Avaliação da qualidade nos hosptais

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RAS _ Vol. 5, Nº 18 – Jan-Mar, 2003 7 ARTIGO ORIGINAL LAURA MARIA CÉSAR SCHIESARI 1 MARCOS KISIL 2 A avaliação da qualidade nos hospitais brasileiros RESUMO Este artigo é parte integrante do trabalho apre- sentado na dissertação de mestrado “Cenário da Acreditação Hospitalar no Brasil: evolução histórica e referências externas”. A preocupação em avaliar instituições hospitalares no Brasil data da década de 40. Desde então instrumentos para a avaliação externa dos serviços de saúde passaram a ser de- senvolvidos a fim de garantir padrão hospitalar na- cional. Ao longo destes anos o processo de avalia- ção hospitalar foi descontinuado. A década de 90 é marcada pela introdução do termo acreditação hos- pitalar, com o desenvolvimento de instrumento ins- pirado em padrões preconizados pela Organização Pan-Americana da Saúde. Diferentes grupos são en- volvidos nesta discussão, culminando com a for- mação da Organização Nacional de Acreditação em 1998. Os vários envolvidos com acreditação hospi- talar e sua contribuição são apontados. Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave – Qualidade em saúde. Acreditação hospi- talar. Avaliação em saúde. Administração em saúde. Gestão hospitalar. ABSTRACT Quality assessment in Brazilian hospitals Quality assessment in Brazilian hospitals Quality assessment in Brazilian hospitals Quality assessment in Brazilian hospitals Quality assessment in Brazilian hospitals This paper intends to present a historical evolu- tion of hospital evaluation in Brazil, which goes back to the 40’s. Different tools were developed since that time in order to make an external assessment of hospitals in order to achieve a national hospital standard. However, this evaluation process has not been continuous nor homogeneous throughout those years. During the last decade the accredita- tion process was started – a national hospital ac- creditation manual based on the PAHO accreditation proposal was developed. Different stakeholders were involved in such a discussion. In 1998, the National Accreditation Organization was settled. The role of the different stakeholders and their contri- bution to the accreditation process are pointed out. Key wor Key wor Key wor Key wor Key wor ds ds ds ds ds – Quality in healthcare. Hospital accreditation. Evaluation in health care. Health care management. Hospital management. 1. Médica; Mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP – Administração de Serviços de Saúde/Administração Hospita- lar; Doutoranda do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 2. Professor Titular do Departamento de Práticas de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Endereço para correspondência: Rua Felipe Gusmão, 172 – 05441-100 – São Paulo, SP. E-mail: [email protected]

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ARTIGO ORIGINAL

LAURA MARIA CÉSAR SCHIESARI1

MARCOS KISIL2

A avaliação daqualidade noshospitaisbrasileirosRESUMO

Este artigo é parte integrante do trabalho apre-sentado na dissertação de mestrado “Cenário daAcreditação Hospitalar no Brasil: evolução históricae referências externas”. A preocupação em avaliarinstituições hospitalares no Brasil data da décadade 40. Desde então instrumentos para a avaliaçãoexterna dos serviços de saúde passaram a ser de-senvolvidos a fim de garantir padrão hospitalar na-cional. Ao longo destes anos o processo de avalia-ção hospitalar foi descontinuado. A década de 90 émarcada pela introdução do termo acreditação hos-pitalar, com o desenvolvimento de instrumento ins-pirado em padrões preconizados pela OrganizaçãoPan-Americana da Saúde. Diferentes grupos são en-volvidos nesta discussão, culminando com a for-mação da Organização Nacional de Acreditação em1998. Os vários envolvidos com acreditação hospi-talar e sua contribuição são apontados.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chave – Qualidade em saúde. Acreditação hospi-talar. Avaliação em saúde. Administração em saúde.Gestão hospitalar.

ABSTRACT

Quality assessment in Brazilian hospitalsQuality assessment in Brazilian hospitalsQuality assessment in Brazilian hospitalsQuality assessment in Brazilian hospitalsQuality assessment in Brazilian hospitals

This paper intends to present a historical evolu-tion of hospital evaluation in Brazil, which goes backto the 40’s. Different tools were developed sincethat time in order to make an external assessmentof hospitals in order to achieve a national hospitalstandard. However, this evaluation process has notbeen continuous nor homogeneous throughoutthose years. During the last decade the accredita-tion process was started – a national hospital ac-creditation manual based on the PAHO accreditationproposal was developed. Different stakeholderswere involved in such a discussion. In 1998, theNational Accreditation Organization was settled. Therole of the different stakeholders and their contri-bution to the accreditation process are pointed out.

Key worKey worKey worKey worKey wordsdsdsdsds – Quality in healthcare. Hospital accreditation.Evaluation in health care. Health care management.Hospital management.

1. Médica; Mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP – Administração de Serviços de Saúde/Administração Hospita-lar; Doutoranda do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

2. Professor Titular do Departamento de Práticas de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

Endereço para correspondência: Rua Felipe Gusmão, 172 – 05441-100 – São Paulo, SP. E-mail: [email protected]

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DOS PRIMÓRDIOS À RECLAR

Os primórdios – A Divisão de Organi-zação Hospitalar

Em 1941 foi criada a Divisão de Or-ganização Hospitalar (DOH), dentro doDepartamento Nacional de Saúde vin-culado ao Ministério de Educação eSaúde. Compreendia as Seções deEdificações e Instalações, de Organi-zação e Administração, de Assistên-cia e Seguro de Saúde. Tinha por ob-jetivos coordenar, cooperar ouorientar, em todo o Brasil, os estudose a solução dos problemas que diziamrespeito à assistência a doentes e de-ficientes físicos e a desamparados.Dentre suas competências destaca-vam-se o incentivo ao desenvolvimen-to e melhoria de instituições e servi-ços de assistência; o estabelecimentode normas e padrões para instalação,organização e funcionamento dos vá-rios serviços técnicos e administrati-vos de hospitais de diversos tipos,casas de saúde e outras unidades deassistência; a organização e manuten-ção do cadastro dos estabelecimen-tos hospitalares e demais órgãos deassistência; a realização das inspe-ções, para que se pudesse esclareceros processos de subvenção federal ainstituições de assistência e a fim dese verificar anualmente a aplicaçãodos auxílios da União. Este tipo de ati-vidade remete a idéias de qualidadeda assistência, enquadrando-se nes-te momento no contexto da discussãoainda incipiente dos direitos sociais(4-7).

