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Maurice Joyeux

AUTOGESTÃO,GESTÃO DIRETA,

GESTÃO OPERÁRIA

Tradução

P l ín io Augus to Coê lho

IELInstituto de Estudos Libertários

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Impresso no Brasil2003

Projeto de Capa: Plínio Augusto Coêlho

Ilustração da Capa: Ébauche abstraite, Gustave Moreau

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SUMÁRIO

Nota de apresentação da edição francesa 7

PRIMEIRO TEXTO

Autogestão para quê? 11

O Homem diante do problema gestionário 21

Conselhos ou sindicatos? 31

Na fábrica 41

A greve expropriadora e gestionária 51

Conclusão 61

SEGUNDO TEXTO

Autogestão para quê? 65

Os princípios 67

Os métodos 71

Os meios 81

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NOTA DE APRESENTAÇÃO

DA EDIÇÃO FRANCESA

A publicação destes dois textos sobre a ques-tão da autogestão inscreve-se como uma contri-buição à vontade expressada pelos militantes daFederação Anarquista, reunidos em congressoextraordinário em Antony, em novembro de 1979.Vontade de reformular uma posição precisa dianteda recuperação e da deformação do tema da auto-gestão por muitos partidos e sindicatos, inclusiveo P.C.

Grupo Fresnes-AntonyFederação Anarquista

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PRIMEIRO TEXTO

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AUTOGESTÃO PARA QUÊ?

Toda capacidade de trabalho assimcomo todo instrumento de trabalho por serum capital acumulado, uma propriedadecoletiva, a desigualdade de tratamento ede fortuna, a pretexto de desigualdade decapacidade, faz com que seja injustiça eroubo!

Qu’est-ce que la proprieté

Proudhon

A autogestão está na moda! Saído de umaUniversidade em transe, o termo irrompeu no vo-cabulário social, expulsando o de gestão operáriaao qual o movimento sindicalista revolucionário doperíodo heróico tinha dado todo seu brilho. Entre-tanto, contrariamente àquele de gestão operáriaque a Carta de Amiens definiu e que declara...

“Na obra reivindicativa quotidiana, o sindica-lismo dá prosseguimento à coordenação dos esfor-ços operários, ao acréscimo do bem-estar dos tra-balhadores pela obtenção de melhorias imediatastais como a redução da jornada de trabalho, oaumento dos salários, etc. Mas esta tarefa é apenasum aspecto da obra do sindicalismo; ela prepara a

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emancipação integral que só pode se realizar pelaexpropriação capitalista; ela preconiza como meiode ação a greve geral e considera que o sindicato,hoje agrupamento de resistência, será no futuro, ogrupo de produção e de repartição, base da reorga-nização social”.

O termo autogestão permaneceu uma fórmulade contornos imprecisos. Os marxistas dissidentestentaram determinar alguns de seus aspectos refe-rindo-se às experiências iugoslavas ou argelinas,mas as articulações burocráticas que apoiaramestas experiências limitaram seu campo que, emtodo caso, inscrevia-se num esquema que manti-nha a centralização e a hierarquia sem qualquerrelação com a idéia que um anarquista faz do socia-lismo.

Livros e revistas que pretendiam esclarecer osignificado da autogestão deixaram-nos insatis-feitos. Reuniram e comentaram inúmeros textosteóricos antigos e conhecidos, o que é em si louvá-vel, mas resguardaram-se de tirar conclusõesclaras e realistas porque isto os teria levado adesaprovar teóricos “geniais” e os partidos deesquerda ou de extrema esquerda que tinham, nãodiria tentado estas experiências, mas que astinham deixado acontecer com uma má vontadeevidente, na esperança que elas soçobrassem porsi mesmas. Ao escrever isto penso, em particular,

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no governo reacionário da Argélia que certos“ingênuos” quiseram nos fazer tomar por umgoverno revolucionário.

Diante da impotência de nossos marxistas“puros e duros” em nos revelar o conteúdo exatoda palavra autogestão sem esmagá-la ou aindacamuflá-la sob as frases vazias, grandiloqüentes esofrivelmente obscuras do catecismo marxista,somos obrigados a supor que esta palavra forjadapor intelectuais não tinha, em seu espírito, outrasambições senão as contidas em sua etimologia eque, na realidade, tratava-se da gestão de umaempresa, de um serviço ou de uma administraçãopor todos aqueles que, de um modo ou de outro,participavam de seu funcionamento. Nada mais!

Talvez isso fosse suficiente para satisfazer umespírito tacanho, para quem articular a palavraequivalia à realização do fato. Mas para o operárioe, em particular, para o revolucionário que estáengajado na autogestão, questões se colocavam.Questões que jamais são abordadas, que sãoconsideradas óbvias. A falta de respostas precisasa estas questões criou uma tal confusão nosespíritos e em torno da palavra que se pôde ver oSr. Guy Molet defender a autogestão num artigo do“France-Soir” sem provocar risos ou indignação.

São estas questões que tenho a intenção deexaminar em profundidade. Isto terá talvez a

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vantagem de fazer refletir sobre uma matériacomplexa, o que é preferível a continuar apronunciar um termo que no momento nadasignifica.

Quando se lança a fórmula “gestão” operária,que parece mais apropriada que a de autogestão,os jovens intelectuais marxólogos respondem comum sorriso superior que “pouco se importam”.Vejamos! Proponham-lhes, uma vez que “pouco seimportam”, adotar a primeira destas fórmulas evocês os verão protestar como belos diabos. Devehaver uma razão para esta atitude, não?

Quando se fala de autogestão, uma primeiraquestão acode ao espírito: autogestão para quê,emproveito de quem?

A participação na gestão de uma empresa só éde interesse para um operário se ela transformasuas condições de existência. Gerir uma empresaem comum, enquanto esta conserva suasestruturas de classe consistiria para os operáriosgerir sua própria miséria, sua própria exploração.O que confere à empresa suas estruturas de classesão as diferenças de remuneração, a manutençãode uma autoridade que excede o quadro da tarefaa realizar, a repartição do lucro da empresa, adistribuição de uma mais-valia que o trabalho detodos criou, são os privilégios do enquadramento,é enfim a propriedade da empresa.

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Ora, é preciso fazer uma pergunta primordiala todos. Os intelectuais marxistas são partidáriosda abolição de todos os privilégios de classe no seioda empresa? Se é esta sua intenção, então nestaempresa só existe uma única classe diferenciadapela natureza de uma tarefa a realizar, avaliada demodo igualitário sobre todos os planos:econômico, social e moral. Não existe mais do queuma categoria de assalariados, qualquer que sejaa função realizada. Todos são operários manuaisou intelectuais, ou funcionários, como o tinhamreivindicado os grandes congressos daorganização operária antes e depois da Comuna.

Assim, gestão operária e autogestão sãosinônimos e pode-se pensar que somente a modasubstitui o primeiro termo pelo segundo.

A resposta a esta primeira questão não nos édada somente pelas condições econômicas dostrabalhadores “dos países ditos gestionários”,mas por um autêntico revolucionário marxistatocado pelo espírito libertário. Escutemos DanielGuérin:

“É assim que, ainda que atribuindo como fimúltimo a ser atingido por etapas, os esvaziamentosda concorrência, a gratuidade dos serviçospúblicos e sociais, o desaparecimento do símbolomonetário e a distribuição da pletora segundo asnecessidades de cada um, e ainda que visando a

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associação na autogestão dos agricultores eartesãos, na reorganização das cooperativas docomércio, ele (o marxismo libertário) NÃO ABOLEDE UM DIA PARA O OUTRO a concorrência, as leisdo mercado, a remuneração segundo o trabalhorealizado, a pequena propriedade camponesa,artesanal e comercial”.

Eis tudo! Guérin tem perfeitamente razão denão empregar a fórmula “gestão operária”! O quenos diz Guérin é exatamente o que nos dizem todosos outros partidos marxistas, quer tenham ou nãotomado o poder. Amanhã, a seus olhos, o Estado,com seus privilégios de classe, desaparecerá. AArgélia e a Iugoslávia, caras a Guérin, sãorealmente exemplos edificantes!

Amanhã, se permanecerem diferenciaçõeseconômicas na empresa autogerida, reconstituir-se-á uma nova classe dirigente que defenderá seusprivilégios de classe por todos os meios!

Os anarquistas pensam, ao contrário, que épreciso destruir todos os privilégios de classe semexceção, de modo que, nos momentos difíceis queseguem as transformações econômicas, o povopossa evitar as facilidades que lhe propõem ossocialistas de todos os calibres e cujo exemplo maisilustre continua sendo a N.E.P.1 , imposta por Lênine que anunciou o fim da revolução russa.

Na realidade, os autogestionários marxistas

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não estão prontos a sacrificar ao socialismo assituações econômicas suntuosas que os esperamao saírem da Universidade, e devo dizer que aexperiência chinesa, para onde se enviam estesrevolucionários engravatados para sujarem umpouco suas mãos na mina ou na fábrica, deverá serreconhecida pelo movimento operário de nossopaís. Mas garantimos que todos estes intelectuaismarxistas alucinados em defender seu empregovão escrever que somos “anarquistasempoeirados”. Cinqüenta anos de experiênciasocialista nos ensinaram que a marmita é tantomelhor quanto mais justificada estiver por um blá-blá-blá “revolucionário” que não a põe em perigo.

Os trabalhadores se perguntam com inquieta-ção o que eles podem ganhar com a gestão de suaempresa. Pesam as vantagens e as incoveniênciasque resultarão para eles e, o que os faz maisrefletir, a responsabilidade! Por conseqüência, aresponsabilidade que assumirem na empresaengajará sua própria condição econômica.

Abordamos assim o problema humano, oproblema do homem diante da responsabilidade, oproblema da passividade resultante de um certoservilismo, sobretudo quando associada às condi-ções de existência econômica e morais aceitáveis. Otrabalha, certo ou errado, vê bem mais claramenteo lucro que poderão extrair os “quadros”

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econômicos, políticos ou espirituais de tal expe-riência, do que as vantagens que ela lhes trará. Asrealizações “socialistas” pelo mundo afora inspi-ram-lhe uma desconfiança freqüentemente justi-ficada.

Mas uma outra série de questões se apresentaao mundo do trabalho. Estas questões são deordem técnica. Elas se referem ao funcionamentodessa empresa onde ele está empregado e onde suaúnica preocupação consiste, no momento, emrealizar, o menos mal possível, o trabalho parcelarque lhe é confiado e no qual deverá, caso osatisfaça, aceitar uma parte da responsabilidadeglobal.

