AVALIAÇÃO DE RISCOS E SOLUÇÃO DE CONFLITOS NO DIREITO … · Internacional 4. Direito Público...

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AVALIAÇÃO DE RISCOS E SOLUÇÃO DE CONFLITOS NO DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL

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AVALIAÇÃO DE RISCOS E SOLUÇÃO DE CONFLITOS NO DIREITO DO COMÉRCIO

INTERNACIONAL

Jete Jane Fiorati (Organizadora)

AVALIAÇÃO DE RISCOS E SOLUÇÃO DE

CONFLITOS NO DIREITO DO COMÉRCIO

INTERNACIONAL

Conselho Editorial Dr. Antônio Alberto Machado Dr. Carlos Eduardo de Abreu Boucault Dr. Paulo César Corrêa Borges Dra. Elisabete Maniglia Dra. Kelly Cristina Canela Dra. Yvete Flávio da Costa Capa: Guilherme Vieira Barbosa Diagramação: Márcio Augusto Garcia

Avaliação de Riscos e solução de conflitos no Direito do Comércio

Internacional. / Jete Jane Fiorati. – São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2015.

176 p. Inclui bibliografia ISBN: 9788579836787

1. Direito Internacional 2. Avaliação de Riscos 3.Comércio Internacional 4. Direito Público 5. I. Título.

The road is long

With many winding turns

That leads us to who

Knows where

Who knows where ….

(Bobby Scott, Bobby Russel and

The Hoolies)

CO-AUTORES

DANIEL LEMOS DE OLIVEIRA MATTOSINHO ELIÉSER SEVERIANO DO CARMO

ÉRIKA CAPELLA FERNANDES ETIENE MARIA BOSCO BREVIGLIERI

JETE JANE FIORATI MARCELLY FUZARO GULLO RENATA CRISTINA MARTINS

REALIZAÇÃO:

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO DA UNESP FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

GRUPO DE ESTUDOS:

A REGULAMENTAÇÃO INTERNACIONAL E A ARBITRAGEM DOS INVESTIMENTOS E DO COMÉRCIO DE SERVIÇOS E MEIO

AMBIENTE

UNESP - Universidade Estadual Paulista

Faculdade de Ciências Humanas e Sociais

Av. Eufrásia Monteiro Petráglia, 900

Jd. Dr.Antonio Petráglia – CEP 14409-160

Telefone: (16) 3706-8712

E-mail. [email protected]

Avaliação de Riscos e Solução de Conflitos no Direito do Comércio Internacional

SUMÁRIO

Apresentação....................................................................................

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Parte I - Avaliação de riscos e a regulação jurídica...................

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A avaliação dos riscos na sociedade reflexiva Jete Jane Fiorati...............................................................................

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A nova Lei do Sistema Brasileiro de Concorrência e o Controle dos Atos de Concentração no Brasil Elieser Severiano do Carmo.

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Parte II - Avaliação de riscos e meio ambiente..................................

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Percepciones ius-económicas de la propriedad intelectual de vegetales en Argentina y Brasil: evidencias desde los acuerdos UPOV e ADPIC Daniel Lemos de Oliveira Mattosinho.............................................

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A proteção jurídica internacional do clima: a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (CQNUMC) e o Protocolo de Quioto Marcelly Fuzaro Gullo....................................................................

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Parte III - Avaliação de riscos e solução de controvérsias........

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Arbitragem de investimentos no ICSID: apontamentos e reflexões para uma (re)avaliação da tradicional posição brasileira Érika Capella Fernandes...............................................................

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Arbitragem Comercial Internacional Etiene Maria Bosco Breviglieri e Renata Cristina Martins.............

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Apresentação

Este Avaliação de Riscos e Solução de Conflitos no Direito do Comércio Internacional foi concebido e realizado com o objetivo de se constituir numa ferramenta segura para que os estudantes e os profissionais de Direito primordialmente, mas também de Economia, Administração, Relações Internacionais e Comércio Exterior pudessem realizar seus estudos neste tema interdisciplinar e tão pouco estudado que é o regramento internacional dos riscos e suas consequências para o Direito do Comércio Internacional.

O livro é fruto de pesquisas realizadas conjuntamente com Daniel de Oliveira Mattosinho, Elieser Severiano do Carmo, Erika Capella Fernandes, Etiene Maria Bosco Breviglieri e sua aluna Renata Martins e Marcelly Fuzzaro Gullo, que desenvolveram estudos sobre avaliação de riscos, concorrência, propriedade intelectual e meio ambiente e solução de controvérsias, durante o seu Curso de Mestrado que resultaram nas suas dissertações de mestrado defendidas com brilhantismo no Programa de Pós Graduação em Direito da UNESP, sob minha orientação. Durante estes anos de convívio acadêmico tive o privilégio de poder acompanhar o crescimento intelectual e profissional destes jovens, que de estudantes de graduação se transformaram, primeiro em pesquisadores com notável rigor científico e depois em respeitados profissionais, alguns já formadores da novíssima geração como é o caso de Etiene Breviglieri.

O trabalho de pesquisa foi realizado sob os auspícios do CNPq que me proporcionou uma Bolsa de Produtividade em pesquisa por quatro períodos seguidos o que me permitiu utilizar uma parte do meu tempo a estas reflexões, bem como o acesso às obras bibliográficas e a realização de viagens de estudo à instituições internacionais. Etiene Breviglieri foi agraciada com bolsa FAPESP durante sua iniciação científica, Daniel de Oliveira Mattosinho recebeu bolsa CAPES DS durante o Curso de Mestrado e Érika Capella Fernandes recebeu bolsas Fapesp IC e recebe agora bolsa Fapesp MS durante a realização de seu Mestrado.

Franca, agosto de 2015.

Jete Jane Fiorati

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Parte I

AVALIAÇÃO DE RISCOS E A

REGULAÇÃO JURÍDICA

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A AVALIAÇÃO DOS RISCOS NA SOCIEDADE REFLEXIVA

Jete Jane Fiorati

Sumário: 1. Avaliação de Riscos: o que os homens fazem. 2. Sociedade Reflexiva: como os homens refletem e julgam o que fazem. Notas Conclusivas. Referências. Resumo. O objetivo deste trabalho é realizar uma análise da avaliação dos riscos na sociedade moderna, definida segundo Ulrich Beck como sociedade reflexiva tendo como pontos de apoio a obra e o pensamento de Hannah Arendt visando buscar um paradigma para a avaliação de risco. Palavras-Chave. 1. Avaliação de Risco; 2. Sociedade Reflexiva; 3. Hannah Arendt

1. Avaliação de Riscos: o que os homens fazem

No final do século XX, o incremento do desenvolvimento

tecnológico teve profundas repercussões econômicas. Os crescentes fluxos de investimento e tecnologia e o desenvolvimento da mobilidade do trabalho, capital, bens e serviços no mundo, o valor da propriedade intelectual e a internacionalização dos mercados financeiros, todos estes combinados, criaram, pela primeira vez na história, uma verdadeira economia global. Como resultado, a interdependência baseada na liberalização do comércio foi rebatizada de "globalização”.

A globalização pode ser caracterizada como um processo em que tecnologia e capitais privados, cujos titulares são grandes corporações empresariais e financeiras transnacionais, circulam em todo o globo, independentemente das fronteiras nacionais. Seu objetivo é a produção de um maior número de produtos a menor preço e com maior qualidade que possam disputar com outros concorrentes no mercado mundial, bem assim a obtenção de maiores lucros em investimentos realizados nos mercados financeiros. Esse processo é incrementado pela evolução da tecnologia nos meios de transportes, que permitem que cada etapa de produção de um bem seja efetuada em um país diferente, e das comunicações, que eliminam as distâncias na realização das decisões empresariais.

Neste cenário torna-se difícil fazer menção a capitais ou

Jete Jane Fiorati, Profa. Adjunta de Direito Internacional da UNESP. Mestre e Doutora em Direito e Livre Docente em Direito Internacional. Consultora da Fapesp e Bolsista Pq 1C do CNPq período 1999-2015.

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tecnologia nacionais, devendo ser enfatizada a interdependência econômica, propiciada pela redução das distâncias propiciadas pela evolução tecnológica. A interdependência econômica trazida pela tecnologia e pelas práticas comerciais do capitalismo em conjunto com acordos regionais e preferenciais em matéria de comércio internacional afetou a maneira de realizar negócios, que antes possuíam caráter nacional e hoje se tornaram mundiais. Este fenômeno ocasionou uma modificação nos padrões da produção agrícola, industrial e comercial, exigindo do Estado a definição de políticas que desenvolvam as chamadas “vantagens comparativas dos Estados no comércio internacional”. Há uma interdependência dos efeitos de decisões tomadas em âmbito nacional sobre as atividades internacionais e de decisões tomadas no âmbito internacional sobre as atividades nacionais. Não há mais como se formular políticas nacionais sem levar em conta o comércio e o cenário internacionais.

O início do processo de globalização se deu com a consolidação da Revolução Industrial com a produção em escala e série e a implantação do moderno mercado de trocas. Entre o surgimento do Homo sapiens sobre a terra e a implantação do mercado mundial tal como é conhecido hoje, séculos de civilização, um longo caminho foi percorrido pelos seres humanos.

É possível observar que no inicio da produção em série de artefatos para uso e consumo e da acumulação de riqueza existiam duas categorias de bens produzidos pelo homem: aqueles destinados ao consumo imediato e aqueles que visam dar durabilidade ao mundo humano, que são passíveis de infinitas trocas necessárias à acumulação de riqueza, uma vez que não desaparecem de imediato, como os bens destinados ao consumo, mas apenas se desgastam com o uso ou tornam-se obsoletas (caso das tecnologias).

A partir do momento em que a globalização se consolidou e imprimiu velocidade e instantaneidade à produção de bens, foi paulatinamente destruída a distinção entre os diversos bens produzidos, porque inclusive os bens duráveis necessitam ser substituídos rapidamente por outros, sob pena de excesso de produção e queda vertiginosa de preços.A sociedade foi paulatinamente tornando-se consumidora de todos os produtos duráveis ou não. Assim, tudo o que existe torna-se objeto de consumo, inclusive coisas duráveis bem como a tecnologia para produzi-los. O mundo torna-se uma incessante corrida para ver quem produzirá mais, por menor preço, com melhor qualidade para depois descartar-se o produto porque um outro produto mais novo, mais bonito, com uma cor diferente apareceu no mercado. A obsolência dos produtos é cuidadosamente programada: os produtos já nascem

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velhos.

Há uma incessante disputa pelo desenvolvimento de patentes e produtos e uma indução de seu consumo instantâneo. Este desenvolvimento incessante, esta corrida para descoberta e comercialização de novos produtos, meios, técnicas, processos e conhecimentos geram riscos de toda espécie: ambientais, econômicos, comerciais, tecnológicos. E riscos não previstos, não avaliados podem gerar crises. Portanto, o risco é inerente à globalização dos mercados.

Tanto o comércio internacional quanto as finanças e a economia internacional necessitam de alguns denominadores comuns que são, em boa parte, responsabilidade de diferentes Estados: moedas estáveis que expressam o preço dos produtos, regras razoáveis para a livre circulação de mercadorias, bens, serviços e capitais e meios e técnicas jus-econômicas aceitas e reconhecidas como justas e razoáveis para avaliação de mercadorias, bens, serviços, negócios, valores e riscos. A circulação de bens, produtos, serviços, capitais e de tecnologia somente se concretiza se, ao lado das regras internacionais existentes também as regras e as políticas domésticas contribuírem para tal fim, estabelecendo parâmetros jus-econômicos adequados.

A Organização Mundial do Comércio é responsável pela criação de regras internacionais sobre a circulação de bens, de serviços, de tecnologia e de mercadorias. Suas regras refletem o consenso dos seus Estados membros e não há consenso entre eles sobre todos os temas essenciais do comércio internacional, havendo a aplicação ainda em muitos casos das regras domésticas sobre comércio. O FMI – Fundo Monetário Internacional disciplina a circulação internacional de divisas, mas não existe uma “moeda internacional”: todas elas são emitidas pelos Estados Soberanos ou pela União Européia (no caso do Euro) e disciplinadas pelas respectivas políticas monetárias domésticas. Por outro lado, o mundo assiste desde 2008 à paralisação das negociações sobre livre comércio na OMC, bem como ao desequilíbrio no câmbio e na circulação de moedas no cenário internacional, essenciais à realização de negócios internacionais.

A crise econômica mundial que se iniciou em 2008 nos mercados imobiliário e financeiro dos Estados Unidos da América atingindo fortemente as economias da Europa e do Japão e repercutindo em maior ou menor escala em todos os outros Estados do globo teve como primeiro efeito uma diminuição de mais de 10% nos fluxos internacionais de comércio o que gerou, por sua vez, medidas e auxílios estatais, em especial nos Estados Desenvolvidos para conter os reflexos da crise. Muitas destas medidas em especial os Programas de Estímulos Governamentais nos Estados Unidos e em Estados da Europa tinham e

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tem forte caráter protecionista e acabaram por ser copiados nos anos de 2011 e 2012 por países emergentes como China e Brasil, sem produzir os mesmos efeitos no crescimento econômico. Em decorrência deste fator as Negociações para Conclusão da Rodada Doha de Negociações Comerciais da OMC foram congeladas e estendidas para além de 2015. O protecionismo em todos os setores recrudesce em épocas de crise e há pouco interesse de Estados e governos de avançar em negociações internacionais de caráter global que tenham reflexos em medidas de política econômica interna que beneficiam setores comerciais, econômicos e financeiros fragilizados.

Assim quanto menor é o consenso entre Estados para criação de regras comuns para o comércio, maiores são os custos e os riscos para as empresas que realizam negócios internacionais porque padrões normativos diferentes e muitas vezes divergentes precisam ser seguidos. Quanto maiores os Programas de Estímulos à Economia, maiores serão os déficits fiscais, que geram mais riscos e incertezas sobre a política monetária dos Estados, o que repercute sobre a moeda e o câmbio internacional de moedas, criando desequilíbrios e dificuldades no balanço das empresas que atuam no cenário internacional.

Enfim quanto maiores são as incertezas, mais difícil se torna atribuir um valor, avaliar um negócio, um ativo, um contrato, um bem, uma tecnologia. Jamais pode ser esquecido que o início da crise econômica que o mundo atravessa se originou pelo fato de pessoas físicas tomarem de bancos empréstimos cujos valores excediam em muito o valor de sua residência dada como garantia do negócio. Assim como avaliar e valorar riscos?

Desde os primórdios a humanidade manifestou temor e cautela com o desconhecido e com tudo o que pudesse gerar incerteza como os desastres naturais, os raios, o trovão e a morte e procurou minorar as consequências dos riscos ou precaver-se deles através da realização de rituais e oferendas religiosas ou por meio da magia. No mundo dos negócios, a tentativa de precaver-se dos riscos originou a criação dos seguros marítimos na Europa do século XIV.

No século XVIII com o surgimento da modernidade e do pensamento racional, paulatinamente começa o homem a buscar o conhecimento de si próprio, do contexto econômico, social e cultural em que vive com a finalidade de gerir os riscos através da criação dos institutos jurídicos da responsabilidade civil pelos riscos e, já no século XX, da responsabilidade objetiva. Ocorre que o processo de globalização torna a ocorrência de danos um fato comum e cria para a humanidade a obrigação de calcular e prever os danos e riscos causados pelas suas atividades. Na “Era da Incerteza”, a humanidade passa a ter uma

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percepção aguda e constante sobre os riscos que a cerca e assim surge a partir do processo de criação e prevenção dos riscos a chamada “Sociedade Reflexiva”. (BECK, 1992, p. 21).

Se assim é, torna-se útil uma reflexão sobre “[...] o que os homens fizeram e estão fazendo” e como “refletiram e julgaram e estão refletindo e julgando o que fizeram e o que fazem” nestes séculos da História.

Hannah Arendt apresenta em suas obras “A Condição Humana” e “The Life of the Mind”, uma interessante reflexão sobre o caminhar da humanidade pelos séculos da História. Em sua reflexão sobre o que os homens fazem, Arendt definiu três atividades centrais que correspondem às condições básicas da vida humana a saber, o labor, o trabalho e a ação, enquanto em seu estudo sobre a reflexão dos homens, a autora definiu a vontade, o pensamento e o julgamento como os três estados que demonstram a vida do intelecto.

Em “A Condição Humana”, Hannah Arendt define o labor como atividade inerente ao corpo humano no que tange à exigência de manter-se vivo. (ARENDT, 1987, p. 15). O labor é a condição de vida comum a homens e a animais sujeitos à necessidade de prover a própria subsistência. Daí a denominação de animal laborans para o homem enquanto ser que labora para prover a sua própria subsistência, comumente utilizada na Antiguidade Clássica para nomear a categoria dos escravos. (ARENDT, 1987, p. 31). O trabalho é a atividade correspondente à criação de coisas artificiais, diferentes do ambiente natural e que transcendem às vidas individuais. Ao construtor do mundo foi dado o nome de homo faber. (ARENDT, 1987, p. 15).

Em “A Condição Humana”, ainda, é apresentada a definição de ação:

Atividade exercida entre homens, independentemente da produção de coisas ou da manutenção da vida, devido ao fato de que os homens e o homem vivem na terra e habitam o mundo. (ARENDT, 1987, p. 31).

Existente é a ação porque é a pluralidade humana a condição de existência do homem sobre a terra: somos seres racionais igualmente humanos, mas cada qual apresenta diferenças e variações em seus caracteres individuais e para que se reflitam essas diferenças necessitamos da constante presença e continuado diálogo com outros. (ARENDT, 1987, p. 31).

A expressão vita activa utilizada para designar “o que os homens fazem” é comum desde a Antigüidade. Aristóteles já definia duas esferas relacionadas com as atividades humanas: a oikia (casa), cujo

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centro era a vida familiar e privada com o domínio de uma só pessoa, e a polis, que dava ao indivíduo uma vida em comum e que era governada por muitos. Na oikia, o homem realizava as atividades ligadas às necessidades de seu corpo para manter-se vivo e nela estavam as mulheres responsáveis pela procriação e os escravos responsáveis pela supressão das necessidades da vida. Em contraposição, na polis, os homens se relacionavam com os seus iguais por meio de palavras e do discurso, exercitando-se continuamente na arte do acordo e da persuasão, e não da violência: somente por meio da constante criação de novas relações meio da constante criação de novas relações os homens se autogovernam sem se dominarem uns aos outros ou se deixarem dominar uns pelos outros. (ARENDT, 1987, p. 41).

Enfatiza Aristóteles que a finalidade da polis era garantir “uma boa vida aos cidadãos”, sendo inquestionável que a “boa vida” somente seria possível se ele vencesse a necessidade, condição essencial para o exercício da liberdade. Como todos estão sujeitos à necessidade, somente a violência consubstanciada no ato de subjugar outros homens tornando-os escravos poderia livrar o homem da necessidade. Assim o Filósofo, em célebre panegírico, defende a escravidão como condição necessária à “boa vida” na polis, pois sem recursos técnicos o homem da Antigüidade somente estaria livre de prover sua subsistência, podendo ocupar se dos negócios públicos, se conseguisse subjugar escravos que com o seu labor lhe satisfizesse essas necessidades. (ARENDT, 1987, p. 94).

Apesar do desprezo pela atividade do labor, que igualava homens e animais, os gregos tinham dentro da esfera privada uma outra atividade, a qual se dedicavam freqüentemente os estrangeiros: eram os negócios privados, exercidos por aqueles que estavam excluídos da esfera pública, mas que também não eram escravos, e dedicados à construção do mundo. Era o trabalho ou fabricação que, embora tornasse ricos os que a ela se dedicavam, não lhes dava o direito de participação política.

Com o advento do Cristianismo, o “estar na companhia de outros”, característica da vida política e da ação, perdeu lugar para a prática da fé e da bondade, que, por sua vez, destroem a esfera pública: o discurso e a ação requerem testemunhas e coadjuvantes, enquanto a verdadeira bondade jamais pode requerer testemunhas ou memória do ato. Talvez seja por esse motivo que Maquiavel, que, a exemplo dos gregos, utilizava-se do critério da glória para julgar a política, tenha afirmado que os homens não deviam ser bons. (ARENDT, 1987, p. 182).

Na civilização cristã, a vita activa cedeu lugar à contemplação, uma vez que os gregos, quando praticavam a arte do discurso, queriam permanecer na memória de seus companheiros, queriam a imortalidade na terra, enquanto aos cristãos somente era relevante a vida eterna,

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extraterrena, imemorial e atemporal, e seu caminho era a fé, a esperança e a caridade, virtudes estritamente antipolíticas. (ARENDT, 1987, p. 83).

Se o Cristianismo trouxe a prevalência da contemplação sobre a vita activa, a Modernidade do final dos séculos XVIII e XIX aboliu as distinções entre as atividades da vita activa ligadas à manutenção da vida (labor) e da construção do mundo (trabalho). É de Locke a frase que Arendt utiliza como mote para iniciar o estudo sobre o labor: “O Labor de nosso Corpo e o Trabalho de nossas Mãos”. (ARENDT, 1987, p. 90).

Locke, juntamente com Adam Smith, na “Riqueza das Nações”, enfatiza que é a riqueza que implica a acumulação de mais riqueza, e não a propriedade, a base do progresso das nações . Como a apropriação para a acumulação depende da repetição infinita de atos, é o labor, e não o trabalho, a atividade humana apta para prover essa acumulação, porque das três atividades é a única que se esgota somente com o final da vida e tem conseqüências previsíveis.Daí o surgimento da “força de trabalho” ou “labor power”, que pode ser vendida com o objetivo de acumulação de riqueza. (ARENDT, 1987, p. 116-117).

É possível observar que a era moderna, da produção em série de artefatos para uso e consumo e da acumulação de riqueza, necessita de coisas que possam ser trocadas, uma vez que a propriedade das coisas e a possibilidade de sua transformação em riqueza é um dos fundamentos do sistema capitalista que se consolidou na modernidade. Estas coisas cujo destino é a troca constituem parcela do mundo humano que necessita de alguma objetividade e estabilidade para perdurar. Portanto, existem duas categorias de bens produzidos pelo homem: aqueles destinados ao consumo imediato e aqueles que visam dar durabilidade ao mundo humano, que são passíveis de infinitas trocas necessárias à acumulação de riqueza, uma vez que não desaparecem de imediato, como os bens destinados ao consumo, mas apenas se desgastam com o uso ou tornam-se obsoletas como as tecnologias.

No mercado de trocas, as coisas não tem um valor absoluto e imutável. O valor de troca das coisas depende de um enorme conjunto de fatores: além do estado da coisa e do seu custo de produção, é necessário verificar o interesse por ela no mercado, o custo e quantidade de produtores de coisas iguais ou semelhantes-lei da oferta e da procura – valor e câmbio da moeda de troca, políticas estatais relativas à produção da coisa e à moeda de troca – impostos, taxa de inflação, taxa de juros, custos de logística - entre outros fatores.

Desta forma, é com o apogeu da indústria nos séculos XIX-XX que surge a idéia de relatividade inserida no conceito de valor. Em sua obra “Entre o Passado e o Futuro”, Hannah Arendt esboça claramente o pensamento dominante nestes séculos:

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Valores são bens sociais que não têm significado autônomo, mas como outras mercadorias, existem somente na sempre fluida relatividade das relações sociais e do comércio. Através desta relatividade, tanto as coisas que o homem produz para seu uso como os padrões conforme os quais ele vive sofrem uma mudança decisiva: tornam-se entidades de troca e o portador de seu valor é a sociedade e não o homem que produz, usa e julga. (ARENDT, 1972, p. 87).

O bem perde seu caráter de idéia, padrão pelo qual o bem e o mal podem ser medidos e reconhecidos: torna-se um valor que pode ser trocado pôr outros valores, tais como a eficiência e o poder. O detentor de valores pode recusar-se a esta troca e tornar-se um idealista que estima o valor do bem acima do valor da eficiência, pôr exemplo; isto, porém em nada torna o valor do homem menos relativo. (ARENDT, 1987, p. 60).

Os instrumentos e as coisas fabricadas criam para o fabricante um mundo comum com os outros: os objetos de seu trabalho são expostos no mercado de trocas e esse mercado reflete uma esfera pública distorcida pela relatividade dos valores. Já para o ser que labora, o animal laborans, é impossível compreender a relatividade dos valores porque, para ele, somente existe o absoluto valor da necessidade, e, como somente o consumo é capaz de satisfazê-la, o animal laborans trata todas as coisas como objeto de consumo, gerando a desvalorização de todos os valores. (ARENDT, 1987, p. 62).

A ação e o agente surgem num mundo que já existia, mas ao qual ele, ao surgir, acrescenta algo com as suas palavras, feitos e potencialidades que são demonstradas a seus semelhantes. Em suma: o agente se revela no ato e mostra sua dignidade de homem no ato de conviver com seus semelhantes na esfera pública. (ARENDT, 1987, p. 193). Esses atos produzem História que depois torna imortais os seus autores, cabendo à polis preservar à memória posterior os atos originários do discurso, da ação, da experiência e do julgamento do que torna útil aos homens conviverem juntos. (ARENDT, 1987, p. 197 e 209). Sendo a polis o espaço em que os homens aparecem para revelarem as suas potencialidades, ela configura-se no espaço de poder, organizado por meio do acordo com os semelhantes em torno da realização dos negócios públicos.

A Era Moderna substituiu a ação pela fabricação, uma vez que a imprevisibilidade dos resultados e a irreversibilidade dos feitos característicos da ação a fazem inútil a um mundo preocupado com produtos e lucros. Para o fabricante do século XIX, a função do Estado é

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a defesa dos que têm alguma propriedade contra os que não têm nenhuma, e não a pluralidade humana. (ARENDT, 1987, p. 232). Mais a mais, a inversão cristã entre ação e contemplação foi útil a esses fabricantes: é necessário primeiro a idéia do objeto para depois se construí-lo. Por isso, a fabricação prescinde da ação, mas não da contemplação.