A DOH tinha por intenção criar a redenacional de hospitais regionais, forma-da por “hospitais modernos”, comarquitetura funcional e organizadostecnicamente, hospitais concebidospara todos, onde houvesse certa igual-dade na distribuição de leitos. O “hos-pital moderno” ou “hospital padrão”

era o protótipo do aprimoramento hos-pitalar daquele momento, adequada-mente planejado e construído, conce-bido para facilitar o diagnóstico e otratamento, no qual o doente seria oprincipal personagem. Pretendia ain-da servir à profissão médica, alegan-do prestigiar os profissionais pelo for-necimento dos recursos necessáriospara o exercício da boa prática médi-ca. A preocupação de constituir umarede aparece com evidência aqui, ape-sar de não haver responsabilidadepública direta pela prestação de servi-ços, mas sim por sua normalização eregulação(6,7).

A estratégia para a formação deuma rede nacional de hospitais envol-veu diferentes etapas. Dentre estasetapas estavam a elaboração de legis-lação básica, iniciada em 1941 e par-cialmente completada em 1945; ocenso geral e cadastro hospitalaresrealizados em 1941 e 1942; a classifi-cação das instituições médico-sociaise definições da finalidade e tecnolo-gias indispensáveis. Da fase prepara-tória constava ainda a introdução naprática da moderna organização hos-pitalar, viabilizada por meio de cursodesenhado segundo as necessidadesdo momento e de grande prestígio naépoca, responsável pela formação deimportante contingente de administra-dores hospitalares. Finalmente foramelaboradas normas e padrões abran-gendo o complexo hospitalar, combase em estudo minucioso da distri-buição de leitos existentes e a cons-truir, bem como a localização das fu-turas construções. Desta última etaparesultou o modelo hospitalar a serseguido(6-8).

O censo/cadastro hospitalar repre-sentava etapa fundamental para a for-mação de uma rede nacional de hos-pitais, convenientemente estudados,

construídos ou aperfeiçoados, e equipa-dos para o mais eficiente funcionamen-to. Respondia-se assim às necessida-des de saúde da época, contribuindo,na sua evolução, para a concretizaçãoda tendência vigente de organizaçãouniforme, dentro de um sistema inte-gral de saúde, em todo o país, comconexão cada vez mais estreita entrea medicina preventiva e a curativa(8).

Para uma boa organização hospita-lar era necessário rigoroso controle detodas as atividades na instituição, des-de a inscrição e qualificação de doen-tes na admissão, os registros clínicosdiários e as estatísticas, até a escritu-ração minuciosa de tudo que se rela-cionasse à vida econômica e financei-ra(6,7). A intenção era estabelecerpadrões viáveis a serem reproduzidosem diferentes locais e aprimorados aolongo dos anos. A execução do planoestava prevista para um decênio. A pa-dronização da estrutura hospitalar neu-tralizaria discrepâncias advindas daorigem improvisada de muitos servi-ços de saúde ou ainda dos descami-nhos de alguns deles(8).

Em 1941 o primeiro Censo e Cadas-tro hospitalares realizados por médi-cos abrangeu aspectos referentes aedificações, equipamentos, adminis-tração, funcionamento, finanças e as-sistências. Este seria o ponto de par-tida de programa de assistênciamédico-social a ser desenvolvido dian-te do abandono da assistência hospi-talar na época(6-8).

A inspeção era feita em visita mi-nuciosa à instituição – livros contábeis,escrituração, registro e estatística domovimento de doentes eram exami-nados. Exposição técnica a respeitodas falhas graves, sugestões e indi-cação de revisão ou elaboração deprocessos para melhorar a organiza-

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ção e administração eram feitas. O“prontuário” da instituição reunia fi-cha cadastral, resultado da visita, da-dos, publicações, exemplares de to-dos os impressos em branco utilizadosno hospital, plantas, relatórios, foto-grafias, expediente, laudos de novasinspeções, etc.(4,5).

Foram recenseados 1.234 hospi-tais, num total de 116.669 leitos, nú-mero correspondente, acreditava-se,à quantidade de hospitais existentesà época(8).

O uso dos modelos e padrões es-tudados pela Associação Americanados Hospitais e o Colégio dos Cirur-giões foi explicitado na série de docu-mentos da DOH. A preocupação emaperfeiçoar modelos e padrões de ou-tras realidades, criando assim ummodelo nacional que atendesse àsnecessidades locais específicas, de-veria permear todo e qualquer proces-so de desenvolvimento de sistemasde avaliação, em qualquer tempo(4,5).

Da classificação ao credenciamento

A primeira classificação de hospitaispor padrões no Brasil havia sido pre-vista em lei de 1952. Tinha por objeti-vos: distribuir racionalmente os auxí-lios e subvenções governamentais,subtraindo-os à ação da política de“coronelismo” e “eleiçoeira”, bemcomo estimular os hospitais a melho-rar sua administração, suas instala-ções e a assistência oferecida aospacientes(2). Esta lei paulista classifi-cava os hospitais em quatro tipos: A,B, C e D, estabelecendo os requisitosnecessários para cada um deles.

O hospital era o núcleo do modelode saúde adotado. Para sua articula-ção em rede foi preciso inicialmenteconhecer seu universo para depoisalterar sua configuração. A década de1940 constituiu período privilegiado de

contato com o modelo americano,datando desta época a intensificaçãoda influência na educação médica eestrutura das escolas de Medicina dopaís. Isto explicaria, em parte, a proxi-midade dos padrões preconizadospelos especialistas brasileiros da épo-ca com aqueles em discussão nos Es-tados Unidos.

Os Institutos de Aposentadoria ePensão de caráter nacional ofereciambenefícios heterogêneos, bem comodiversidade na qualidade da assistên-cia prestada. O provimento de servi-ços era feito sobretudo por meio dacontratação de prestadores privados,de diferentes portes e especialidades,entre outras características. As primei-ras tentativas conhecidas de classifi-cação de hospitais pela PrevidênciaSocial foram feitas pelo Departamen-to de Assistência Médica do Institutode Aposentadoria e Pensão dos Co-merciários (IAPC). Em 1959, tentou-seaplicar as propostas estudadas. Estainiciativa considerou relação sumáriade requisitos relativos ao prédio e aoequipamento hospitalar(2).

Em 1961 o instrumento “Credencia-mento de Hospitais para Convêniocom o Instituto de Previdência dos Co-merciários” incluía três tópicos prin-cipais: planta física, equipamento eorganização, num instrumento gené-rico, com tópicos amplos e vagos(17).