É preciso retirar imediatamente um certonúmero de ilusões da juventude, para quem serecita a autogestão como um credo. Todo trabalhocoletivo necessita de um certo número de limita-ções. Quem determinará estas limitações? Qualserá sua duração? Como se estabelecerá a ordemdas manipulações necessárias à fabricação? Quaisserão os organismos que decidirão sobre a distri-buição do trabalho? Quais serão os homens queescolherão os operários suscetíveis de efetuá-la?Quais serão as estruturas dos organismos verti-cais que permitirão a ligação entre o escritório deestudo e a fabricação? Quais serão as ligaçõeshorizontais que, em cada nível, permitirão a har-

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monização das tarefas que permanecerão forte-mente parcelares? Qual será o mecanismo quedeterminará o preço de custo assim com o preço devenda do objeto fabricado? Como serão efetuadasas punções necessárias aos investimentos naempresa, aquelas que são consentidas aos serviçosexteriores dos quais a empresa se beneficia? Quaisserão os organismos que permitirão reabastecer aempresa de matérias-primas, que permitirão escoaros objetos fabricados? Quem determinará, eatravés de quais critérios, a fabricação da empresae sua harmonização com a economia global? Qualserá a parte consentida na empresa à liberdade daescolha da tarefa a ser realizada? Como o operáriointervirá na escala onde se tomam as decisõesglobais? Quais serão seus direitos, seus deveres?Onde se situará exatamente o limite quedeterminará a liberdade e a limitação coletivas? Eisum certo número de pontos técnicos que serápreciso definir dispensando os ensinamentos quenos deixaram os “grandes ancestrais” e aos quaisserá necessário dar respostas precisas se se querque a gestão operária deixe o domínio das doces einocentes manias para se traduzir numa realidadeconcreta.

Em todo ocaso, é preciso que a sociedadeautogerida funcione, e rapidamente. Os homens denosso século, nas sociedades como a nossa, estão

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habituados a um certo padrão de vida. Está fora depropósito imaginar que centenas de milhões deindivíduos vão, de um dia para o outro, considerara gestão operária como um credo e abandonar oque, certo ou errado, consideram como essencial.Somente uma situação revolucionária pode criareste instante de entusiasmo que permitiu oskibutzim em Israel e as coletividades de Aragão. Agestão operária é pois inseparável de uma tática ede uma estratégia revolucionária. Ela é e só podeser uma parte de um conjunto que transforma todaa atividade humana. Na realidade, é preciso quepara o maior número de pessoas a gestão operáriase torne “crível”, o que não é o caso, no momento,apesar do emprego d método Coué. É precisoresponder claro e nitidamente às questões que oshomens se põem.

1 N.E.P. — Nova Economia Planificada, instituída por Lêninapós o X Congresso do PC russo, em 1921. N. do T.

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O HOMEM DIANTE

DO PROBLEMA GESTIONÁRIO

Ninguém pode querer destruir sem terpelo menos uma idéia remota, verdadeiraou falsa, da ordem das coisas que deveriasuceder aquela que existe atualmente.

Bakunin

Autogestão, gestão direta, gestão operária?Novamente nós nos encontramos diante de umaquestão à qual será preciso responder: os homensque trabalham desejam gerir, eles próprios, osinstrumentos de produção e de troca? E se lhes dãoa escolha entre uma gestão indireta por intermédiodo Estado, e a gestão direta, com o que isto supõede responsabilidades e de obrigações de assumir osfracassos e os sucessos, escolherão esta última? Aesta questão deve-se responder de outra forma quenão seja por slogans de propaganda. Ela éendereçada não a um pequeno número demilitantes convencidos disso e que tenta sepersuadir de que todos os trabalhadores aspiramà gestão direta, mas à grande massa dos homensque, no fim de contas, estão diretamente

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envolvidos por este problema e são suscetíveis aevoluir.

Pode-se adiantar inicialmente duas sólidasrazões que podem nos convencer de que osassalariados, eu não digo que desejem, masaceitem gerir sua própria empresa. A primeira é queestão persuadidos, não da necessidade de umagestão igualitária, pois estamos longe disso, masda importância de melhor repartir os lucros, frutosde seu trabalho, o que é uma razão puramenteeconômica, material. E esta razão se revela umaconseqüência de todas as constatações econômicasdo século passado, qualquer que seja aliás anatureza do socialismo a que se está ligado. Asegunda é que sua participação ativa, global, nagestão de sua empresa lhes forneceria um alimentointelectual, um interesse apaixonante, uma razãode existir que eles são obrigados a ir buscar emoutro lugar, longe do trabalho parcelar deresponsabilidade limitada. Isto devolveria à suatarefa uma dimensão universal e transformariaseu trabalho “obrigatório por necessidadespuramente econômicas” que vive na imaginaçãopopular e do qual todos sonham se libertar, numaespécie de arte de realizar, onde os elementosmateriais e espirituais se misturariamestreitamente, como foi o caso, por exemplo, numcontexto econômico e social diferente, para os

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artesãos que, no curso da história, exerceramprofissões “nobres”, dentre as quais algumas setornaram antes e outras forneceram operários queconcebiam, eles próprios, sua tarefa.Naturalmente, não se trata de uma volta aopassado, mas a gestão direta pode dar ao operáriode fábrica este alimento espiritual que outrosconheceram antes dele na elaboração individual desua tarefa.

No primeiro caso trata-se apenas de traduzirem fatos o velho sonho utópico que, de ThomasMorus a Fourier, embalou gerações em busca danostalgia dos tempos paradisíacos prometidospelas religiões reveladas; no segundo, trata-se deconferir às tarefas que o homem é obrigado arealizar não somente um meio ético, moral,espiritual, o que foi o caso no passado, graças àsespiritualidades religiosas, mas igualmente umaestética, uma beleza própria, direi mesmo gratuita,que nos nossos dias só é apanágio das profissõesartísticas.

A rapidez da cadência da evolução econômica,científica, tecnológica e no fim das contas, social,pode tornar o homem sensível às necessidades deuma transformação radical das estruturas e, porconseqüência, às vantagens que oferece a gestãodireta de sua empresa, pois esta reconstitui natarefa quotidiana a unidade de suas necessidades

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econômicas e de suas aspirações intelectuais. Masnão nos enganemos com isto, para que a gestãodireta seja possível e saia dos palavreados para setraduzir em atos, é preciso que o homem se livre deusos e costumes consagrados há séculos, que elese desaliene econômica e sobretudo moralmente afim de que esteja apto a substituir, por novosvalores que o projetem para a frente, valoresultrapassados, criticáveis, que contribuíram parasua escravização por uma classe dirigente masque, entretanto, se colam à sua pele, visto que elesconduziram sua evolução desde o início dostempos históricos. Pode-se então fazer umapergunta muito simples: quer o homem consentiro esforço intelectual que supõe a gestão direta, queé uma ruptura total com o passado, e é capaz disso?Capaz de suportar o “vazio” que supõe a passagemda economia de mercado à economia gestionária?Tem ele os meios para isto?

No quadro da sociedade atual, respondereimuito claramente que não. As necessidades daexistência de todos os dias obrigam o homem asofrer com uma certa resignação às pressões declasse. O meio onde ele deve se adaptar, cria-lhenecessidades, hábitos, manias, e quando, porexemplo, ele tenta escapar à ação constrangedorado meio, o meio o domina. É isto que explica ofracasso, há cento e cinqüenta anos, de todos os

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empreendimentos comunitários no seio dasociedade de classes. O homem, assim como opintinho, deve quebrar a casca do ovo se quiserescapar de sua prisão original. O homem deveromper com o meio de modo a tornar a evoluçãoirreversível, deve fazer a revolução social, e ésomente sobre a ruína da sociedade de classes queele poderá elaborar uma economia de gestão e lhedar uma justificativa, construindo uma nova moralque guiará as relações que os homens sujeitos àstarefas coletivas são obrigados a ter entre eles.

Escrevi em meu livro “L’Anarchie et la SociétéModerne” frases que, em relação ao nossopensamento tradicional, roçavam a heresia. Queninguém as tenha realmente notado explica oprofundo sentimento que todos nós temos de queuma nova definição das estruturas de classe quese mantêm em seus princípios, mas que evolui emseus métodos, se impõe!

Eu dizia então que a tomada de consciênciapelos homens de sua subjugação econômica poruma classe dominante era um fator revolucionárioaté um certo nível e que, consciente do perigo coma criação da sociedade de consumo, a classecapitalista havia transposto esse nívelvoluntariamente, desmentindo magistralmente asprevisões marxistas, que certos anarquistas,esquecendo Proudhon, haviam aceitado. A partir

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de uma relativa segurança quanto às condições deexistência, é para além do econômico que é precisoprocurar os elementos que permitem o movimentode uma classe. É em outro lugar, fora do trabalho,que se faz a tomada de consciência de classe. Sãooutros elementos que entram em consideração eentre eles a justiça, a liberdade, a independência,etc. E isto é tão verdadeiro que, mesmo que osmarxistas não queiram admitir, por medo de“discordar do mestre”, eles envolvem toda suapropaganda com argumentos metafísicos, nemtodos relacionados a princípios socialistas. Algunsdentre eles foram emprestados do folclorecapitalista. Esta constatação que desmente asprevisões de Marx e, até certo ponto, a de Bakunin,decorre da atitude das massas assalariadas nassociedades de abundância. Penso que estaconstatação teórica esteja correta e que,conseqüentemente, a tomada de consciência do fatogestionário depende menos das condiçõeseconômicas que são oferecidas aos trabalhadoresdo que do papel que se lhes concede nas estruturasda sociedade e da parte que lhes são dadas nomomento da elaboração das decisões globais. E istoé tão evidente que os sindicatos avançaram, nestesúltimos tempos, reivindicações estruturais, e que aclasse capitalista acreditou ter encontrado umpaliativo a estas aspirações ao propor a co-gestão

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ou a participação nos lucros, o que tinha avantagem suplementar de ceder parcialmente agestão e dar a responsabilidade do bomandamento da empresa àqueles que, por suaestrutura econômica, ela continuava a explorar.

Entretanto, somos obrigados a constatar quea grande maioria dos trabalhadoreseconomicamente explorados só vê, como aprovaçãode seu trabalho, o salário que recebe. Eles esperamaumentar este salário, quer por uma melhoria noquadro do sistema e graças às evoluções técnicasou científicas, quer por uma promoção gradual,seguindo os níveis hierárquicos que, em fim decarreira, conduzam-nos ao cimo da escala previstapara sua qualificação.

Estas pessoas, quaisquer que sejam as frasesrevolucionárias que pronunciam, inscrevem-se nosistema de classes, reforçam-no ao lhe conferiruma base popular. Eles são encorajados nesta via,aliás, por suas direções sindicais, para as quais oprojeto não é mais a abolição das classes, mas asubstituição da classe dirigente atual.

A gestão operária, já disse mais acima, nãoconsiste somente em permitir ao homem exercersuas faculdades em tudo que lhe concerne, masigualmente assumir as responsabilidades defracassos eventuais que todo empreendimentosupõe. Isto necessita de uma tomada de

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consciência de seu verdadeiro lugar na sociedade.No quadro traçado pela sociedade de abundância,isto exige um conhecimento certo dos fenômenoseconômicos e sociais a cada nível das manipulaçõesmúltiplas que a produção impõe. Curiosamente,por um acontecimento imprevisto, uma das teoriasde Marx parece se revelar justa, por razões que o“mestre” não havia notado. Não que a evolução dasociedade capitalista no sentido de uma maiortecnicidade, ou de salários mais confortáveis, nãoreforce a consciência da classe trabalhadora, comoo demonstra a situação nos Estados Unidos e naUnião Soviética, mas paradoxalmente porque umacerta “tranqüilidade” no domínio de seu orçamentoparticular facilita para aqueles que têm o gosto dareflexão dos problemas de nosso tempo, o quefacilita também a constituição de um grupo dehomens que dispersos através das classes, podemse juntar para constituir o núcleo indispensável, odetonador de uma perspectiva gestionária.