Para que os lucros soassem, era necessária a estabilidade política, algo frontalmente contrário à ação, que é, por sua natureza, irreversível e instável. Desde os tempos antigos que a irreversibilidade da ação é combatida com o perdão: o perdão liberta o agente das conseqüências prejudiciais de seu ato que poderiam prorrogar indefinidamente o processo com a reação do ofendido. Contemporâneo ao perdão é a faculdade de fazer promessas para combater a imprevisibilidade: a promessa cria um espaço de certeza entre os homens por meio do acordo firmado com fundamento na pacta sunt servanda. Em última análise, as normas representam acordos que fundam a paz na comunidade dos agentes.

Apesar disso, a Era Moderna, que primeiro transformou a ação em fabricação e depois aboliu a diferença entre o trabalho e o labor-consumo, perdeu por inteiro a fé nas potencialidades da ação, que, por sua vez, sempre fundou a existência da comunidade política dando-lhe um significado: o estar com os outros. O homo faber, com sua insistência na relação entre meios e fins e na prática de apropriação contínua de riqueza para a acumulação dessa mesma riqueza, deixou-se levar pelos valores criados pelo mercado, passando a duvidar da existência de valores absolutos e universais ou de valia intrínseca das coisas e objetos. Se não há mais padrões universais, somente resta ao fabricante isolado de seus semelhantes voltar-se para si mesmo: é o fenômeno da introspecção, que vota imensa desconfiança ao mundo comum tal qual aparece aos nossos sentidos. Não temos mais a concepção de um mundo comum e perdemos aquela forma de vermos o mundo tão típica da Antigüidade, o senso comum, próxima dos topoi gregos ou das máximas romanas.

O mundo instrumentalizado do homo faber, já despido de significado, perdeu lugar, em nossos tempos, para o mero existir, para a satisfação das necessidades corpóreas, que deu origem ao hedonismo universalizado em matéria política: procura-se a felicidade do maior número de pessoas em detrimento da conservação do mundo comum. Neste século, com a perda da fé na vida eterna e em si mesmo, o homem reduziu a felicidade ao interesse único e exclusivo da manutenção de sua vida.

A esse homem que perdeu a fé, o mundo comum, a capacidade de pensar e de agir e até o controle sobre os objetos que fabrica (vide a

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questão nuclear) somente resultou a preocupação com a própria sobrevivência. Estamos na sociedade automatizada, da qual se espera dos homens um comportamento uniforme, um comportamento de seres que laboram para a satisfação de suas necessidades. A sociedade dos homens que laboram é a sociedade dos consumidores, daqueles que consomem para continuarem laborando: todas as atividades humanas voltaram-se à categoria da manutenção da vida em abundância. (ARENDT, 1987, p. 139). O único valor é o consumo, pois somente ele pode satisfazer as nossas necessidades: o que não serve para consumir e ser consumido não tem significado nem valor.Nesta sociedade de “detentores de empregos”, a necessidade de consumir uniformiza a todos para depois desvalorizá-los. (ARENDT, 1987, p. 337).

Comentando “A Condição Humana” e inspirado em “Entre o Passado e o Futuro”,

Tércio Ferraz Júnior, ao transmutar o pensamento de Hannah Arendt para o Direito, assim descreve o homem e o Direito contemporâneos:

O último estágio de uma sociedade de operários, que é uma sociedade de detentores de empregos, requer de seus membros um funcionamento puramente automático, como se a vida individual realmente houvesse sido afogada no processo vital da espécie e a única decisão ativa exigida do indivíduo fosse, por assim dizer, se deixar levar, abandonar a sua individualidade, e aquiescer num tipo funcional de conduta entorpecida e tranquilizante. Para o mundo jurídico o advento da sociedade do animal laborans significa, assim, a contingência de todo e qualquer direito, que não apenas é posto por decisão, mas vale em virtude de decisões, não importa quais, isto é, na concepção do animal laborans, criou-se a possibilidade de manipulação das estruturas contraditórias, sem que a contradição afetasse a função normativa... A filosofia do animal laborans deste modo assegura ao direito, enquanto objeto de consumo, uma enorme disponibilidade de conteúdos. Tudo é possível de ser normado e para uma enorme disponibilidade de endereçados, pois o direito não depende mais do status, do saber, do sentir de cada um, das diferenças de cada um, da personalidade de cada um.

Continuando, Ferraz Júnior afirma:

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Ao mesmo tempo continua sendo aceito por todos e por cada um, em termos de uma terrível uniformidade. Em suma, com o advento da sociedade do animal laborans ocorre uma radical reestruturação do Direito, pois sua congruência interna deixa de assentar-se sobre a natureza, sobre o costume, sobre a razão ou a moral e passa reconhecidamente a basear-se na própria vida social, da vida social moderna, com sua imensa capacidade para a indiferença. Indiferença quanto ao que valia e passa a valer, isto é, aceita-se tranqüilamente qualquer mudança. Indiferença quanto à incompatibilidade de conteúdos, isto é, aceita-se tranqüilamente a inconsistência e convive-se com ela. Indiferença quanto à divergência de opiniões, isto é, aceita-se uma falsa idéia de tolerância, como a maior de todas as virtudes. Este é afinal o mundo jurídico do homem que labora, para o qual o direito é apenas e tão-somente um bem de consumo. (FERRAZ JÚNIOR, 1987, p. 30-31).

2. Sociedade Reflexiva: como os homens refletem e julgam o que fazem

Se na “Condição Humana” Arendt se preocupa com o que é genérico e com o que é específico na condição humana, enfatizando que

[...] através de sua singularidade o homem retém a sua individualidade e, através de sua participação no gênero humano, ele pode comunicar aos demais esta singularidade. (LAFER, 1979, p. 28).

Em “The Life of the Mind”1, a autora se dispõe a analisar os

processos mentais que implicam nessa singularidade: o pensar, o querer e o julgar. Por questões metodológicas e temáticas, apenas será objeto de análise a obra de Arendt sobre o juízo, uma vez que, ao tratarmos “do que fazem os homens”, mister a ênfase de “como eles julgam o que fazem”, especialmente aqueles atos que terminam por se dirigir contra outros homens, enquanto membros da espécie humana. Mais a mais, o pensamento da autora fornece elementos valiosos sobre o ato de julgar dos tribunais relativamente à conduta humana num mundo em que os homens perderam o senso comum.

Segundo Arendt, o homem se revela aos seus semelhantes por

1 Todos os textos da obra “ The Life of the Mind” citados neste artigo foram traduzidos pela Autora.

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meio da palavra: portanto, essa revelação se dá no espaço público e mostra nossas diferenças em relação a outras pessoas. Por meio das palavras, os homens aparecem aos outros: daí, para Arendt, aparência e ser se confundem, uma vez que as coisas são na mesma medida em que aparecem, não existindo isoladamente, e sua realidade é percebida num contexto em que existem outros. Isso é o que chamamos de sexto sentido, que “[...] na realidade unifica os outros sentidos, publicizando-os num mundo compartilhado”. (ARENDT, 1978, p. 29).

A função do senso comum, portanto, é integrar o indivíduo no mundo intersubjetivo e visível das aparências, que é o mundo dado pelos cinco sentidos no qual existimos como espécies. (LAFER, 1979, p. 85). Comentando a atividade de pensar, Lafer afirma que “[...] o querer e o julgar compartilham com o pensar o processo prévio de provisório desligamento do mundo”. (LAFER, 1979, p.101). Ocorre que o pensar não fundamenta o querer e o julgar, próprios para a apreciação de situações particulares e específicas. Destarte, tanto a vontade como o juízo são autônomos ao pensamento porque referem-se especificamente a particulares. O querer visa ao futuro, porque a vontade torna-se intenção para a decisão do que virá a ser. Já o julgar é uma atividade ligada à construção mental da subsunção entre um geral dado e um particular já ocorrido, referindo-se a situações passadas. (ARENDT, 1978, p. 337).

Ao discutir a vontade, a autora menciona, no segundo volume de “The Life of the Mind”, o posicionamento de Duns Scotus, professor de Guilherme de Ockan, e que foi um dos primeiros autores a tratar da vontade como faculdade que permite ao homem mostrar sua individualidade de ser singular, ao permitir à mente ultrapassar seus próprios limites. (ARENDT, 1978, p. 121 e 126). Segundo Lafer, “[...] a quintessência do pensamento de Scotus é a de postular a contingência como um modo positivo do ser” (LAFER, 1979, p. 113), apontando para a singularidade que não se subsume no geral como livre arbítrio ou liberdade na escolha de atos. Tanto Scotus como Ockan privilegiaram a singularidade e a intersubjetividade como fatores fundamentais do relacionamento entre os homens. E foi esse privilégio que contribuiu para o surgimento, já na Idade Moderna, da categoria dos Direitos Humanos.

Seguindo esse caminho, Arendt elaborou um apêndice ao segundo volume de The Life of the Mind, referindo-se à atividade de julgar, tomando como ponto de partida a “Crítica ao Juízo” do filósofo alemão Emmanuel Kant. Para Kant, o juízo é a atividade de subsumir o particular no geral: é o que conhecemos por juízo determinante e que em nossos tempos se sujeita à Hermenêutica, à idéia de razoabilidade e à Tópica. A razoabilidade implica a adequação entre os fatos, as circunstâncias em que se produziram, as circunstâncias em que se

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encontrava o agente e as normas interpretadas segundo a sua finalidade, objetivando a busca do senso comum. Já a Tópica representa a busca do comum no Direito e na Política, procurando encontrar os princípios que os transcendem por intermédio da prudência. A Tópica constitui-se de um juízo retórico fundado na prudência e não na demonstração, sofrendo influências do juízo reflexivo.

Não obstante, existem situações que nem mesmo a razoabilidade constitui critério para propiciar um julgamento justo. No mundo em que vivemos, o mundo do animal laborans, essas situações são muito comuns, uma vez que se perderam o senso comum e o mundo comum responsável pela noção de razoabilidade. Apesar disso, sabemos que o animal laborans precisa de regras que aparecem por intermédio de leis, costumes e convenções expressas em palavras. Como o consenso expresso do animal laborans diz respeito às necessidades ligadas à manutenção da vida, ao consumo incessante de tudo o que há no mundo, esse consenso expressa-se em termos vagos, ambíguos, sobre pontos específicos tangentes a uma realidade que se demonstra desconectada e fragmentada.

Essas leis, acordos, costumes e convenções expressam padrões universais vagos. Em conseqüência, torna-se muito difícil o ato de julgar, uma vez que não existe uma regra geral determinada e clara a qual se deva subsumir o caso. É necessário um novo juízo, o juízo reflexivo, que permite ao julgador julgar o particular sem subsumi-lo diretamente no geral. Arendt toma emprestado a Kant a afirmação de que “[...] o juízo reflexivo se opera através de pensar no lugar do outro” (ARENDT, 1978, p. 257) possibilitando o alargamento do raciocínio ligado ao pensamento do que o outro pensa. Para Arendt, o julgamento reflexivo que se preocupa com os particulares não se baseia em critérios gerais e universais, mas sim em opiniões. Disso resulta o fato de que é o juízo reflexivo, comumente utilizado na vida política, o mais democrático: todos podem ter opiniões. Algo semelhante ocorre com a Tópica, que é um pensamento problemático que tem como ponto de partida o caso concreto sobre o qual se emitem opiniões.

Se o juízo é a faculdade de pensar um particular buscando um geral que a ele corresponda, problemático se torna a existência de um geral fragmentado e vago. Portanto, é necessário criar um critério que permita uma comparação de particulares, que funcionaria como um critério geral. Esse critério terminaria por conduzir a generalização dos juízos reflexivos. Analisando Kant, Arendt afirma ser o gosto e/ou senso estético um dos critérios para o juízo reflexivo porque emitido acerca de um mundo comum e comunicável por palavras. O gosto e a opinião vindos a público pela comunicação e pela persuasão mostram não

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somente a concordância com o próprio eu, mas principalmente uma concordância potencial com os outros. Para Kant, a capacidade de julgar é a

[...] faculdade de ver as coisas não apenas do próprio ponto de vista, mas na perspectiva de todos aqueles que porventura estejam presentes: o juízo pode ser uma das faculdades mentais do homem enquanto ser na medida em que permite a sua orientação no mundo comum. (ARENDT, 1978, p. 275).

Enfatiza a autora que:

A eficácia do juízo reflexivo repousa em uma concordância potencial com outrem, e o processo pensante que é ativo julgamento de algo não é, como o processo de pensamento do raciocínio puro, um diálogo de mim para comigo, porém se acha sempre e fundamentalmente, mesmo que eu esteja inteiramente só ao tomar minha decisão, em antecipada comunicação com os outros com quem sei que devo afinal chegar a algum acordo. O juízo obtém sua validade específica desse acordo potencial. Isto por um lado significa que esses juízos devem se libertar das condições subjetivas pessoais, isto é, das idiossincrasias que determinam naturalmente o modo de ver de cada indivíduo na intimidade e que são legítimas enquanto são apenas opiniões mantidas particularmente, mas que não são adequadas para ingressar em praça pública e perdem toda a validade no domínio público... Como lógica para ser correta depende da presença do eu, também o juízo, para ser válido, depende da presença de outros. Por isso o juízo é dotado de uma certa validade específica, mas não é nunca universalmente válido. Suas pretensões à validade nunca se podem estender além dos outros em cujo lugar a pessoa que julga colocou-se para as suas considerações. O juízo, diz Kant, é válido para toda pessoa individual que julga, mas a ênfase na sentença recai sobre o que julga não sobre o outro que julga. (ARENDT, 1978, p. 274-275).

Outro critério seria o da validade exemplar: estabelecer a analogia entre o particular e o exemplo por conta de uma regra geral: Hércules é o exemplo da força e Rui Barbosa da inteligência e cultura. Arendt não enfatiza a importância epistemológica de outro critério

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kantiano: o apelo à razão reguladora da humanidade, ligado ao juízo determinante, uma vez que, para ela, a comunidade do animal laborans está perdendo o seu senso de humanidade e de valores gerais definidos. Nesse ponto, cabe uma crítica ao pensamento da autora. Notas Conclusivas

Apesar do esgarçamento do mundo comum, é necessário que se tenha algum padrão mínimo a orientar a conduta individual, mesmo que seja na sociedade dos “homens que laboram”, uma vez que, se assim não for, partiremos para o isolamento. Modernamente com a perda desse mundo comum, somente as leis terminam por descrever uma conduta mínima, conduta essa que muitas vezes se antepõe aos desejos mais íntimos de cada um de nós. Ocorre que, como as leis não representam mais os desvalorizados valores da comunidade, mas sim prescrições derivadas do poder que podem mudar a qualquer hora, podemos opinar sobre sua validade a qualquer momento. Portanto, ainda temos que procurar algum critério para fundar as condutas em sociedade para evitar que elas se transformem em condutas próprias da vida na selva. Entre eles, critérios de respeito ao homem, mesmo sendo ele o animal laborans que deve ter seu direito à vida, à liberdade, à saúde, ao labor do qual provê a sua subsistência e alimento expressos em regras escritas ou costumeiras, regras essas que se inserem na categoria dos Direitos do Homem, que podem preencher a função de definir uma condição humana mínima ao homem como forma de um patrimônio simbólico fundante de um mundo esgarçado.

O jurista Celso Lafer, considerado um dos grandes estudiosos da obra de Arendt entre nós, teceu importantes analogias entre o pensamento de Arendt e o estudo do Direito, especialmente no que tange aos Direitos Humanos. Em “A Reconstrução dos Direitos Humanos: um Diálogo com Hannah Arendt”, o autor parte do pressuposto de que a preocupação fundamental de todo o pensamento de Arendt é o homem, que, na sociedade de massas, moderna e consumista, corre sério risco de perder sua condição, não sentindo o mundo como sua casa e estando prestes a tornar-se um ser descartável. (LAFER, 1991, p. 08).

Procurando traçar a origem do desconforto e da descartabilidade do homem, Lafer, seguindo os passos de Arendt, localizou-os no totalitarismo, fenômeno exclusivo do século XX, que retira do homem a sua condição humana, tratando-o como um ser descartável que pode ser trocado por outro, substituído ou igualado a uma coisa. Partindo da situação extrema de violência constituída pelo totalitarismo, Lafer procura elaborar uma análise da legalidade e da legitimidade de um poder

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e de um Estado que reduzem os homens a instrumentos geradores de novas violências contra outros homens. Representa o totalitarismo uma ruptura na evolução histórica da tradição ocidental, vinculando-se ao fenômeno da descontinuidade e da fragmentação do mundo moderno. (LAFER, 1991, p. 81).

O totalitarismo tem seu correspondente jurídico no amorfismo (LAFER, 1979, p. 95) e na sistemática ignorância da lei pelos governantes, que fundamentam suas ações no partido, na polícia ou no poder da mídia, considerados instituições acima da lei e que seguem regras próprias desconhecidas do público. Não há hierarquias e competências definidas para tais órgãos e instituições nos governos totalitários, o que torna isolados e inseguros os indivíduos. A lei máxima dos regimes totalitários não é fruto da convivência humana, mas de pretensas leis da natureza e da história para medir as ações dos homens, cabendo ao líder enunciar o seu conteúdo, a interpretação e a aplicação de tais leis. Destarte, o totalitarismo é imprevisível: não se trata de um governo despótico que quer perpetuar-se no poder, como os regimes autoritários latino-americanos da segunda metade deste século, mas sim de um governo que despreza a si próprio e à sua utilidade, mantendo uma insana burocracia por intermédio do terror aos súditos, especialmente aqueles ligados a determinadas categorias da população, como os judeus na Alemanha nazista, os nobres e os tártaros sob o governo de Stálin. A sobrevivência do governo e sua perpetuação no poder se dá por meio da constante subjugação dessas categorias e da constante ameaça a todos os outros indivíduos de serem subjugados.

O terror é o fundamento da “legalidade totalitária”, pois somente ele poderá manter segregados determinados setores da população, escolhidos pelo líder como adversários, independentemente de quaisquer atos que tenham praticado, porque a guerra incessante contra esses inimigos objetivos (expressão de Arendt) é que legitima a permanência no poder do líder totalitário. Quando se examina a descrição de Arendt do totalitarismo, é possível que se pense que nazismo, stalinismo, perseguições religiosas fazem parte do passado e que essa experiência esteja ausente em nossos dias. Não é verdade: Bósnia e a antiga Iugoslávia, Ruanda, Zaire, Afeganistão, Haiti, Síria ou Iraque nos mostraram e mostram que as perseguições raciais e /ou políticas, com o radical isolamento de determinadas categorias da população, são possíveis e que, ainda hoje, não encontramos soluções adequadas para garantir os mínimos direitos aos habitantes da Terra.

Arendt talvez nos mostre a chave para a compreensão de experiências totalitárias, negadoras dos mínimos direitos da população, ao mencionar que, no início dos movimentos nazistas e stalinistas,

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existiam pessoas, como os desempregados, refugiados, apátridas, homossexuais e marginais; que eram percebidas pelas outras pessoas como seres supérfluos, seres despidos de qualquer utilidade. O totalitarismo nasce, então, em virtude da própria condição de animal laborans do homem moderno: um homem que apenas sobrevive, cujos valores se encontram em descrédito, que tem dificuldade para pensar e formular um conceito de mundo e, por isso, pode ser manipulado, não possuindo sua opinião, se isolada, maior importância num mundo em que ele não compartilha com os outros, onde ele representa o acréscimo de mais um na massa de outros seres igualmente anônimos.

O totalitarismo representou o ápice da violação ao homem de sua condição, uma vez que o reduziu a uma condição de não homem, que pode ser descartada: daí o surgimento do genocídio como forma extrema de eliminação dos seres supérfluos ou indesejáveis. Desse fato decorreu, no que tange à proteção dos direitos do homem enquanto homem, a qualificação técnico-jurídica de genocídio como crime contra a humanidade, conforme se deflui do art. 2º da Convenção para a Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio. Modernamente, grande importância assume o direito ao governo justo, o que tem inspirado aos filósofos modernos o estudo da desobediência civil. De Thoreau, o individualista que se recusa a violar a sua ética para dar cumprimento a uma lei injusta, a Ghandi, que busca a convergência de pessoas para sustentar a verdade frente à injustiça, a desobediência civil tem caracterizado-se como forma de contestação da legitimidade fundamentada na estrita legalidade, uma forma de resistir à opressão dos governantes que vedam o acesso público e a palavra a seus súditos. Por outro lado, Lafer, ao comentar Arendt, enfatiza a importância ao direito de estar só, ao direito à intimidade, e à importância dada a seu contraponto, o direito à informação. Modernamente, o direito à intimidade se liga não só à vedação de ingerência do poder público, como também da possibilidade de terceiros se imiscuírem, principalmente por meio de recursos tecnológicos, na vida privada das pessoas. Já o direito à informação se liga ao princípio da publicidade e da transparência do poder público, coibindo-se a mentira e a manipulação ideológica. Enfatiza Lafer: “A desolação derivada do totalitarismo tem como uma de suas características não a politização da sociedade, mas a destruição da esfera pública e a eliminação da esfera privada”. (LAFER, 1991, p. 302).

Essencial para a preservação da esfera privada é o direito à intimidade e à reflexão. A esfera privada, que se tornou pública por ser o cerne do único mundo comum que todos compartilham por meio da atividade do labor, somente poderá proteger o “diálogo do homem consigo mesmo” mediante a proteção de seu direito de alhear-se deste

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mundo privado compartilhado pelos homens que laboram por meio da proteção à intimidade.

Assim a reflexão apresenta-se como uma alternativa à existência puramente física do homem, ligada ao processo de satisfação de necessidades num mundo onde a técnica e a política permitem a descartabilidade do homem. Assim pode-se dizer que

Na modernidade as práticas sociais são constantemente examinadas e reformuladas à luz da informação renovada sobre estas mesmas práticas, alterando assim constitutivamente seu caráter. A reflexibilidade é, pos introduzida na própria base da reprodução do sistema. Em relação ao conteúdo da atitude reflexiva, as reivindicações da razão substituem as da tradição e por isso pareceriam oferecer uma sensação de certeza maior. Entretanto, a idéia da sensação de certeza não se sustenta quando se considera a razão como ganho de conhecimento certo, pois o conhecimento é sempre provisório e passível de revisão. (PAIM; NEHMY. 1996, p. 82 in BREVIGLIERI, E. M. B., 2014, p. 23).

Para concluir, podemos afirmar com Kourilsky e Viney que a

“sociedade reflexiva” estabelece alguns parâmetros para a avaliação dos riscos:

a) Todo risco deve ser definido, avaliado e graduado; b) A análise dos riscos deve ser comparativa; c) Antes da decisão toda análise de risco deve comportar uma análise econômica; d) As estruturas de avaliação dos riscos deverão ser independentes; e) As decisões devem ser, dentro do possível, revisáveis e as soluções adotadas, reversíveis e proporcionais; f) A diminuição da incerteza demanda a obrigação de pesquisar outras soluções alternativas; g) Os circuitos de decisão e os dispositivos de segurança devem ser apropriados, eficazes, coerentes e confiáveis; h) Deve haver transparência nas avaliações e decisões, implementando-se regras verificáveis de forma independente; i) Deve haver publicidade nas decisões. (KOURILSKY; VINEY, 1999, p. 32).

Referências ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva Universitária, 1972.

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______. A Condição Humana. São Paulo: Forense Universitária, 1987.

______. The Life of the Mind. New York: Brace Jovanovich Ed., 1978, v.1.

BECK, Ulrich. Risk Society: Towards a New Modernity. London: SAGE Publications LTD, 1992.

BREVIGLIERI, Etienne M. B. Desenvolvimento e responsabilidade civil: os riscos e custos do desenvolvimento tecnológico. Birigui: Boeral, 2014

FERRAZ JÚNIOR, Tércio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 1987.

KOURILSKY, P.; VINEY. G. Le Principe de Précaution. (Rapport au Premier Ministre), 1999. Tradução da Autora. Disponível em: http://www.ladocumentationfrancaise.fr/rapports-publics/004000402/ index.shtml. Acesso em 12jul 2013.

LAFER, Celso. Hannah Arendt, Pensamento, Persuasão e Poder. São Paulo: Paz e Terra, 1979.

______. A Reconstrução dos Direitos Humanos: um Diálogo com H. Arendt. São Paulo. Companhia das Letras, 1991.

LOCKE, John. Second Treatise of Civil Government. Section 26, s.d.

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A NOVA LEI DO SISTEMA BRASILEIRO DE

CONCORRÊNCIA E O CONTROLE DOS ATOS DE CONCENTRAÇÃO NO BRASIL

Elieser Severiano do Carmo

Sumário: Introdução. 1. Fundamentos da Defesa da concorrência. 2. Concentrações Econômicas. 3. O Tratamento Legislativo da Defesa da Concorrência no Brasil. 4. O controle dos Atos de Concentração no Brasil. Conclusões. Referências. Palavras Chave: 1. Sistema Brasileiro de Concorrência; 2. Lei 12.529/2011; 3. Atos de Concentração Econômica Introdução

As últimas décadas foram testemunhas de importantes mudanças no plano jurídico e econômico mundial, especialmente quanto ao desempenho das políticas dos Estados nacionais e o incremento do comércio internacional.

No plano internacional, estabeleceu-se uma nova ordem, profundamente alterada tanto em nível político, social, mas, sobretudo econômico. Houve, pois, verdadeira ruptura com os padrões até então vigentes, a qual pode ser sintetizada pela confluência dos seguintes elementos: globalização, liberalização e cooperação internacional.

A dinâmica tomou conta do mundo dos negócios e as empresas, defrontadas com os desafios desse novo mercado global, passaram a adotar a palavra “crescimento” como novo sinônimo de sobrevivência. Os parâmetros adotados nos mercados nacionais fechados tornaram-se inadequados para realidade econômica, obrigando as grandes empresas a se fortalecerem, incrementando o surgimento dos chamados trusts.

No plano interno, da mesma forma, as medidas de política econômica tendentes à estabilização da moeda, a ausência de câmbio fixo, o controle inflacionário e as medidas de desregulamentação e privatização de setores públicos específicos criaram condições para o estabelecimento de uma concorrência interna plena. Aliado a tais fatores, o abandono da política de substituição de importações, com abertura da economia, ensejando maior volume de novos investimentos, muitos em associação com empresas nacionais, outros mediante aquisição e controle acionário, impulsionaram o fenômeno das concentrações empresariais. Elieser Francisco Severiano do Carmo. Advogado. Mestre em Direito pela UNESP. Membro efetivo da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção São Paulo.