O documento “Padrões MínimosExigíveis dos Hospitais para a Presta-ção de Assistência Cirúrgica aos Be-neficiários do Instituto de Aposenta-doria e Pensão dos Industriários” de1962 incluía aspectos do processo as-sistencial relacionados ao acompanha-mento pré-natal e ao parto nas nor-mas técnicas mínimas referentes àsmaternidades(17). Estas normas asse-melhavam-se a diretrizes clínicas,apontando, entre outros aspectos,

condutas em diferentes situações clí-nicas.

A preocupação do IAPC e IAPI emestabelecer padrões para que os hos-pitais fossem credenciados para aprestação de serviços antecedeu ini-ciativas de outros institutos. Lista con-tendo os elementos mais importantespara a prestação da assistência hos-pitalar incluía, surpreendentemente epela primeira vez, a apuração da satis-fação proporcionada pelos serviçosprestados aos assistidos para conces-são de bonificação anual(2).

Em 1966, com a unificação dos ins-titutos pela criação do Instituto Nacio-nal de Previdência Social (INPS), o au-mento dos recursos disponíveis deforma centralizada contribuiu para oaumento das pressões para a amplia-ção da cobertura dos benefícios. Istolevou à expansão da rede de serviços,sobretudo privados, subsidiados pelaprópria Previdência, e fez surgir a ne-cessidade de classificar os hospitaisdo país. Ao padrão assistencial ofere-cido corresponderiam valores mone-tários de contraprestação de serviçospelos hospitais particulares. O crité-rio a ser adotado era amplo, indo alémdas condições técnicas, administrati-vas e éticas, devendo levar em contaa qualidade dos serviços de naturezahoteleira e, consequentemente, o pre-ço final de seus serviços. Os padrõesa serem seguidos deveriam ser com-patíveis com a realidade dos serviçosexistentes, uma vez que muitos hos-pitais não pareciam ser capazes deseguir parâmetros rigorosos. Níveiscrescentes de exigência poderiamexcluir da assistência hospitalar boaparte da população beneficiária da Pre-vidência Social.

Em 1968 foram estabelecidas asnormas para aplicação da classificaçãohospitalar, destacando-se a idéia de

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que a eficiência do hospital relaciona-va-se ao número de pontos obtidos.A pontuação incluía planta física; equi-pamento, utensílios e instalações; e aadministração. Itens “eliminatórios”eram apontados, isto é, característicasque, se ausentes, impossibilitariam aclassificação do hospital, como ausên-cia de Centro Cirúrgico adequado emhospitais cirúrgicos, etc. Contempla-va aspectos não apenas estruturais,como prontuários com elementospara elucidação diagnóstica e aindarevisão médica diária com relatóriocorrespondente; além de rotinas e ins-truções escritas de serviços diagnós-ticos e terapêuticos(2).

Os instrumentos propostos ao lon-go destas décadas guardavam estrei-ta semelhança em relação aos pa-drões preconizados. O instrumentoempregado na classificação de hospi-tais em 1941 constituiu a base paraos demais instrumentos. Não há evi-dências, no entanto, da pertinênciados padrões às diferentes realidadesem que foram utilizados, o que pode-ria justificar a manutenção de algunspadrões ao longo dos anos subse-qüentes.

Em janeiro de 1974, portaria do Mi-nistério do Trabalho e Previdência So-cial aprovou os modelos de “Formu-lário de Classificação Hospitalar”, de“Relatório de Classificação Hospitalar(RECLAR)” e de “Comprovante deClassificação Hospitalar”.

O Manual de Classificação Hospi-talar foi apresentado como instrumen-to de trabalho complementar das co-missões de classificação hospitalarpara orientar sobre a classificação epadronizar procedimentos uniformi-zando assim o desempenho das ativi-dades, tanto das instituições comodos avaliadores. O resultado espera-do era o crescente aperfeiçoamento

da sistemática de classificações hos-pitalares e ainda a habilitação do hos-pital à contratação de leitos hospitala-res pelo INAMPS, estabelecendounidades de referência para o paga-mento das internações. O instrumen-to forneceria ainda à rede contratadaorientação quanto aos padrões de as-sistência hospitalar adotados peloINAMPS.

A Classificação Hospitalar deveriavincular-se ao Departamento de Con-trole e Avaliação (nível central) e Coor-denadoria de Controle e Avaliação (ní-vel regional). Dispunha, na área derecursos humanos, de classificadores– servidores técnicos, como médicose enfermeiros na qualidade de profis-sionais fundamentais, nutricionistas e/ou outros profissionais de saúde, deacordo com a especialidade do hospi-tal e disponibilidade dos profissionais.O classificador de hospitais era servi-dor da instituição, que recebia treina-mento específico, devendo estar isen-to de quaisquer vínculos com pessoasjurídicas autorizadas a prestar serviçoao Instituto e ainda, se possível, pos-suir curso de Organização e Adminis-tração Hospitalar.

O RECLAR era constituído por ta-belas que representavam a composi-ção dos hospitais, nos seguintes se-tores: Planta Física, Equipamento,Utensílios e Instalações, Organizaçãoe de Tabela Suplementar(12). Além doroteiro, uso e cálculo de indicadoreseram enfatizados. Para cada um dosgrandes tópicos citados, as váriasáreas eram avaliadas: Edificação; Cir-culação; Segurança e Proteção; Con-forto e Higiene; Administração doHospital; Unidade de Internação; Ser-viço de Documentação Científica; Uni-dade de Internação; Centro de Mate-rial Esterilizado; Serviço de Nutrição eDietética; Serviços Médicos; Serviços

Auxiliares de Diagnóstico e Tratamen-to; Centro Cirúrgico; Centro Obstétri-co; Centro de Neonatologia.

De modo geral o instrumento privi-legiava aspectos estruturais, masmuitos dos itens incorporavam a idéiade avaliação de processos. A distribui-ção aparentemente equilibrada dosvários tópicos denotava a ênfase de-dicada à estrutura física, instalaçõese à importância da tecnologia. A capa-cidade gerencial propriamente ditanão era avaliada. Deve-se notar que,apesar dos indicadores empregadosserem os mesmos utilizados por lon-go período, não houve sucesso emsua disseminação como instrumentosauxiliares da gestão.

O Serviço de Arquivo Médico e oprontuário representavam desde en-tão relevante preocupação dos avalia-dores. Legibilidade, qualidade do re-gistro e consistência dos dados erampreconizados. A avaliação do resultadofinal da assistência também é valori-zada. Passados quase 30 anos estesaspectos permanecem vulneráveisnos prontuários dos pacientes de di-versos hospitais, muito embora a fi-nalidade e o próprio conteúdo ideal doregistro médico sejam há muito co-nhecidos.