A gestão direta só interessa aos trabalhadoresna medida em que ela suprime as classes nointerior da empresa. A igualdade dos salários e alimitação da autoridade à tarefa particular quecada um tem a realizar são os únicos obstáculos àreconstituição, sob uma forma diversificada, dosistema de classes na empresa, célula de base daexploração econômica de classe... A gestão direta

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das empresas não precede, segue a derrubadarevolucionária da sociedade de classes. Acredibilidade da proposta gestionária passa pelaproposta prática de organização da empresa emseu funcionamento interior e em suas relações como exterior. A autogestão ou gestão direta, supõeque a propriedade da empresa não esteja nas mãosdo Estado ou de qualquer grupo, mas,temporariamente, nas mãos daqueles que nelatrabalham e que deve passar automaticamentepara as mãos dos substitutos.

Todos aqueles que nos falam de autogestãoafastando estas condições, que são a garantia dosassalariados de trabalharem verdadeiramentepara eles próprios, são estúpidos ou farsantes.

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CONSELHOS OU SINDICATOS?

Contrariamente ao que pensam algunsdos seus adversários, o movimento sindicalnão deve desaparecer com o capitalismo.Pelo contrário, deve sobreviver a este últimoe sucedê-lo no terreno econômico.

“Le Monde Nouveau”Pierre Besnard

A organização da produção pelostrabalhadores fundamenta-se na livrecooperação; nem senhores nem servos...Cabe aos operários instaurar o dispositivosocial destinado a realizar estes princípios.

“Pannekoek et le

s conseils ouvriers”

Marx não definiu as estruturas de seusprojetos de socialismo centralizado, e aquelas deque Proudhon havia dotado o socialismo libertárioeram imprecisas. Foi com o uso, quer dizer, quandochegou o momento, para os trabalhadores, deaplicar as teorias socialistas elaboradas no séculopassado que nasceram as estruturas possíveis deum socialismo de característica gestionária. Osresultados não foram sempre concludentes, e de

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qualquer modo, até agora, foram as interpretaçõesde Lênin mais ou menos corrigidas pelas necessi-dades locais que predominaram, com uma únicaexceção feita às coletividades na Catalunha du-rante a guerra civil espanhola e as de Israel.

Hoje, o problema se coloca de novo, graças, emparticular, ao impulso gestionário que a revolta dosestudantes infundiu ao movimento operário. Quemdeve “deter o poder” na empresa? — interrogam-se os marxistas dissidentes e não somente eles.Quem deve coordenar o trabalho da fábrica libe-rada da exploração capitalista? — repetem oscoletivistas anarquistas. Os conselhos operários,proclamam uns; as organizações sindicais, respon-dem os outros! A fronteira passa por uma certezateórica nitidamente definida, e mede-se às vezes naexperiência adquirida por cinqüenta anos de “re-volução socialista”. E esta é a questão de nossotempo para os operários que mediram o fracassoda gestão centralizada pelo Estado.

O problema dos conselhos operários não énovo, ainda que ele tenha sido mantido fora daortodoxia marxista pelos dirigentes dos partidosrevolucionários marxistas que seguiam a Lênin eque queriam conservar para seu aparelho o privi-légio de gerir a economia do Estado. Rosa Luxem-burgo, em sua controvérsia com Lênin, esclareceuas vantagens da gestão operária pelos conselhos e

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é mais ou menos tudo que resta da obra damilitante. Mas é Pannekoek que é tido hoje como omais sólido teórico da gestão conselhista; e é pre-ciso reconhecer que sua obra é interessante. Oconselho supõe que os trabalhadores esclarecidossobre sua condição na empresa pela vanguarda,leia-se, o partido do proletariado, tomem em suasmãos, coletivamente, a gestão de sua empresa. É agestão por intermédio dos conselhos operários.

Deve-se convir que esta proposta gestionáriaune-se, por sua “totalidade”, a todos os sonhos,não somente os de teóricos considerados como utó-picos, mas igualmente os de um povo constante-mente em confronto com a casta, as classes, as hie-rarquias autoritárias. Pode simplesmente surpre-ender que sejam marxistas, ainda que dissidentes,mas fiéis ao mestre, seus mais ferrenhos defenso-res. De qualquer modo, reservando o papel da van-guarda e de seu partido, este é o objetivo supremoque se dão todos os socialistas coerentes. E a provamais indiscutível é que à aurora de toda revolução,esta reivindicação de estruturas mobiliza em tornodela todas as energias revolucionárias tomadas deidealismo. Mas todas as revoluções eclodem numtempo e num meio dados e nosso meio é um meioeconômico complexo, cujos problemas, do ponto devista burguês ou revolucionário, estão ligados e seajustam seguindo um esquema irreversível que

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condiciona a produção: quer dizer, a continuaçãoda vida durante a após a revolução.

Ora, é preciso convir que estes organismos,sejam eles “sovietes” ou “conselhos” ou qualqueroutro nome que tenham, fracassaram até agora.Mesmo quando, num primeiro tempo, eles conse-guiram se coordenar em escala política e social, oque não foi o caso nem na Rússia nem na Hungriae parcialmente na Espanha, esta coordenaçãorevestiu apenas um aspecto político e social decaráter geográfico desde a fábrica, a comuna e oEstado, mas eles não puderam, “por não seremfeitos para isto”, coordenar as atividades múltiplasde profissões às vezes contraditórias, na empresaou na profissão, no lugar onde justamente osucesso é o prelúdio indispensável à implantaçãodefinitiva do socialismo. Este fracasso ao nível daprodução e da distribuição foi para Lênin e paraoutros o argumento massivo em favor da plani-ficação estatal, com seu cortejo de leis e decretos“operários”, em nome do interesse de todos e danação socialista em particular. Foi do fracasso dosconselhos ou sovietes que nasceu a N.E.P.

Desde seu nascimento, o movimento operário,que reivindicava seu lugar fora ou ao lado dasideologias políticas revolucionárias, sentiu o limitedeste socialismo que sacrificava as realidades aosprincípios, e desde a Primeira Internacional ele

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compreendeu que a economia, objeto de opressão,para se tornar objeto de liberação devia escapar àsgeneralidades humanitárias, socialistas ou gestio-nárias para se identificar aos mecanismos de fabri-cação ou de troca. Foi o Congresso de Basiléia de1869, foi Fernand Pelloutier, foi Pierre Besnard queelaboraram esta teoria da qual a Carta de Amiensfoi o símbolo e que consiste em proclamar que ossindicatos, hoje instrumentos de defesa dos traba-lhadores no quadro do regime capitalista, serão,num regime socialista, instrumentos de gestão. Epara defender as reivindicações dos trabalhadoresno quadro de uma economia de classes, assim compara gerir uma economia socialista, os sindicatosconstruíram para si uma estrutura que abrange esegue de perto todas as manipulações às quais osregimes de fabricação ou de troca, qualquer queseja a ideologia que os conduz, deverão recorrerpara fornecer aos homens os objetos de que elesnecessitam.

Observou-se com razão, em particular RosaLuxemburgo e Pannekoek, que o sindicalismo quereunia os trabalhadores, não sobre uma ideologiaprecisa mas por interesses mutantes, segundo olugar que eles ocupavam na produção, não deixa-ria de se integrar aos sistemas que, conservandoas classes, lhes cederia um lugar na divisão dolucro. É verdade e é a fraqueza incontestável do

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movimento sindical que reúne em seu seio as cor-rentes mais diversas, unidas simplesmente porseus interesses momentâneos. Os militantes sindi-calistas tinham compreendido esta fraqueza etentaram remediá-la pela criação de um sindica-lismo revolucionário e gestionário, que Lênin eTrotsky não hesitaram em qualificar de “partidosindicalista”, pelo fato dele ambicionar reunir emsi mesmo a organização geográfica global dos con-selhos ou sovietes e a articulação federalista dasprofissões e das trocas.

Hoje, quando se quer escapar do dogmatismoteórico de uns e outros, elaborado sobre estruturaseconômicas diferentes das nossas, quando nin-guém se contenta com a pirueta dos intelectuaisque gargarejam com a dialética, teoria do antago-nismo e da superação, enquanto que, como diziaBakunin, pode-se perguntar qual superação podebrotar do antagonismo do policial que espanca omanifestante, é preciso, inicialmente e qualquerque seja nossa convicção, nos ligarmos às inconve-niências dos conselhos e dos sindicatos gestio-nários.

É verdade que, aos olhos dos revolucionários,os sindicatos são desconsiderados. Os sindicatos,ou melhor, o pessoal sindical reflete a apatia dasmassas, essas famosas massas que os marxistas,pelo bem de suas causas, enfeitam com todas as

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virtudes! Mas todos sabem que um movimentorevolucionário terá como resultado a mudança dopessoal sindical ou pelo menos de suas perspec-tivas. De qualquer modo e qualquer que seja seuconteúdo, o sindicato permanece um meio de orga-nização, com suas estruturas verticais e horizon-tais atadas estreitamente à economia do país. Pode-se concluir, inicialmente, que a organização sindicalé o elo mais natural e mais prático de coordenaçãopara os trabalhadores que desejam gerir asempresas. O sindicato possui outra virtude: é a deexistir, encontrar-se presente, junto às realidadesconcretas. E bem ou mal ele é conhecido dos traba-lhadores, ele é concreto para todos, inclusive paraaqueles que lhe assinalam limitações.

Os conselhos são espontâneos, são regozijo.Eles exprimem o que está profundamente inscritoem letras de ouro, no coração e na alma dos povos.No tumulto do combate eles fazem unanimidade.Mas, nascidos da cólera e da esperança, morrem nomomento em que a dificuldade e a dúvida se apo-deram dos homens. E a dúvida nasce diante dacomplexidade da tarefa a ser realizada. Os conse-lhos são engendrados por uma situação, um meio.Eles são um clarão que as necessidades de organi-zação desagregam. E é no momento da desagrega-ção que soa a hora da ditadura de esquerda ou dedireita. Só a organização sindical pode então ocupar

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o espaço, mudar o rumo, transformar a exaltaçãorevolucionária num trabalho gestionário coorde-nado.