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A síntese de tais transformações é a de formação de um cenário

político-econômico perfeito, obrigando a reestruturação dos agentes econômicos mundiais na luta pela sobrevivência comercial, a qual colide, pelo menos superficialmente, com a concorrência de mercado.

Acentua-se então a necessidade de um controle efetivo da competição comercial e do mercado por parte dos Estados nacionais. Verificado que o padrão econômico de concorrência perfeita é utópico e que é inviável a afirmação espontânea de um mercado saudável, o Estado é convocado para garantir-lhe o funcionamento. Apesar de aparentemente contraditória e colidente com o princípio da livre iniciativa (fundamental ao regime concorrencial), a ação coativa do Estado, legitimada na ordem jurídica, é de primária importância à manutenção do equilíbrio do mercado, promovendo eficiências econômicas e benefícios à coletividade.

Pois bem, a presente abordagem propõe-se a analisar, de forma crítica e aprofundada, uma das vertentes de atuação da defesa da concorrência no Brasil, qual seja o controle concorrencial dos atos de concentração (vertente preventiva), enquanto instrumento de implementação de políticas públicas estatais junto à ordem econômica.

1. Fundamentos da defesa da concorrência

A intervenção do Estado na economia tem como fundamento e condicionante o aspecto ideológico, uma vez que tal atuação é delineada e orientada pelas normas de conteúdo econômico, previamente estatuídas no ordenamento jurídico vigente.

Eminentemente ideologizada, portanto, a intervenção estatal no domínio econômico é o instrumento pelo qual o Estado viabiliza a sua ingerência na atividade econômica, visando a persecução dos objetivos e realização dos seus interesses segundo os ditames e princípios previamente delimitados e instituídos no que chamamos de “ordem econômica”.

As imperfeições do liberalismo e a ineficácia das suas premissas, tais como a autorregulação dos mercados, a equitativa distribuição dos benefícios econômicos, dentre outras elementares, conduziram à mudança de postura dos Estados frente ao domínio econômico. A idealização de liberdade, igualdade e fraternidade se contrapôs às regras de sobrevivência nos mercados, ditadas pelo poder econômico.

Ao invés de aceitar a idéia de que o mercado obedece à uma ordem natural, harmônica e inerente ao sistema, concebeu-se a racionalização das medidas governamentais, conferindo a condução destas últimas ao Estado. Neste novo modelo, o Estado deixa de ser um

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mero instrumento de harmonização de interesses e passa a cumprir a função de ferramenta para a obtenção de determinados fins.

Em síntese, o Estado passa a valer-se da intervenção no domínio econômico como instrumento de implementação de suas próprias políticas públicas, estas entendidas como um verdadeiro compromisso público estatal, consubstanciado num conjunto de ações coletivas voltadas à garantia e efetivação de direitos sociais e econômicos.1

Pois bem, atuando através de suas políticas públicas, o Estado assume para si incumbências econômicas que extrapolam as funções tradicionais de sua própria administração, passando a ser portador da responsabilidade pela condução e pelos destinos econômicos da sociedade, fundamentado em princípios básicos, consolidados em sua política econômica, tais como a liberdade de iniciativa e livre concorrência.

Inserido nessa gama de atribuições, investiu-se o Estado da atividade de controle da concorrência e manutenção de um mercado saudável e competitivo, capaz de proporcionar benefícios à sociedade como um todo. Sob tal enfoque, a defesa da concorrência não escapa do campo da intervenção sobre o domínio econômico, sendo, em verdade, uma das principais vias pela qual se vale o Estado para viabilizar a condução de suas políticas públicas, segundo as ideologias presentes nas normas de conteúdo econômico, previamente dispostas no texto constitucional e infraconstitucional.

Diante do caráter utópico da concorrência perfeita, o Estado é chamado para ordenar a atuação dos agentes econômicos junto aos mercados. A ação coativa do Estado, com bases assentadas na ordem jurídica, não se choca com a liberdade de atuação dos entes privados. Ao contrário, estimula-a, através da repressão do uso desvirtuado do poder econômico, assegurando a existência de um mercado em que impere a supremacia da lei.

Defender a concorrência significa, pois, primar pela existência e manutenção de um mercado saudável, consubstanciado na liberdade de iniciativa da atividade econômica e pela repressão ao uso desmedido do

1 Segundo Maria Paula Dallari Bucci (Cf. BUCCI, Maria Paula Dallari. As políticas públicas e o direito administrativo. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 13, p. 135, 1996), o fundamento mediato e fonte de justificação das políticas públicas é o Estado social, marcado pela obrigação de implemento dos direitos fundamentais positivos, aqueles que exigem uma prestação positiva do Poder Público. Valendo-se de tal ensinamento, a doutrinadora, profunda estudiosa do assunto, define políticas públicas como sendo “programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados”. BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 241.

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poder econômico, uma vez que o uso normal e razoável de tal poder não é (e nem deve ser), per se, caracterizado como ilícito.

Nesse contexto é que o direito da concorrência deve destinar-se à garantia de uma concorrência efetiva e real entre os agentes econômicos atuantes de um dado mercado, a fim de que nenhum desses operadores possa atuar com independência e indiferença em relação aos demais players. Não se destina, pois, à proteção de uma concorrência absolutamente livre, inviável no atual estágio da ordem econômica mundial.

A realidade que se apresenta demonstra que os mercados são inevitavelmente marcados pelo fenômeno concentracionista e que é insuprimível o poder econômico anticoncorrencial, conforme adverte Luiz Olavo Baptista:

O liberalismo econômico – cuja influência persiste em nossos dias – sustentava uma visão utópica – a da liberdade de competição – que nunca passou de um modelo teórico econômico-filosófico. A realidade, como a teoria econômica mais moderna apontou, é a da concorrência imperfeita, limitada pelas próprias deficiências dos mecanismos de mercado, tais como a heterogeneidade ou falta de homogeneidade dos bens, pela existência de interferências dos que podem afetar o mercado (atores mais poderosos, inclusive o Estado) e pelo próprio ordenamento jurídico. (BAPTISTA, in TORRES, 2005, p. 538).

Assim é que a temática das concentrações empresariais assume

relevância na medida em que é possível, através delas, viabilizar a reprodução de uma posição monopolística (ainda que num mercado oligopolizado por definição), acarretando sérios problemas ao mercado e à economia em geral, sobretudo com a eliminação da concorrência, impondo, de maneira unilateral, normas mercadológicas.

Somente através da defesa da concorrência é possível manter a higidez das economias e o bem-estar dos consumidores frente à nova realidade global, que impõe a formação de grandes empresas por meio da concentração do poder econômico. Sobre tal problemática, o pioneiro do estudo antitruste Benjamim Shieber, ainda na década de 60, já salientava:

Os benefícios econômicos que se esperam da concorrência podem ser encarados sob vários aspectos. Primeiro, o aspecto que visa aos interesses do consumidor, que goza, sob um regime em que prevalece a concorrência, de melhor qualidade, menor preço, e um

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grande número de produtos entre os quais possa escolher. Segundo, o aspecto que visa aos interesses das empresas concorrentes, tanto as potenciais como as atuais. Estas gozam, num regime de concorrência, da liberdade de dedicar-se a um ramo de negócios e de crescer pelo mérito de seus atributos, sem sofrer entraves pelas ações conjuntas das empresas que já fazem parte do mercado ou pelas atividades das empresas dominantes. Finalmente, o aspecto que visa ao interesse da nação inteira no desenvolvimento econômico do país que, sob um regime de concorrência, goza de um parque industrial moderno que fortalece e assegura ao povo os produtos que melhoram sua vida quotidiana. (SHIEBER, 1966, p.64).

Nesse sentido, a concorrência não pode e nem deve ser

entendida como algo abstrato e dissociado da realidade concreta. Se o mercado é essencialmente dinâmico; se as empresas atuais têm por necessidade serem dinâmicas, inovando em suas vantagens competitivas, a fim de se manterem ativas no mercado; o conceito de concorrência não pode ser inflexível e estático.

A concorrência é, sobretudo, um fato econômico, derivado de uma economia de mercado, em que atua o poder econômico. A sua aproximação com o Direito ocorre na medida em que o mercado, por si só, não é capaz de apresentar as soluções ideais para os conflitos surgidos da relação estabelecida não só entre as empresas, mas também entre estas e os consumidores e entre estas e o Estado. Sem uma mínima regulação, impossível se aventar a geração de eficiências econômicas e sua equitativa distribuição, criando um estado de bem-estar social. Daí porque a necessidade de se fundir o jurídico e o concorrencial, ou, num enfoque mais elastecido, o Direito e a Economia.

De acordo com as ideologias reinantes em um dado sistema e, segundo a aplicação das normas concorrenciais e dos objetivos previamente perseguidos pela política econômica do Estado, reconheceu-se, na doutrina, classificar os sistemas antitrustes entre “concorrência-instrumento” e “concorrência-condição” (também conhecida como “concorrência-fim”). Mais do que uma divisão teórica, a classificação entre “concorrência-condição” e “concorrência-instrumento” define modelos paradigmáticos de defesa da concorrência no globo.

Nos sistemas que adotam a teoria da “concorrência-condição” (comumente também chamada de “concorrência-fim”), a defesa da concorrência aparece como um fim em si mesmo, um valor absoluto, que deve ser priorizado na tutela estatal. O controle da concorrência é

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exercido através do ajustamento de uma proibição genérica de todas as práticas e condutas que possam vir a provocar abalo na estrutura concorrencial dos mercados. Portanto, proíbe-se a ocorrência de danos potenciais2.

Já nos sistemas que adotam a teoria da “concorrência-instrumento”, a defesa da concorrência não aparece como um fim em si mesmo, mas um instrumento privilegiado para se atingir um fim maior eleito pelo Estado. Isso significa dizer que a concorrência só será defendida na medida em que propiciar a realização de outros objetivos, além da própria tutela da estrutura concorrencial, podendo ser sacrificada em prol de outros interesses. Não há, neste modelo, combate em abstrato às práticas que possam resultar em concentrações econômicas.

Por conta de tais características, a “concorrência-instrumento” tem íntima relação com a utilização da defesa da concorrência como técnica de direção sobre os mercados, a qual é utilizada pelo Estado em função de implementação de uma política pública. Assim, a concorrência é entendida apenas como um valor informador, fundamental, contudo, na viabilização das políticas públicas estatais, especialmente as de conteúdo econômico.

Da interpretação sistemática da Lei n° 12.529/2011, conclui-se que o Brasil adota como modelo a “concorrência-instrumento”, conforme bem salienta Nuno T. P. de Carvalho:

Também no Brasil a definição constitucional da ordem econômica é de sentido distributiva, o que impõe a conclusão de que a livre concorrência não se protege por si mesma, mas só na medida em que servir para “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. A fórmula é por demais vaga para ser esclarecedora, é verdade, mas deixa inequívoco que a concorrência é, na ordem econômica brasileira, um valor apenas orientador, informador, suscetível de ceder o passo quando, na consecução de iniciativas para dar uma vida mais digna ao cidadão brasileiro, se imponha a obediência a outros valores, por vezes com ela incompatíveis. (CARVALHO, 1995, p. 86).

Vê-se, portanto, que a conceituação de “concorrência-

2 Nos países que adotam a “concorrência-condição” a repressão de práticas restritivas se dá pelo sistema da per se condemnation, ou seja, todas as condutas susceptíveis de provocarem um dano concorrencial (ainda que potencial) são elencadas a priori pela Lei Antitruste e, consequentemente, proibidas.O controle de estruturas, por sua vez, é realizado de forma indireta, reprimindo-se as práticas anticoncorrenciais dos agentes econômicos, que podem conduzir à uma concentração econômica abusiva ou ilegal.

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instrumento” se coaduna à classificação proposta na presente abordagem, no sentido de que direito da concorrência, a defesa comercial e a política industrial se complementam, formalizando o que chamamos de “política da concorrência”. Isso porque, na lição de Eros Grau, a “concorrência-instrumento” cumpre uma dupla instrumentalidade, a saber:

Por um lado organiza os processos que fluem segundo as regras da economia de mercado, colocando à sua disposição normas e instituições [...] e, por outro, converte-a em instrumento de que lança mão o Estado para influir em tais processos e, a um tempo só, obter a consecução de determinados objetivos de política social – instrumento destinado ao desenvolvimento de políticas públicas, como se vê. (GRAU, 1991, p. 33).

2. As concentrações econômicas

A ampla divulgação conferida pelos mais variados meios de comunicação, tanto em nível nacional como em nível mundial, acerca da formação de grandes estruturas empresariais e atuação das empresas transnacionais no novo mercado global surgido, não deixa dúvida de que o fenômeno da concentração econômica é uma realidade inexorável.

Não por outra razão é que Fábio Konder Comparato sustenta que “a evolução da economia capitalista nos últimos 40 anos e notadamente a partir da Segunda Guerra Mundial tem sido comandada pelo fenômeno da concentração empresarial”. (COMPARATO, 1970, v. 3, p. 4).

Neste cenário, não é mais possível se relegar a necessidade e a importância da defesa da concorrência no controle desse fenômeno concentracionista, sobretudo ao se considerar que a atual razão capitalista impõe aos agentes econômicos o desejo de limitar o sistema competitivo no escopo de desenvolver suas atividades de maneira independente e indiferente em relação aos concorrentes, obtendo, com isso, uma maior percepção de lucros.

Assim é que podem decorrer das concentrações empresariais o surgimento de monopólios indesejados, reforços de posição dominante passíveis de facilitar o cometimento de práticas anticoncorrenciais, além de inúmeros outros exercícios abusivos do poder econômico.

Por outro lado, fazendo frente a esses processos agressivos de acúmulo do poder econômico, temos as chamadas concentrações defensivas, vinculadas à proteção industrial de certas economias fragilizadas no mercado global, sobretudo em relação às políticas

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econômicas dos países desenvolvidos.

Nessas hipóteses, as eficiências econômicas atingidas com a operação, tais como a maximização e racionalidade da produção, as inovações tecnológicas decorrentes, a geração de economias de escala, a redução dos custos de transação, a facilitação ao crédito financeiro e a redução da sensibilidade às flutuações conjunturais da economia, fazem crer que a concentração do poder econômico representa verdadeiro mecanismo de defesa, assegurando a sobrevivência da empresa e controle do próprio mercado nacional pelo Estado em detrimento das empresas multinacionais estrangeiras.

É justamente a tutela do mercado competitivo que segue inserta na ordem econômica constitucional como princípio que expressa a respectiva ideologia reinante do Estado.

A exposição desses fatores ideológicos verifica-se, na prática, através da avaliação e controle dos atos de concentração econômica, em que intervêm muitas outras elementares, como a conjuntura econômica, a atomicidade do mercado, a existência de barreiras à entrada de novos concorrentes, a existência de concorrência potencial, as carências do setor industrial analisado, as pressões da concorrência internacional, a expectativa de consumidores e empregados, dentre outras.

Com efeito, considerando que o crescimento tornou-se sinônimo de sobrevivência às empresas inseridas neste novo modelo de mercado global, surge um questionamento: como viabilizar o crescimento comercial?

Certamente, a resposta dessa questão flui para a idéia de poder econômico. E neste tocante, mister dissociar a falsa identificação de poder econômico com poder financeiro. Como bem assinala Calixto Salomão Filho, o poder financeiro em si não garante ao seu detentor o poder econômico. (SALOMÃO FILHO, 1998, p. 287). É, pois, a aplicação estratégica do poder financeiro que conferirá ao agente econômico poder econômico e, com isso, uma atuação mais vantajosa junto ao mercado e, quiçá, também junto aos seus concorrentes.3

O poder econômico é, portanto, o elemento determinante para o crescimento da empresa e pode ser alcançado, basicamente, através de três formas: (a) pela eliminação da concorrência, em decorrência do cometimento de práticas anticompetitivas; (b) pelo crescimento interno e natural da empresa (eficiência econômica); ou, (c) pelas concentrações econômicas.

3 Para ilustrar o exposto, tomemos como exemplo a fusão de duas empresas que tinham como acionista controlador a mesma pessoa. Nesta hipótese, ocorrerá aumento do poder financeiro comandado por uma única empresa. Contudo, o poder econômico seguirá inalterado, haja vista que já se encontrava sob o domínio da mesma pessoa, antes mesmo da operação de concentração.

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Inicialmente, é importante ressaltar que o conceito de

concentração, para fins de análise antitruste, é, antes de tudo, um conceito econômico, e não um conceito técnico-jurídico.

Por essa razão é que não se mostra adequado conceituar as concentrações empresariais a partir dos modelos jurídicos disponíveis, elencando-os taxativamente. Independentemente das inúmeras formas jurídicas existentes, o que interessa a identificar uma concentração empresarial reside no aspecto econômico, qual seja o referido acúmulo de poder econômico.

Neste sentido é a lição de Ana Maria de Oliveira Nusdeo: É extremamente ampla a gama das possíveis formas jurídicas – de caráter societário ou contratual – de que podem se revestir as operações de concentração de empresas. Por isso, não parece conveniente sejam elas enumeradas taxativamente pelas normas de defesa da concorrência. Ao contrário, o controle dos atos de concentração exige o uso de conceitos amplos e abrangentes, definindo antes o caráter econômico das operações do que seu aspecto societário. (NUSDEO, 2002, p. 22).

Ademais, como bem ilustra José Júlio Borges da Fonseca, estudioso do tema concorrencial, “O direito antitruste encampa os tipos de concentração disciplinados no direito comercial, mas não consegue alcançar hipóteses novas criadas pelos empresários no âmbito da autonomia privada que lhe é garantida”. (FONSECA, 1997, p. 83).

Daí também a dificuldade de se uniformizar um conceito acerca do tema, dada a ausência de elementos concretos, a subjetividade na apreciação da finalidade da operação e do embate doutrinário travado por juristas e economistas.

Para Nuno T. P. de Carvalho, Concentração empresarial é todo ato de associação empresarial, seja por meio da compra parcial ou total dos títulos representativos de capital social (com direito a voto ou não), seja através da aquisição de direitos e ativos, que provoque a substituição de órgãos decisórios independentes por um sistema unificado de controle empresarial. (CARVALHO, 1995, p. 91).

Em linhas gerais e, sem maiores pretensões de esgotar a questão, os atos de concentração empresarial podem ser conceituados como sendo uma realidade econômica, viabilizada pela realização de

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negócios jurídicos, através da qual duas ou mais empresas integram o poder econômico e a autonomia decisória, passando a atuar em todo o conjunto de suas atividades como se fossem um único agente, de forma não eventual ou esporádica, objetivando, via de regra, a promoção de eficiências econômicas.4

Na esteira de tais considerações, a antiga Lei 8.884/94 adotava, em seu art. 54, caput e § 3°, o sistema de caracterização dos atos de concentração a partir dos seus efeitos, contemplando os aspectos econômicos próprios da operação empresarial, independentemente do procedimento jurídico adotado para a obtenção do resultado.

Todavia, a nova Lei Antitruste, Lei 12.529/2011, alterou a definição de ato de concentração, com vistas à simplificação da sua identificação e à restrição do número de transações submetidas à análise do CADE, possibilitando ao órgão concentrar seus esforços nas operações que efetivamente terão maior impacto no mercado e, por consequência, na concorrência.

Nos termos do art. 90, da atual Lei 12.529/2011, passou-se a considerar ato de concentração aqueles atos que importem em fusão de empresas (inciso I); incorporação empresarial (inciso III); aquisição de controle, ainda que parcial, de empresa independente, seja através de compra de ações, quotas, ativos, ou por qualquer outro meio (inciso II); e, a união de empresas por meio de contrato associativo, consórcio ou joint venture (inciso IV). Ficaram, entretanto, excluídos do conceito de ato de concentração os contratos associativos “quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes” (art. 90, § único).

Contudo, a conceituação adotada na nova legislação e que prescinde a avaliação dos efeitos da operação sobre a concorrência, para fins de determinação do ato de concentração, não é, por assim dizer, hermética e absoluta.

A exceção à tal regra encontra-se prevista no parágrafo 7°, do artigo 88, da nova Lei 12.529/2011, que reserva ao CADE o direito de exigir que outras operações, ainda que não tipificadas nas hipóteses legais de submissão e já concretizadas, sejam submetidas às autoridades antitruste, notadamente em razão dos seus efeitos prejudiciais à concorrência.

Consagrada classificação da doutrina acabou por dividir as

4 Diferenciam-se os atos de concentração dos acordos restritivos de concorrência, na medida em que estes últimos vinculam as empresas apenas temporariamente e somente no tocante ao objeto do acordo. Também, a autonomia das empresas se mantém independente naqueles aspectos não sujeitos ao acordo, afetando seu comportamento no mercado, mas não a sua estrutura, o que não ocorre em relação aos atos de concentração.

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concentrações econômicas em três categorias distintas: concentrações horizontais, integrações verticais e conglomerados.

A concentração horizontal é, certamente, a que promove maiores ameaças à estrutura competitiva, sobretudo porque implica na diminuição do número de agentes econômicos atuantes em um determinado mercado. São, portanto, as concentrações que ocorrem com a integração de empresas atuantes num mesmo mercado, sendo, pois, concorrentes entre si. Como bem lembra Calixto Salomão Filho,

Firmas no mesmo mercado são consideradas todas aquelas que se incluem na mesma definição de mercado relevante. Assim, todos os fabricantes de produtos substitutos, que em caso de aumentos de preços passariam a ser consumidos, devem ser incluídos no mercado. (SALOMÃO FILHO, 1998, p. 267).

A concentração horizontal implica, necessariamente, num aumento do grau de concentração no mercado em questão, haja vista que ela resulta na retirada de um player da competição. É justamente neste aumento do grau de concentração que residem os riscos ao ambiente concorrencial.

Outro aspecto possibilitado pela alta concentração do mercado seria o abuso da posição dominante por parte da empresa líder, capaz de inibir a atuação dos demais concorrentes em um nível tal a ponto de lhes retirar a autonomia e independência de atuação.

Ressaltados alguns dos efeitos nocivos das concentrações horizontais, o problema que se coloca é o de se determinar em qual nível de concentração o controle concorrencial se faz necessário.

Isso porque as concentrações horizontais também são fontes primárias de eficiências econômicas, em especial com a formação de economias de escala produtiva e economias decorrentes da especialização das empresas. Tais benefícios, se compartilhados com os consumidores, podem compensar os efeitos negativos promovidos pela ineficiência alocativa produzida pela operação. E se as empresas participantes da operação conseguirem comprovar que tais resultados só poderiam ser produzidos por meio da concentração, o ato tem totais condições de não sofrer qualquer restrição ou óbice por parte da autoridade antitruste.

Continuando no exame da classificação proposta, encontram-se as integrações verticais, que são concentrações ocorridas entre empresas que atuam em mercados relevantes distintos, porém, vinculados e complementares entre si, seja pelo processo produtivo ou de distribuição do produto. Por isso mesmo, é muito comum se afirmar que as integrações verticais são concentrações ocorridas entre empresas que

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atuam em mercados relevantes “a jusante” (before market) e “a montante” (after market).

Segundo o entendimento de Calixto Salomão Filho, as integrações verticais são “as que se processam entre empresas que operam em diferentes níveis ou estágio da mesma indústria, mantendo entre si relações comerciais, na qualidade de comprador/vendedor ou prestador de serviço”. (SALOMÃO FILHO, 1998, p. 266-267).

A prática demonstra que esta modalidade concentração pode viabilizar uma eficaz racionalização da produção e/ou distribuição do bem produzido, possibilitando uma independência tecnológica, bem como a internalização de atividades tidas como prioritárias e o controle efetivo acerca da qualidade de insumos e da produção (before market) ou dos meios de distribuição e prestação de serviços (after market). Em síntese, pode-se afirmar que as integrações verticais simplificam as fases produtivas, o que, em tese, resulta na maximização de lucros.

A par disso, inegavelmente, a maior eficiência promovida por intermédio da integração vertical corresponde à redução dos chamados “custos de transação” (transaction costs).5

As integrações verticais, por não apresentarem riscos imediatos e evidentes à concorrência, exigem uma atenta avaliação por parte dos órgãos de defesa antitruste, capaz de detectar qualquer efeito nocivo eventualmente oculto.

Em princípio, as integrações verticais não promovem muitas ameaças ao ambiente concorrencial, haja vista não haver redução do número de players e aumento da concentração nos mercados considerados, diferentemente do que ocorre nas concentrações horizontais, onde a redução do número de concorrentes é inerente ao ato e os efeitos potencialmente danosos à concorrência são perceptíveis de pronto.

Pelo contrário, fazendo uma análise imediata, observará que as integrações verticais promovem ganhos de eficiência empresarial e a possibilidade do repasse da redução dos custos aos consumidores, beneficiários da tutela concorrencial.

Este é, em nossa análise, o principal risco das integrações verticais e o maior desafio para a avaliação das autoridades antitrustes: a

5 Os “custos de transação” foram definidos e descritos pelo economista inglês e professor na Universidade de Chicago Ronald Coase, na obra intitulada “The firm, the market and the law”, ganhadora do prêmio Nobel de Economia no ano de 1.991 (COASE, Ronald H. The firm, the market and the law. Chicago: The University of Chicago Press, 1988). São, por assim dizer, os custos de se realizar uma transação no mercado, ao invés de realizá-la no interior da empresa. Segundo o autor, tais custos consistem basicamente na incerteza que caracteriza as relações de mercado, que permeiam desde a determinação do preço até a natureza e características do produto a ser fornecido.

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constante aparência de licitude das operações.

Desnudando-se a aparência de licitude do ato, provocada pelas eficiências econômicas produzidas, pode-se verificar, numa análise mais profunda e de longo prazo, a criação de fortes barreiras à entrada de potenciais concorrentes em ambos os mercados da integração, possibilitando, em conseguinte, altas concentrações.

No mercado a jusante (before market), a barreira consiste na imposição de tratamento desigual, representado na negativa do fornecedor em entregar produto aos distribuidores concorrentes ou impor-lhes preços por demais abusivos. Da mesma forma, no mercado montante (after market), o tratamento desigual decorre da vantagem assumida pelo fornecedor que detém o acesso direto aos canais de distribuição, desencorajando a entrada de novos players.