Pretendia-se, mais uma vez, que afixação do valor das diárias hospitala-res passasse a ter como base a clas-sificação do hospital. Com esta práticalegitimou-se a existência de diferen-tes padrões de hospitais, aplicáveissegundo o contexto socioeconômicoe político. Atrelar o pagamento à clas-sificação poderia ter contribuído paraa efetivação de seu uso para a avalia-ção de hospitais. No entanto, a finali-dade da classificação foi reduzida aocredenciamento para efeito de vendade serviços ao INAMPS, predominan-do critérios políticos.

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A RECLAR datava de 1974, porémos manuais consultados têm em suaintrodução a portaria de 1982. Istopode ter ocorrido devido ao atraso naaprovação da portaria ou por nova edi-ção da mesma ou devido à tardia efe-tivação de seu uso ou ainda maior in-centivo neste período.

A década de 1980 foi marcada pelacrise da Previdência, com escassez derecursos diante da recessão econômi-ca, gigantismo burocrático, ineficiên-cia da administração e dos serviçosprestados, de mecanismos de contro-le de gasto e de qualidade. Tudo istonum contexto de reconstrução do es-paço democrático, em que as reivin-dicações pelo direito à saúde e aoacesso a serviços ganharam corpo nasprincipais regiões metropolitanas dopaís.

Em 1981 foi elaborado o Plano CO-

NASP (Conselho Consultivo da Admi-nistração de Saúde Previdenciária),com normas racionalizadoras da pres-tação de serviços e da alocação derecursos, além da proposta de medi-das de avaliação e controle. A susten-tação desta idéia era a integração dasvárias ações de saúde em projetos ra-cionalizadores. Exemplo da intençãode racionalização é a implantação dasAutorizações de Internação Hospita-lar (AIHs), com o fim do pagamento porunidade de serviço.

Independentemente dos usos docredenciamento, a singularidade doRECLAR merece destaque. Este instru-mento foi efetivamente empregadopor determinado período, sendo apli-cado por profissionais do INAMPS dereconhecida competência para o exer-cício desta função. O instrumento emsi e a metodologia empregada na suaaplicação eram de conhecimento dosprestadores de assistência, muitosdos quais organizaram suas institui-

ções segundo os padrões por ele pre-conizados. Este Manual(12) serviu debase para os instrumentos concebidospara o processo de acreditação. No en-tanto, poucas das pessoas hoje envol-vidas com acreditação hospitalar tra-balharam efetivamente com a Reclar.

Ao longo da década de 1980 a im-plantação das Ações Integradas deSaúde (AIS) buscou redirecionar omodelo de atenção à saúde, iniciandoa descentralização, a desconcentraçãoe uma tentativa de integração entreas ações de saúde e assistência àdoença.

Em 1986, com a criação do Siste-ma Unificado e Descentralizado deSaúde (SUDS) iniciou-se o processo dedesestruturação do INAMPS e sua con-seqüente retirada da prestação deserviços. Com a transferência gradualdos hospitais próprios para a esferaestadual e ainda a redivisão de papéisentre as três esferas de governo, aestrutura do credenciamento e deações de responsabilidade do INAMPS

foi aos poucos se esvaziando. O cre-denciamento de prestadores de ser-viço, avaliação e controle passaram aser responsabilidade da esfera esta-dual.

Com a Constituição de 1988 a saú-de passou a ser definida como direitosocial universal derivado do exercícioda cidadania dentro de uma perspec-tiva de articulação de políticas sociaise econômicas. Nesta nova configura-ção o setor saúde deixou de ter o hos-pital como centro do modelo assisten-cial. Paralelamente, com a efetivaçãogradual da implantação do SistemaÚnico de Saúde (SUS) e a crescenteimportância dos municípios na gestãoe prestação de serviços de saúde,surge a necessidade de instrumentosgerenciais que possibilitem avaliar osserviços oferecidos, assim como os

comprados. Avaliar o hospital isolada-mente não atende completamente àsnecessidades dos gestores munici-pais. A avaliação dos diferentes servi-ços componentes do sistema munici-pal de saúde poderia atender às novasnecessidades. De um lado, o esvazia-mento da esfera federal, de outro, ocrescimento do papel do município.Neste reajuste de papéis e redistribui-ção de atividades, o credenciamento,tal qual havia sido concebido para oshospitais, perde sua razão de ser.

A Norma Operacional Básica (NOB)de 1993 apontava a necessidade de“controle e avaliação efetivos sobre aqualidade e quantidade dos serviçosprestados pela rede”, além da preo-cupação com a melhoria qualitativa doatendimento ambulatorial, colocadoscomo alicerces da construção do novomodelo assistencial. As Unidades deControle e Avaliação, num primeiromomento, têm sua atividade voltadapara o controle da produção, dentroda lógica em construção nos municí-pios(11). A NOB de 1996 avança na re-ordenação do modelo de atenção àsaúde, redefinindo assim a “prática doacompanhamento, controle e avalia-ção no SUS, superando os mecanis-mos tradicionais, centrados no fatu-ramento de serviços produzidos, evalorizando os resultados advindos deprogramações com critérios epidemio-lógicos e desempenho com qualida-de”(10). O controle, avaliação e audito-ria dos prestadores estatais e/ouprivados de saúde situados no muni-cípio passam a ser de responsabilida-de do gestor do sistema municipal,que poderia eventualmente recorrerao gestor estadual. A Norma Opera-cional da Assistência à Saúde 01/2001elaborada para promover “MódulosAssistenciais” nos municípios ou con-sórcios recomenda que a avaliação da

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qualidade da atenção por parte dosgestores envolve tanto a implemen-tação de indicadores objetivos combase em critérios técnicos, como aadoção de instrumentos de avaliaçãoda satisfação dos usuários do siste-ma, que considerem a acessibilidade,a integralidade da atenção, a resolutivi-dade e a qualidade dos serviços pres-tados(13).

O modelo de atenção vigente fazcom que a preocupação com qualida-de não se restrinja àquela dos servi-ços de saúde, já que o foco é a quali-dade de vida das pessoas e do seumeio ambiente. Isto amplia em muitoo espectro da avaliação necessária aosgestores municipais.