Qual o partido radical que não desaprovariauma solução indevida, um “poder” bicéfalo naempresa entre conselhos e sindicatos? Não nosdeixemos levar por nossos sentimentos. De qual-quer maneira, a coordenação na empresa exigeestruturas verticais e horizontais, e ainda que osconselhos as criem, elas terão o caráter dos sin-dicatos; eles serão sindicatos sem ser assim cha-mados, sem ter sua autoridade, sem possuir estaespécie de verniz necessário aos trabalhos concre-tos. Naturalmente, o problema que faz recuar ossindicatos é o da contestação em todo regime, aindaque socialista, e ele é primordial, pois garante ocaráter libertário do socialismo. Mas ele não éinsolúvel. Na empresa autogerida, a contestaçãopode tomar um caráter global, referir-se à fabri-cação geral, ao regulamento geral, à inserção daprodução da fábrica na produção geral. Ela derivade uma decisão do conjunto do pessoal, dandocompetência ao conselho. Se a contestação dizrespeito à profissão, se ela concerne unicamente aum elemento fragmentário da produção, é o sindi-cato que, através de suas secções, acompanha deperto a empresa, que está habilitado a resolvê-la.Em todo o caso, é sobretudo com o uso e com os

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métodos, alguns dentre os quais ainda são impre-visíveis, que é conveniente resolver os problemasque, assim como todos os problemas técnicos, en-contraram suas soluções em tempos passados,qualquer que tivesse sido a ideologia que coman-dava a economia.

O conselho é um elemento revolucionário. Eleanima a transformação revolucionária, ele mantémsua chama. O sindicato organiza a produção. Trata-se, naturalmente, de um esquema geral, e voltareia falar destes problemas práticos da gestão diretaà luz do que não se deve fazer, e penso em particu-lar no que é feito na Argélia ou na Iugoslávia.

De qualquer modo, é preciso evitar dar a estaou àquela forma de organização de uma empresadiretamente gerida pelo seu pessoal, uma formadefinitiva. É preciso perder a ilusão de que, numsoberbo vôo, todos os homens se aproximarão daorganização de sua empresa. Os conselhos man-terão por um instante o clima febril, mas é o rea-lismo organizacional e prático dos sindicatos queimpedirá que a revolução socialista afogue-se numaparelho do Estado.

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NA FÁBRICA

Qualquer sociedade que rompa com apropriedade privada será forçada, segundonosso ponto de vista, a organizar-se emcomunismo anarquista.

A Conquista do Pão

Piotr Kropotkin

No fim das contas, é na fábrica que se resol-verá o problema da gestão operária ou da autoges-tão. Foi contra esta rocha, a organização da fábrica,que se chocaram todas as tentativas de socialismoautogestionário. A Espanha revolucionária de1937 é uma exceção, mas o estado de guerra revo-lucionário mantinha entre os trabalhadores umalto nível de responsabilidade. Para que a gestãodireta possa demonstrar sua viabilidade, é precisoconstruí-la não para um instante excepcional, maspara funcionar numa situação normal. Isto supõea renúncia ao folclore e ao blá-blá-blá “revolucio-nário”. É a partir da fábrica solidamente organi-zada que se podem ordenar os elementos de coor-denação em escala local, regional, nacional, e atémesmo internacional.

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Esses homens que vão gerir sua fábrica nãoserão subitamente tocados pela graça nem trans-formados pela varinha de condão da fada revolu-cionária em homens de elevada consciência, talcomo sonhava Jean-Jacques Rosseau. Eles serãohomens à imagem daqueles que nós conhecemoshoje, com suas qualidades e seus defeitos, suagrandeza e baixeza, sentimentos freqüentementecontraditórios de seus interesses particulares. Nãodevemos jamais esquecer isto se não quisermospassar, aos olhos do público, por loucos, e sobre-tudo se não quisermos, como as outras escolas so-cialistas, ser empurrados à coerção, sob pretexto demanter o socialismo e a liberdade.

Nossa única chance é a faculdade de adapta-ção do homem que, a história pode provar, cada vezque ele julga necessário construir um meio dife-rente, descobre instintivamente os novos elos queunem os homens entre si a partir das necessidadesque este meio impõe. A revolução é uma criaçãoemocional, uma exaltação no sentido do belo, donobre, do justo. A construção socialista é um qua-dro onde o interesse particular é o mais bem prote-gido no seio de uma comunidade que representa ointeresse geral. A construção socialista que propo-mos deve ser “crível”. Ela não é provocação, masrazão lógica. Ela deve decorrer normalmente dasituação econômica, social e política do momento.

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É preciso que a proposta rejeite o sistema que sequer substituir e o isole no irrealismo, no desuso,no anacronismo, no ultrapassado. Foram Prou-dhon e Elisée Reclus que nos ensinaram que aanarquia era a ordem, uma ordem diferente. E oque condicionará o sucesso da gestão da fábrica éjustamente a ordem lógica que nela reinará.

O papel da empresa consiste em fabricar obje-tos, qualquer que seja o sistema econômico e socialaplicado; que esta seja uma empresa capitalista,socialista ou de Estado, três elementos constituemsuas estruturas fundamentais, o esqueleto emtorno do qual tudo se ajusta. O primeiro desteselementos, de caráter geral, assegura a coesão dasmúltiplas manipulações necessárias à produção. Osegundo, de caráter vertical, transmite a todos osníveis as decisões do primeiro; o terceiro, de cará-ter horizontal, assegura a coesão entre as diferen-tes manipulações a cada nível.

O conselho operário, o conselho sindical, ouum conselho de gestão, eleito como bem se enten-de, segundo a opinião que se tem sobre a estruturadesejável da empresa, toma as decisões globais,decide quais objetos devem ser fabricados, estabe-lece com a ajuda do escritório de estudo seu preço einsere neste preço o salário ou qualquer outra for-ma de retribuição dos trabalhadores, o preço decusto, os investimentos necessários ao funciona-

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mento da empresa, a parte consagrada aos gastoscomuns a todas as empresas para o funciona-mento da infra-estrutura da sociedade autogerida.Para Pierre Besnard, é o conselho sindical, emana-ção de todas as secções sindicais, que representeeste papel. Para os esquerdistas, é ao conselhooperário, cujas estruturas são mal definidas, quecabe o trabalho de organização indispensável.Observemos que, no fim das contas, todos estessovietes ou conselhos forneceram, por sua incoe-rência, todas as razões desejáveis aos Estadossoviético, cubano, argelino, iugoslavo ou outros,para colocá-los sob tutela e construí-los por orga-nismos de Estado.

Quando o conselho sindical ou o conselhooperário gere a empresa, ele preenche a grossomodo o papel do conselho de administração. Aúnica diferença sensível reside na maneira mais doque no fato. O conselho da empresa é eleito dire-tamente pelos trabalhadores ou nomeado pelasorganizações sindicais. Ele é composto por pessoastrabalhando exclusivamente na empresa. É esco-lhido não entre uma categoria privilegiada, os qua-dros, mas entre todas as profissões e todas ascategorias que são necessárias à empresa. Seusmembros podem ser, quer revogáveis a qualquerinstante, o que na minha opinião não é desejávelfora de alguns casos bem precisos, quer eleitos por

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um tempo relativamente curto, um ano por exem-plo, ou renováveis por ramo profissional, de modoa não deixar a empresa nas mãos de um conselhocompletamente inexperiente. Todo elemento quevem do exterior para ajudar o conselho com seusconhecimentos, só pode ter voz consultiva.

Evidentemente, este esquema está reduzido àsua maior simplicidade; cada empresa deve conser-var a possibilidade de pôr nas mãos do conselhotodos os problemas que são gerais na medida emque não passem para o domínio das manipulaçõesnecessárias à fabricação. Se insisti sobre o quehavia de comum entre o conselho gestionário e umconselho de administração clássico, foi para de-monstrar ao leitor que na medida em que um fun-ciona, o outro pode fazê-lo igualmente. É certo queo espírito de um conselho operário difere comple-tamente, mas, em termos práticos, o mecanismonas estruturas é o mesmo. Não é mais difícilescolher um operário para participar do conselhodo que escolher um administrador numa assem-bléia geral de acionistas da fábrica. Eu direi mesmoque isto me parece mais fácil, pois interesses me-nores estão em jogo. Fazer funcionar um conselhooperário escolhido entre as diferentes categoriasde assalariados da fábrica não é mais difícil do quefazer funcionar um conselho de administraçãoconstituído por pessoas que não pertencem à em-

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presa e representam interesses antagônicos bemmais importantes que os que podem eventual-mente separar as diferentes categorias de traba-lhadores da empresa. Enfim, se um conselho deadministração tem interesse em gerir o melhorpossível seu capital engajado, os trabalhadorestêm o mesmo interesse no bom funcionamento daempresa da qual eles assumem simultaneamente afabricação e o equilíbrio financeiro e da qual elesdependem, pois seu futuro não diz mais respeito aseu patrão, mas à sua sabedoria em gerir seus ne-gócios. Não existe até agora nenhuma grande difi-culdade para aplicar esta estrutura de coordenaçãoda empresa, e seu sucesso não depende de umacomplicação na aplicação, mas na qualidade e nosentimento de responsabilidade dos homens quecompõem a empresa.

Estas decisões do conselho devem ser trans-mitidas a todos os níveis de fabricação. Isto ocorrepela organização sindical através de suas secções,o que tem a vantagem de controlar a operação acada estágio e de limitar a autoridade disciplinar, dequestão de salário ou de condições sociais que seexercem e se regulam de outra forma e em outrolugar, o que permite, senão abolir a autoridade,pelo menos fragmentá-la e contê-la estritamentena tarefa a realizar. Para aqueles que consideram osindicato como o organismo a destruir, por razões

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que nem sempre são puras, e que freqüentementedizem respeito à seriedade de que necessita otrabalho sindical, será preciso construir este ele-mento vertical de ligação entre o conselho e a base;e este organismo, que não será o sindicato, assu-mirá suas funções sem possuir sua eficácia.

Enfim, a cada nível será preciso coordenar afabricação por intermédio da organização sindicalhorizontal ou, como expliquei mais acima, por umorganismo do mesmo gênero, que coordenará asdiversas manipulações de que o trabalho coletivonecessita.

Lá ainda se percebe que este enquadramentodo trabalho a ser realizado por uma estrutura ges-tionária não oferece complicações mais evidentesque o enquadramento atual e que, mais do que aarticulação, é o espírito que preside ao seu estabe-lecimento que apresentará problemas não técnicos,mas sim problemas criados por homens formadospelo meio capitalista.

Naturalmente, uma empresa autogerida de-verá escolher entre os trabalhadores as múltiplascomissões que resolverão os problemas internosda fábrica, assim como seus problemas de relaçõesexternas, que dizem respeito ao abastecimento dematérias-primas, às vendas, se venda houver, àstrocas necessárias à fabricação de objetos. Mas láainda, além do fato do mecanismo estar animado

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por um outro espírito, e que a cada nível as deci-sões são tomadas pelos próprios trabalhadores oupor seus representantes no quadro do conselhooperário ou do conselho sindical, o mecanismo étão simples ou tão complicado quanto o mecanismoatual da sociedade, e isto depende tanto das neces-sidades das manipulações quanto do próprio sis-tema econômico.