Por fim, no rol de classificação das modalidades de concentrações econômicas há ainda os conglomerados. Sua conceituação é obtida de forma residual, ou seja, consideram-se conglomeradas todas as concentrações que não se inserem no conceito de concentração horizontal ou de integração vertical.

Referem-se às hipóteses de integração entre agentes econômicos situados em mercados relevantes distintos, que podem produzir bens de certa forma relacionados entre si ou, até mesmo, sem relação alguma (conglomerados puros).

Conceitualmente, os conglomerados foram subdivididos em três categorias, conforme demonstra a lição de Paula A. Forgioni:

As concentrações conglomeradas dizem respeito, por sua vez, a empresas que atuam em mercados relevantes completamente apartados, sendo subdivididas, conforme seu escopo ou efeito, em (i) de expansão de mercado (market extension); (ii) de expansão de produto (product extension); e (iii) de diversificação (ou pura). De forma residual, são entendidas como conglomeradas as concentrações que não são verticais ou horizontais. [sic] (FORGIONI, 2005, p. 467-468).

Em suma, pode-se afirmar que a eficiência econômica obtida

nos conglomerados situa-se na diversificação, tendo em vista a redução dos custos, fator preponderante para a realização de uma operação dessa natureza.

A exemplo do que ocorre nas integrações verticais, o controle concorrencial das concentrações conglomeradas é alvo de intenso debate na doutrina especializada. Argumenta-se que, considerando-se a ausência de redução de players no mercado, o não aumento ou criação de poder

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econômico nos mercados em questão e o fato das empresas não operarem no mesmo mercado relevante, inexiste a possibilidade de ameaça à concorrência. Sendo assim, sugere-se a desconsideração das operações de formação de conglomerados da seara de controle estrutural por parte das autoridades antitrustes.

3. O tratamento legislativo da defesa da concorrência no Brasil

A exemplo de várias outras matérias, o tratamento legislativo de tutela da defesa da concorrência é realizado tanto em nível constitucional, como também no plano infraconstitucional, conferindo-lhe, pois, um grau de sistema.

Como um dos sustentáculos do Estado Democrático de Direito, o legislador constituinte de 1988 cuidou de disciplinar a chamada “ordem econômica”, insculpindo-a no Título VII da Constituição Federal, com o objetivo de orientar e regular o exercício da atividade econômica em todo o território nacional.

Nas palavras de João Bosco Leopoldino da Fonseca, a ordem econômica corresponde ao “conjunto de princípios estabelecidos pela Constituição e que tem por objetivo fixar os parâmetros da atividade econômica, coordenando a atuação dos diversos sujeitos que põem em prática aquela atividade”. (FONSECA, 1998, p. 86).

É, portanto, na ordem econômica que se encontram expressas as ideologias dominantes, previamente eleitas para serem atuadas no sistema econômico, com dupla função: (a) de um lado, para determinar a postura de ingerência ou não do Estado frente ao domínio econômico, ou seja, de que forma se dará ou não a atuação estatal na atividade econômica; e, (b) de outra parte, para instituir as balizas e diretrizes aos agentes econômicos a fim de orientar e regular o exercício da atividade econômica por parte destes.

Relativamente ao Brasil, a Constituição Federal de 1988 dispôs ser a livre iniciativa um dos fundamentos da ordem econômica, já evidenciando a alta influência liberal presente em sua concepção:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios [...] (grifo nosso).

A redação do art. 170 do texto constitucional deixa evidente

ainda o caráter instrumental das normas e princípios estabelecidos na ordem econômica, que nada mais são do que um meio, um instrumento

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para a consecução de um fim ainda maior, qual seja o de assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. Eis, portanto, a verdadeira finalidade da ordem econômica constitucional.

Objetivando atingir tal finalidade, a nossa ordem econômica constitucional instituiu como princípios fundantes a livre iniciativa e a livre concorrência. Além disso, o ordenamento jurídico vigente ainda consagrou a repressão ao abuso do poder econômico e o combate ao aumento arbitrário dos lucros como importantes ferramentas para a persecução dos fins almejados pelo já transcrito art. 170.

Entre nós, o conceito atribuído ao princípio da livre iniciativa assumiu tamanha importância que evoluiu ao status de valor social, cujo conteúdo exprime uma dupla faceta: a garantia e o direito de acessar, permanecer e retirar-se dos mercados (liberdade privada), mas também, a garantia de disciplina e repressão de atos e comportamentos que resultem em prejuízo ao ambiente concorrencial (liberdade pública). Assim é que, a teor do disposto no art. 1º da Constituição Federal, a livre iniciativa, antes de ser um dos fundamentos da ordem econômica constitucional, é também um dos pilares da República:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

Atualmente, portanto, predomina a concepção da livre iniciativa enquanto valor social, aliada ao trabalho. A Constituição Federal não restringe a livre iniciativa à noção individualista. Ela expande tal concepção, de modo que a livre iniciativa reflete a opção pelo Capitalismo e por uma economia descentralizada, caracterizada pela presença de mercados onde o jogo da concorrência pode atuar livremente.

Ademais, o tratamento adotado na Constituição Federal empresta ao princípio da livre iniciativa uma concepção de caráter social, na medida em que se choca à noção de liberdade econômica como liberdade pública oponível ao ente estatal. Portanto, o Estado só estará legitimado a atuar no domínio econômico de forma excepcional, em hipóteses constitucionalmente delimitadas, especialmente para assegurar a ordem pública. (DI PIETRO, 1991, p. 18).

Não se pode, contudo, atribuir à livre iniciativa o status de valor absoluto e intangível. O princípio da livre iniciativa encontra limitação nos princípios da função social da propriedade e da justiça social, objetivando assegurar a todos uma existência digna. Fora desta baliza,

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estará caracterizado o desvio da finalidade e, consequentemente, o exercício abusivo da livre iniciativa.

Conjuntamente com o princípio da livre iniciativa, a livre concorrência exerce papel de destaque na consecução dos objetivos previstos na ordem econômica constitucional. Essa é a exegese que se extrai do art. 170, inc. IV, da Constituição Federal de 1988:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] IV – livre concorrência; [grifo nosso]

Pelo princípio da livre concorrência, impõe-se ao Estado o

dever de assegurar a existência de mercado saudável, em que as condições de competição entre os agentes atuantes impostas em lei observem noções de lealdade e uso razoável do poder econômico, sob pena de sanção, a fim de que os players possam desempenhar o exercício da atividade econômica.

Com efeito, é em decorrência do mandamento constitucional de tutela da livre concorrência que se impõe, na legislação ordinária, a repressão ao abuso do poder econômico, enquanto abuso de liberdade de iniciativa, ao rezar no § 4º do art. 173 que “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.

Da mesma forma, é com vista na efetivação do princípio da livre concorrência que se dá a atuação preventiva de controle das estruturas de mercado, exercida pela autoridade antitruste com o objetivo de prevenir a criação de estruturas concentradas que confiram, aumentem ou de qualquer forma facilitem o exercício do poder de mercado de uma empresa ou grupo de empresas, em prejuízo da concorrência.

Portanto, a livre concorrência apresenta-se como instrumental à livre iniciativa, na medida em que esta última pressupõe a existência de um ambiente competitivo para seu perfeito exercício. Porém, isso, por si só, não autoriza a conclusão de que uma (livre concorrência) seria desdobramento da outra (livre iniciativa).

Livre iniciativa e livre concorrência representam, pois, conceitos correlatos que, apesar de possuírem enfoques distintos, ao atuarem em conjunto acabam por promover o desenvolvimento do mercado a partir do estímulo e aperfeiçoamento da atividade econômica e da manutenção adequada da concorrência.

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Outrossim, a ofensa ao princípio da livre iniciativa ou ao

princípio da livre concorrência é também a baliza de distinção entre o uso razoável (e, consequentemente, lícito) do poder econômico da sua forma abusiva, ou seja, evidentemente nociva ao ambiente competitivo.

Importante destacar, contudo, que o comando normativo-constitucional não tem o condão em si de alterar a realidade concreta. Nesse sentido é a advertência do festejado José Afonso da Silva, segundo o qual

Não nos enganemos, contudo, com a retórica constitucional. A declaração de que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna, só por si, não tem significado substancial, já que a análise dos princípios que informam essa mesma ordem não garante a efetividade daquele fim. (SILVA, 1996, p. 720).

É na prática, ou seja, na garantia da livre iniciativa e da livre

concorrência afirmada pelo sistema de defesa da concorrência, que se dá a efetivação da determinação de assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Buscando auxiliar nessa tarefa é que se encontram as normas infraconstitucionais, dentre as quais merece destaque a Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, também chamada “Lei de Defesa da Concorrência” ou, simplesmente, “Lei Antitruste”.

Trata-se, por certo, do melhor diploma legal antitruste que o país já teve, reflexo da conscientização da importância da temática concorrencial por parte da sociedade. Contando com eficácia material, a Lei 12.529/2011 é responsável pela sistematização de toda a matéria relativa à defesa da concorrência, bem como pela afirmação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) como autarquia federal com atividade judicante, dotada de independência e autonomia de atuação.

A exegese do art. 173, §4º cumulada com o art. 170, todas da Constituição Federal de 1988, não deixa dúvidas de que a Lei nº 12.529/2011 é, entre nós, uma lei que objetiva a repressão ao abuso do poder econômico, visando assegurar a todos uma existência digna, por meio da tutela da livre iniciativa, da tutela livre concorrência e do combate ao aumento arbitrário dos lucros.

De um lado, ressaltam-se os postulados da teoria ordo-liberal, na medida em que a livre concorrência e livre iniciativa invocam consigo a idéia de possibilidade de escolhas, além da liberdade de acesso e permanência no mercado, combatendo-se as estruturas que possam prejudicar o sistema competitivo.

De outro lado, a eleição dos consumidores como destinatários

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finais (tutela imediata) da norma do art. 36, inc. III, da Lei nº 12.529/2011, através da repressão ao aumento arbitrário dos lucros por parte dos agentes econômicos, reforça a influência da concepção neoclássica de primazia do bem-estar dos consumidores.

Sob o aspecto estrutural, a Lei 12.529/2011, modificando a estrutura então existente, racionalizou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que passou a ser integrado pelos seguintes órgãos, a saber: (a) Tribunal Administrativo de Defesa Econômica; (b) Superintendência-Geral; e, (c) Departamento de Estudos Econômicos.

O Tribunal Administrativo de Defesa Econômica equivale ao que a antiga Lei 8.884/94 denominava Plenário do CADE. Trata-se de órgão judicante, autônomo e independente, dotado de jurisdição administrativa em todo o território nacional, sendo composto por um Presidente, seis Conselheiros, com mandato de 4 (quatro) anos, não coincidentes, vedada a recondução. Por representar a última instância decisória na esfera administrativa em matéria concorrencial, compete ao Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, dentre outras atribuições, julgar os processos administrativos em que se dão o controle de condutas e analisar os atos de concentração econômica.

A Superintendência-Geral, por sua vez, é órgão novo, criado a partir da edição da Lei 12.529/2011, sendo composto por 1 (um) Superintendente-Geral e 2 (dois) Superintendentes-Adjuntos. Ela concentra a maioria das funções antes desempenhadas pela Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE e pela extinta Secretaria de Direito Econômico.

À Superintendência-Geral compete, basicamente, as funções relacionadas à fiscalização, instauração e instrução de processos administrativos que serão julgados pelo CADE, assim como com o monitoramento e acompanhamento das práticas comerciais dos agentes econômicos, com vistas à prevenção de infrações à ordem econômica, podendo, inclusive, requisitar as informações e documentos necessários.

Relativamente à análise dos atos de concentração, compete à Superintendência-Geral cuidar da instrução do feito e, ainda, decidir pela aprovação das operações de menor complexidade e carentes de riscos concorrenciais.

O Departamento de Estudos Econômicos, já existente no CADE antes mesmo do advento da Lei 12.529/2011, ganhou disciplinamento legal, passando a ser responsável pela elaboração de estudos e pareceres econômicos utilizados na instrução dos processos administrativos. Tem como função precípua zelar pelo rigor e atualização técnica e científica das decisões do CADE.

Quanto à titularidade dos bens tutelados, o parágrafo único do

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art. 1º da Lei 12.529/2011 rechaça toda e qualquer dúvida, afirmando ser a coletividade a titular dos interesses protegidos. Ressalta-se, portanto, que o mercado é um bem coletivo, cuja proteção pode se dar de forma difusa.

No que tange à sistemática de atuação, a Lei 12.529/2011 consagrou três vertentes: a preventiva, a repressiva e a educativa.

A vertente educativa refere-se à promoção da cultura da concorrência no país, que é realizada a partir da difusão junto à sociedade da importância de se manter um mercado saudável, livre de abusos do poder econômico. Nos termos do art. 9°, inciso XIV, da Lei Antitruste, compete à Superintendência-Geral o desempenho da atividade educativa do CADE.

Pela vertente repressiva, dá-se o controle dos comportamentos dos agentes econômicos atuantes nos mercados, visando coibir os abusos do poder econômico, em suas mais variadas formas. Na prática concorrencial, a atuação repressiva é reconhecida simplesmente como “controle de condutas”.

O controle de condutas tem por finalidade a repressão de práticas comerciais que têm a sua ilicitude definida a partir de seus efeitos (sejam eles efetivos ou potenciais) sobre o mercado, prejudicando, dessa forma, direitos metaindividuais. São exemplos mais corriqueiros de tais práticas os cartéis, a venda casada, a fixação de preços predatórios, a fixação do preço de revenda e os acordos restritivos à concorrência.

Pela vertente preventiva, desenvolve-se a avaliação dos atos de concentração econômica no âmbito do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, que se identifica com o objeto imediato da abordagem, ora realizada.

A vertente preventiva da Lei 12.529/2011 estabelece o controle dos atos de concentração econômica e dos acordos entre empresas que possam resultar em formação de estruturas concentradas, capazes de possibilitar uma atuação com independência e indiferença em relação aos concorrentes e ao próprio Estado, enquanto ente regulador. Trata-se de atividade de regulação de estruturas econômicas que confiram, aumentem ou de qualquer forma facilitem o exercício do poder de mercado de uma empresa ou grupo de empresas, em prejuízo da concorrência. É, pois, conhecida simplesmente como “controle de estruturas” ou “controle de atos de concentração”, cujo exame será aprofundado no tópico seguinte. 4. O controle dos atos de concentração no Brasil

Nada obstante as contribuições oferecidas pela Lei 8.884/94 para a difusão da cultura da defesa da concorrência no país, relativamente

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ao controle de estruturas de mercado, a sistemática adotada pela antiga legislação mostrou-se completamente ineficiente e inadequada à dinâmica atual dos mercados.

A existência de critérios legais inadequados e demasiadamente amplos importou na sujeição de uma enorme quantidade de operações ao CADE, as quais, em sua expressiva maioria, não traziam o menor risco à concorrência, sobrecarregando a já precária estrutura do órgão antitruste.

Aliados a tal fato, a possibilidade de apresentação a posteriori das operações de concentração do poder econômico e a replicação de esforços na instrução e análise dos atos de concentração por parte dos órgãos que integravam o CADE, geraram um ambiente de enorme insegurança jurídica aos administrados, além de críticas de toda comunidade antitruste internacional.

Enfim, apesar dos reconhecidos e virtuosos esforços dos Conselheiros e funcionários do CADE, o fato é que, sob a égide da Lei 8.884/94, a análise dos atos de concentração mostrou-se desastrosa diante das insuperáveis incongruências legislativas. Os instrumentos legais e então existentes impediam que o órgão antitruste nacional acompanhasse a dinâmica das operações de mercado, proferindo julgamentos relativamente aos atos de concentração submetidos ao controle “em tempo econômico”.

Visando racionalizar e fortalecer o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), através do encerramento da replicação de esforços e da restrição dos critérios de submissão de operações, foi editada, em 30 de novembro de 2011, a atual Lei 12.529.

O intuito precípuo da nova lei foi o de trazer maior celeridade na análise dos atos de concentração submetidos ao controle, culminando em julgamentos em tempo econômico, além de possibilitar ao CADE o enfoque ao controle e repressão das condutas anticompetitivas.

O primeiro pressuposto ao controle de estruturas refere-se à identificação das operações econômicas sujeitas ao controle antitruste, ou, em outras linhas, das operações de interesse concorrencial. Já neste ponto se encontra uma das principais alterações promovidas pela atual Lei 12.529/2011, porquanto os critérios de identificação dos atos de concentração de interesse concorrencial foram sensivelmente restringidos.

Na redação da antiga Lei nº 8.884/1994, deveriam ser obrigatoriamente submetidos ao controle concorrencial negócios jurídicos em que: (a) uma das empresas envolvidas tivesse apresentado faturamento bruto anual, no Brasil, igual ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais) no ano anterior ao da realização da operação; ou, (b) da operação resultasse participação superior ou igual a

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20% (vinte por cento) de um determinado mercado relevante por parte de uma empresa ou grupo de empresas, independentemente do faturamento.

A Lei 12.529/2011, por sua vez, extinguiu o critério da participação relativa, para fins de apresentação da operação. Na atual sistemática, apenas o critério do faturamento restou mantido, porém, alterado de forma significativa. Senão vejamos o que reza o art. 88 da atual Lei Antitruste, in verbis:

Art. 88. Serão submetidos ao CADE pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente: I - pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e II - pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).6

Como se vê, a Lei 12.529/2011, ao impor exigência cumulativa de patamares de faturamento a ambas as empresas envolvidas na operação, criou uma espécie de “gargalo” para a restrição dos atos que devem ser submetidos ao controle estrutural. A instituição de tais critérios determina os parâmetros segundo os quais o legislador ordinário, baseado em suas regras de experiência, presumiu a potencialidade lesiva do ato à concorrência. Daí a obrigatoriedade de sua submissão.

Importante ainda destacar que o critério previsto no art. 88 da Lei Antitruste não é absoluto, podendo o CADE exigir que outras operações, ainda que não tipificadas nas hipóteses legais de submissão e já concretizadas, sejam submetidas às autoridades antitruste, notadamente em razão dos seus efeitos prejudiciais à concorrência (§ 7°, do artigo 88).

A Lei 12.529/2011 também pôs fim aos embates doutrinários e jurisprudenciais acerca do momento da realização do ato de concentração, para fins de sua sujeição ao controle da autoridade antitruste nacional. Assim, a atual Lei Antitruste excluiu a possibilidade

6 Nos termos do § 1° do mencionado artigo, os valores referidos nos incisos I e II podem ser alterados, simultânea ou independentemente, por indicação do Plenário do Cade, por portaria interministerial dos Ministros de Estado da Fazenda e da Justiça. Atualmente, por força da Portaria Interministerial nº 994/2012, os valores foram reajustados para R$ 750.000.000,00 (setecentos e cinquenta milhões de reais) para a hipótese prevista no inciso I; e R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais) para a hipótese prevista no inciso II.

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de apresentação dos atos de concentração a posteriori, ou seja, após a sua realização para a avaliação por parte da autoridade concorrencial. Esta, aliás, a maior alteração promovida pela Lei 12.529/2011 na sistemática do controle dos atos de concentração.

O § 2°, do art. 88, da atual Lei Antitruste prevê que o controle dos atos de concentração será prévio e realizado em, no máximo, 240 (duzentos e quarenta) dias, a contar do protocolo de petição ou de sua emenda. Nestes termos, a eficácia material da operação fica em estado de suspensão até o pronunciamento prévio do CADE.7

Ainda relativamente ao controle prévio e, considerando a possibilidade de reprovação ou imposição de restrições ao ato de concentração, as partes são obrigadas a manterem inalteradas as suas estruturas físicas e as condições de concorrência até a ulterior decisão do CADE, sendo vedadas, inclusive, quaisquer transferências de ativos e qualquer tipo de influência de uma parte sobre a outra, bem como a troca de informações concorrencialmente sensíveis que não seja estritamente necessária para a celebração do instrumento formal que vincule as partes.

No que tange à metodologia, o pedido de aprovação do ato de concentração deverá ser apresentado junto ao CADE, contendo o comprovante de pagamento das taxas processuais, as informações substanciais da operação, além dos documentos, todos previstos na Resolução CADE n° 2/2012, sob pena de não conhecimento.

Uma vez recebida a operação, a Superintendência-Geral adotará uma das seguintes decisões, a saber: (a) conhecerá diretamente do ato, proferindo decisão terminativa, quando o processo dispensar novas diligências, ou nos casos de menor potencial ofensivo à concorrência; ou, (b) determinar a realização de instrução complementar, especificando as diligências a serem produzidas.

Na hipótese de instrução complementar, uma vez que essas estejam concluídas, a Superintendência-Geral decidirá se aprova o ato sem restrições ou, então, ofertará impugnação ao Tribunal, pugnando pela reprovação, pela aprovação com restrição ou pelo exame, por parte do Plenário, quando não existam elementos conclusivos sobre os efeitos da operação no mercado.

Na prática, os órgãos que integram a estrutura do CADE, ao analisarem os pedidos de aprovação dos atos de concentração, observam algumas etapas, respeitando-se, é claro, suas respectivas competências. Tais etapas de análise dos atos de concentração variam segundo a operação analisada, à qual pode ser conferido um procedimento sumário 7 Segundo o Regimento Interno do CADE (art. 108, § 1°), a apresentação do ato de concentração deve ocorrer, preferencialmente, após a assinatura do instrumento formal que vincule as partes e antes de consumado qualquer ato relativo à operação.

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(para operações com baixo potencial lesivo à concorrência) ou ordinário.

No que tange ao procedimento ordinário, basicamente a análise consiste na observância das seguintes etapas: 1º) Definição e delimitação do mercado relevante; 2º) Análise do grau de concentração; 3º) Análise de barreiras à entrada; e, 4º) Análise das eficiências econômicas.

A definição e delimitação do mercado, primeira etapa da análise antitruste, é, sobretudo, um verdadeiro pressuposto ao exame dos impactos de determinada operação ou conduta sobre a estrutura competitiva. Isso porque o mercado relevante é o espaço, ou melhor, o locus onde a concorrência se estabelece, efetiva ou potencialmente.

A identificação do mercado relevante é realizada, observando-se dois aspectos, a saber: (a) aspecto material, que leva em conta todos os produtos e/ou serviços que concorrem entre si, ou seja, aqueles que os consumidores julgam serem passíveis de substituição, considerando-se as suas características, seu preço e utilidade; e, (b) aspecto geográfico, delimitado pelo espaço no qual o agente econômico é capaz de adotar decisões sem que esta sua atitude implique na perda ou migração de clientela ou, ainda, na imediata invasão no mercado de origem de bens substitutos produzidos por outros fornecedores, situados em mercados distintos.8

Definido e delimitado o mercado relevante da operação, passa-se à análise do grau de concentração resultante da operação. Segundo as orientações usualmente aplicadas no sistema antitruste brasileiro, consideram-se relevantes, do ponto de vista concorrencial, as operações das quais resulte uma participação igual ou superior a 20% (vinte por cento) do mercado relevante.9

É que, segundo o § 2º do art. 36, da Lei nº 12.529/2011, presume-se que uma tal concentração econômica forme ou fortaleça a posição dominante ao agente envolvido, o qual poderá exercer tal poder de forma a alterar unilateralmente as variáveis de mercado.

Afirmada essa posição dominante, os efeitos dela decorrentes podem ser ilididos pelo exame da concorrência potencial, ou seja, pela avaliação de que não há barreiras à entrada no setor ou pelo fato de que essas barreiras não sejam substanciais a ponto de impedir a entrada de

8 Como se observa, tanto a delimitação do mercado relevante material, quanto a delimitação do mercado relevante geográfico são efetuadas com base na avaliação de substitutibilidade, considerada no aspecto da demanda e também da oferta (não reais, mas potenciais). 9 Há ainda outras metodologias para análise dos graus de concentração, utilizadas pelo CADE, tais como o chamado “cálculo C4”, segundo o qual considera-se que uma concentração econômica pode viabilizar o abuso do poder econômico sempre que ela (a concentração em análise) tornar a soma da participação de mercado das quatro maiores empresas igual ou superior a 75% (setenta e cinco por cento) e a participação da nova empresa formada for igual ou superior a 10% (dez por cento) do mercado relevante.

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novo player, de forma provável, tempestiva e suficiente. Há ainda a hipótese de que a rivalidade das empresas atuantes no mercado originalmente considerado seja bastante para impedir um movimento de aumento de preços. Em todas essas hipóteses, a operação pode ser aprovado sem restrições, haja vista a ausência de impactos sobre a concorrência.

Noutro giro, quando desfavorável a avaliação de barreiras e rivalidade (nesta incluídas as importações), a operação pode exigir a imposição de restrição ou, eventualmente, ser reprovada. Antes, porém, são apuradas as eficiências econômicas produzidas na operação, a fim de se perquirir se os custos econômicos dela decorrentes são compensados com os possíveis benefícios promovidos (§ 6º do art. 88, da Lei 12.529/2011)

Cumpridas tais etapas da análise, o ato de concentração será levado ao Tribunal, onde será definitivamente julgado, em última decisão, após a oportunidade de manifestação das partes interessadas, podendo os Conselheiros aprová-lo integralmente, rejeitá-lo ou aprová-lo parcialmente, caso em que determinarão as restrições que deverão ser observadas como condição para a validade e eficácia do ato, nos termos do art. 61 da Lei nº 12.529, de 2011.

Dá-se a aprovação aos atos de concentração quando estes, mediante a análise da estrutura do mercado, dos níveis de concentração, das condições de concorrência e da inexistência de barreiras à entrada, indicarem não haver riscos ao ambiente concorrencial ou, em havendo, a operação apresente eficiências compensatórias.

Se, contudo, após o exame das condições estruturais do mercado e da concorrência, dos níveis de concentração e das barreiras à entrada verificar-se que a operação promoverá riscos à concorrência e, também, não produzirá eficiências econômicas, o CADE deve negar aprovação ao ato. A desaprovação determinará a desconstituição, parcial ou total, da operação, a fim de eliminar os efeitos nocivos à concorrência.