As intensas mudanças em curso nasaúde prescindiram temporariamentede instrumentos de avaliação, daí aênfase no contexto da saúde no pe-ríodo anteriormente apontado. Para aconstrução do sistema de saúde noâmbito do município foi necessárioutilizar adequadamente metodologiase instrumentos de planejamento. Semisto não se poderia hoje falar da con-cretização do Sistema Único de Saú-de. A consolidação da gestão plena dosistema municipal começa a tornar ex-plícita a necessidade de metodologiasde avaliação concebidas dentro donovo modelo. Isto explica, em parte,o fato de o RECLAR persistir comomodelo de referência de instrumentode avaliação. Em outras palavras, atéo momento não houve espaço e tal-vez nem mesmo necessidade de uti-lizar instrumentos de avaliação, já queos municípios estavam e estão enfren-tado as dificuldades inerentes ao es-tabelecimento dos alicerces do Siste-ma Único de Saúde. Idealmente, aavaliação deve acompanhar todo oprocesso, mas isso não constitui prá-tica consagrada em nossa cultura.

ACREDITAÇÃO HOSPITALARNO BRASIL – EXPERIÊNCIADE POUCO MAIS DE UMADÉCADA

Os vários grupos brasileiros e suasabordagens anteriores à OrganizaçãoNacional de Acreditação

Em 1989 a Organização Mundial daSaúde iniciou trabalho com a área hos-pitalar na América Latina, adotandotema abrangente – a qualidade da as-sistência. A acreditação passou a servista como elemento estratégico paradesencadear e apoiar iniciativas dequalidade nos serviços de saúde. Pre-tendia-se contribuir para progressivamudança planejada de hábitos, pormeio de estímulo aos profissionaisdos diferentes serviços para avaliar as-pectos pontos fortes e fracos de suasinstituições. Esta análise poderia ser-vir como subsídio para o estabeleci-mento de metas e para o aprimora-mento da qualidade da assistência. Aestratégia proposta foi a da implemen-tação total ou progressiva de uma va-riedade de métodos(15).

A Organização Pan-Americana daSaúde realizou várias reuniões com aparticipação de boa parte dos paíseslatino-americanos. Raros eram os paí-ses com sistema de acreditação oucertificação da qualidade.

Em 1991 a parceria entre a OPAS aFederação Latino-Americana de Hos-pitais levou ao desenvolvimento deinstumento de acreditação hospitalarque se supunha apropriado para a re-gião. Este manual envolvia padrões li-gados aos vários serviços existentesem um hospital geral: serviços deemergência, continuidade da assistên-cia, à transferência, etc. O documen-to apresentava padrões de estrutura– estado de conservação das paredes,existência de determinados equipa-

mentos, recursos humanos (dimen-sionamento, qualificação); alguns deprocessos e procedimentos, e tam-bém alguns de resultados. Os padrõeseram divididos em três níveis crescen-tes de complexidade. Estes níveiscorrespondem ao tipo e complexida-de da assistência desejável segundodefinição de especialistas ou associa-ções profissionais. O nível 1 represen-ta o nível mínimo de qualidade neces-sário. À medida que os padrões iniciaissão atingidos, os passos seguintesvisam o cumprimento de padrões donível 2 e posteriormente do 3(1).

A avaliação final proposta é deter-minada pelo mínimo atingido, isto é,se um dos padrões de nível 1 não foratingido, mesmo apresentando níveldois ou três nos demais, o hospital éconsiderado de nível 1. Esse critérioenfatiza a importância e integração dasvárias estruturas e processos hospi-talares para que a assistência sejaprestada com qualidade. Este tipo deavaliação oferece informações aostomadores de decisão quanto às áreasmais deficitárias e que necessitam demelhorias. O instrumento pode assimser utilizado para melhoria contínuados serviços prestados. Esta estrutu-ra do documento assemelha-se à deinstrumentos anteriores adotados pelaJoint Commission nos Estados Uni-dos, configuração esta consideradapelos especialistas como sendo maisadequada às necessidades da região.

O setor saúde no Brasil vem traba-lhando com avaliação hospitalar des-de a década de 1970, sem que noentanto houvesse impacto sobre aqualidade dos serviços prestados. Em1986 o Colégio Brasileiro de Cirurgiões(CBC) criou a Comissão de AvaliaçãoHospitalar, que se interessou sobre-tudo pelo trabalho da Joint Commis-sion on Accreditation of Healthcare

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Organizations (JCAHO). A origem dapadronização de hospitais dentro doColégio Americano dos Cirurgiões ex-plicaria o interesse do CBC pelo assun-to, uma vez que a iniciativa americanalevou ao desenvolvimento do sistemade acreditação da Joint Commission.

Em 1991-1992 pesquisa realizadacom o apoio do Banco Mundial sobreexperiências brasileiras em garantia dequalidade em saúde concluiu ser ur-gente a necessidade de introduzir nopaís um sistema independente deacreditação de hospitais(1).

Em 1992 teve início o programa deorganização da acreditação no Brasil,em Brasília, a partir de discussões coma participação das principais entidadesligadas à saúde. A acreditação, seusobjetivos, metodologia e formato fo-ram discutidos, além do uso do ins-trumento, processo de avaliação ediretrizes para a decisão dos avalia-dores. O amadurecimento da discus-são acerca da pertinência da aplicaçãodos padrões desenvolvidos para hos-pitais americanos à realidade nacionalconstituiu passo importante para o for-talecimento da idéia. Estabelecer con-senso em torno da metodologia e dospadrões a serem adotados represen-tava grande desafio. Apesar disso, al-guns pontos foram contemplados: oconceito de acreditação e a vincula-ção do processo a um organismo não-governamental sem fins lucrativos(1). Asentidades participantes deste eventoconstituíram um conselho e um gru-po menor compõe a comissão técni-ca – o Grupo Técnico de AcreditaçãoHospitalar, criado a partir de incentivoda OPAS.