Um certo número de pessoas crê que a gestãodireta resultará numa simplificação dos elos de es-truturas da empresa. Talvez para as empresas deconsiderável volume, mas para a empresa médiado país, eu não acredito, na medida em que o modode produção é o mesmo, que se façam reformasconsideráveis nesse sentido. Aqueles que acredi-tam nisto nada mais fazem que demagogia. Algunspostos suprimidos aqui e ali terão valor de exem-plo, mas não diminuirão sensivelmente o volumede gastos de gestão. O que quer que se pretenda,numa empresa capitalista convenientemente ge-rida, exceto na direção, por razões mais “políticas”que “econômicas”, há poucos postos inúteis, e émais pelo tratamento hierárquico dos salários quepesa no orçamento da empresa, do que pelo postoem si mesmo, se ele fosse remunerado na mesmaescala de todos os outros postos.

Poderia ser de outra forma se, nas empresasautogeridas, se alterasse a natureza da fabricação,

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mas advirto o leitor contra as soluções já prontas.Os homens estão condicionados por seu tempo;eles desejam os objetos fabricados ainda que suautilização seja discutível. A desalienação do ho-mem condicionado pela publicidade será longa, esuprimir brutalmente, sob pretextos moralizantes,os objetos julgados inúteis pelos revolucionários e,entretanto, reclamados pela massa, traria um pro-blema insolúvel. A revolução, gestionária ou não,herdará uma situação econômica ou uma reparti-ção geográfica das empresas que terá que assumir.Tomando um exemplo extremo, peço aos homenssérios observarem que não se poderá eliminar asindústrias nefastas num piscar de olhos e que asreconversões das indústrias e dos homens sãodifíceis e lentas. Até mesmo o sistema capitalista,que não se embaraça com princípios humanitários,viu posicionarem-se contra si os sindicatos com aparada da produção, em particular na marinhamilitar, e foi obrigado a recuar.

A gestão operária ou a autogestão é desejávelsob certas condições que tentei definir. Ainda épreciso, para fazer dela o sistema econômico daorganização socialista, poder instaurá-la. E este“momento” apresenta-se para a humanidade já fazcento e cinqüenta anos. A humanidade ainda nãopôde responder a esta questão, ou melhor, todas asrespostas foram dadas e resultaram em fracassos.

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Para concluir, tentarei propor, por minha vez, umasolução que corresponda ao meio e ao homem denosso tempo que desse meio saiu.

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A GREVE EXPROPRIADORA

E GESTIONÁRIA

A primeira fase da coletivização come-çou quando os trabalhadores tomaram emsuas mãos a gestão das empresas. Em cadaoficina, fábrica, escritório, armazém devenda, foram nomeados delegados sindi-cais para se ocupar da direção.

Collectivisations em Espagne

Augustin Souchy

Como vimos, a gestão direta, a autogestão oua gestão operária não era um fim em si, mas ummeio de emancipação, e que somente a igualdadeeconômica, suprimindo as classes no seio da em-presa, justificaria o controle pelos trabalhadoresdos meios de produção e de troca.

Vimos também que a autogestão, tal como éproposta, é uma palavra vazia que, sob uma fra-seologia apropriada, mantém na empresa diferen-ciações econômicas entre os “gestionários”. Trata-se de uma recuperação em proveito de um clã polí-tico que se dissimula sob a máscara do socialismo,às vezes da anarquia, para expropriar em seu pro-

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veito as vantagens que gozam as classes proprie-tárias atuais.

Sabemos igualmente que é em nome do inte-resse geral dos trabalhadores que estas operaçõesse realizaram no curso da história e que todas elasfizeram nascer novas classes. Para justificar estafelonia, os republicanos, os socialistas, os revolu-cionários de todas as tendências serviram-se deuma fórmula mágica: “o período intermediário”. Ede período intermediário em período intermediárioos homens mudaram de senhores, mas continua-ram a servir. “Nunca ocorreu uma verdadeira revo-lução”, dizia Camus. Ele tinha razão. Somente aigualdade econômica, tendo sido suprimidas asclasses, marcará uma ruptura na organização deum mundo surpreendentemente estático em seufundamento, se bem que extremamente evolutivoem sua forma. Foi exatamente o que compreen-deram e nos disseram os trabalhadores que, em1869, na Basiléia, em 1906, em Amiens, na Espa-nha, em 1936, não se contentaram de agir na su-perfície. Não foi por acaso que sua fórmula: a ges-tão operária, transformou-se sob a ação dos inte-lectuais marxólogos numa outra mais cômoda, aautogestão, que reúne hoje muita gente.

E para quem se mantém um pouco à distância,basta acompanhar os turbilhões que se produzi-ram nos países “autogestionários” que, como a

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Iugoslávia e a Argélia, conservaram as diferencia-ções de classe no seio das empresas, para compre-ender que autogestão pode se tornar um filão deouro para os espertinhos que nela encontrarão seulucro, assim como a burguesia em 1789 encontrousuas vantagens na liberdade política.

Para que se entenda melhor o que foi dito,basta ler no programa que nos propõe o partido so-cialista o parágrafo reservado à autogestão, paraficarmos edificados. Trata-se simplesmente defazer algumas experiências no quadro de um re-gime capitalista, apenas limitado por algumas na-cionalizações-chave. Pensar que o sistema se dei-xará devorar como alcachofra, folha por folha,mostra muito bem o limite de nossos esquerdistasautogestionários. A revolução gestionária seráglobal, o que significa dizer que as indústrias, osserviços e as trocas poderão se articular entre elesou não haverá gestão direta, real, efetiva. No má-ximo, como em Israel ou na Argélia, poderá existirou ser tolerado pela classe dirigente um pequenosetor gestionário, para uso de propaganda, gan-grenado em seu interior de modo a desaparecer tãologo queira o regime. E ainda este setor experimen-tal será limitado à agricultura ou a setores margi-nais, como foi a experiência Barbu.

A gestão da indústria pelos trabalhadoresdeve ser total e tocar, em prioridade, as forças eco-

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nômicas essenciais. Ela é o fruto da destruição com-pleta das estruturas econômicas do regime capita-lista e de seu elo de coordenação: o Estado. É a re-volução anunciada há dois mil anos e finalmenterealizada, graças ao meio moderno de expropriaçãoe de gestão: A GREVE GESTIONÁRIA!

Conhecemos hoje dois elementos essenciaisque devem conduzir nossa estratégia revolucio-nária.

O primeiro nos foi revelado pelos eventos demaio de 1968. É a fragilidade de um sistema de en-grenagens múltiplas, e que só reage perfeitamentequando sua coordenação é assegurada pelo Estado.Em maio de 1968, bastou que um setor marginalentrasse em transe para que o Estado se desestabi-lizasse; somente as divisões políticas e sindicaisderam-lhe tempo para se recuperar. Ele foi ajudadonisso pelos erros e crimes que os “revolucionáriosoficiais” carregam há cinqüenta anos com a umfardo. É verdade que o povo acreditava na possibi-lidade de uma revolução de esquerda, mas ele atemia. Hoje, o povo não mais teme uma revoluçãosocialista libertária, mas já não acredita mais nela.Para que o ovo caminhe, é preciso que ele acrediteno objetivo e que não o tema. E a organização dotrabalho da fábrica pelos operários, e somente poreles, com a ajuda da organização sindical que elefreqüenta diariamente, o povo não a teme e sob cer-

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tas condições pode até mesmo acreditar nela. Digoo povo, pois o antisindicalismo sistemático é obrade pequenas capelas políticas e não da massa dostrabalhadores.

O segundo elemento que deve conduzir nossareflexão é a rápida extensão de uma greve quandoela sai do quadro profissional e quando eclode foradas palavras de ordem políticas, na situação dedesorganização que acabo de descrever, e que elaacentua quando sua reivindicação essencial tomaum caráter universal e toca as estruturas econô-micas do sistema. Não foram as palavras de ordemdas direções sindicais que desencadearam as gre-ves de 1936 ou de 1968. Num caso como no outro,a greve partiu de uma fábrica de importância médiaonde existia um forte núcleo sindicalista revolu-cionário. Num primeiro instante esta greve esten-deu-se rapidamente, sem o apoio e, às vezes, con-tra a vontade dos dirigentes sindicais que, assimcomo o Estado, se encontraram desamparados.Neste estágio, não são mais os trabalhadores sin-dicalizados, mas todos os trabalhadores da empre-sa que se encontram em movimento. No primeiroperíodo, antes da recuperação pelos aparelhos sin-dicais, o povo acredita na ação proposta pela greve;é somente quando as coisas se eternizam que osdirigentes retomam o controle do movimento, queo povo começa a duvidar e que os acordos entre o

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governo e os aparelhos se tornam possíveis. Esteperíodo onde tudo é possível dura pouco; duassemanas em 1936 e 1968, ou ainda durante a greveRenault do mesmo tipo, ocorrida em 1947 e quedescrevi em meu livro “la Révolte de la jeunesse”.É durante este período em que o Estado e as orga-nizações sindicais e políticas estão desamparadasque a ação decisiva é possível. É o instante em que,de greve reivindicativa ou de recusa, a greve devese tornar exproporiadora e em seguida gestionária.É o instante em que as fábricas devem voltar a fun-cionar sem sua direção e sob o controle das organi-zações sindicais, dos comitês de empresa, dosconselhos operários; pouco importa a maneira. É oinstante da chance revolucionária.

Imaginemos por um instante que uma destasempresas em greve decida fazer funcionar a fábricasem a sua direção, por sua própria conta. Ocorren-do o fenômeno do desânimo, do contágio, é a de-sorganização que se apodera de todo aparelho deprodução. Nos primeiros momentos, é o sentimentode sair do comum, de escapar dos fracassos prece-dentes que levariam os homens às ocupações ges-tionárias de nossa empresa. Assistiríamos, é certo,ao mesmo processo que marcou os movimentos de1936 e 1968. O Estado, os partidos sentindo umasituação que se lhes escapasse, recorreriam alter-nadamente à ameaça, ao interesse geral. Pode-se

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pensar que, encurralado entre a repressão, as sú-plicas, e sobretudo as vantagens materiais que nãodeixariam de propor conjuntamente o Estado, ocapital e os sindicatos, o movimento gestionário —assim como a greve geral com ocupação — fracas-saria. É possível, não é certo. Tudo depende dasituação da economia do país, do processo de desa-gregação da máquina do Estado. Quaisquer quesejam as forças de coerção, qualquer que seja oapoio que a parte reacionária da população tragaao poder, qualquer que seja o duplo jogo dos par-tidos e dos sindicatos, é praticamente impossívelrestabelecer a ordem nas fábricas tocadas por ummovimento gestionário da importância dos movi-mentos de 1936 ou de 1968.

É certo que, quaisquer que sejam os resultadospráticos de um movimento geral de greve gestio-nária, que de modo empírico se ampliaria para umaquinzena, através de todo o país, esse movimentodeixaria profundas marcas de um novo meio deluta nascido da iniciativa popular. Este meio de lutatransformaria radicalmente as relações entre ocapital, o Estado e o movimento operário.

Já existiram greves gestionárias na história domovimento operário? Pode-se responder simulta-neamente sim e não.