Como medida de equilíbrio, nos casos em que a desaprovação do ato de mostra por demais enérgica ou até mesmo ineficiente diante dos objetivos almejados pela lei antitruste, quais sejam a manutenção da concorrência saudável e o bem-estar do consumidor, dá-se a aprovação condicional (ou aprovação com restrições). Conclusão

Estudar o controle estrutural da concorrência é examinar as

relações jurídicas e econômicas, através das quais o poder econômico dos agentes se forma ou, ao menos, se reforça, ao nível dos atos corporativos.

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Uma análise completa do poder econômico, contudo, há de incluir também o regramento do controle das condutas anticoncorrenciais, cuja abordagem, no entanto, implicaria na confecção de um novo e distinto trabalho.

Com efeito, nada obstante as limitações inerentes à presente abordagem, o exame da problemática concernente ao controle dos atos de concentração econômica nos permite apontar algumas conclusões, críticas e, também, proposições.

A primeira delas é a de que o fenômeno das concentrações empresariais é uma realidade crescente, inconteste e inexorável. Isso porque a prática comercial demonstra que uma das formas mais eficazes das empresas crescerem e, com isso, enfrentarem com vantagem a guerra comercial estabelecida no mercado global, consiste na concentração empresarial, seja a que título for. Apesar de não serem únicas, as concentrações empresariais demonstram ser a mais eficiente dentre as formas de estabelecimento de uma economia de escala e, consequentemente, da melhoria da eficiência econômica.

Por carregarem consigo inegável potencialidade lesiva à concorrência de mercado, o controle das operações de concentração econômica há de ser efetivo, até mesmo porque a liberdade de iniciativa e a livre concorrência não podem de ser entendidas como liberdades anárquicas e absolutas, mas sociais, que podem, consequentemente, ser limitadas pelo ordenamento jurídico em prol de outros fins.

A ação coativa do Estado, legitimada na ordem jurídica, é de primária importância à manutenção do equilíbrio do mercado, promovendo eficiências econômicas e benefícios à coletividade, que são os titulares da legislação antitruste.

Por tal razão, o antitruste não pode ser visto apenas como meio de eliminar os efeitos autodestrutíveis de mercado, ou utilizado para correção de distorções tópicas, como nos primórdios. A visão mais atual do antitruste eleva o direito da concorrência ao status de importante instrumento de implementação de políticas públicas, especialmente de políticas econômicas, estas entendidas como meios de que dispõe o Estado para influir, de maneira sistemática, sobre a economia, visando garantir o bem-estar social.

No Brasil, em particular, o controle dos atos de concentração cumpre exatamente tal função, qual seja a de propiciar ao Estado a consecução de suas políticas públicas, especialmente para assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. O desempenho de tal tarefa, contudo, é árduo e demanda a adoção de mecanismos eficientes e modernos.

A edição da Lei 12.529/2011, a quem foi endereçada a solução

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de tais problemas, representou inegável avanço ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, sobretudo no tocante ao controle dos atos de concentração.

A nova lei antitruste corrigiu as imperfeições mais relevantes existentes na antiga Lei 8.884/94, através de um redesenho institucional do SBDC e da racionalização da sistemática de defesa da concorrência, principalmente com a extinção da possibilidade de sujeição a posteriori dos atos de concentração à apreciação da autoridade antitruste.

A instituição do controle prévio dos atos de concentração é, sem dúvida alguma, o maior avanço da Lei 12.529/2011. A adoção deste modelo eliminou um dos maiores focos de divergência e imprecisão da antiga legislação, qual seja a discussão acerca do momento da realização da operação. Evitou, ademais, as repercussões negativas decorrentes das decisões de desaprovação impostas pelo CADE, notadamente diante da dificuldade de restabelecimento do status quo ante.

Outro ponto de avanço na legislação refere-se à inclusão do critério de faturamento mínimo para o segundo participante da operação; modificação essa que, na prática, afastou a obrigatoriedade de apresentação de operações irrelevantes do ponto de vista concorrencial e que, até então, vinham sendo submetidas ao CADE.

A definição de ato de concentração na nova lei também é mais objetiva, o que facilita a identificação, por parte dos administrados, quanto aos atos que deverão ser submetidos ao controle concorrencial, aumentando-se a segurança jurídica nas operações.

O resultado desta conjugação de fatores, fundada na adoção do controle prévio das operações e na instituição de critérios mais restritivos à apresentação das operações sujeitas ao controle, tende a resultar na desejada celeridade na análise dos atos de concentração econômica e no desafogamento do SBDC.

Falta ao CADE, entretanto, o necessário acúmulo de experiência institucional, a fim de alçar o sistema antitruste nacional ao mesmo patamar das jurisdições com maior tradição na defesa da concorrência, de maneira definitiva.

Neste diapasão, a sedimentação da jurisprudência nos parece ser um ponto de enfoque, porquanto a consistência dos julgamentos em matéria antitruste permite não apenas que os agentes econômicos façam uma análise de risco mais precisa, mas, também, impõe, de forma clara e indubitável, os limites de atuação da iniciativa privada na ordem econômica.

A difusão da cultura da concorrência, que integra a vertente educativa de atuação do SBDC, também demanda ser implementada com maior efetividade. Afinal de contas, o conhecimento e a informação

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acerca das normas concorrenciais são pressupostos fundamentais para que a sociedade reconheça a importância de se manter um mercado saudável, livre de abusos do poder econômico.

De igual modo, a correção das principais imperfeições legislativas já habilita o CADE a incrementar o controle de condutas, priorizando o combate às práticas restritivas à concorrência, as quais afetam o mercado e a sociedade de maneira mais profunda e direta.

Enfim, o futuro está para ser desenhado, descortinando diante dos economistas e, sobretudo, dos juristas um horizonte com inúmeros desafios, que só serão ultrapassados através de um árduo trabalho de invenção e superação dos dogmas do passado. À frente deste movimento, encontra-se a disciplina da defesa da concorrência, fundamental para a promoção do bem-estar social e manutenção da higidez do comércio internacional, bem como das economias nacionais.

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Parte II

AVALIAÇÃO DE RISCOS E MEIO

AMBIENTE

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PERCEPCIONES IUS-ECONÓMICAS DE LA PROPIEDAD

INTELECTUAL DE VEGETALES EN ARGENTINA Y BRASIL: EVIDENCIAS DESDE LOS ACUERDOS UPOV Y ADPIC

Daniel Lemos de Oliveira Mattosinho

Sumário: Introducción. 1. Disciplina jurídica de la propiedad intelectual de plantas en Brasil. 2. Disciplina jurídica de la propiedad intelectual de vegetal en Argentina. 3. UPOV y ADPIC: la disciplina internacional de la propiedad intelectual de vegetales en cuanto expresión de intereses económicos. Conclusión. Referências. Resumen: A partir del análisis de las normas de propiedad intelectual de vegetales en Argentina y Brasil, se nota la existencia de un factor de armonización entre ellas, siendo los acuerdos de la UPOV y el ADPIC los principales instrumentos internacionales de tal armonización. En definitiva, ella fue inducida a partir del sistema multilateral de comercio, se evidenciando la razón económica como factor de armonización de las normas de propiedad intelectual y, por fin, como punto de partida para conflictos de intereses económicos. Cuanto a ellos, la propiedad intelectual de vegetales constituye una de las materias que más importa a Argentina y Brasil, debido al hecho de que son grande productores agrícolas y detentores de tecnología sobre vegetales. Tal hecho es el principal aspecto del actual conflicto relativo a la propiedad intelectual de vegetales, pues los países industrializados intentan cambiar su régimen de internacional en sentido contrario a los intereses de Argentina y Brasil, en cuanto ellos intentan mantener tales intereses en dicho régimen, de forma a suportar su producción agrícola y tecnológica. Palabras Clave: Propiedad intelectual de vegetales. Derecho y economía. Argentina. Brasil. ADPIC. UPOV.

Introducción

El incremento de la utilización de la tecnología corresponde a uno de

los principales motivos pelos cuales la agricultura argentina y brasileña vienen presente sucesivos records de producción – impulsando, al final, su competitividad en los mercados internacionales. En este contexto de utilización de tecnología en la agricultura, identificase la propiedad intelectual de vegetales como uno de los más importantes y sofisticados instrumentos ius-económicos que confieren la mencionada alta productividad y competitividad de la agricultura argentina y brasileña.

A la medida que la agricultura corresponde a una actividad económica cuyos pilares y resultados fluyen, simultáneamente, en los planos nacional e internacional, entendiese necesario investigar de que forma la

Daniel Lemos de Oliveira Mattosinho. Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP. Servidor Público.

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tecnología utilizada en tal actividad económica é tutelada jurídicamente en ambos los planos nacional e internacional. Por tal razón, pretendiese específicamente verificar los tratamientos que el derecho internacional, además de los derechos argentino y brasileño destinan a la propiedad intelectual de vegetales, con vistas a identificar en tales tratamientos semejanzas o distinciones que indiquen y suporten las aludidas eficiencia y competitividad de la producción agrícola argentina y brasileña, así como los intereses económicos abarcados, implícita y explícitamente, en tales ordenamientos.

1. Disciplina jurídica de la propiedad intelectual de plantas en Brasil

La tutela de la propiedad intelectual de vegetales en el ordenamiento jurídico brasileño es establecida, básicamente, a través de dos leyes: la Ley 9279/1996, ley de propiedad industrial, y la Ley 9456 /1997, la ley de cultivares. En específico, ambas las leyes disciplinan las dos principales modalidades de propiedad intelectual de vegetales: la primera, los vegetales transgénicos; la segunda, las variedades de vegetales.

Todavía, antes que se presentes los preceptos dispuestos por las supra mencionadas leyes, entendiese necesario identificar lo que sea vegetales transgénicos y variedades de vegetales, pues la comprensión de dichos preceptos no puede prescindir de tales identificaciones. Así, de modo sencillo, por vegetales transgénicos entendiesen los vegetales en cuyas cadenas genéticas son inseridos genes o porciones de genes de otros organismos vivos, los cuales confieren a tales vegetales la capacidad de producir una sustancia o de desempeñar una función que se manifestaba en el organismo vivo en que se encontraban dichos genes o porciones de genes. (BORÉM, 2009, p. 393).

Entretanto, es importante destacar que esta inserción de genes en la cadena genética de los vegetales puede ser realizada por diversas técnicas, cuyos procedimientos se desarrollan, mutatis mutandis, bajo el siguiente rito: utilizándose de microorganismos con capacidad de alteración de la cadena genética de los vegetales, estas técnicas realizan una reestructuración en la cadena genética de estos microorganismos, insiriendo en ella el gen o porción de cadena genética responsable por la producción de una sustancia o por el desarrollo de una función eventualmente deseables en un dado vegetal; posteriormente, a partir de esta reestructuración genéticas, estos microorganismos actúan de forma a alterar la cadena genética del vegetal, insiriendo en elle el gen o porción de cadena genética inicialmente mencionados para que, al final, el vegetal produzca la sustancia o desarrolle la función ansiada con suceso. (BORÉM, 2009, p. 395).

A partir de los elementos arriba expuestos, verificase que los vegetales transgénicos son tutelados por la ley de propiedad industrial:

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específicamente, constituye la patente el instituto jurídico responsable por la protección de los vegetales transgénicos. En este sentido, destáquese que la ley de propiedad industrial establece en su artículo 8º los requisitos mínimos para la concesión de una patente: sencillamente, es la existencia de un invento que atienda a los requisitos de novedad, actividad inventiva e aplicación industrial.

Se percebe que, bajo la exclusiva perspectiva de esta ley, sucede una definición negativa de lo que comprende la patente: afora las excepciones expresamente dispuestas en el artículo 10 de la Ley 9279/1996 , cualquier elemento podrá, atendidos los requisitos arriba mencionados, ser objeto de patente – debiéndose resaltar, entretanto, el fato de que, con relación a las restricciones al patentamiento, el artículo 18 da ley de propiedad industrial igualmente establece prohibiciones cerca lo que no puede ser patentado.

De un lado, se justifica el dispuesto del artículo 10 una vez que estas excepciones expresamente no cumplen los requisitos para patentamiento arriba mencionados en el artículo 8º. De otro, la prohibición al patentamiento de los elementos mencionados en el dispuesto del artículo 18 se justifica en razón de su incompatibilidad con la política industrial y con la moral, la orden pública y la seguridad nacionales. (BARBOSA, 2010, p. 367).

Así, a partir de la lectura de los artículos arriba mencionados, constatase, bajo la perspectiva del artículo 10, IX y del artículo 18, III de la Ley 9279/1996, no ser posible el patentamiento de vegetales o de plantas. Entretanto, se debe resaltar que tal aspecto no implica la imposibilidad de una patente relacionarse a vegetales en que son inseridos nuevos genes en su cadena genética. El punto de partida para tanto resulta del fato de que es en función de la actividad del microorganismo que se logra la alteración de la estructura genética del vegetal.

En este sentido, es importante destacar la conciliación entre la terminología estrictamente científica y la adecuación de las condiciones jurídicas para el patentamiento: de un lado, no es apropiado, en términos científicos, el empleo de la expresión “vegetal transgénico”, así como no es posible que un vegetal sea patentado; de otro, en la medida en que constituye el microorganismo el elemento responsable por la alteración de la cadena genética del vegetal, se constata que, en ultima ratio, el objeto de la patente no constituirá el vegetal per se, pero sí el microorganismo genéticamente modificado.

La fundamentación de este raciocinio se firma pues el microorganismo sintetiza, esencialmente, el método de transformación del vegetal. Así, siendo el microorganismo el elemento responsable por la transformación del vegetal, se demonstra la adecuación de su patentamiento,

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una vez que el microorganismo genéticamente modificado constituye el invento mediante el cual será obtenido el vegetal genéticamente modificado. De otra forma: la patente tutela o protege no el “vegetal transgénico”, sobre el cual se materializan los efectos de la transformación genética operada por el invento, pero sí el microorganismo en cuanto síntesis del método transformador (o del invento).

Entretanto, al paso que el patentamiento de vegetales está directamente vinculado a los microorganismos genéticamente modificados, se torna imprescindible verificar cuales microorganismos utilizables en el proceso de alteración de la cadena genética de vegetales atienden a las condiciones para concesión de una patente. En otros términos: se trata de verificar cuales microorganismos obedecen a la premisa estipulada en el artículo 8º de la Ley de Propiedad Industrial – que sean nuevos, contengan actividad inventiva (no sean mera descubierta y tengan aplicación industrial.

Así, se verifica que la biotecnología posibilita que la manipulación de genes, incluso aquella relativa a los vegetal, pueda ser instrumentada tanto en función de procesos cuanto en función de productos. Por los primeros se destacan: (i) la utilización de material biológico (incluso microbiológico) para la producción de otros productos o materias; (ii) la intervención sobre materias biológicas o microbiológicas; (iii) los procesos a través de los cuales son producidas materias biológicas o microbiológicas (BRUCH, 2006, p. 38). Con relación a los segundos, se citan: (i) proteínas extraídas, sintetizadas o purificadas a partir de fuentes naturales; (ii) ácidos nucleicos; (iii) genes y secuencias de genes; (iv) oligonucleótidos; (v) vectores de clonación (plásmidos, fagos, cósmidos); (vi) virus y bacterias; (vii) organismos parasitarios; (viii) células y linajes de células; (ix) vegetales y partes de vegetales. (BRUCH, 2006, p. 39).

Aunque la precisa definición de procesos y productos sea propia de la biotecnología – y, por lo tanto, ajena a los objetivos de este trabajo –, importa destacar que, realizadas las excepciones expresas del artículo 8º, los procesos sin novedad y que no constituyan mera descubierta, y las derivadas del artículo 10, IX y del artículo 18, III da Ley de Propiedad Industrial, en que estarían cubiertos los productos y partes de vegetales, todos los procesos y productos biotecnológicos arriba descritos son potencialmente patentables: cumplidas la aplicabilidad industrial y la actividad inventiva, todos los elementos destacado pueden ser tutelados por patentes.

Aparte las excepciones expresas, se percebe que las patentes de microorganismos – y de los vegetales transgénicos –, y mismo todos los pedidos de patente en general, no pueden ser concedidas o negadas sin un análisis particular, detallado: el atendimiento a las excepciones y a los requisitos debe ser concomitante. (ABRANTES, 2011, p. 88). Así, si, como ya visto, las excepciones al patentamiento son expresas, no es difícil

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constatar que predominan en la concesión de una patente el atendimiento a los requisitos de actividad inventiva y de aplicabilidad industrial. Relativamente a los vegetales transgénicos, este hecho crece en importancia, en razón de las características y peculiaridades inherentes a los microorganismos a los cuales aquellos se vinculan.

Ante esta predominancia, cumple verificar como los aspectos de actividad inventiva y aplicabilidad industrial pueden actuar en la concesión de patentes de vegetales transgénicos. En este sentido, se verifica que la actividad inventiva demanda que la innovación no debe ser producida con el empleo de los conocimientos disponibles hasta su producción. O sea, por actividad inventiva se entiende lo que no sucede obviamente del estado de arte – otra vez, un concepto negativo.

Relativamente a los vegetales transgénicos, la actividad inventiva imposibilita el mero y aleatorio patentamiento de genes o porciones de genes: es necesario que una actividad humana manipule el gen o porción de genes y que, a partir de esta manipulación, resulte la alteración de un aspecto de la naturaleza – v.g., el gen aislado de su cuerpo natural posteriormente inserido, con éxito, en la cadena genética de otro organismo.

Sin embargo, la aplicabilidad industrial comprende la posibilidad de el invento ser utilizado o producido en algo tipo de industria – vale decir: la posibilidad de el invento ser introducido y negociado en el mercado. Por supuesto, es importante destacar que esta posibilidad no debe ser interpretada solamente bajo la perspectiva de disponibilidad del invento al comercio: específicamente cuanto a los vegetales transgénicos, no es suficiente que se indique cuales utilidades los microorganismos suman a los vegetales transgénicos, o que se afirme que aquellas utilidades son susceptibles de ser ofertadas en el mercado. En el campo del patentamiento es preciso especificar y describir el problema técnico a ser superado (DEL NERO, 2008: 178): es imprescindible la asociación de la actividad desarrollada por el material genético inserido en los vegetales a un problema técnico cuya solución alcance un interés social.

Notase, por lo tanto, que las patentes de vegetales transgénicos deben cumplir una serie de requisitos que, a pesar de comunes a todo y cualquier pedido de patente, acaban de estos se distinguiendo en razón de las particularidades inherentes a los microorganismos. Tales particularidades, a su turno, suceden del hecho de que, a la medida en que el objeto de las patentes de vegetales transgénicos constituye un aspecto de un ser vivo, se torna extremamente difícil distinguir se hubo o no alteración de la naturaleza por acto humano. En ultima ratio, el principal desafío relativo a la concesión de patentes a vegetales transgénicos bajo la Ley 9279/1996 es identificar se el invento a ser patentado sucede propiamente de la interferencia del hombre o si él sucede del natural desarrollar de los procesos biológicos.

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Expuestos los principales aspectos relativos a las normas que

disciplinan las patentes de vegetales transgénicos, se pasa a tratar de las normas relativas a las variedades de plantas – o, de acuerdo con el derecho brasileño, las cultivares. Siguiendo el mismo raciocinio adoptado anteriormente, por cultivar se entiende, generalmente, un vegetal sobre el cual se concentra la búsqueda y la implementación de mejoramiento genético – una característica común, por lo tanto, con los vegetales transgénicos.

No obstante, y aquí se nota la distinción esencial entre vegetales transgénicos y las cultivares, la técnica por la cual se alcanza el mejoramiento genético en una cultivar es la selección artificial: por esta técnica se busca, a través del cruce artificial de vegetales con determinadas características – mayor productividad, calidad, resistencia, etc. – y con base en el método de la tentativa – hecho que puede implicar un “x” número de cruces de tales vegetales –, la obtención de vegetales que contengan las deseables calidades genéticas presentes en los vegetales cruzados (o “padres”).

En términos propios de la biotecnología, por cultivar se entiende un grupo de vegetales con características distintas, uniformes y estables o como la variedad cultivada vegetal que se distingue por características fenotípicas que, cuando multiplicada, mantiene sus características distintas (BORÉM, 2009, p. 159). De modo más amplio, se entiende por cultivar la denominación de variedades o variaciones mendelianas en una especie – variedad que constituye el mejoramiento de una determinada especie, la cual es utilizada comercialmente. (GARCIA, 2011, p. 82).

Así, se percebe fácilmente que el proceso de creación de cultivares es menos complexo que aquél relativo a la creación de vegetales transgénicos: el principal aspecto de tal distinción residen en el hecho de que la creación de una cultivar no implica necesariamente en una innovación: no es necesario que haya una modificación de la naturaleza para que se cree una cultivar.

Si bajo la perspectiva de la biotecnología esta distinción de complejidades lleva a diversas discusiones, en el campo jurídico las consecuencias de tal distinción se relacionan a las condiciones que deben ser respetadas para que se obtenga la protección o la tutela conferida por la Ley 9456/1997, así como en la extensión o en los límites de la protección dispuesta por mencionado diploma legal.

Antes que se pase al análisis de la ley de cultivares, es necesario destacara que la técnica legislativa utilizada en tal diploma legal se distingue de la técnica empleada en la ley de propiedad industrial – y mismo de la forma de redacción de gran parte de las leyes brasileñas: se incluyó, en el artículo 3º de la Ley 9456/1997, un extenso conjunto de conceptos propios de la biotecnología sin los cuales es imposible realizar cualquier análisis o

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interpretación cerca la ley de cultivares. Entretanto, como ni todos estos conceptos son necesarios para la comprensión de los requisitos inherentes a la protección de las cultivares, se propone la exposición de solamente los conceptos dispuestos en el artículo 3º que sean indispensables a tal comprensión.

Así, el primero aspecto que se destaca es el hecho de que la definición legal de cultivar está muy cerca del concepto técnico arriba mencionado, conforme se nota en el artículo 3º, IV de la Ley 9456/1997. Relativamente a tal dispositivo, es extremamente importante destacar que la identificación de una cultivar depende de los llamados “descriptores”: definidos en el artículo 3º, II de la ley de cultivares , los “descriptores” ejercen, primordialmente, la función de enunciar las características que diferencian una cultivar de una planta normal o mismo de otras cultivares. (GARCIA, 2011, p. 85).

En este sentido, se debe resaltar que el artículo 4º de la Ley 9456/1997 establece diversos requisitos para que una cultivar pueda ser tutelada jurídicamente. Es precisamente en este punto que emerge la importancia de los “descriptores”: la evaluación de la distinción, homogeneidad y estabilidad – síntesis de los requisitos legales dispuestos en artículo 4º - será hecha a partir de los “descriptores” manifestados por las cultivares sobre las cuales se requiere la protección jurídica.

Adelante, se verifica que la ley de cultivares no estableció expresamente cuales parámetros los “descriptores” deben seguir a fin de que ellos aseguren la protección conferida por la Ley 9456/1997. En otros términos: la ley de cultivares no establece específicamente cuales condiciones los “descriptores” deben satisfacer a fin de que los mismos confieran a la cultivar las mencionadas distinción, homogeneidad y estabilidad.

Relativamente a tal ausencia de condiciones específicas, se verifica que, a partir de la combinación entre el artículo 3º, III y el artículo 4º, §2º de la ley de cultivares, la disposición de las condiciones a ser satisfechas por los “descriptores” está a cargo del Servicio Nacional de Protección de Cultivares (SNPC), órgano competente mencionado en ambos los dispositivos, creado en función del artículo 45 de la Ley 9456/1997. Notase, por lo tanto, que constituye la función del SNPC establecer las características específicas que el conjunto de “descriptores” debe atender para que se diferencie una nueva cultivar o una cultivar esencialmente derivada de las otras cultivares ya conocidas – este última con definición contenida en el artículo 3º, IX y con protección prevista en el artículo 4º, §1º de la ley de cultivares – o mismo de otros vegetales normales, y, por fin, sea concedida la tutela a ellas.

Entretanto, aún la especificidad a ser cumplida por los “descriptores” suceda necesariamente de la actuación del SNCP, ello no

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significa que la ley de cultivares no haya establecido los contornos que tal especificidad deba respetar. Así, para que una cultivar sea distinguible de otros vegetales o cultivares, es necesario que el “descriptor” o conjunto de “descriptores” relativos a ella no sean conocidos hasta entonces. Este “no conocimiento” se trata de un criterio agrotécnico para distinguir una variedad de otra o de un vegetal normal – como el color, la resistencia, la precocidad (GARCIA, 2011: 86). Todavía, este criterio agrotécnico impone que no sea cualquier innovación en la variedad de vegetal que condicione su protección: el criterio agrotécnico dispone la utilidad – específicamente, la utilidad económica – como el centro del requisito de la distinción, poco importando el simple diferencial biológico. (BARBOSA, 2010, p. 585).

Por el requisito de la homogeneidad, previsto en el artículo 3º, VII de la Ley 9456/1997 , se determina la necesidad de la cultivar mantener sus características en ciclos reproductivos distintos y sucesivos. Este requisito será apurando en plantío en escala comercial: en específico, por este requisito se verifica si la cultivar mantiene o presenta mínima variabilidad relativamente a los “descriptores” que la identifican – esta mínima variabilidad obedece los criterios establecidos por el SNPC. (BRUCH, 2006, p. 45).

Por fin, el requisito de la estabilidad, previsto en el artículo 3º, VIII de la ley de cultivares , dispone la verificación de si la cultivar mantiene, al largo de sus generaciones, las mismas características que la distinguen de las demás cultivares o vegetales. Tratase de un requisito similar al anterior, cuya distinción sucede que este se trata de un requisito para la adquisición y para la manutención de la protección a la cultivar: la protección solamente prevalece en cuanta la cultivar mantener las características descrita – o sea, en cuanto los “descriptores” estuvieren activos en las generaciones sucesoras de la cultivar inicial. (BARBOSA, 2010, p. 586).

Aún que de modo conciso, se ha procurado demonstrar los fundamentos y requisitos legales para la obtención de tutela jurídica para una cultivar, pasándose a exponer a siguiente como tal tutela puede ser ejercida y cuáles son sus límites. Igualmente, serán expuestos los límites y los modos de ejercicio de la tutela conferida por las patentes de vegetales transgénicos, visando a presentar una comparación entre estas y las cultivares, para que se determinen eventuales similitudes o distinciones entre tales institutos.