Do GTA participaram entidades re-presentantes de prestadores de ser-viço, compradores, financiadores euniversidades (Escola Nacional deSaúde Pública/FIOCRUZ, PROAHSA/Fun-

dação Getúlio Vargas), dos setorespúblico e privado, de diferentes Esta-dos (Minas Gerais, Paraná, Rio de Ja-neiro, Rio Grande do Sul, São Paulo) erepresentantes do Ministério da Saú-de. Outros grupos envolvidos comacreditação participaram representan-do seus Estados: do Paraná, a Secre-taria Estadual de Saúde e posterior-mente o Instituto Paranaense deAcreditação de Serviços de Saúde; doRio de Janeiro, o Programa de Avalia-ção e Certificação de Qualidade emSaúde (PACQS); do Rio Grande do Sul,o Instituto de Administração Hospita-lar e Ciências da Saúde (IACHS); de SãoPaulo, o Programa de Controle deQualidade do Atendimento Médico-Hospitalar (CQH) e o Instituto Brasilei-ro de Acreditação Hospitalar (INBRAH).O Grupo não chegou a constituirpersonalidade jurídica, tampouco vin-culou-se a uma única entidade, muitoembora a parte executiva de sua atua-ção fosse realizada por representan-tes do PROAHSA. Apesar da amplacomposição do grupo em termos deentidades da saúde e de unidades dafederação, este grupo era identifica-do como “de São Paulo”. Sua com-posição contemplava a maior diversi-dade de atores da saúde. Este foi oúnico grupo com participação de di-ferentes Estados. A observação dosatores envolvidos, suas diferentes pro-cedências e papel por eles desempe-nhado no passado e no presente su-gerem intensa troca de experiênciasdurante seus encontros. A presençade diferentes grupos envolvidos comacreditação potencialmente aproxima-ria a discussão da realidade nacional,apesar da disputa política perpassar adiscussão técnica.

Uma das primeiras experiências li-gadas à acreditação surgiu dentro daAssociação Paulista de Medicina (APM)

– um grupo estudou a avaliação dehospitais com a intenção inicial de “darestrelas aos hospitais”, de maneirasemelhante ao que ocorre nos hotéis.Posteriormente a Sociedade MédicaPaulista de Administração em Saúde(SMPAS), vinculada à APM, sugeriu oacompanhamento do desempenhohospitalar pelo uso de indicadorescomo uma maneira de avaliar a quali-dade da assistência. A intenção eraestimular os hospitais a desenvolverprogramas de qualidade e não neces-sariamente realizar acreditação. A sis-temática de avaliação não se asse-melhava ao modelo da acreditação,apesar da existência de um roteiro devisitas inspirado em instrumentos deacreditação. Esta iniciativa deu origemao Programa de Controle de Qualida-de do Atendimento Médico-Hospita-lar (CQH) no Estado de São Paulo, vin-culado à Associação Paulista deMedicina e ao Conselho Regional deMedicina(3).

Em 1994 o Ministério da Saúde lan-çou o “Programa de Qualidade” como objetivo de promover a cultura daqualidade. Estabeleceu ainda a Comis-são Nacional de Qualidade e Produti-vidade em Saúde, liderada pelo coor-denador deste programa. Nesta épocaas atividades de melhoria da qualida-de na saúde passaram a ser conside-radas estratégicas(14).

A preocupação com o emprego doGerenciamento da Qualidade na Admi-nistração Pública constava das propos-tas de Reforma do Estado Brasileiro.Os programas propostos vincularam-se, de alguma forma, ao Ministério daAdministração e Reforma do Estado(MARE). Qualidade da prestação deserviços, avaliação de serviços, res-ponsabilidade social, monitoramentode indicadores de resultados adversosligados à comunidade e controle so-

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14 RAS _ Vol. 5, Nº 18 – Jan-Mar, 2003

cial passam a ser temas relacionadosao reconhecimento ou construção dacidadania.

Em agosto de 1994 foi criado no Riode Janeiro o Programa de Avaliação eCertificação de Qualidade em Saúde(PACQS) com a participação da Acade-mia Nacional de Medicina, ColégioBrasileiro de Cirurgiões e Universida-de do Estado do Rio de Janeiro. Em1997, o PACQS transformou-se no Con-sórcio Brasileiro de Acreditação (CBA),com a participação da Fundação Ces-granrio, criada pelas universidades es-taduais do Rio de Janeiro para avalia-ção do processo educacional.

Em 1995, no Rio Grande do Sul, oInstituto de Administração Hospitalare Ciências da Saúde, em associaçãocom a Secretaria Estadual da Saúde edo Meio Ambiente e o SEBRAE/RS,desenvolveu um projeto de pesquisacom o propósito de determinar pa-drões de qualidade hospitalar(16). OIAHCS foi legitimado via Comitê Seto-rial da Saúde do Programa Gaúcho daQualidade e Produtividade, isto é, oPrograma de Acreditação passou afazer parte integrante do ProgramaGaúcho de Qualidade e Produtivida-de, um caminho para o Selo de Quali-dade RS. Mais recentemente a siglaIACHS passou a representar o Institu-to de Acreditação Hospitalar e Certifi-cação em Saúde.

No mesmo ano, a Secretaria deEstado da Saúde do Paraná, baseadana experiência com o programa deControle de Infecção Hospitalar, es-tendeu a preocupação com qualidadeà totalidade das organizações de saú-de, utilizando para tanto o processode acreditação. Em dezembro de 1996foi criado o Instituto Paranaense deAcreditação em Serviços de Saúde(IPASS), com participação ampla dasdiferentes entidades ligadas à saúde.

De modo geral, poucos dos envol-vidos nestas discussões tinham expe-riência na área de avaliação em saú-de, sobretudo hospitalar. No entanto,alguns eram especialistas da adminis-tração em saúde e hospitalar. O des-conhecimento dos antecedentes daavaliação da qualidade em saúde le-vou alguns grupos a considerar a acre-ditação um modelo sem precedentesnacionais. Isto explica, em parte, a di-ficuldade em integrar as diferentesexperiências existentes ou ainda res-gatar experiências anteriormente pro-postas.

Em julho de 1997, o Ministério daSaúde contratou Humberto de MoraesNovaes para desenvolver a acredita-ção no âmbito do Ministério, na ten-tativa de unificar os vários esforçosnacionais. A base inicial para o finan-ciamento da acreditação seria verbaespecífica proveniente do componen-te II do REFORSUS.

Em fevereiro de 1998 foi formadoum grupo executivo no âmbito do Mi-nistério da Saúde, encarregado peloPrograma Brasileiro de Acreditação,vinculado incialmente à Secretaria daAssistência à Saúde e posteriormen-te à Secretaria de Políticas de Saúde.O Ministério coordenou piloto de apli-cação e aprimoramento do instrumen-to a ser adotado pelo Programa Brasi-leiro. Ainda em 1998, os visitadoresparticipantes deste piloto discutiramos resultados encontrados e elabora-ram a nova versão do Manual de acre-ditação. No mesmo ano as primeirasnormas técnicas de regulamentaçãodo órgão foram discutidas, definindoassim o papel do órgão acreditador, arelação instituição acreditadora e Mi-nistério da Saúde, o código de ética eperfil do avaliador. Estas seriam asbases para garantir a seriedade do pro-cesso de acreditação.