A greve freqüentemente foi um complementoà ação revolucionária empreendida por partidos.

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Mas quando a greve precede a ação revolucionária,ela permanece uma greve estática. Interrompe-se aprodução, mas os partidos em oposição são tam-bém privados desta produção. Quando a greveocorre durante a ação revolucionária, certas profis-sões — e penso nos transportes — continuam aagir em favor dos revolucionários, enquanto emtodo lugar tudo está parado, num tipo de greve ges-tionária. Foi o que se produziu na Rússia em 1917,onde o poderoso sindicato dos ferroviários impediua chegada de reforços. Mas foi sobretudo após arevolução triunfante que fábricas voltaram a fun-cionar seguindo uma estrutura gestionária, e foitambém o que aconteceu na Espanha em 1936. Emtodo o caso, é a organização revolucionária quedesempenha o primeiro papel; é ela que determina,através dos aderentes que ela possui na organiza-ção sindical, o papel que vão representar os traba-lhadores. A greve gestionária tal como a concebo,é outra coisa.

É no momento em que as lutas políticas, quese desencadeiam em todo o país, resultam na de-sorganização do Estado, que os trabalhadores dasfábricas pensam em se aproveitar da ocasião paraexpor suas reivindicações. Foi o que aconteceu em1968. A greve gestionária, aproveitando-se damesma situação, avança não mais as reivindica-ções salariais, mas os problemas da direção e da

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propriedade da fábrica. Neste momento, o mo-vimento operário não se encontra mais a reboquedos partidos de esquerda e de seus programas, mascoloca-se adiante do fato consumado e lhes impõeuma organização econômica. O único exemplo quese teve de um movimento deste gênero foi aqueleocorrido na Itália em 1920 e que fracassou. Pode-sepensar, em todo o caso, que um país que acaba devencer uma guerra não é um terreno favorável,não direi a uma greve gestionária, mas a um mo-vimento revolucionário de qualquer tipo.

É certo que a autogestão proposta pelos ami-gos de Mitterrand ou de Rocard é sem consistêncianenhuma. Uma simples cláusula de estilo que co-lore um programa, nada mais. O esquerdismo estáempedernido em suas histórias de comunidadesque há cento e cinqüenta anos dominam a pequenahistória do movimento operário sem qualquer outroresultado além de tentativas efêmeras. Não seconstrói o socialismo num ambiente capitalista. OPartido Comunista se agarra às nacionalizações,quer dizer, ao capitalismo de Estado. A única chanceque resta à gestão operária é a de nascer da con-juntura em conseqüência de uma pressão operáriade base.

A chance da gestão direta é a greve gestioná-ria. O processo de desenvolvimento da greve ges-tionária será aquele que nasceu em 1936 da greve

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com a ocupação de fábricas. Não, não convence-remos todos os trabalhadores deste país das van-tagens da gestão direta ou da greve gestionária.Basta convencer um número suficiente para que agreve geral de amanhã, que se iniciará como decostume, fora dos sindicatos e dos partidos, sejaum prolongamento da ocupação das empresas quedesembocará na gestão operária.

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CONCLUSÃO

Certos espíritos sombrios acharão, erronea-mente, este texto sucinto. De qualquer modo, suabrevidade foi desejada pelo autor.

O que ocorreu com aquelas sábias obras emque o teórico não deixava nenhum detalhe aoacaso nos deve incitar à prudência. Sabemos hojeque as transformações econômicas, políticas esociais ocorrem em altos e baixos e que não são,como se pretendeu dizer, fruto de uma evoluçãoinelutável. Deixemos aos espíritos “religiosos” aosquais Santo Agostinho e Karl Marx inculcaram a féem um dogma, estas teorias “animistas” despreza-das pela ciência. As relações do homem com seumeio estão submetidas a curvas de temperaturaque transpõem os problemas e necessitam de so-lução apropriadas, e é tanto melhor para o espíritohumano que, sem isto, perderia seu caráter criadorpara se confinar na compilação teórica.

Quando ele reflete sobre a gestão operária oua autogestão, o que deve ser definido com clarezao que ele rejeita é o objetivo ao qual se propõe.Entre estes dois pólos de sua reflexão, algumas

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idéias-força inspiradas pela conjuntura e que va-riam com ela, determinarão suas escolhas.

Defendemos a gestão da economia pelos traba-lhadores porque recusamos o sistema capitalista eseu agente de coordenação, o Estado. Desejamosestabelecer a igualdade econômica, complementoindispensável da igualdade política, sem a qual sóhá liberdade para aqueles que podem comprá-la. Aautogestão, a gestão operária, a gestão direta, qual-quer que seja seu nome, parece ser a estruturaapropriada para produzir os objetos necessários àexistência, alienando o mínimo de liberdade. A gre-ve gestionária parece-nos, no estado de comple-xidade da economia moderna, o meio mais eficazpara arrancar das classes dirigentes e de seu man-datário, o Estado, os instrumentos da produção eda troca.

É a partir destas realidades de nosso tempoque continuamos nossa obra de libertação social,que serão continuadas pelas gerações futuras,adaptando-as às condições econômicas de seutempo.

E é justamente este pragmatismo que dá à anar-quia sua originalidade e que lhe confere um carátercientífico, pois, assim como a ciência, a anarquia éadaptação constante da proposta teórica a partirdos fenômenos econômicos e sociais que modificamo homem e são modificados por eles.

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SEGUNDO TEXTOSEGUNDO TEXTOSEGUNDO TEXTOSEGUNDO TEXTOSEGUNDO TEXTO

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AUTOGESTÃO PARA QUÊ?

Pedimos desculpas pelas passagens que possam com-portar repetições de análises com o primeiro texto. O artigoque segue, tendo sido muito procurado por numerososcompanheiros pela posição organizacional que ele expri-me, levou-nos a julgar interessante reproduzi-lo.

Fala-se muito de autogestão hoje em dia. Estapalavra, assim como outras emprestadas do voca-bulário socialista de caráter econômico, brotou darevolta dos estudantes em junho de 1968 e está aum passo de fazer a fortuna de alguns escroquesda política. Termo preciso, raramente empregadoanteriormente, e que singulariza uma proposta ca-racterizada e claramente definida; tornou-se umafórmula vazia que recobre todas as adaptações ima-gináveis e não assusta a mais ninguém.

Dizer que se é pela autogestão não significa maisnada se ao mesmo tempo não se responde sem equí-vocos a três perguntas: Autogestão para quê? Auto-gestão em proveito de quem? Autogestão como?, oque na linguagem de “papai” consistia, quando sedefinia a economia socialista, em evocar os prin-cípios, determinar métodos, propor meios.

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OS PRINCÍPIOS

Os princípios da economia socialista, tal comoos concebemos, nós anarquistas, são claros. Elessupõem a abolição de um sistema econômico combase no lucro, na mais-valia e na acumulação docapital; supõem a coletivização dos meios de pro-dução e de troca, a supressão das diferenciações declasse, a anulação da centralização estatal — agentede coordenação e coerção do sistema capitalista —,a limitação a autoridade pelos acordos feitos livre-mente entre os participantes, na elaboração de umaeconomia socialista.

Se é isto a autogestão que nos propõem, so-mos a seu favor, ainda que se deva utilizar um ter-mo menos equívoco, o de gestão operária, nutridoteoricamente pelos grandes congressos da históriado nosso movimento operário, desde o da Interna-cional ocorrido em Basiléia, em 1869, até o deAmiens, em 1906, que resumiu num documentoconciso e sólido, os meios de luta e as aspiraçõesgestionárias dos trabalhadores. Mas enfim, esteja-mos na onda, digamos autogestão.

A autogestão supõe a gestão da empresa peloconjunto do pessoal que nela trabalha. Mas a auto-

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gestão só interessa aos trabalhadores desta em-presa se ela modifica radicalmente suas condiçõesde existência, as relações estabelecidas entre asdiferentes categorias do pessoal: operários, operá-rios qualificados, empregados, técnicos e entretodo o pessoal e a direção. Gerir em comum umaempresa, enquanto esta conserva suas estruturasde classe, consistiria, para o pessoal, gerir sua pró-pria alienação.

O que confere à empresa suas estruturas declasse são as diferenças de remuneração; a manu-tenção de uma autoridade que excede o quadro datarefa a ser realizada; a repartição do lucro sacadoda produção; a apropriação, pelo patrão, da mais-valia, fruto do trabalho coletivo; os privilégios dosescalões mais elevados; os investimentos retiradosnão do lucro do proprietário da empresa, que final-mente ele capitaliza, mas sim do orçamento da pro-dução, o que provoca a diminuição da parte destinaaos salários; a propriedade dos instrumentos deprodução. Numa palavra, a autogestão, para nósanarquistas, supõe a supressão de todos os privi-légios no seio da empresa e a igualdade sobre to-dos os planos: econômico, social, moral. A autoges-tão supõe a abolição da propriedade privada ou deEstado dos instrumentos de produção, e sua trans-ferência aos trabalhadores que têm a “posse” des-tes instrumentos, que eles transmitem quando

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deixam a empresa aos que lhes sucedem. A auto-gestão supõe a repartição do lucro da produçãoentre: os trabalhadores da empresa; as coletivida-des encarregadas da infra-estrutura indispensávela uma economia global e uma caixa de compensa-ção, destinada a assegurar o equilíbrio entre os ra-mos industriais; a agricultura; os serviços entre aspróprias empresas.

Os trabalhadores que participam da autoges-tão assumem não somente a administração coleti-va de sua empresa mas igualmente a responsabili-dade do sucesso ou fracasso do esforço comum. Aautogestão exige de todos não somente um esforçofísico mas também uma participação intelectual.

E nesse sentido ela se junta à proposição deProudhon de associar na ação o trabalho manual eintelectual, o que os sindicalistas da época traduzi-ram numa fórmula lapidar “o governo da oficina”.A autogestão assim compreendida, dá uma dimen-são global à tarefa a ser realizada, uma universali-dade que exige do trabalhador o emprego de todasas suas faculdades, um interesse apaixonante que,hoje, os trabalhadores, enojados pelo trabalho me-cânico e parcelado, são obrigados a buscar fora dele.

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OS MÉTODOS

Os princípios são invariantes no sentido emque são eles que determinam o objetivo, e quemudá-los equivaleria a mudar o projeto, ainda quese conserve a mesma fraseologia para mascarar aoperação. Todavia, os métodos são determinadospela análise do meio e, por conseqüência, estão su-jeitos a readaptações constantes que a conjunturaimpõe. Eles suscitam confrontos que, quando per-manecem no domínio das idéias, são indispensá-veis ao movimento operário.

Existem hoje duas propostas de organizaçãointerna de uma empresa autogerida. Uma tem porbase os “conselhos”, a outra os “sindicatos”. O obje-tivo de uma ou de outra proposta pode ser tradu-zido por uma série de questões que se podem resu-mir em duas. “Quem deve possuir ‘o poder’ na em-presa?” Interrogam-se os marxistas opositores enão somente eles. “Quem deve coordenar o traba-lho na empresa?” Perguntam os anarco-sindicalis-tas. Os conselhos operários, dirão uns, as organi-zações sindicais, responderão os outros, ainda quea fronteira que separa estas duas correntes de pen-samento não passe forçosamente por justificações

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teóricas nitidamente distintas, mas se meça nasexperiências de 50 anos de gestão “socialista”.