Así, constituye el artículo 2º de la Ley 9456/1997 el principal dispositivo para comprender la tutela jurídica de las cultivares: por el mismo, los derechos de propiedad intelectual de cultivares solo pueden ser concedidos a partir de las mejorías que las mismas manifiestan, en obediencia al mencionado criterio agrotécnico – regresando, por lo tanto, a la noción de utilidad económica. Tal artículo establece ser el Certificado de Protección de Cultivar (CPC) el título hábil a conferir la tutela a una cultivar,

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sucediendo, así, la prohibición al patentamiento y a la doble protección sobre las variedades de vegetales: en el derecho brasileño, sólo el CPC protege la cultivar.

Partiéndose de la conyugación del artículo 2º con los mencionados artículos 3º y 4º de la ley de cultivares, se puede percibir que el fundamento de la tutela jurídica de las cultivares se proyecta sobre las nuevas cultivares o las cultivares esencialmente derivadas, estando abrigados por la protección todos los géneros y especies vegetales propagados por semillas o mudas de vegetales – excluidos los vegetales encontrados en la naturaleza.

Estos apuntamientos son importantes pues demuestran el suporte de la tutela de la propiedad intelectual sobre cultivares: aunque la razón para la protección sea, en esencia, el carácter de distinción de la cultivar, su protección se extiende, conforme el artículo 8º de la Ley 9456/1997 , sobre los vegetales “hijos” de la cultivar que ha proporcionado la concesión de la protección. A su turno, el contenido de dicha protección sucede del artículo 9º de la ley de cultivares , el cual sedimenta la utilidad económica – conferida por el criterio agrotécnico, fornecido por el requisito de la distinción – como justificativa para su concesión: ello se torna extremamente nítido a partir del hecho de que la propiedad intelectual de una cultivar confiere a su titular la facultad de excluir terceros de la utilización, con fines económicos, de la cultivar.

La importancia del contenido de la tutela de las cultivares se justifica pues, del mismo modo en que él atribuye una facultad positiva de actuación por el titular, él también indica una facultad negativa a tal protección: el titular de una cultivar no puede excluir aquél que la utiliza sin finalidad económica o comercial. Esta facultad negativa implica en excepciones a la exclusión por el titular de una cultivar, las cuales pueden ser así sintetizadas: (i) el agricultor que, del producto obtenido del plantío de una cultivar protegida, hace reservas y planta semillas en su establecimiento, utilizando para consumo propio o vendiendo; (ii) el obtentor que utiliza el material como fuente de variación genética, vedándose la formación de híbridos o de cultivares esencialmente derivares – hipótesis en que se demanda la expresa autorización del titular; (iii) el pequeño productor rural que, de producto obtenido del plantío de una cultivar protegida, troca o dona las semillas por él producidas a otro pequeño productor. (GARCIA, 2011, p. 110).

Así, se puede decir que la efectividad de la protección conferida a la propiedad intelectual de cultivares no prescinde de alto rigor: la tutela del interés económico tiene sus fronteras delimitadas en función de la oferta de los productos de la cultivar en el mercado. Tal límite de protección, todavía, constituye una de las principales distinciones entre una cultivar y un vegetal transgénica: en esencia, las patentes confieren un ámbito de actuación muy

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más amplio que el CPC confiere a la cultivar.

En este sentido, se verifica que la patente también confiere a su titular la prerrogativa de excluir terceros de la utilización de su objeto. La diferencia, todavía, subsiste en el hecho de que, por fuerza del artículo 42 de la Ley 9279/1996 , las patentes – e, por lo tanto, los vegetales transgénicos – confieren a su titular la posibilidad de excluir cualquier persona de la utilización de su objeto. Tal facultad de exclusión se aumenta al paso que la ley de propiedad industrial ha posibilitado el patentamiento de productos y de procesos: ello aumenta sustancialmente la facultad de exclusión detenida por el titular de una patente: de modo general, un vegetal transgénico patentado sólo podrá ser negociado, independiente de cualquier situación, a través del consentimiento de su titular.

Así, la distinción entre la protección conferida por una patente y por un CPC también puede ser expuesta de la siguiente forma: a depender de su extensión concedida – producto o proceso –, el derecho de excluir conferido por una patente puede envolver no sólo la negociación del bien que contiene el invento, pero puede abrigar etapas previas o posteriores a la patente; el mismo no ocurre con relación a la cultivar: ella solo es oponible en medio a las negociaciones específicamente comerciales.

Más allá de la extensión de la protección conferida a los objetos de las patentes y del CPC, constituye otro factor de distinción entre ambos institutos el lapso temporal de protección que los sucede. En este sentido, dispone el artículo 40 de la ley de propiedad industrial que el plazo de vigencia de una patente será de veinte años, no pudiendo esta ser inferior a diez años. Ya el artículo 11 de la ley de cultivares dispone, generalmente, ser de quince años el plazo de protección conferido a una cultivar – el cual puede aumentar para dieciocho años a depender de la especie.

Todavía, se debe tener en cuenta que la distinción entre dichos plazos de protección no se reduce a la evidente distinción cardinal: ello ocurre pues el tiempo gasto para el examen de un pedido de patente – en que son analizados los requisitos para el patentamiento – es parcialmente abatido del plazo de protección de la patente. Al mismo tiempo, a partir del derecho de prioridad , la solicitud de una patente no impide que su titular utilice el invento a ser patentado. O sea: en función de estos aspectos, el plazo de protección de una patente puede extenderse por hasta treinta años, a depender del tiempo del examen de la solicitud. Tal hecho no ocurre relativamente a la protección de las cultivares. Aunque sea reconocido el derecho de prioridad a una cultivar, constatase que su ejercicio no es similar su paralelo con las patentes: el plazo para examen de solicitud de un CPC es totalmente descontado del plazo de protección conferida a una cultivar – o sea, si el examen toma cinco años, la protección de la cultivar será de diez o trece años, a partir de la emisión del CPC.

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Así, la fundamental distinción de la protección conferida por una

patente de la protección conferida por una cultivar puede ser sintetizada de la siguiente forma: en aquella, la facultad negativa del titular, en el sentido de abstenerse de ejercer su derecho de exclusión, es drásticamente reducida en relación a de esta, en función de las característica del objeto protegido y del lapso temporal de la protección de cada una. 2. Disciplina jurídica de la propiedad intelectual de vegetal en Argentina

El derecho argentino, tal como el brasileño, también tutela la propiedad intelectual de vegetales a través de dos leyes: la Ley 24481/1996, ley de patentes de invención y modelos de utilidad, y la Ley 20247/1973, ley de semillas y de creaciones fitogenéticas. La primera está relacionada a la protección de vegetales transgénicos, en cuanto la segunda está relacionada a la protección de variedades de vegetales.

Primeramente, se debe notar que el derecho argentino veda expresamente el patentamiento de vegetales o de procesos biológicos para su reproducción, conforme dispone el artículo 6º, “g” y el artículo 7º, “b”, ambos de la Ley 24481/1996. Del mismo modo, se verifica en el artículo 20 de la ley de patentes argentina la posibilidad de solicitud de patentes relativas a microorganismos – cuyo concepto expuesto en el tópico anterior permanece válido frente al derecho argentino.

Será partir de esta posibilidad que se verifica admisible, ante el derecho argentino, el patentamiento de construcciones genéticas artificiales obtenidas por métodos biotecnológicos, desde que estas construcciones no sean capaces de duplicarse o reproducirse en condiciones normales y libres – pues la biotecnología comprende tal capacidad es como una de las características de seres vivos, cuyo patentamiento es expresamente prohibido. (RAPELA, 2000, p. 150).

A partir de este aspecto, surge la noción de que constituirá el microorganismo el objeto central de las patentes de vegetales transgénicos: aunque el vegetal constituya el elemento sobre el cual se evidencia la actividad o la función desarrollada por el microorganismo – así como el gen o conjunto de genes que el abarca –, es sobre sobre el microorganismo genéticamente que se concede la patente y, principalmente, es en función del mismo que se extienden los mecanismo de protección por ella conferidas. Tratase, por lo tanto, de una noción similar a aquella transmitida por la ley de propiedad industrial brasileña.

Para que un microorganismo – y, por lo tanto, el vegetal transgénico – pueda ser patentado, es necesario su adecuación a los requisitos al patentamiento, dispuestos en el artículo 4º de la Ley 24481/1996. Notase que la ley de patentes argentina también ha dispuesto la novedad, actividad

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inventiva y la aplicación industrial como requisitos para el patentamiento, identificándose, así, más una semejanza entre el derecho de patentes brasileño y argentino.

Todavía, relativamente al patentamiento de microorganismos, el artículo 12, ítem 13 de la ley de patentes argentina también ha establecido la necesidad de que ellos estén a disposición del público, depositados en instituciones propias a tal fin. Aunque tal artículo sea justificado con base en argumentos biotecnológico, se debe destacar que los depósitos de microorganismos son relevantes pues pueden constituir una fuente para la verificación de la novedad o no del objeto de un pedido de patente.

Regresándose a los requisitos para el patentamiento de vegetales transgénicos, considerase nueva una invención que no esté comprendida por el estado de la técnica. O sea: atiende al requisito de novedad la invención que no pertenezca al conjunto de conocimientos técnicos que fueran hechos públicos o que son de conocimiento público y general antes de la fecha de solicitud de la patente. (SÁNCHEZ, 2006, p. 484).

Ya el requisito de la actividad inventiva es cumplido cuando el proceso creativo o sus resultados no sucedieren del estado de la técnica en forma evidente para una persona especializada en la materia técnica que abarca la solicitud de patente. El reconocimiento de una actividad inventiva significa, así, que el examinador normal no pueda llegar al conocimiento contenido en el invento a ser patentado a partir de los conocimientos que integraban el estado de la técnica en la fecha de solicitud.

Por fin, el requisito de la aplicación industrial se satisface cuando el efecto de la invención corresponda a la obtención de un resultado o producto industrial, que debe ser comprendido como la actividad que persigue, a través de una actuación consciente de los hombres, la utilización o la transformación de los recursos naturales para satisfacción de las necesidades humanas. (SÁNCHEZ, 2006, p. 490). Así, tal como el tópico anterior, la aplicación industrial es cumplida cuando el invento es pasible de ser ofertado y consumido en el mercado.

La comprensión de estos requisitos bajo la perspectiva de los vegetales transgénicos – y, por lo tanto, del patentamiento de microorganismos – puede ser efectuada mediante algunos aspectos. Con relación al requisito de la novedad, destacase que, en el campo de la biotecnología, el mérito de la invención se encuentra en la capacidad humana para identificar, aislar e indicar la utilidad práctica de un organismo (gen o conjunto de genes). Así, lo que se considera novedad no es el microorganismo, mas sí el hecho de que él se presenta como una forma susceptible de aplicación práctica que no era conocida (BERGEL, 1999, p. 55).

Relativamente a la actividad inventiva, notase una comprensión no

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muy distinta de la anterior: caso la invención consista en mera manipulación de genes de una forma que fuera previsible para un técnico del área, no habría el cumplimiento de tal requisito. Específicamente en el caso de los microorganismos, la superación de las dificultades inherentes al aislamiento de los genes sería equivalente a la adecuación del invento a la satisfacción del requisito de la actividad inventiva. (BERGEL, 1999, p. 55).

El requisito de la aplicación industrial, todavía, no es tan sencillamente cumplido: el carácter técnico inherente a los requisitos anteriores llevaba a la indicación de que las invenciones relativas a la materia viva no podrían ser patentadas. Entretanto, ante las transformaciones ocurridas en el ámbito de la biotecnología, se ha pasado a la comprensión de que el cumplimiento del requisito de la aplicación industrial sería efectivo cuando se hubo demonstrado que el invento utiliza metódicamente fuerzas naturales controlables visando a la obtención de un resultado causal y perceptible, sucediendo la aplicación industrial de la disponibilidad de tal utilización junto a los mercados. (BERGEL, 1999, p. 57).

Tal como en el tópico anterior, es posible percibir que esta “nueva” comprensión de los requisitos del patentamiento sucede de las peculiaridades inherentes a la biotecnología: tratase, en suma, de una comprensión necesaria a la identificación, y consecuente alejamiento, del hecho de que la patente de microorganismo no viola las prohibiciones al patentamiento de productos preexistente en la naturaleza o de meras descubiertas.

En concreto, esta comprensión transmite la noción de que las invenciones el campo biotecnológico – y particularmente a los vegetales transgénicos –, constituyen un factor de enriquecimiento de la técnica, pues demonstran el camino por lo cual se puede llegar a una información cerca de un gene, o grupo de genes, que no era disponible. Por lo tanto, la innovación ocurre cuando se descubre tal información, a partir del aislamiento del gene o conjunto de genes, así como a partir de la descubierta de informaciones relativas a la recombinación de este gene o conjunto de genes en medio a un nuevo organismo.

Si, de una parte, los requisitos para el patentamiento de un vegetal transgénico necesitan, dado sus particularidades, ser interpretados o comprendido bajo perspectiva distinta de la empleada generalmente, de otra se tiene que las prerrogativas relativas a una patente de vegetal transgénico igualmente no suceden de una interpretación literal de la ley de patentes argentina. Para tanto, se identifican los artículos 8º y 35 de la Ley 24481/1996 para que se determine la extensión de los derechos conferidos por la patente: en esencia, el titular de la patente dispone del derecho de excluir terceros de la utilización del invento, por el plazo de veinte años – tal como dispone, de modo general, el derecho brasileño.

Todavía, relativamente a la exclusividad conferida por los

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vegetales transgénicos, se destacan dos aspectos que distinguen sensiblemente el derecho argentino del brasileño. El primero sucede del hecho de que se incluye en el ámbito de protección no sólo la primera generación de vegetales genéticamente modificados, pero también las generaciones siguientes. (SÁNCHEZ, 2006, p. 484). El segundo, de cierto modo relacionable al primero, prescinde de una situación más compleja: no raro, los agricultores separan una dada cantidad de semillas de su producción, con las cuales realizarían el plantío para el próximo cultivo. Específicamente en una situación en que la patente de vegetal transgénico fue conferida a una semilla, estos agricultores no podrán establecer tal práctica sin el pago de regalías al titular de la patente. (BERGEL, 1999, p. 81). Exceptuados tales aspectos, se puede afirmar que el sistema argentino de concesión y protección de patentes de vegetales transgénicos no difiere del sistema brasileño.

En este sentido, se verifica que las semejanzas entre las normas brasileñas y argentinas que disciplinan la propiedad intelectual de vegetales tienden a tener continuidad cuando se pasa al análisis de la tutela de las variedades de vegetales conferida por la Ley 20247/1973. Todavía, el primero aspecto que se destaca de la ley de semillas constituye una distinción entre esta y su equivalente brasileña: al paso que la protección a la cultivares es reciente – fue implementada en 1997, sin cualquier disciplina anterior –, la ley argentina tiene casi cuatro décadas de vigencia. Esta anterioridad se debe, en gran parte, al proceso de privatización del mercado de semillas argentino, anteriormente descentralizado y fuertemente apoyado por el Estado.

Otra distinción se encuentra en el hecho de que la ley argentina también protege, de modo específico, las semillas de vegetales, además de las creaciones fitogenéticas – conforme el artículo 2º de la Ley 20247/1973. A despecho de esta mayor amplitud de la ley de semillas, constatase que, tal como la ley de cutivares brasileña, la protección conferida por la ley argentina tiene finalidad eminentemente económica – la cual, a su turno, debe ser necesariamente acompañada por la noción de utilidad.

Entretanto, se debe resaltar que estas distinciones, aunque relevantes por caracterizaren de manera propia el sistema argentino de protección a variedades de vegetales, no interfieren en la semejanza de los requisitos brasileños y argentinos para la obtención de protección y la extensión de tal protección. Así, y pasándose al núcleo de la ley de semillas, se identifican en el artículo 20 de tal ley los requisitos que una semilla o variedad de vegetal debe satisfacer a fin de que tengan protección jurídica: son los requisitos de la novedad, la distinción, homogeneidad y estabilidad – tal como se encuentra en el derecho brasileño.

Por el requisito de la novedad, se establece que, para una variedad ser considerada nueva, ella no debe haber sido comercializada, por su

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obtentor o con su consentimiento, hasta la fecha de presentación de la solicitud junto al Registro Nacional de Propiedad de Cultivares (RNPC), órgano creado por el artículo 19 de la ley de semillas , competente para apreciar y conceder el privilegio.

Ya el requisito de la distinción dispone la necesidad de que el objeto del pedido sea claramente distinguible, en función de una o más características, de cualquier otra variedad cuya existencia sea de conocimiento general en el momento de la solicitud. En este sentido, es importante resaltar que la mera aplicación para concesión del privilegio intelectual convierte la variedad en objeto de conocimiento general, siempre que el pedido conduzca, al final, a la efectiva concesión de la propiedad intelectual.

Por fin, los requisitos de la homogeneidad y estabilidad establecen, respectivamente: (i) la necesidad de que el vegetal, sometido a variaciones previsibles originadas en los mecanismos particulares de su propagación, mantenga sus características hereditarias de modo suficientemente uniforme; (ii) que las características hereditarias más relevantes del vegetal permanezcan, conforme las definiciones constantes en la solicitud, al largo de reproducciones propagaciones sucesivas. (WITTHAUS, 2001, p. 145).

Aun relativamente a los requisitos a la concesión de la protección conferida por la ley de semillas, es interesante destacar que, al menos inicialmente, la casi totalidad de los requisitos arriba mencionados encuentra grandes semejanzas con los requisitos inherentes a la concesión de una patente – siendo la más clara de estas semejanzas el requisito de la novedad. Más: recordando los aspectos del tópico anterior, tal hecho ocurre en ambos los sistemas de propiedad intelectual de vegetales brasileño y argentino.

Entretanto, a despecho de estas coincidencias, se debe resaltar la imposibilidad, en ambos los sistemas brasileño y argentino, de un mismo vegetal ser objeto de patentes e de la protección conferida a las variedades de vegetales: tratase de la prohibición a la doble protección. Tal aspecto es extremamente importante, pues las normas oriundas de otros ordenamientos jurídicos – emanadas, incluso, de tratados y convenciones internacionales – permiten esta doble protección, al contrario de Brasil y Argentina. (BERGEL, 1999, p. 78); (BARBOSA, 2010, p. 572).

Al final, satisfechos los requisitos mencionados en la ley de semillas, concediese al solicitante, de acuerdo con el artículo 22 de la Ley 20247/1973 , el título de propiedad sobre la variedad vegetal, mediante el cual se confiere la exclusividad en la explotación del vegetal protegido por el plazo de diez a veinte años, a depender de las especies constantes del pedido. Relativamente al aspecto temporal, se puede decir que la distinción entre las leyes argentina y brasileña es meramente puntual, pues el derecho brasileño también confiere un plazo mayor o menor de protección a depender de las

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especies de vegetales constantes del pedido.

Relativamente al contenido de la exclusividad conferida al titular de la variedad de vegetal, se verifica que el derecho argentino ha establecido una gama de facultades no distinta de aquella dispuesta por el derecho brasileño. En esencia, el alcance de esta exclusividad comprende: (i) la producción o reproducción del vegetal protegido; (ii) la preparación a los fines de la reproducción o multiplicación; (iii) la comercialización sobre cualquier forma. (SÁNCHEZ, 2006, p. 514). Todavía la exclusividad conferida al titular no abarca el producto obtenido en la aplicación de la variedad vegetal – v.g., en un fruto –, pero se extiende al material de su propagación – v.g., la semilla del fruto.

Un último punto específico relativo a la exclusividad conferida por la ley de semillas – igualmente existente en el derecho brasileño, aunque indirectamente – constituye el “derecho” o “excepción del agricultor”: por tal derecho, se confiere al agricultor que ha utilizado una semilla protegida la facultad de utilizar las semillas obtenidas de su cosecha, con objetivo de la sembrar en un plantío futuro. Tratase, por lo tanto, de un instituto que resguarda la libre circulación, entre varias personas, de los recursos genéticos contenidos en la variedad de vegetal protegida por la ley de semillas. (RAPELA, 2006, p. 137).

3. UPOV y ADPIC: la disciplina internacional de la propiedad intelectual de vegetales en cuanto expresión de intereses económicos

A partir de la verificación de las normas que tutelan la propiedad intelectual de vegetales en Brasil y en Argentina, fue posible constatar que las legislaciones de ambos países son extremamente semejantes. En función de tales semejanzas, se puede afirmar que, mutatis mutandis, existe un fuerte indicativo de armonización entre dichas legislaciones.

Uno de los principales factores responsables por esta armonización se encuentra en las discusiones y foros internacionales relativos al tema de la propiedad intelectual, de los cuales resultan tratados y convenciones internacionales que generan obligaciones para sus partícipes. En esencia, la importancia de estas discusiones y foros se justifica con base en el hecho de que la tecnología, principal instrumento de producción en la economía contemporánea, es tutelada por la propiedad intelectual. A ello, se sigue el hecho de que la producción contemporánea igualmente no más reconoce las fronteras de los Estados nacionales: será a partir de este aspecto que emerge la aproximación de las legislaciones nacionales relativas a la propiedad intelectual, bajo la justificativa de que ella facilita y potencializa la circulación de la producción en nivel mundial.

En media a este contexto, se identifica en la liberalización del

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comercio uno de los principales fenómenos responsables por inducir y propiciar la armonización de normas – incluso aquellas relativas a la propiedad intelectual. Ello ocurre pues el sistema multilateral de comercio – ente responsable por el establecimiento y administración de la liberalización del comercio internacional – pretende la instalación de un ambiente en que las ofertas y demandas por productos puedan fluir e ser satisfechas incluso en el plano internacional. (HOEKMAN, 2001, p. 57).

Aun bajo la perspectiva de dicho sistema, se establece un aparato de normas por las cuales se visa garantizar la liberalización del comercio – el Tratado de la Organización Mundial del Comercio (OMC) y sus anexos. Relativamente a este aparato de normas, se debe destacar que, por fuerza de la regla del single undertaking, todos los países miembros de la OMC tuvieran que incorporar en sus ordenamientos jurídicos internos las normas que rigen aquél sistema. (HOEKMAN, 2001, p. 38). Se puede percibir, así, que la adhesión de un país a la OMC demanda la armonización de sus normas de dicha organización y, por ende, con las normas de los otros países miembros de la OMC.

Si, de una parte, la armonización de normas constituye uno de los aspectos que posibilita y potencializa la participación de un país en los flujos internacionales de comercio, de otra se nota la expansión de movimientos de armonización de otras normas comerciales – algunos, incluso, ajenos o mismo previo a la OMC. (HOEKMAN, 2001, p. 40). Por estas razones, así, se puede entender la liberalización del comercio – o, de modo más amplio, el sistema multilateral de comercio y el comercio internacional – como una de las principales inductoras de la armonización de normas.

Notase, a partir de tal perspectiva, que el comercio internacional (en sentido amplio, abarcando el sistema multilateral de comercio) irá fornecer los standards para la concesión y la protección de la propiedad intelectual a ser adoptados en los ordenamientos jurídicos internos. En este sentido, se verifica que la disciplina internacional en el campo de los derechos de propiedad intelectual existe desde un siglo – v.g., la Convención de Paris sobre Derechos de Propiedad Industrial de 1883 y la Convención de Berna sobre Derechos Autorales de 1886.

Todavía, solamente después del adviento de la OMC que dichas normas pasaran a tener real eficacia. (HOEKMAN, 2001, p. 274). Así, es a partir del contexto del comercio internacional que se identifican las dos principales fuentes internacionales de la propiedad intelectual de vegetales: son las convenciones de la Unión Internacional para la Protección de las Obtenciones Vegetales (UPOV) y el Acuerdo sobre los Aspectos de los Derechos de Propiedad Intelectual relacionados con el Comercio (ADPIC) contenido en el Tratado de la OMC.

La UPOV constituye una organización intergubernamental creada

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por la Convención Internacional para la Protección de Nuevas Variedades de Vegetales, en 1961. Sus objetivos son, en esencia, el fornecimiento y la promoción de un sistema efectivo para la protección de variedades de vegetales, con la finalidad de encorajar el desarrollo de nuevas variedades de vegetales, visando al beneficio mayor de la sociedad. En específico, las convenciones de la UPOV fornecen las bases normativas para que en los países miembros sea encorajada la creación de nuevas variedades de vegetales: ello ocurre a partir de la concesión de un derecho de propiedad intelectual a los creadores de vegetales.

Relativamente a las normas emanadas por la UPOV, se debe destacar que, aun tal organización fue creada en 1961, la Convención de la UPOV sólo tuvo eficacia a partir de 1968, cuando alcanzó el número mínimo de ratificaciones entonces estipulado. Desde su creación, la Convención da UPOV ha pasado por tres movimientos de revisión, ocurridos en 1972, 1978 y 1991, de forma a incorporar en su texto las nuevas experiencias y desarrollos biotecnológico ocurridos en el campo de la creación de variedades de vegetales.

Cerca estar revisiones, se debe resaltar que, aun ellas tengan resultado en nuevas previsiones en el cuerpo de la convención, se ha establecido un mecanismo que facultaba a los países miembros la elección de cual acta de la convención ellos iban adherir – la de 1972, 1978 o de 1991. (BRAHMI, 2011, p. 394). Así, se puede decir que dicha facultad de elección ha repercutido, en la práctica, en la emergencia de distintas convenciones de la UPOV – y, por lo tanto, en distintos regímenes de concesión y de protección sobre la propiedad intelectual de variedades de vegetales –, designadas a partir de las reformas ocurridas.

Todavía se debe destacar que estas facultades de elección no pueden ser ejercidas libremente: después de cada revisión, había un plazo para que los países miembros adhiriesen al acta de la Convención de la UPOV anterior o posterior a la revisión. Transcurrido dicho plazo, sólo sería posible la adhesión a la versión posterior a la última revisión. En este sentido, se resalta que Brasil y Argentina han ejercido tal facultad de elección, adhiriendo respectivamente en 1999 y 1994, a la Convención de la UPOV de 1978. (BRAHMI, 2011, p. 395-397).