Da elaboração do instrumento a serutilizado nacionalmente participaramos seguintes grupos: Consórcio Bra-sileiro de Acreditação (CBA) – Rio deJaneiro; Federação Brasileira de Hos-pitais (FBH)/Instituto Brasileiro de Acre-ditação Hospitalar (INBRAH); Institutode Administração Hospitalar e Ciên-cias da Saúde (IAHCS) – Rio Grande doSul; Instituto de Medicina Social daUniversidade Estadual do Rio de Ja-neiro; Instituto Paranaense de Acre-ditação em Serviços de Saúde (IPASS);Programa de Controle de QualidadeHospitalar do Estado de São Paulo(CQH) Associação Paulista de Medici-na / Conselho Regional de Medicina;Programa de Estudos Avançados emAdministração Hospitalar e de Siste-mas de Saúde (PROAHSA) EAESP/FGV eHC-FMUSP; Programa da Garantia eAprimoramento da Qualidade em Saú-de (PGQS) do Ministério da Saúde(9).

Da elaboração do manual (1998) atéa constituição do órgão nacional de-correram alguns meses entrecortadospor dúvidas sobre a possibilidade deimplementação do modelo desenvol-vido ao longo da década. O próprioMinistério da Saúde participou comoco-patrocinador de eventos nos quaisoutras modalidades de gerenciamen-to da qualidade foram aventadas paraa saúde. Da fundação da OrganizaçãoNacional de Acreditação (ONA) partici-param representantes dos comprado-res: Associação Brasileira de Sistemasde Saúde Próprios de Empresa(ABRASPE), CIEFAS, Associação Brasi-leira de Medicina de Grupo (ABRAM-

GE) e Federação Nacional de Segura-doras (FENASEG); dos prestadores:Federação Brasileira de Hospitais(FBH), UNIMED (Confederação Nacionaldas Unimeds), Confederação das Mi-sericóridas do Brasil (CMB) e aindaConselho Nacional dos Secretários

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Estaduais de Saúde (CONASS), Conse-lho Nacional dos Secretários Munici-pais de Saúde (CONASEMS), ConselhoNacional de Saúde (CNS), AssociaçãoBrasileira de Hospitais Universitáriose de Ensino (ABRAHUE). Estas institui-ções integram hoje o conselho daONA.

Em agosto de 1999 a OrganizaçãoNacional de Acreditação (ONA), órgãocredenciador das instituições acredi-tadoras, foi constituído juridicamentee seu superintendente indicado peloconselho. As instituições acreditado-ras são responsáveis pela realizaçãoda acreditação propriamente dita den-tro dos hospitais. À ONA cabe o de-senvolvimento dos padrões a seremaplicados nacionalmente, o desenvol-vimento das normas reguladores doprocesso de acreditação e a supervi-são do trabalho das instituições acre-ditadoras.

De 1999 a 2002 observou-se ama-durecimento inicial do sistema deacreditação nacional. Além das insti-tuições envolvidas desde os primór-dios com acreditação, novos grupospassaram a fazer parte deste contex-to. Cerca de nove hospitais foramacreditados até fim do primeiro se-mestre de 2002. A adequação grada-tiva do manual de acreditação à reali-dade nacional deu-se por meio da suaaplicação, do melhor conhecimento doinstrumento por parte dos vários en-volvidos (avaliadores/instituições acre-ditadoras, hospitais) e do desenvolvi-mento da “expertise” da própria ONA.Esta interação constante e amadureci-mento da proposta inicial levaram a su-cessivas modificações do instrumen-to original.

Os instrumentos

Os vários grupos desenvolveraminstrumentos a partir do Manual da

OPAS, alterando nesta adaptação al-guns dos padrões e em alguns casosa própria metodologia. Esta origemcomum explica a semelhança das vá-rias propostas. A forte influência doresponsável pela divulgação da idéiana América Latina, Humberto de Mo-raes Novaes, e sua orientação quantoao modelo a ser seguido também ex-plicam as tendências comuns. O ma-nual da ONA foi adotado por todas asinstituições que se credenciaram parao processo de acreditação nacional.Dos vários grupos, apenas dois man-têm ainda instrumentos próprios –CQH e CBA.

No CQH o monitoramento de indi-cadores começou a ser realizado jun-to com o programa. Os indicadoresdos vários hospitais são colocados emcurva de distribuição de freqüência,com definição de medida de tendên-cia central da amostra. Os hospitaisparticipantes recebem estas curvas naforma de relatório, em que, além datendência central, está apontada a lo-calização do hospital na curva em re-lação aos demais, identificados por có-digos. A monitorização contínua deindicadores tem por finalidade garan-tir a continuidade do programa no pe-ríodo entre as visitas. Em 1998 o CQH,que participou do Grupo Técnico deAcreditação adotou seu instrumentocomo roteiro de visita, com pequenasmodificações. Mais recentementeeste manual foi adaptado para incor-porar os critérios preconizados pelaFundação para o Prêmio Nacional daQualidade.

O CBA adaptou o manual da JointCommission International Accredita-tion que apresenta padrões agrupadosem funções, que envolvem aspectosrelacionados à assistência propriamen-te dita e ao gerenciamento da institui-ção.

Contribuições e conseqüências des-tas várias iniciativas

Não houve consenso absolutoquanto ao modelo de acreditação a seradotado. No entanto, para a criaçãodo Programa Brasileiro de Acredita-ção, boa parte dos atores e, em parti-cular, os grupos envolvidos na discus-são arrastada ao longo da década,finalmente concordou em utilizar ummanual único a ser seguido no país.Vários dos grupos adotaram o manualbrasileiro, tornando-se assim institui-ções acreditadoras. Um mesmo instru-mento aplicado às diferentes regiões,realidades de saúde e instituições bra-sileiras. Alguns aspectos prescritivospresentes no manual adotado dificul-tam o seguimento imediato de seuspadrões de forma homogênea.

A atuação diversificada dos váriosgrupos estimula a participação de di-ferentes hospitais, seja graças ao al-cance regional das acreditadoras ouainda à origem de seus avaliadores esuas ligações profissionais. As incur-sões da ONA Brasil afora e ainda adisponibilização do instrumento via Mi-nistério da Saúde permitiram dissemi-nação rápida da idéia da acreditação.