O problema dos conselhos operários não énovo. Ele foi mesmo rejeitado pela ortodoxia mar-xista por aqueles que, após Kautsky e Lenin, opta-ram pela democracia parlamentar e pelo centralis-mo democrático. Rosa Luxemburgo tocará no pro-blema na sua controvérsia com Lenin, mas foi Pan-nekoek o mais sólido teórico da estão da empresapelos conselhos operários.

O conselho operário supõe que os trabalhado-res esclarecidos pela vanguarda — leia-se “pelopartido do proletariado” — sobre a alienação naempresa, assumam a gestão, e que eles a exerçampor intermédio de um conselho eleito por todos erevogável a qualquer momento.

Colocando à parte “o papel dirigente do partidodo proletariado”, deve-se convir que esta propostagestionária junta-se por sua “totalidade” às pro-postas de todos os socialistas considerados, não sesabe exatamente por que, como “utópicos”, assimcomo às aspirações dos trabalhadores em conflitocom as castas, as classes, as hierarquias econômi-cas ou de autoridade. E a prova indiscutível destesentimento é que à aurora de todas as revoluções,esta proposta “conselhista” mobiliza ao seu redortoda a energia revolucionária dos homens toma-dos de idealismo. Mas as revoluções devem tomar

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em consideração o meio econômico, e o nosso é ummeio complexo no qual todos os problemas, foramesmo do sistema, quer seja ele burguês ou ope-rário, estão ligados e se ajustam de acordo com umesquema irreversível que condiciona a produção,quer dizer, a continuidade da vida durante e depoisdo período revolucionário.

Ora, deve-se convir que os conselhos fracassa-ram até agora. Mesmo quando, por um determinadotempo, eles conseguiram coordenar-se ao nível po-lítico — o que não foi o caso nem na Rússia, nem naHungria, parcialmente na Espanha — esta coorde-nação assumiu somente um aspecto político entrea fábrica, a comuna e o Estado. Estes conselhosfracassaram “porque não foram feitos para isto”,coordenar as atividades múltiplas na empresa, naprofissão, no lugar onde justamente o sucesso é oprelúdio indispensável à implantação do socialis-mo. E este fracasso ao nível da produção e da dis-tribuição será para Lenin e para outros, o argu-mento massivo em favor da planificação e do cen-tralismo de Estado, com seu cortejo de leis operá-rias, em nome do interesse de todos e da nação so-cialista em particular. Foi a partir do fracasso dosconselhos operários em organizar a produção nointerior da empresa e em coordenar as trocas, quenasceu a N.E.P., que anunciou o fim da economiarussa com base nos conselhos ou “sovietes”.

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Desde sua origem, o movimento operário rei-vindicou seu lugar fora das ideologias políticas. Foio Congresso de Basiléia, em 1869, foi Fernand Pel-loutier, que elaboraram uma teoria da qual a Cartade Amiens permanece o símbolo, e que consiste emproclamar que os sindicatos, hoje instrumentos deluta dos trabalhadores no quadro do regime, serãoamanhã os instrumentos da gestão operária. FoiPierre Besnard que, em “Le Monde Nouveau”, esta-beleceu um projeto de gestão operária que deu suasletras de nobreza ao anarco-sindicalismo. E deve-se convir que as estruturas sindicais foram cons-truídas de tal modo que elas ligam estreitamentetodas as articulações da produção e da troca e queé a partir das seções sindicais, a cada nível, que osoperários podem seguir todo o movimento da pro-dução e estabelecer as relações que deverão nor-malmente existir entre os empregados da empresa,assim como as possibilidades globais de remune-ração.

Hoje, colocados diante do problema da auto-gestão, devemos obrigatoriamente escapar ao dog-matismo e, qualquer que seja nossa convicção ín-tima, examinar seriamente as vantagens e incon-veniências dos Conselhos e dos Sindicatos.

É verdade que aos olhos de numerosos mili-tantes revolucionários, os sindicatos são desconsi-derados. Os sindicatos, digamos, o pessoal buro-

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crata dos sindicatos, refletem o amolecimento dasmassas, seu aburguesamento, seus temores dianteda aventura revolucionária. Os homens no interiordo sindicato valem o que valem fora dele, e os pro-blemas humanos que se manifestarão na autoges-tão não serão diferentes nesse domínio, daquelesque existem em relação à organização sindical.

Mas qualquer que seja seu conteúdo atual, aorganização, de junção, de controle extraordinário.Suas estruturas verticais e horizontais ligam es-treitamente toda a economia do país, ela é o elomais natural de coordenação para os trabalhado-res que desejam gerir sua empresa.

Os conselhos são espontâneos. São regozijo.Eles expressam o que está profundamente inscritoem letras de ouro no coração e na alma do povo.No tumulto do combate eles fazem unanimidade.Mas nascidos da cólera e da esperança, eles mor-rem no momento em que a dificuldade e a dúvidase apoderam dos homens. E a dúvida nasce dianteda complexidade da tarefa a ser realizada. Os conse-lhos são engendrados por uma situação, um meio.Eles são um clarão que as dificuldades de organi-zação desagregam. E é no momento da desagrega-ção que soa a hora da ditadura de esquerda ou dedireita. Só a organização sindical pode então ocu-par o espaço, mudar o rumo, transformar a exalta-ção revolucionária num trabalho gestionário coorde-

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nado. As burocracias de esquerda ou de direitasabem disso muito bem pois sua preocupação pri-mordial consiste, sob o pretexto do interesse geral,em tornar impotente a organização sindical, re-duzi-la à escravidão. A experiência deve abrir nos-sos olhos. O marxismo, seja o de Lenin, Guesde,Trotsky, só tem um desejo, transformar a organiza-ção sindical numa engrenagem do Estado, encarre-gada de fazer aplicar nos meios operários as deci-sões políticas determinadas pelos partidos.

Conselhos, sindicatos, pode-se discutir a esco-lha, mas não nos deixamos levar por considera-ções simplesmente teóricas. Em todo o caso, a coor-denação numa empresa autogerida exige estrutu-ras verticais e horizontais, e se os Conselhos ascriam, elas terão um caráter sindical, elas serãosindicatos sem que sejam assim chamadas, sem tersua autoridade, sem possuir esta espécie de vernizque o tempo confere aos trabalhos concretos.

Paradoxalmente, é nos meios sindicalistasrevolucionários que se encontra o máximo de res-trições ao aspecto gestionário que o anarco-sin-dicalismo conferiu ao sindicalismo. Pode-se com-preender essa desconfiança pois todas as tentati-vas de socialismo no mundo traduziram-se pelasubordinação do sindicato à política. Mas esse so-cialismo com base no centralismo democrático,entenda-se, democracia parlamentar, era assim

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constituído. Ora, a autogestão, para nós anarquis-tas, é outra coisa. O temor dos sindicalistas em veros interesses do pessoal da empresa “esquecidos”,se os sindicatos participam da gestão, não é negli-genciável. Mas no caso contrário, pode-se temerigualmente ver os Conselhos se livrarem de umapressão contínua sobre a organização sindical paraligá-la a uma gestão, de cuja elaboração ela nãoparticipasse. Deve-se constatar que até hoje a ló-gica das coisas conduziu todos os partidos da van-guarda a reduzir ao papel de uma simples correiade transmissão os sindicatos mantidos fora da ges-tão. E não é somente Lenin ou Trotsky que têm seustextos sobre o julgamento do sindicalismo bem co-nhecidos. Leiam Pannekoek, Rosa Luxemburgo ealguns outros, não alguns trechos mas as obrasmesmo, e conhecerão suas opiniões sobre o sindi-calismo e sobre o papel ínfimo que eles lhe desti-nam. Suas opiniões não diferem em nada das opi-niões de todos os outros marxistas.

Para concluir este problema que o desenrolardos acontecimentos e a experiência se encarrega-rão de definir em última instância, pode-se dizerque o conselho é um elemento revolucionário. Eleanima a revolução, mantém viva sua chama; o sin-dicato por sua vez organiza a produção e a distri-buição. Em todo o caso, é a partir de um equilíbrioentre estas duas propostas gestionárias que pode

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nascer a harmonização indispensável à saúde eco-nômica da empresa.

Enfim, é na fábrica que se resolverá o proble-ma da autogestão. É lá e em nenhum outro lugarque será julgada a experiência. Para que a autoges-tão seja testada, seja crível, deve-se construí-la nãopara um instante excepcional onde a exaltaçãorevolucionária torna tudo momentaneamente pos-sível, mas para que ela funcione em tempos nor-mais, quando a febre desaparece, o que supõe arenúncia ao folclore e ao blá-blá-blá “revolucioná-rio”. É a partir da fábrica, sólida e duravelmenteorganizada que se pode ordenar os elementos decoordenação a uma escala local, regional, nacionale mesmo internacional.

Qualquer que seja o caráter “político” da em-presa, três elementos constituirão sua estruturafundamental. O primeiro, de caráter geral, deter-mina a produção e o funcionamento geral da em-presa; o segundo, de caráter vertical, transmite atodos os níveis as decisões do primeiro; e o terceiro,de caráter horizontal, assegura a coesão entre asdiferentes operações a cada nível.

O conselho operário, o conselho sindical, ou oconselho de gestão, eleito da maneira que se quiser,segundo a opinião que se tem sobre a estrutura quese deseja dar à empresa, toma decisões globais, de-cide sobre a produção, estabelece, com a ajuda do

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grupo de estudos, os elementos técnicos e o orça-mento. As decisões do Conselho devem ser trans-mitidas a todos os níveis da produção. Elas sãotransmitidas pela organização sindical através desuas seções, o que tem a vantagem de controlar aoperação a cada estágio e de limitar a autoridade àestrita operação técnica. Para aqueles que queremmanter a organização sindical fora da gestão, faz-se necessário construir este elemento vertical deligação. Finalmente, deve-se coordenar em cadanível a produção, seja pelo organismo sindical, sejapor um outro organismo do mesmo tipo.

Conselhos, sindicatos? Tomando em conside-ração o caráter de nossa economia, penso que umaação gestionária no país revestiria formas diferen-tes que resultariam logicamente da importância daempresa, do caráter da produção, da geografia po-lítica ou da geografia pura e simples, dos usos ecostumes, da formação, seja técnica ou política dosanimadores, e é neste instante que a tentação cen-tralista, seja sob sua forma democrática (leis donúmero), seja sob a forma centralista (leis de elite,do partido de vanguarda) se tornará de novo amea-çadora. A centralização é a máquina formadora denovas classes que, por sua vez, gerarão privilégiosque não serão forçosamente econômicos. Para evi-tar essa barreira contra a qual vieram se chocartodas as experiências socialistas da história, deve-

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se recorrer a um federalismo que associe diversi-dades de organização das empresas autogeridas apartir de dois pólos que formam o princípio iniciale que são a autogestão da empresa e a colocação àdisposição da comunidade de sua produção.