Relativamente al ADPIC, se debe mencionar que él constituye un acuerdo que, además de tornar evidente la relación entre propiedad intelectual y comercio internacional, fue uno de los principales responsables por efectuar la armonización de los padrones de protección a la propiedad intelectual que deben ser adoptados por los países miembros de la OMC. En este sentido, la obligación establecida por el ADPIC se refiere exclusivamente a los padrones mínimos de protección a la propiedad intelectual – o sea, los países miembros no podrán adoptar una protección

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“menor” que aquella prevista en el acuerdo. A su turno, tal disposición hace con que en muchos países – Brasil y Argentina inclusos – el mínimo de protección dispuesto en el ADPIC corresponda al máximo de protección existente en sus respectivas legislaciones internas. (CORREA, 2000, p. 102).

Cuanto a la propiedad intelectual de vegetales, sucede del ADPIC dos importantes aspectos. El primero se da por el hecho de que este acuerdo ha demandado una gran alteración de los sistemas de patentes en los países en desarrollo, pues ha pasado a definir, de modo negativo, cuales elementos podrían o no ser objeto de patentes – o sea, todas las invenciones que no tuviesen su patentamiento expresamente vedado podrían ser patentadas. Relativamente a la propiedad intelectual de vegetales, este aspecto ha implicado en la posibilidad de patentamiento de los vegetales transgénicos.

El segundo aspecto se trata del hecho de que el ADPIC impone la obligación a los países miembros de la OMC de establecer protecciones a la propiedad intelectual sobre variedades de vegetales. En este sentido, se debe destacar que, conforme el ADPIC, dicha protección podría ser efectuada a través de patentes, por un instrumento sui generis o por la combinación de las dos modalidades. No sería de todo equivocado decir que, mutatis mutandis, el acuerdo ADPIC – y, de modo más amplio, la adhesión a la OMC – induce, aun no explícitamente, que los países miembros adhiriesen a la UPOV.

A partir de los aspectos arriba expuestos, se puede percibir que la armonización de las normas brasileñas y argentinas de propiedad intelectual de vegetales no es espontánea o natural, pero sucede en gran parte de las normas internacionales dispuestas por el ADPIC y por las convenciones de la UPOV – específicamente, en función de las obligaciones que dichas normas imponen a sus países miembros.

Todavía, al paso que el mínimo de protección a la propiedad intelectual de vegetales dispuesto en el acuerdo ADPIC y en la Convención de 1978 de la UPOV corresponde, como mencionado, al máximo de la protección conferida por el derecho brasileño y argentino, se identifica, precisamente, la principal justificativa para que tales normas sean tan semejantes: el proceso de adecuación y de internalización de las disposiciones del ADPIC y da la UPOV constituye el principal factor responsable por la armonización entre las legislaciones brasileñas y argentinas de propiedad intelectual de vegetales. A su turno, tal conclusión evidencia, y mismo sedimenta, el sistema multilateral de comercio como un importante interlocutor en la armonización de normas que tutelan relaciones y utilidades económicas.

En este sentido, es importantísimo mencionar que la propia emergencia del sistema multilateral de comercio se identifica considerablemente con las relaciones y utilidades económicas: es a través de

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estas que se instrumentalizan los flujos internacionales de comercio, cuyo eficiente funcionamiento, por otro lado, constituye el objetivo primordial del sistema multilateral de comercio. Así, se puede decir que el surgimiento del sistema multilateral de comercio fue impulsado en función de los flujos y das relaciones comerciales internacionales – los cuales, en último análisis, introducen la razón económica en el origen del sistema multilateral de comercio.

Tal aspecto es importante pues permite concluir que las normas que rigen el sistema multilateral de comercio fueran instituidas con el objetivo de proporcionar un funcionamiento eficiente de tal sistema. Así, la percepción de la razón económica en cuanto componente de la esencia del sistema multilateral de complementa tal noción, pues la manutención y la expansión de los flujos comerciales constituye un factor de generación de ganancias económicas para sus partícipes. En suma: eficiencia y generación de riqueza constituyen el mote del sistema multilateral de comercio.

Este raciocinio es relevante pues evidencia que la adhesión de un país al sistema multilateral de comercio será justificada, en medio a otros aspectos, por la posibilidad de tal país obtener ganancias a través de tal adhesión. Todavía, se debe tener en cuenta que tal evidencia, aun suceda de una línea de raciocinio que presupone la existencia de la OMC e de su ordenamiento jurídico, se verifica igualmente aplicable en una situación distinta: en específico, se trata de la situación anterior a la OMC – precisamente aquella situación en que se han debatido los textos de las normas que iban a regir el futuro sistema multilateral de comercio.

Así, se puede afirmar igualmente que la actuación y la articulación de los países participantes de la Ronda Uruguay – de la cual ha resultado la creación de la OMC – tuvo como uno de los motivadores las posibles ganancias a ser obtenidas con la creación de una estructura responsable por coordinar el libre comercio. En este sentido, se vislumbra que, en función de dicha motivación, la actuación de los países participantes de la Ronda Uruguay fue implementada de forma a deliberar, y aprobar, las propuestas más cercas de sus intereses – o sea, de que las normas responsables por regir el sistema multilateral de comercio fuesen construidas de forma que a abarcar los intereses de los países participantes en obtener ganancias con el comercio internacional.

Del mismo modo en que el interés económico motiva los países a adherir a la OMC, el interés económico de los países participantes de la Ronda Uruguay también se manifiesta en la conformación de las normas por las cuales futuramente el comercio internacional sería regido. Es cierto que, ante la cantidad de países participantes de la Ronda Uruguay – eran 125 países –, el interés de un único país difícilmente prevalecería sobre los restantes, razón por la cual las negociaciones para la creación de

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las normas de la OMC tendían a llevar al agrupamiento de países en función de intereses comunes.

La importancia de dicha contextualización se da por el hecho de que ella establece la posibilidad de que una norma componente del sistema multilateral de comercio esté más cerca a los intereses de un país o grupo de países que a los intereses de otros – pudiendo repercutir, así, en la prominencia de unos países sobre otros en el ámbito del comercio internacional. Es bajo esta perspectiva que el ADPIC y, mutatis mutandis, las convenciones de la UPOV deben ser comprendidos.

Así, se verifica que los parámetros de protección y de utilización la propiedad intelectual previstos por el ADPIC fueron establecidos en un nivel, en la época de la Ronda Uruguay, solamente era encontrado en las principales naciones industriales. En paralelo, la implementación del ADPIC en los otros países – Brasil y Argentina inclusos – ha demandado grandes cambios, cuando no una nueva legislación, en las leyes de propiedad intelectual. (BARBOSA, 2010, p. 151). Por fin, es necesario destacar que, para los países no industrializado, tales cambios representaran altos costos – de orden económica y política, en esencia. (CORREA, 2010, p. 327).

Específicamente bajo la perspectiva económica, estos costos pueden ser dispuestos en función de los aspectos objetivos y temporales de la protección a la propiedad intelectual: por lo primero, elementos que antes no podrían ser protegidos por la propiedad intelectual – v.g., medicamentos, microorganismos – pasara a tener tal privilegio; por lo segundo, el tiempo mínimo de protección conferido a la propiedad intelectual, en gran parte de los países no industrializados, no era equivalente al previsto en el ADPIC. Para los países no industrializados, estos costos suceden, en esencia, de la abrupta alteración – cuando no abrupta creación – de sus sistemas de propiedad intelectual. Ello ocurre pues, hasta la adhesión al ADPIC, gran parte de estos países estaba “acostumbrada” a determinados padrones de protección a la propiedad intelectual: en esencia, los límites de la exclusividad conferida por la apropiación intelectual no eran tan amplios como aquellos que se sucederán al ADPIC.

No obstante, las alteraciones en las leyes nacionales demandas por el ADPIC fueran implementadas, en gran parte de los países no industrializados, en poco tiempo – aunque el ADPIC hubiera establecido un plazo de cuatro años para la adecuación de los ordenamientos jurídicos de los países en desarrollo. Tal hecho, confirmo se ha verificado posteriormente, sucedió de la gran presión efectuada por los países industrializados, bajo el pretexto de incentivar e incrementar la transferencia de tecnología y los flujos internacionales de investimento para los países no industrializados. (LANOSZKA, 2003, p. 186).

Este panorama que se sigue al ADPIC también se encuentra,

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mutatis mutandis, en medio a las convenciones de la UPOV. El primero indicio de tal hecho ocurre en función de que, aun no se trate de una organización tan compleja cuanto la OMC, los miembros de la UPOV también pueden ser clasificados de modo semejante al de la OMC. Aunque no de modo decisivo, la composición de la UPOV es relevante pues evidencia la manifestación de intereses distintos, tal como ha pasado en la Ronda Uruguay. En específico, tal manifestación puede ser comprobada a partir del análisis de los contextos de las revisiones de 1978 y 1991.

Relativamente a la revisión de 1978 de la Convención de la UPOV, se verifica la aprobación de dos propuestas consideradas, hasta hoy, fundamentales al régimen internacional de propiedad intelectual de vegetales : la primera trata de la posibilidad (pero no obligatoriedad) de doble protección a las variedades de vegetales – por patentes y por leyes sui generis; la segunda establece la expansión del rol de géneros y de especies de vegetales pasibles de recibir protección – hasta entonces, la lista de especies protegidas era mayoritariamente compuesta por especies de climas temperados. Así, se puede decir que estas propuestas constituyeran uno de los principales motivadores a la adhesión por gran parte de los países entonces oyentes – destacándose, en este sentido, la adhesión de los Estados Unidos.

Cuanto a la revisión de 1991, ocurrida en medio a las discusiones de la Ronda Uruguay, se debe resaltar la presión por parte de los países industrializados para que fuese fortalecida la protección conferida a la propiedad intelectual de vegetales, la cual se poya en tres puntos: (i) una nueva extensión de la lista de las especies pasibles de protección; (ii) tornar compulsoria la doble protección sobre las variedades de vegetales; (iii) mitigar los derechos de creador y las excepciones del agricultor. Sea en función de dicha presión, sea por influencia de la Ronda Uruguay, el hecho es de que tales propuestas fueron aprobadas y hoy componen la Convención de 1991 de la UPOV.

Después de la aprobación de dicha acta, y en definitiva después de la emergencia de la OMC, hubo una amplia adhesión a la Convención de 1978 de la UPOV – Brasil y Argentina inclusos –, posible hasta el año de 1999. Específicamente en este escenario de amplia adhesión, se destaca que gran parte de los adherentes era compuesta por países no industrializados, demostrando, así, cierta oposición de dicho países al régimen de propiedad intelectual de vegetales que se ha seguido a la convención de 1991 de la UPOV.

A partir de esta retrospectiva cerca las convenciones de la UPOV y del ADPIC, fue posible verificar los intereses económicos, y particularmente los conflictos entre intereses económicos, que se manifiestan en las normas internacionales de propiedad intelectual de vegetales: en específico, el

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proceso de conformación del ADPIC y da la UPOV evidencia claramente los países industrializados y no industrializados como polos opuestos en dicho proceso, cada cual con sus respectivos intereses económicos.

En la génesis de este conflicto entre intereses económicos se encuentran, de una parte, los países industrializados, donde se localizan los principales agentes económicos responsables por el desarrollo de tecnología, y de otra, los países no industrializados, consumidores y receptores de la tecnología desarrollada por los primeros.

Por lo tanto, las razones por la cuales los países industrializados encabezaran las propuestas de fortalecimiento de los regímenes de protección de la propiedad intelectual en la Ronda Uruguay y en las revisiones de las convenciones de la UPOV pueden ser así sintetizadas: dicho fortalecimiento interesa a tales países pues los mismos disponen de una mayor capacidad de generación de ciencia y tecnología. A partir de este fortalecimiento, los países industrializados estarían sedimentando las condiciones para perpetuar su condición de productores de tecnología – estableciendo, así, una tendencia de mantener los países no industrializados en la posición de consumidores y receptores de la tecnología de los países industrializados. (CORREA, 2010, p. 335).

Es importante destacar, todavía, que estos conflictos entre intereses económicos de los países industrializados y no industrializados persisten hasta el momento contemporáneo – principalmente cuanto a la propiedad intelectual de vegetales. En este sentido, se nota que desde la mitad de la década de 2000, fueran establecidas nuevas discusiones bajo la UPOV – por iniciativa de los países industrializados – para que sólo y exclusivamente la Convención de 1991 produjese efectos entre los miembros de tal organización. (DEERE, 2009, p. 260).

Todavía, esta nueva iniciativa de presión ha encontrado una situación distinta de aquella de la Ronda Uruguay y de la Convención de 1991 de la UPOV: entre los miembros de la UPOV, particularmente aquellos pertenecientes al (convencionalmente llamado) grupo de los países no industrializados, pasaran a existir algunos que, además de relevantes productores agrícolas, obtuvieran expresivos sucesos en la producción de tecnologías tuteladas por propiedad intelectual de vegetales – destacándose entre ellos Brasil y Argentina.

A partir de tal hecho, no es difícil percibir que, al menos cuanto a dichos países, el poder de negociación, y mismo de imposición, que los países industrializados podrían ejercer ha disminuido considerablemente. Ello ocurre pues, una vez que no son más exclusivamente receptores de tecnología, a dichos países también pasó a interesar los regímenes de la propiedad intelectual de vegetales en función del poder – político y económico – que esta propicia a ellos. (BARBOSA, 2012).

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Específicamente cuanto a Brasil y Argentina, esta situación de

nuevos productores de tecnología no significa que ambos los países dejaran de recibir tecnología sobre vegetales oriunda de los países industrializados: además de mantenidos, los flujos de esta tecnología han mismo se incrementado. Todavía – y aquí emerge otro aspecto esencial relativo a los conflictos de intereses económico –, se debe mencionar que esta tecnología oriunda de los países industrializados constituye la base de muchas innovaciones relativas a vegetales desarrolladas en Brasil y Argentina (BERGEL, 2004, p. 134) – v.g., un vegetal transgénico desarrollado por un agente económico estadunidense que origina a variedades de vegetales con mayor productividad en los climas brasileños y argentinos. Conclusión

A partir del hecho de que Brasil y Argentina son, al mismo tiempo, receptores y productores de tecnología aplicada a vegetales, se verifica la instalación de un panorama extremamente delicado en el actual conflicto de intereses económicos: ¿cuáles regímenes de propiedad intelectual previstos por las convenciones de la UPOV se adecuan mejor a ambos los países? En términos estrictamente jurídicos, tal cuestionamiento podría ser así expuesto: ¿hasta qué punto la existencia o no de los institutos del privilegio del agricultor y de la excepción del creador se adecuan mejor al ambiente de propiedad intelectual de vegetales en Brasil y Argentina?

En este sentido, la respuesta aún se encuentra en abierta, pues ambos Brasil y Argentina no han demonstrado, hasta el presente momento, una posición concreta frente al conflicto que se desarrolla junto a la UPOV. Todavía, la tendencia es de que ambos los países se mantengan contrarios a las presiones de los países industrializados, reafirmando la existencia y la eficacia de la Convención de 1978 de la UPOV – no siendo posible prever un cambio de posición de dichos países (cediendo a las presiones) o mismo realizando una “contrapropuesta” a los países industrializados.

Todavía, se debe resaltar que, mucho más que resguardar la importancia económica que la agricultura desarrolla para Brasil y Argentina, la decisión a ser por ellos adoptada ciertamente irá refletar la importancia política de este sector económico para tales países: en ultima ratio, la importancia económica y política de la agricultura constituyen los elementos que irán justificar la adhesión a este o aquél régimen de propiedad intelectual de vegetales por Brasil y Argentina – y, por lo tanto, establecer el derecho a ser implementado sobre tecnología aplicada a vegetales.

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A PROTEÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL DO CLIMA: A CONVENÇÃO QUADRO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E O PROTOCOLO DE QUIOTO

Marcelly Fuzaro Gullo Sumário: 1. Breve Histórico sobre a evolução da conscientização acerca da necessidade de proteção da atmosfera terrestre em âmbito internacional. 2. Efeito Estufa e Mudanças Climáticas: conceitos essenciais. 3. A Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas: negociação, objetivos e divisão de responsabilidades. 4. O Protocolo de Quioto. 5. Protocolo de Quioto e os Estados Unidos. 6. Protocolo de Quioto: passado, presente e futuro. Considerações Finais. Referências. Resumo: Há anos o planeta vem testemunhando alterações climáticas. Ante as evidências de que a humanidade tem ajudado a acelerar essas alterações, notadamente em razão do desenvolvimento de atividades que intensificam o efeito estufa, a sociedade internacional buscou estabelecer acordos internacionais para que, de forma conjunta e cooperativa, pudesse empreender medidas capazes de mitigar as emissões antrópicas de gases de efeito estufa. Atualmente, os dois principais instrumentos internacionais para contenção das mudanças climáticas são a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (1992) e o Protocolo de Quioto (1997). O presente estudo visa apresentar um breve panorama acerca do contexto político internacional em que estes dois tratados foram elaborados, bem como suas ferramentas, objetivos e perspectivas futuras. Palavras-chave: Direito ambiental internacional – Mudanças climáticas – Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – Protocolo de Quioto – Desenvolvimento sustentável 1. Breve histórico sobre a evolução da conscientização acerca da necessidade de proteção da atmosfera terrestre em âmbito internacional

As consequências das atividades antrópicas sobre o meio

ambiente não conhecem fronteiras territoriais. Com efeito, a poluição e os gases de efeito estufa lançados na atmosfera pelos diversos países não ficam circunscritos apenas ao céu territorial de cada país emissor. Por se tratarem de gases, dissipam-se pela atmosfera com a ajuda das correntes de ar e podem atingir todos os pontos do planeta.

Marcelly Fuzaro Gullo. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca (FDF) em Relações Internacionais pela Unesp-Franca. Mestre em Direito pela Unesp - Franca, na linha de pesquisa "Direito, Mercado e Relações Internacionais". Doutoranda em Ciências Jurídico-Econômicas na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC). Advogada.

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Um famoso episódio de arbitragem internacional, julgado em

1941, o chamado Caso da Fundição Trail (Trail Smelter Case), é considerado uma das primeiras expressões do Direito Internacional do Meio Ambiente, justamente por envolver danos ambientais em caráter transfronteiriço. Tratou-se de litígio surgido em razão de poluição atmosférica originada em um país (Canadá), cujos danos foram sentidos, também, no país vizinho (Estados Unidos). O resultado desta arbitragem contribuiu com o lançamento das bases para consolidação do tema da poluição atmosférica como um dos assuntos de grande repercussão e preocupação mundial.

Tratava-se do início de uma conscientização no sentido de que os países deveriam controlar suas atividades poluidoras, de forma a evitar tanto a geração de danos dentro de seu próprio território, como também para os países vizinhos. Mais do que isso, mostrava-se necessária a criação de regras internacionais sobre poluição transfronteiriça pois, de nada adiantaria um determinado país ser cuidadoso com seus recursos naturais, se um país próximo ou vizinho não tomasse as providências necessárias para conter o avanço de poluição atmosférica ou lançamento de dejetos em rios e afluentes transnacionais.

Mas foi a partir da segunda metade do século XIX que as discussões sobre meio ambiente e mudanças climáticas em foro internacional começaram a ganhar força, especialmente após a divulgação pelo Clube de Roma do relatório intitulado “Limites ao crescimento”, em 1972, e a realização da primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, organizada pela ONU, em Estocolmo, na Suécia, também no ano de 1972.

Pouco depois, em 1983, a Assembleia Geral das Nações Unidas criou a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, destinada à busca de soluções para as questões discutidas em Estocolmo. O resultado do trabalho realizado pela Comissão, foi o relatório “Nosso Futuro Comum” (“Our Common Future”), divulgado em 1987, o qual fortaleceu o entendimento de que políticas econômicas e sociais deveriam ser implementadas em harmonia com a preservação do meio ambiente de forma a garantir que o desenvolvimento seja implementado de forma sustentável, ou seja, capaz de atender “[...] às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades.” (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1988, p. 46).

Em 1988, pouco mais de um ano após a divulgação do Relatório Nosso Futuro Comum, a Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio da Resolução 43/53, reconheceu que “as mudanças climáticas

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são uma preocupação comum da humanidade, tendo em vista que o clima é a condição essencial que sustenta a vida na terra” , e determinou que todas as ações possíveis deveriam ser tomadas por governos e organizações para maior compreensão e busca de soluções para lidar com as alterações climáticas.

No mesmo ano de 1988 houve a criação do Intergovernmental Panel On Climate Change (IPCC) e, em 1990, a divulgação de seu 1º Relatório, o qual apontava a estreita relação existente entre o aumento das emissões de dióxido de carbono por atividades antrópicas e a intensificação do efeito estufa.

Com o amadurecimento do conceito de desenvolvimento sustentável, os países compreenderam que a solução para os problemas ambientais não seria deixar de explorar os recursos naturais, mas sim, realizar esta exploração garantindo a continuidade e capacidade de renovação destes recursos e uma destinação ambientalmente correta para os resíduos poluentes. Compreenderam, ainda, que seriam necessárias a cooperação e a ação conjunta de toda a sociedade internacional para proteção do sistema climático.

Todo este contexto convergiu para a necessidade de criação de uma Convenção internacional específica para coordenar as ações dos países contra as desenfreadas emissões de gases de efeito estufa na atmosfera, como será analisado adiante. 2. Efeito estufa e mudanças climáticas – Conceitos essenciais

Antes de ser apontado como vilão das mudanças climáticas, é

necessário que se esclareça que o efeito estufa é um fenômeno natural, responsável pelo aquecimento do planeta por meio da retenção do calor solar por gases que, naturalmente, compõem a atmosfera terrestre, tais como dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), ozônio (O3) e vapor d´agua, além de gases produzidos artificialmente pelo homem (sintéticos), tais como clorofluorcarbonos (CFCs), hidrofluorcarbonos (HFCs), perfluorcarbonos (PFCs) e hexafluoreto de enxofre (SF6). Todos esses gases são chamados de gases de efeito estufa, ou GEEs, cuja ação garante o aquecimento e a manutenção das variações de temperatura adequadas para existência de vida na Terra.

Contudo, o efeito estufa, tão necessário à vida na Terra, tem experimentado processos de grande intensificação, ao ponto de causar alterações climáticas em âmbito regional e mundial. Tal intensificação tem sido creditada às diversas atividades humanas que, diariamente, contribuem com a elevação dos índices de presença de gases de efeito estufa na atmosfera, especialmente do gás CO2 (dióxido de carbono), o

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que faz com que o planeta fique mais aquecido do que o necessário e enfrente diversas alterações climáticas capazes de influenciar drasticamente o equilíbrio do planeta e modo de vida das pessoas.

Inclusive, no Relatório publicado em 2013, o IPCC divulgou que as concentrações de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso alcançaram os maiores níveis de concentração, sem precedentes, desde os últimos 800.000 mil anos. Acrescentou, ainda, que as concentrações de dióxido de carbono aumentaram 40% desde o período pré-industrial, principalmente em razão do uso de combustíveis fósseis e mudanças no uso da terra. (IPCC, 2013, p.11). Aliás, muito embora existam outros gases de maior potencial poluente e de aquecimento, o dióxido de carbono é considerado o maior potencializador do efeito estufa, já que os demais gases possuem índices menores de emissões.

Ademais, o 5º Relatório de Avaliação do IPCC, publicado parcialmente em 2013 e em 2014 (IPCC, 2013-2014) confirmou os prognósticos dos relatórios anteriores e reconheceu a ocorrência das mudanças climáticas de maneira inequívoca (“warming of the climate system is inequivocal”), reiterou o papel humano na contribuição para as mudanças climáticas (“human influence on the climate system is clear”)

(IPCC, 2013, p.15) e trouxe previsões ainda mais preocupantes. O Relatório também ponderou que o controle das alterações climáticas apenas será possível mediante reduções substanciais e sustentadas de emissões de gases de efeito estufa. (IPCC, 2013, p. 19).

Contudo, ainda que as emissões de gases de efeito estufa sejam reduzidas, os efeitos das alterações climáticas são irreversíveis e serão sentidos pelas futuras gerações para além do século XXI (IPCC, 2013, p. 27). Ou seja, tudo o que os países puderem fazer em prol da redução de emissões para mitigação das mudanças climáticas e adaptação aos seus efeitos é urgente e muito necessário, mas não será suficiente para encerrar os seus drásticos efeitos, apenas minimizá-los.

3. A Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas: negociação, objetivos e divisão de responsabilidades

A criação da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (CQNUMC), também chamada de Convenção Quadro, ou United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC) resultou do contexto científico, ambiental e político internacional do início da década de 90. De um lado estavam as evidências apresentadas pela comunidade científica de que as atividades humanas contribuem com a intensificação do efeito estufa e mudanças climáticas. De outro, amparada pelo discurso do desenvolvimento

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sustentável, estava a necessidade de que os países tomassem providências cooperativas para proteção da atmosfera terrestre contra mudanças climáticas abruptas e, assim, garantir a continuidade da possibilidade de existência humana no Planeta.

A somatória destes aspectos convergiu para a decisão de adoção de um acordo climático, a CQNUMC, cujo texto foi elaborado previamente pelo Comitê Intergovernamental de Negociações das Nações e apresentado durante Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992.

No entanto, não foi fácil o alcance de um consenso para adoção do texto da CQNUMC. A pretensão das Nações Unidas de estabelecer limites, responsabilidades e compromissos a serem implementadas pelos países para redução de gases de efeito estufa causou um certo estarrecimento no cenário político internacional diante dos diferentes interesses econômicos dos países. As negociações foram marcadas por entraves entre grupos e subgrupos de países que se posicionaram de acordo com sua convergência de interesses ou necessidades, grau de desenvolvimento e nível de dependência nacional de atividades ou matrizes energéticas emissoras de gases de efeito estufa.

No caso dos países em desenvolvimento, por exemplo, era uníssona a reclamação de que muitas das exigências que estavam sendo feitas para preservação da atmosfera e mitigação das mudanças climáticas eram incompatíveis com suas necessidades principais de sobrevivência e desenvolvimento. Por isso, defendiam que os compromissos de redução de emissões obrigatórios deveriam ser assumidos apenas pelos países desenvolvidos, os quais já teriam poluído muito no passado para que pudessem alcançar seus atuais estágios de desenvolvimento. Após muitas negociações, tal questão foi contornada e utilizada como elemento de equilíbrio pela Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas na definição de metas a serem assumidas pelos países para controle e redução de emissões de gases de efeito estufa na atmosfera, por meio do princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas.