O apelo educacional da sistemáticadá margem a constantes confusões emau uso do modelo. De um lado a dis-cussão dos achados da avaliação nodelineamento das estratégias parasuperação dos problemas detectados,de outro instituições acreditadorasque oferecem cursos de formação emseus contratos de trabalho. Estes cur-sos podem vir a ser cursos ou, ainda,associados a diferentes formas demonitoramento, dão margem à reali-zação de consultorias. Aparente bene-fício para a evolução do processo deacreditação, este tipo de situaçãopode suscitar dúvidas quanto à ob-servância das normas reguladoras

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que proíbem a concomitância deconsultoria por parte da instituiçãoacreditadora ao longo do processoavaliatório.

O caráter voluntário tende a atrairinstituições com maior comprometi-mento. No entanto, a não vinculaçãoa programas de estímulo, seja por

pagamento diferenciado ou até mes-mo por vantagens outras, limita a par-ticipação a um grupo de hospitaisdevotados à qualidade. A confidencia-

Quadro 1 – Características gerais dos grupos brasileiros

Participantes Início Experiência (até 1999) Instrumento

APM/CRM-SP 89/90 91 – 100 hospitaisparticipantes

98 – idem ( nãonecessariamente osmesmos)

91 – base: OPAS, RECLAR eJCAHO; 120 itens

98 – base: GTA; 717 itens

00 – incorporação dos princípiosdo prêmio em instrumentoanterior.

05 Estados: Bahia,Minas Gerais,Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul eSão PauloEntidades representantes de prestadores(Federação Brasileira de Hospitais, UNIMED),compradores, financiadores e academia;serviço público e privado, representante doMinistério da Saúde

94 - 97 95 – piloto de aplicação doinstrumento em 35 hospitaisde SP

97- piloto de aplicação deduas versões do instrumentoem 19 hospitais de SP

Manual da OPAS adaptado emquestões fechadas, sim/não,com modificações pós pilotos

Academia Nacional de Medicina, ColégioBrasileiro de Cirurgiões, Universidade Estadualdo Rio de Janeiro, Federação Nacional dasEmpresas de Seguros Privados e deCapitalização

94 Teste do instrumentoadaptado pelo GTA em 12hospitais do RJ

-

Idem PACQS, e ainda Fundação Cesgranrio,parceria com a JCAHO/JCI (Joint CommissionInternational)

97 98 – aplicação doinstrumento da JCAHO em07 hospitais federais do RJ

Adaptação do Manual da JCAHOpelo grupo, posteriormenteadoção do Manual JCI padrõesinternacionais

IACHS, Secretaria da Saúde e do MeioAmbiente, SEBRAE/RS, Núcleo de Pesquisada Clínica Olivé Leite, Federação de Hospitais( FEHOSUL), Associação dos Hospitais eEstabelecimentos de Saúde do RS (AHGRS),Programa Gaúcho da Qualidade eProdutividade

95 95 – manual da OPASaplicado em 24 hospitais

97- 2a versão do instrumentoaplicada em 30 hospitais

Manual adaptado do Manual daOPAS, utilizados padrõesmenos complexos; metodologiadistinta – comparação commédia amostral. Acreditaçãodentro do Programa Gaúcho deQualidade e Produtividade.

ABEn/PR, AMP, AP de CIH, Coren/PR,CRF/PR, CRM/PR, FH.PR, F. Misericórdias,SES/PR, SMS Curitiba, UFPR

95 96 – Manual GTA aplicadoem 03 hospitais p/treinamento avaliadores,depois 10

97 – 19 hospitais emprocesso de acreditação, 50hospitais participantes

Manual do GTA inicialmente

Conselho:Co-autores ( institucionais) do ManualBrasileiro:COREN/SP, CQH, IAHCS, IMS/UERJ,INBRAH, IPASS, PROAHSA/EAESP/FGV,PGAQS/MS, UCPEL/Clínica Olivé Leite,

98 97 – Manual Brasileiroaplicado em 17 hospitais

Manual Brasileiro adaptado doManual da OPAS e das váriasversões produzidas até então.

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lidade do processo oferece maior se-gurança aos participantes, mas oslimites desta confidencialidade devemser analisados, já que fontes pagado-ras e o público em geral anseiam porconhecer o resultado de avaliaçõesdesta natureza. Em outros países aconfidencialidade foi quebrada emnome do interesse do público.

Apesar dos pilotos realizados comos manuais iniciais e de experiênciasanteriores dos diferentes grupos, aprática da avaliação via acreditaçãoainda é incipiente. Acreditadoras, ava-liadores, a própria ONA e sobretudo oshospitais estão pouco a pouco adqui-rindo experiência. Alguns deslizespodem ocorrer – acreditadoras queutilizam outros modelos de avaliaçãoexterna podem eventualmente mistu-rar padrões e práticas num primeiromomento. Profissionais do mundo dacertificação ISO ou ligados a prêmiosde excelência podem ter dificuldadena separação clara de suas funções.

O Programa Brasileiro de Acredita-ção conseguiu reunir muitas das dife-rentes tendências nacionais em ter-mos de modelos e metodologias deacreditação existentes e propiciou adiscussão mais aprofundada a respei-to dos possíveis caminhos da acredi-tação no País. A experiência acumula-da pelos vários grupos contribuiu paraque o manual proposto para a realida-de nacional seguisse parâmetros pro-gressivamente mais compatíveis como estado atual da saúde nos hospitaisbrasileiros. Apesar de os grupos re-presentarem em menor ou maior grau

uma ou outra força política, e de aconcretização da Organização Nacio-nal de Acreditação ser muito recente,a decisão a favor da acreditação estámudando os rumos de algumas práti-cas na assistência à saúde. Indepen-dente da dificuldade de seguimentodos padrões, eles começam a orien-tar a prática de diversos hospitais,sendo utilizados de forma crescentecomo instrumento de avaliação e degestão. Sinais iniciais de mudanças oude assimilação de práticas há muitopreconizadas se fazem mostrar: co-nhecimento dos padrões, estímulo àformação de comissões relacionadasà avaliação e/ou melhoria da prática as-sistencial, formação de multiplicado-res do processo de acreditação, utili-zação do manual de acreditação parao planejamento institucional, entre ou-tros.

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17. SCHIESARI LMC. Cenário da AcreditaçãoHospitalar no Brasil: evolução histórica ereferências externas. São Paulo, 1999 [Tese de Mestrado – Faculdade de SaúdePública da Universidade de São Paulo.

Conflito de interesse: nenhum declarado.Financiador ou fontes de fomento: nenhum declarado.Data de recebimento do artigo: 25/8/2002.Data da aprovação: 27/3/2003.