Para nós, anarquistas, a gestão operária ou aautogestão, como se prefira, é desejável sob certascondições que tentei definir. Ainda é preciso, parafazer da autogestão o sistema econômico da orga-nização socialista, instaurá-la. Ora, até hoje todosos meios empregados para instaurar o socialismoterminaram em fracassos, devido a seu conteúdo,carregado de germes de desigualdade de classes.

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OS MEIOS

A barricada, o exército revolucionário, a guer-rilha, a cédula de voto, tais foram os métodos em-pregados até agora para expulsar o capitalismo einstaurar o socialismo. Disseram algumas vezesque os fracassos colecionados pelo socialismo nospaíses onde ele havida sido instaurado vinhamjustamente dos meios empregados durante o pe-ríodo revolucionário, que tinham pesado conside-ravelmente e tinham alterado sua pureza. É ver-dade no caso da vinda ao poder de um partido revo-lucionário por intermédio do sistema parlamentare eleitoral, que apodrece tudo aquilo que toca, oupelo exército revolucionário, cujas estruturas, pelaforça das coisas, acabam se tornando hierarquiza-das e autoritárias. Entretanto, é em outra parteque se deve procurar a impotência de todos os re-gimes ditos socialistas em construir uma economiacom base na autogestão.

O obstáculo a todas as tentativas de socialis-mo foi o PERÍODO INTERMEDIÁRIO. Concebido comouma pausa para permitir à revolução respirar, orga-nizar-se, aos homens adaptarem-se ao novo siste-ma, o período intermediário, imobilizando a situa-

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ção revolucionária, onde se avizinhavam a tese e aantítese, não provocou um deslocamento em dire-ção à revolução, ao contrário, favoreceu a reconsti-tuição de uma nova classe “buro-tecnocrata” deci-dida a defender, por sua vez, seus privilégios declasse, que não eram forçosamente os mesmos daclasse capitalista desaparecida. E mesmo quando,depois de um tempo de pausa — um período inter-mediário — um país como a Iugoslávia, por exem-plo, tentou timidamente recolocar a economia emfuncionamento no sentido da autogestão, o pesoda máquina administrativa do Estado e o peso dosinteresses particulares foi tal que os resultados obti-dos foram irrisórios e contribuíram para lançar odescrédito sobre a gestão operária.

A República de 1789 morreu por não ter apli-cado a constituição de 93; o comunismo russo porter aplicado a N.E.P. Em nenhum dos países que sedizem socialistas há um avanço em direção à desar-ticulação do Estado. Ao contrário, caminha-se paraa constituição de uma nova classe dirigente que,por suas estruturas dogmáticas, toma um caráteraristocrático pelas facilidades que a instruçãopública concede aos filhos dos dirigentes. Em todosos lugares o período intermediário marcou o fim dosocialismo. Construído como uma seqüência dialé-tica inevitável, ele se chocou com o homem saído deum meio que lhe havia conferido hábitos, necessi-

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dades, ambições, que puderam prosseguir e mesmose desenvolver num clima equívoco, o do períodointermediário, onde se avizinha uma tentativa tí-mida de socialismo e a persistência de diferencia-ções de classes.

Nós, anarquistas, pensamos que todos os pri-vilégios de classe, sem exceção, devem ser obriga-toriamente destruídos, para que, nos momentos di-fíceis que acompanham a luta revolucionária, sejapossível se opor às facilidades que propõem os po-líticos de todos os calibres. É preciso fazer com quea situação econômica criada pela revolução, torne-seIRREVERSÍVEL, e nesse sentido Bakunin tinha per-feitamente razão ao dizer que o pessoal da empre-sa, somente por ele e com a ajuda da seção sindicalcom a qual está em contato em todos os momentos,não temeria esta situação e sob certas condiçõesele poderia até mesmo acreditar nela. Digamos, opessoal, pois o anti-sindicalismo é obra de peque-nas capelas, que geralmente se degeneram, e nãoobra dos trabalhadores que conhecem bem as qua-lidades e os defeitos da organização sindical e queseriam capazes de apostar mais facilmente na efi-cácia das estruturas gestionárias dos sindicatos,visto que elas são uma realidade, do que nas quali-dades dos dirigentes que não escapam às contradi-ções humanas e que se encontrarão aliás entre opessoal autogestionário.

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O segundo elemento que deve conduzir nossareflexão, é a extensão rápida de uma greve quandoela sai do quadro puramente local, quando eclodeindependente das palavras de ordem oficiais, numasituação de desorganização como a que acabo dedescrever e que acentua ainda a reivindicaçãoquando toca as estruturas do sistema. Não foram aspalavras de ordem das centrais sindicais e de suasdireções que deram origem às greves gerais com aocupação de fábricas de 1936 ou de 1968. Num casocomo no outro, a greve começou numa empresa deimportância medíocre, onde existia um núcleo sin-dicalista revolucionário. No início, a greve se esten-deu rapidamente, sem o apoio e, às vezes, contra avontade dos dirigentes sindicais que, como ospolíticos e os homens de Estado, encontraram-sedesamparados. Neste estágio, não são somente osmilitantes, mas todos os trabalhadores da empresaque estão em movimento. Durante este período eantes da recuperação pelos aparelhos sindicais, ostrabalhadores acreditam no sucesso da greve. É so-mente quando o movimento se eterniza que os diri-gentes conseguem recuperá-lo. É quando, então, ostrabalhadores começam a duvidar dos resultados,quando as negociações entre o governo e os apare-lhos tornam-se possíveis.

A destruição era um ato positivo, criador. Deperíodo intermediário em período intermediário, os

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homens trocaram de senhores mas continuaram aservi-los. Foi exatamente o que compreenderam osmilitantes espanhóis da C.N.T. À medida em queeles penetravam na região de Aragão, destruíamtodos os privilégios e instauravam o socialismolibertário, igualitário, gestionário.

A autogestão, a gestão da indústria pelo pes-soal deve ser total e tocar prioritariamente as for-ças econômicas essenciais do país. Ela é o fruto dadestruição completa do sistema econômico de clas-ses, sob todas as suas formas — capitalismo libe-ral ou estatal —, de suas estruturas de coordenaçãocentralizadas pelo Estado. A luta revolucionária dedestruição do sistema e a construção autogestio-nária devem ser simultâneas. Existe um único meiode, ao mesmo tempo, destruir o sistema capitalistae construir a autogestão, é a GREVE GESTIONÁRIA.

Hoje, conhecemos dois elementos que devemnos permitir guiar nossa estratégia revolucionária.

O primeiro, que nos foi revelado em maio de1968, é a extrema fragilidade do sistema capitalistamoderno, de engrenagens múltiplas que só reagemperfeitamente quando sua coordenação é assegu-rada pelo Estado. Em maio, bastou que um setormarginal entrasse em transe para que o Estadoestremecesse, e somente a indecisão dos partidospolíticos e das centrais sindicais, preocupados emtirar proveito do poder, permitiram-lhe recompor-se.

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Ele foi ajudado nisto pelos fracassos e crime dosrevolucionários “oficiais”, que há cinqüenta anoso povo carrega como um pesado fardo. O povoacreditava ser possível uma revolução em 68, masele a temia. O povo hoje não temeria uma revoluçãogestionária, mas ele não acredita nela. Para que opaís participe da transformação gestionária pro-posta, é preciso que ele creia nela e que não a tema.

É durante este período em que o Estado se en-contra desamparado e as organizações sindicais epolíticas hesitants que a ação decisiva é possível. Éo instante em que as fábricas devem voltar a fun-cionar sob o controle dos trabalhadores e de suaorganização sindical. É o momento de oportuni-dade da autogestão.

O fenômeno de prolongamento de uma grevegestionária é o mesmo daquele que singularizou asduas grandes greves de 1936 e 1968, e que resultouna ocupação das fábricas. O fenômeno de contágio,que importa nesse caso como importou em outros,é o sentimento de sair do comum, escapar dos fra-cassos precedentes, mais do que as obscuras dedu-ções teóricas que ninguém lê, que empurrariam ostrabalhadores para a ocupação e, em seguida, pararecolocar as fábricas em marcha numa orientaçãogestionária. Qualquer que seja a importância dasforças de coerção, qualquer que seja o apoio quelhes ofereça a parte conservadora da população,

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não será possível fazer evacuar todas as fábricasocupadas assim como não será possível parar to-das as empresas autogeridas. A greve gestionáriaé possível, seu sucesso depende de seu caráter ge-neralizado e do estado de desagregação da socie-dade capitalista que a suscitou.

Na história, a greve muitas vezes precedeu aeclosão da ação revolucionária. Ela foi um comple-mento para a luta empreendida pelos partidos; ealgumas vezes ela se desencadeou graças à in-fluência dos partidos. A greve gestionária é outracoisa. Foi assim que aconteceu em 1936 e em 1968,quando eles se aproveitaram das eleições, no pri-meiro caso, e do embaraço do governo diante darevolta dos estudantes, no segundo. Numa situaçãoidêntica, a greve gestionária não coloca em discus-são somente o problema dos salários, mas tambémo problema da gestão das empresas. Nesse ins-tante, o movimento operário não está mais à re-boque dos partidos políticos de esquerda e de seuprograma, e os coloca diante do fato consumado,ele lhes impõe uma organização de ECONOMIA SO-CIALISTA, LIBERTÁRIA, IGUALITÁRIA, GESTIO-NÁRIA.

A autogestão que os políticos nos propõem ésem consistência, esvaziada de seu conteúdo, umasimples cláusula de estilo que colore um programa.A única possibilidade para a autogestão é de se am-

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pliar sob a pressão popular e explodir através dopaís com rapidez idêntica às grandes greves comocupação das fábricas. A única possibilidade paraa autogestão é a GREVE GESTIONÁRIA.

Nós, anarquistas, somos pela gestão da eco-nomia pelos trabalhadores, visto que somos contrao sistema capitalista sob seu aspecto liberal ou es-tatal. Somos contra seu agente de coordenação, oEstado. Queremos estabelecer a igualdade econô-mica, complemento indispensável à igualdade polí-tica, sem a qual só existe liberdade para os que po-dem comprá-la. Autogestão, gestão direta, gestãooperária, qualquer que seja seu nome, parece-nosser a estrutura apropriada para produzir os obje-tos necessários, alienando o mínimo de liberdade.A autogestão nos parece ser o meio mais eficaz paraque o socialismo não represente mais a farsa trá-gica que nos representaram em Moscou, Alger, Cairo,Pequim ou em qualquer outro lugar. A greve gestio-nária, no estado de complexidade da economia mo-derna, parece-nos ser o meio mais eficaz para, aomesmo tempo, arrancar das mãos das classes diri-gentes os meios de produção e de troca e para de-senvolver uma experiência autogestionária em es-cala nacional. É o meio mais eficaz para proteger opensamento gestionário das deformações de todasas naturezas.