de sua memória sobre acontecimentos da juventude, conta histórias de seu

presente, porém, nessas “suas histórias” seus amigos sempre estão presentes, quando

não são o foco central da narração, como nos períodos “20. Silviano e o problema

fáustico” (quando Belmiro descobre o diário de Silviano e passa a analisar seu amigo),

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“13. A confidência (quando Jandira desabafa com Belmiro a dificuldade de ser uma

mulher sem uma determinada proteção familiar na sociedade da época), entre outras

passagens.

Na evolução da história, o inevitável acontece: a dispersão do grupo de amigo.

Belmiro continua sendo rodeado apenas por Carolino (um colega de seção), o qual

passou a ser mais notado após o isolamento de Belmiro, tanto que, no último período de

seu diário Belmiro cita como seu amigo apenas o nome de Carolino.

Diante desse isolamento, Belmiro constata que “[...] a vida parou e nada há mais

por escrever” (ANJOS, 2002, p. 227), não há motivo em sua vida, muito menos

acontecimentos que proporcionem a necessidade de registro como vinha acontecendo,

através de sua convivência com o grupo de amigos. Tão profunda é essa conclusão que

Belmiro se assume como uma negação de sua família (suas origens), pois sua vida

parou enquanto que seus antecessores “[...] viviam com plenitude os velhos Borbas da

linha-tronco. Viviam a vida. [...] Não morriam aos poucos, vendo o corpo consumir-se

lentamente) (ANJOS, 2002, p. 227). A “linha tronco” dos Borbas, dava sentido para a

vida não esperavam a morte como Belmiro, que passa a esperar, com passividade como

um espectador, sem interferir no curso de seu destino.

Algumas considerações

Esse artigo teve como respaldo inicial teorias que versam sobre possíveis buscas

por definições de verdade e ficção, bem como, os reflexos desses conceitos dentro dos

textos autobiográficos almejando, mesmo que “ilusoriamente”, chegar a uma tentativa

de definição.

Como pudemos constatar todos esses conceitos e articulações de gêneros

discursivos bailam entre a tenuidade de conceitos e funções, assim, tornando possível a

identificação de características comuns entre os textos, mas nada como absoluto, ou

seja, o conceito final.

Ao aplicarmos essas abordagens na obra O amanuense Belmiro, do autor Cyro

dos Anjos, comprovamos a tenuidade desses conceitos, bem como, a forma como esses

se relacionam para originar um texto que supra as necessidades tanto do autor como do

leitor.

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Desta maneira, foi possível identificar que o texto de Belmiro (personagem-

autor) almejava a escrita de um livro de memórias e, em mero deslize, seu texto foi se

assumindo como um diário que representava pensamentos do autor diante a

acontecimentos oriundos diante da vida cotidiana de seus amigos e conviventes.

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AUTOBIOGRAPHY AND FICTION: THE CHARACTERISTICS OF

WRITING ON WORK O AMANUENSE BELMIRO, DE CYRO DOS

ANJOS

ABSTRACT

The Literary writing analysis always brings in vogue reflections on the boundaries between

fiction and reality, as well as how these concepts are intertwined. From benchmarks as Aristotle

(2003), Backthin (2005), E. Bosi (2002), among others, this paper aims to identify how the

relationship between the characteristics of the biographical and fictional genres are organized in

the work The Amanuense, of the autor Cyro dos Anjos. The results indicate that the novel is

composed of the autobiographical genre features, however, the character is assumed as author of

the text, as well, in a way, annulling the presence and function of the empirical author.

Keywords: fiction, autobiography, diary, romance, Cyro dos Anjos.

Recebido em 26/10/2015.

Aprovado em 06/12/2015.