Superadas as diferenças, a Convenção Quadro foi finalmente concluída, adotada e disponibilizada para assinaturas durante a Conferência do Rio de Janeiro. Entrou em vigor em 21 de março de 1994, noventa dias após a quinquagésima ratificação. O Brasil foi o primeiro país a assinar a Convenção, em 4 de junho de 1992.

Composta por 26 artigos e 2 Anexos (Anexo I e Anexo II), a CQNUMC estabeleceu o arcabouço jurídico de regulamentação e orientação das relações internacionais para promover o combate às mudanças climáticas. Em seu artigo 1º, a Convenção explica a expressão que carrega em seu nome, definindo “mudança do clima” como uma

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“mudança de clima que possa ser direta ou indiretamente atribuída à atividade humana que altere a composição da atmosfera mundial e que se some àquela provocada pela variabilidade climática natural observada ao longo de períodos comparáveis”.

O artigo 2 da Convenção estabeleceu como objetivo “[...] a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático”. Para tanto, definiu-se que o nível de concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera deveria ser estabilizado, de forma duradoura e segura, com variações pequenas e inofensivas ao sistema climático e à vida saudável na Terra.

A Convenção Quadro também instituiu princípios voltados à orientação da conduta dos países signatários (Partes) na distribuição dos compromissos, implementação de práticas e políticas necessárias ao cumprimento dos propósitos de sustentabilidade, cooperação e mitigação da emissão de gases de efeito estufa. Expostos no artigo 3, em cinco parágrafos, destacam-se: o princípio do direito ao desenvolvimento sustentável, o princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas, o princípio da precaução e o princípio da cooperação. Embora não explícitos neste artigo, também regem a Convenção os princípios da informação e o princípio do poluidor pagador.

Além de princípios norteadores, a Convenção estabeleceu as temidas obrigações de mitigação. Enumeradas no artigo 4, as obrigações foram subdivididas em obrigações gerais, destinadas a todos os países signatários (parágrafo 1º), e obrigações específicas, destinadas aos países desenvolvidos e países com economias em transição, especificados no Anexo I, e/ou pelos países desenvolvidos especificados no Anexo II (parágrafo 2º).

Tal divisão foi realizada levando em consideração o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas e as circunstâncias e prioridades de desenvolvimento de cada Parte. Presumiu-se que os países desenvolvidos, além de terem sido os principais responsáveis pela maior parcela das emissões globais históricas e atuais de gases de efeito estufa, possuiriam, também, melhores condições financeiras, tecnológicas e econômicas para implementar a Convenção e mitigar as emissões.

Em consequência, os países considerados em desenvolvimento não receberam metas obrigatórias de redução de emissões porque, na época, ponderou-se que as parcelas de emissões globais provenientes de países em desenvolvimento ainda seriam baixas e cresceriam para que estes países pudessem satisfazer suas necessidades de desenvolvimento. Entretanto, mesmo sem metas para cumprir, estes países ficaram igualmente compromissados, por meio das obrigações gerais, a

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empreender esforços gerais de cooperação e promoção de medidas voltadas à mitigação e contenção dos efeitos das emissões de gases de efeito estufa.

Os únicos países que receberam obrigações específicas foram os listados nos Anexos I e II. O Anexo I é composto pelos países desenvolvidos pertencentes à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) no ano de 1992 e pelos países com “economia em transição” (antigos socialistas do Leste Europeu). Todos esses são os que possuem obrigações de redução de emissões. Já os países do Anexo II correspondem a quase os mesmos do Anexo I, com exceção dos considerados “economias em transição”, e são incumbidos de fornecer apoio financeiro e tecnológico aos demais, a fim de que possam implementar medidas de mitigação.

Dentre as obrigações específicas listadas no artigo 4, parágrafo 2º, destaca-se o disposto nas alíneas “a” e “b”, referentes às metas de redução de emissões assumidas pelos países do Anexo I. Por força da alínea “a”, cada uma das Partes constantes do Anexo I assumiu o dever de adotar políticas nacionais para mitigar a mudança do clima por meio da limitação de suas emissões antrópicas e da proteção de seus sumidouros e reservatórios de gases de efeito estufa. Não foi estabelecido, todavia, um nível específico ou quantificado a ser atingido pelos países, o que acabou por comprometer a eficácia prática da Convenção.

A mesma alínea “a” também reconheceu que a redução a níveis anteriores das emissões antrópicas de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa, até o final daquela década (ou seja, até o ano 2000), poderia contribuir para a modificação das tendências previstas para o futuro. Entretanto, não foram estabelecidos compromissos nesse sentido, o que demonstra que o artigo, na prática, apenas sugeria que as emissões fossem reduzidas, sem força de obrigação.

Na alínea “b”, restou estabelecido que cada parte do Anexo I deveria apresentar informações pormenorizadas sobre a aplicação das medidas e políticas estabelecidas na alínea “a”, com a finalidade de reduzir e estabilizar as emissões aos mesmos níveis de 1990. Porém, chama a atenção no texto o fato de que tal finalidade não veio claramente acompanhada de um prazo específico para ser efetivada – houve apenas, na alínea anterior, uma sugestão de que a redução de emissões a níveis anteriores até o final do ao 2000 contribuiria para uma modificação das previsões futuras.

Em suma, compreende-se que as Partes do Anexo I consideraram que deveriam, até o final do ano 2000, buscar reduzir e estabilizar as emissões antrópicas de dióxido de carbono e outros gases de

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efeito estufa aos mesmos patamares identificados em 1990. Contudo, percebe-se que tal objetivo foi estabelecido de forma generalista, branda e com prazos não tão definidos. Compromissos mais firmes seriam firmados em breve, com o Protocolo de Quioto.

No geral, pode-se dizer que os compromissos estabelecidos no artigo 4 foram mais parecidos com recomendações do que com obrigações pois, muito embora refletissem os compromissos de adoção de políticas e redução de emissões, mais se assemelhavam a assunção de compromissos de esforços comuns do que a assunção de obrigações precisas, pois os objetivos não foram quantificados de forma precisa e não houve a adoção de um calendário.

Por outro lado, era de se esperar que, naquele primeiro momento, os países ainda não possuíssem maturidade suficiente para adoção de metas e prazos mais definidos. Diante deste receio em assumir compromissos concretos, a Convenção foi estrategicamente criada como uma Convenção Quadro, cuja denominação, traduzida da expressão “Framework Convention”, sugere a ideia de moldura, para que seu conteúdo pudesse ser preenchido aos poucos, conforme as regras pré-estabelecidas.

Em função disso, e já prevendo que o fortalecimento dos compromissos aconteceria em progressão, a Convenção estabeleceu, em seu artigo 7, o seu órgão supremo, denominado Conferência das Partes (COP) ou Conference of Parties, responsável pela verificação da implementação da Convenção. A Conferência das Partes examina, com periodicidade, o progresso do cumprimento das obrigações assumidas e, em suas sessões ordinárias, pode adotar protocolos (artigo 17) e demais regramentos necessários destinados à sua regulamentação. Nesta condição, novos documentos e acordos complementadores ou viabilizadores da Convenção podem ser elaborados e ratificados, sempre com o escopo de alcançar seus objetivos inicialmente almejados. 4. O Protocolo de Quioto

Desde o início da vigência da CQNUMC, no ano de 1994, até a conclusão do presente artigo, a Conferência das Partes (COP) havia se reunido por 19 vezes para verificação e discussão de metas presentes e futuras. A 20ª COP já estava agendada para ocorrer no final de 2014, na cidade de Lima, no Peru, e a 21ª COP para ocorrer no final de 2015, em Paris, na França.

Logo na primeira Conferência das Partes (COP 1), em abril de 1995, foi firmado o Mandato de Berlim, com o objetivo de revisar e fortalecer os compromissos dispostos no artigo 4, parágrafo 2º, alíneas

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“a” e “b” da Convenção. (MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO, 1995). As Partes reconheceram que os compromissos assumidos no Rio de Janeiro, em 1992, além de serem insuficientes aos propósitos da Convenção Quadro, não estavam sendo cumpridos. Perceberam, também, que o prazo estabelecido aos países desenvolvidos para redução e estabilização de suas emissões aos mesmos níveis de 1990, até o ano 2000, seria curto, sendo necessária a ampliação do prazo. Com isso, decidiu-se lançar um processo para negociação de um Protocolo, o qual deveria ser concluído o mais rápido possível, a fim de que pudesse ser adotado durante a terceira Conferência das Partes (COP 3), em 1997.

Assim, no final do ano de 1997, durante a tão aguardada terceira Conferência das Partes (COP 3) realizada em Quioto, no Japão, foi firmado o Protocolo de Quioto (UNITED NATIONS, 1998) em cumprimento aos propósitos lançados pelo Mandato de Berlim. O objetivo de sua criação foi reforçar os compromissos já estabelecidos no âmbito da Convenção Quadro e incrementar a regulamentação da redução de emissões, fixando metas quantificadas de redução de emissões, prazos específicos às Partes do Anexo I e mecanismos de cooperação entre os países para auxiliá-los no cumprimento dos compromissos.

Conforme disposto no Artigo 3 do Protocolo, as Partes do Anexo I da CQNUMC deveriam assegurar que suas emissões antrópicas de gases de efeito estufa, listados no Anexo A do Protocolo de Quioto, não excederiam seus limites de quantidades atribuídas listadas no Anexo B do Protocolo, de modo a reduzir suas emissões nacionais de GEEs em, pelo menos, 5% abaixo dos níveis de 1990. O prazo estabelecido para o cumprimento destes compromissos foi o período de 2008 a 2012.

Para cumprimento dos compromissos quantificados de redução de emissões, o Protocolo de Quioto estabeleceu, em seu artigo 2, a necessidade de as Partes do Anexo I cumprirem seus compromissos com o intuito de promover o desenvolvimento sustentável, utilizando-se tanto de medidas individuais, por meio de políticas públicas e legislações nacionais, quanto de medidas de cooperação entre si, especialmente por meio dos chamados “mecanismos de flexibilização”, que poderiam ser utilizados de forma suplementar às medidas individuais.

Baseados em oportunidades econômicas e no objetivo de promoção do desenvolvimento sustentável, os mecanismos de flexibilização permitem a geração, a compra e a venda de “créditos” representativos de limites de emissão ou redução certificada de gases de efeito estufa, que podem ser obtidos a partir de três diferentes iniciativas relacionadas às atividades humanas industriais: Comércio de Emissões (artigo 17), Implementação Conjunta (artigo 6) e o Mecanismo de

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Desenvolvimento Limpo (artigo 12). Há, ainda, a possibilidade de obtenção de créditos por meio de iniciativas para remoção de gases de efeito estufa existentes na atmosfera, via reservatórias de carbono, em atividades de uso da terra, mudança no uso da terra e atividades florestais. (LULUCF).

Assim, estes mecanismos contabilizam limites de emissão, reduções de emissões ou remoções de gases emitidos, os quais são representados pelos acrônimos AAUs (UQAs), no Comércio de Emissões, ERUs (UREs), no Mecanismo de Implementação Conjunta, CERs (RCEs), no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, e RMUs (RMs), no LULUCF. Cada uma destas unidades, popularmente chamadas de “créditos de carbono” equivale a uma tonelada métrica de dióxido de carbono equivalente, calculada de acordo com o Potencial de Aquecimento Global (Global Warming Potential – GWP), e são negociáveis entre as Partes, movimentando o chamado mercado de carbono.

Os mecanismos de flexibilização foram considerados a grande inovação e principal ferramenta do Protocolo de Quioto para que os países pudessem cumprir suas metas e compromissos sem grandes impactos sobre suas economias e custos de produção. Não fossem as oportunidades de mercado e de geração e obtenção de créditos de carbono propiciadas pelos mecanismos de flexibilização, dificilmente os países do Anexo I da Convenção teriam se sentido seguros para assumir metas de redução e cumprir com os objetivos ambientais da Convenção Quadro sem que isso prejudicasse suas economias.

O período de ação estabelecido no Artigo 3, de 2008 a 2012, foi o chamado de “primeiro período” de compromissos, durante o qual os países do Anexo I deveriam ter cumprido com as metas de redução que lhes foram estabelecidas. O mesmo dispositivo, em seu parágrafo 9, dispõe que as Partes devem negociar compromissos para os períodos subsequentes, para manter ativo o compromisso de redução de emissões. Ao final de 2011, durante a COP 17, as Partes decidiram prorrogar a vigência do Protocolo de Quioto para o período pós 2012, quando iniciou-se um “segundo período” de compromissos. 5. Protocolo de Quioto e os Estados Unidos

Como visto, o Protocolo de Quioto foi um novo tratado constituído para regulamentar a Convenção Quadro. Por tratar-se de documento distinto da CQNUMC, a adesão ao Protocolo de Quioto não foi automática. Para adesão, os países que fossem signatários da Convenção Quadro e desejassem participar do Protocolo de Quioto precisariam assiná-lo e ratificá-lo. Caso contrário, como ressalva o artigo

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13, as Partes da Convenção que não sejam Partes do Protocolo podem participar das deliberações das sessões da Conferência das Partes quando estas acontecem na qualidade de “reunião das Partes do Protocolo” (as chamadas COPs/MOPs) , sem, contudo, possuírem poder de decisão sobre questões debatidas em seu âmbito.

Assim, ao ser firmado, todos os países, inclusive aqueles que já eram Partes da Convenção Quadro, foram convidados a aderir ao Protocolo. O Secretário Geral das Nações Unidas foi nomeado depositário (artigo 23) e abriu o documento para assinaturas no período de 16 de março de 1998 a 15 de março de 1999, em Nova Iorque. Entretanto, o Protocolo teve ainda de esperar até fevereiro de 2005 para entrar em vigor.

Com efeito, conforme regra de seu artigo 25, para que entrasse em vigor, o Protocolo deveria aguardar 90 dias após reunir, no mínimo, 55 instrumentos de ratificação de países membros da Convenção Quadro, englobando Partes incluídas no Anexo I que, juntas, contabilizassem, pelo menos 55% das emissões totais de dióxido de carbono entre os países ali listados, durante o ano de 1990. Durante esse longo período de espera, o mundo chegou a pensar que o Protocolo poderia estar fadado ao fracasso, pois nem todas as Partes da Convenção ratificaram o Protocolo.

O caso mais emblemático e polêmico de não ratificação foi e continua sendo o dos Estados Unidos. Em 2001, o presidente estadunidense George W. Bush surpreendeu a todos ao declarar que o país não ratificaria o Protocolo de Quioto, assinado em 1997 pelo então presidente, Bill Clinton.

A notícia negativa quanto à ratificação foi recebida com grande desânimo no cenário internacional pois, a princípio, parecia inconcebível que o Protocolo pudesse funcionar se não contasse com a atuação do maior emissor de gases de efeito estufa do mundo naquele momento, responsável por um quarto do total das emissões mundiais e 36% do total das emissões entre os países pertencentes ao Anexo I.

A principal justificativa apresentada pelo país foi a de que o estabelecimento de metas poderia prejudicar sua economia pois, para cumpri-las, precisaria alterar seu modo de produção, o que provocaria a elevação de custos, diminuição da oferta de trabalhos, aumento do custo de energia, entre outras escusas. Em consequência, seus produtos se tornariam mais caros e menos competitivos no mercado internacional. A preocupação dos Estados Unidos com a concorrência externa assentava-se, principalmente, sobre países como a China, Índia, Brasil, México, Malásia e Coréia do Sul que, considerados em desenvolvimento, foram incluídos dentre as “partes não pertencentes ao Anexo I” e, portanto, não

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teriam metas para cumprir, muito embora fossem poluentes e cada vez mais inseridos no comércio internacional. O receio estadunidense, portanto, era perder espaço para essas economias caso assumisse metas de redução de emissões.

O recuo dos Estados Unidos perante o Protocolo de Quioto naquele momento causou um grande pessimismo na comunidade internacional e influenciou outros países do Anexo I a adotarem uma postura vacilante quanto a ratificar ou não o documento, como, a Austrália, o Japão e a Rússia fizeram.

Desta forma, o Protocolo de Quioto passou um tempo de stand-by antes de entrar em vigor pois, a princípio, o total de países que o haviam ratificado não era suficiente para completar as porcentagens exigidas pelo citado artigo 25. Esta realidade apenas se consolidaria em 18 de novembro de 2004 quando a Rússia, responsável por 17% das emissões globais naquela época, decidiu ratificar o Protocolo, completando os necessários 55% do total de emissões pelos países do Anexo I.

De fato, a assunção de compromisso de redução de emissões no âmbito do Protocolo de Quioto, com metas específicas e sistemas de verificação do cumprimento das obrigações, deixou alguns países, principalmente os do Anexo I, mais preocupados. Era evidente que o cumprimento das obrigações assumidas exigiria verdadeiro empenho por parte dos países comprometidos, com adaptações no setor econômico, nas leis, nas políticas públicas, modos de produção e de vida de seu povo.

Mesmo assim, em prol da cooperação e integração internacional, ou até mesmo por interesses políticos ou econômicos, diversos países ratificaram o Protocolo. Alguns que se mostraram receosos no início e tendiam a acompanhar o posicionamento dos Estados Unidos, acabaram ratificando o documento depois, como a Rússia, por exemplo, que acabou cedendo aos incentivos da União Europeia.

Atingida a base mínima de ratificações, o Protocolo finalmente, em 16 de fevereiro de 2005, noventa dias após a ratificação russa. Em 12 de dezembro de 2007, a Austrália reviu seu posicionamento e também aderiu a Protocolo, o que fez com que os Estados Unidos se tornassem o único país pertencente ao Anexo I que não ratificou, até hoje, os compromissos do Protocolo de Quioto. Entretanto, após o início de sua vigência, diversos países assinaram o Protocolo, o que pode ser feito a qualquer momento pelas Partes da Convenção Quadro. 6. Protocolo de Quioto: passado, presente e futuro

Desde a sua criação, ao estabelecer um primeiro período de

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compromissos para o período de 2008 a 2012 em seu artigo 3, o Protocolo de Quioto também previu, neste mesmo artigo, que as Partes deveriam negociar compromissos para períodos subsequentes e que o início para a consideração de tais compromissos deveria ocorrer “[...] pelo menos sete anos antes do término do primeiro período de compromisso.”

Na prática, no entanto, as negociações das Conferências das Partes sempre encontraram dificuldades para estabelecimento de um segundo período de compromissos para pós 2012. Até mesmo os compromissos assumidos para o primeiro período e sua efetiva contribuição para a redução das emissões de gases de efeito estufa no planeta foram e são alvos de constantes questionamentos por parte da sociedade internacional, especialmente em razão da não ratificação do Protocolo pelos Estados Unidos e, mais recentemente, também em razão de não atribuição de metas obrigatórias a países emergentes e poluidores da atmosfera, como China, Índia, Brasil, México e Coréia do Sul.

Em dezembro de 2011, faltando apenas um ano para o encerramento do primeiro período de compromissos do Protocolo de Quioto e diante da ausência de qualquer outro acordo que garantisse uma continuidade deste acordo climático no período pós 2012, a COP 17, realizada em Durban, na África do Sul, atraiu a atenção do mundo ao ser considerada a última grande esperança para salvar o Protocolo e a proteção ao sistema climático. As negociações foram intensas e difíceis, marcadas por grandes discordâncias, especialmente quanto à assunção de novas metas ou metas iniciais por países emergentes.

A China, especificamente, tinha um baixo índice de emissões de gases de efeito estufa na época das negociações do Protocolo de Quioto. Entretanto, este país acelerou sobremaneira seu desenvolvimento nos últimos anos, o que forçou o aumento do consumo de fontes energéticas internas, como o carvão mineral, e provocou uma grande elevação de seus índices de emissões de gases de efeito estufa na atmosfera. Assim, desde 2006, a China, que já é a segunda economia do mundo, superou os Estados Unidos em número de emissões, representando, atualmente, o líder do ranking dos grandes emissores de gases de efeito estufa. Estes dados são utilizados pelos Estados Unidos para reforçar seus argumentos com relação à necessidade de impor compromissos à China e, também, aos demais grandes poluentes, sejam países desenvolvidos ou em desenvolvimento. A China, no entanto, anunciou durante as negociações que ainda não se considera preparada economicamente para assumir metas de redução, o que poderia acontecer apenas a partir de 2020.

Esta data de 2020, aliás, foi a proposta pela União Europeia para início de um novo acordo, a ser ratificado por todos os grandes

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poluentes até 2015, na COP 21, que será realizada em Paris. Este novo acordo, que já está sendo preparado por um Grupo de Trabalho Ad Hoc sobre a Plataforma de Durban, deverá ser o substituto do Protocolo de Quioto e vigerá no âmbito da Convenção Quadro. (UNITED NATIONS, 2011a).

Ao final da COP 17 as Partes haviam concordo em prorrogar a vigência do Protocolo de Quioto durante um “segundo período” de compromissos, o qual vigoraria até 31 de dezembro de 2017 ou de 2020. (UNITED NATIONS, 2011b). Alguns países desenvolvidos e grandes emissores de gases de efeito estufa, como Canadá, Rússia e Japão, demonstraram-se insatisfeitos com a não participação dos Estados Unidos no segundo período de compromissos e com a não assunção de metas por países emergentes e anunciaram que se retirariam do Protocolo. O Canadá, que não cumpriu suas metas de redução, oficializou sua retirada oficial do Protocolo de Quioto dois dias após o término da COP 17.

No ano seguinte, durante a COP 18, as Partes decidiram, por meio da Emenda Doha, que a prorrogação do Protocolo de Quioto seria até o final de 2020. Assim, enquanto o novo acordo segue sendo negociado, o Protocolo de Quioto poderá continuar vigente, embora um tanto enfraquecido, sem estabelecimento de metas para países emergentes (sendo que esta era uma das reivindicações por parte dos Estados Unidos para que pudessem comprometer-se com o Protocolo) e com menor número de Partes em relação ao primeiro período.

Com efeito, grandes emissores que participaram do primeiro período de compromissos, como Japão, Rússia, Canadá e Nova Zelândia, anunciaram que não assumirão compromissos para o segundo período. Os Estados Unidos, que não participaram do primeiro período, também não quiseram participar do segundo período. Até a conclusão do presente artigo, o segundo período de compromissos havia sido ratificado por apenas 18 países que, juntos, representam uma parcela muito pequena do total de emissões. A Emenda Doha entrará em vigor no nonagésimo (90º) dia depois da data de recebimento pelo Secretariado de, pelo menos, 144 instrumentos de adesão das Partes do Protocolo de Quioto, ou seja, o equivalente a três quartos das Partes. (Artigo 20 do Protocolo de Quioto).

Por outro lado, convém salientar que a União Europeia segue firme com a implementação dos compromissos e lutando para que o novo acordo que substituirá Quioto possa angariar o maior número possível de Partes. Embora os países em desenvolvimento emergentes continuem sem metas obrigatórias para cumprir neste segundo período, devem se preparar para assunção de metas futuras a partir de 2020 já que, diante de todo o histórico das negociações, dificilmente um novo acordo climático será aceito e colocado em prática pela sociedade internacional se grandes

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poluentes como Estados Unidos, China, Índia, Brasil, Rússia, Japão e Canadá não estiverem comprometidos com assunção de metas.

Com efeito, o objetivo inicial do Protocolo de Quioto, nos termos de seu artigo 3, parágrafo 1, era fazer com que as Partes do Anexo I reduzissem as emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 5% abaixo dos níveis de 1990, no período de 2008-2012. No entanto, as emissões globais de CO2 não pararam de crescer, principalmente por parte de países em desenvolvimento, que não possuem metas para cumprir, e de alguns países do Anexo I que tiveram dificuldades com o cumprimento de suas metas.

Assim, muito embora seja importante e meritório que os países tenham concordado em prorrogar a vigência do Protocolo até 2020 e em firmar um novo acordo climático até 2015, o qual deverá substituir o Protocolo de Quioto entrar em vigor em 2020, estas medidas ainda são consideradas insuficientes pelos cientistas para que uma efetiva contenção das mudanças climáticas seja alcançada.

Para os países emergentes, a renovação do Protocolo de Quioto significa um ganho de tempo para que possam implementar medidas de mitigação nacionais capazes de prepará-los para o futuro acordo ao qual estarão comprometidos com metas de redução.

Ademais, para que seja capaz de produzir efeitos realmente mitigadores das mudanças climáticas e seus impactos, o novo acordo deverá, além de distribuir metas de redução de emissões, regular, também, ferramentas que poderão ser utilizadas para amenização dos efeitos já causados pelas mudanças climáticas em países menos desenvolvidos e vulneráveis. Considerações Finais

Conforme restou convencionado na citada COP 17, um novo acordo climático está sendo preparado por Grupo de Trabalho Ad Hoc sobre a Plataforma de Durban. Previsto para ser anunciado até 2015 e entrar em vigor em 2020, deverá substituir o Protocolo de Quioto, sob a égide da CQNUMC.

O grande desafio desse novo acordo será estabelecer metas consideradas coerentes por cada um dos países, inclusive aos países emergentes, para que seus governos concordem em ratificá-lo. Evidentemente, para que seja capaz de produzir efeitos consideráveis, o novo acordo deverá contar com ferramentas de efetivação atraentes para que seja capaz de contar com a participação ativa dos grandes poluentes, como Estados Unidos, China, Índia e demais países emergentes, cujas adesões servirão também de encorajamento aos países que se

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demonstrarem receosos com a assunção de metas.

Mas além de questões políticas, comerciais e econômicas, certo é que o novo acordo conterá as esperanças de toda a humanidade para que as mudanças climáticas sejam minimizadas e os seus efeitos devastadores sejam os menores possíveis. Referências BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Ministério Das Relações Exteriores. Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima. Convenção sobre Mudança do Clima: o Brasil e a Convenção Quadro das Nações Unidas. MCT, 1992. Disponível em: <http://www.mct.gov.br/upd_blob/0005/5390.pdf>. Acesso em: out. 2014.

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Parte III

AVALIAÇÃO DE RISCOS E SOLUÇÃO DE

CONTROVÉRSIAS

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ARBITRAGEM DE INVESTIMENTOS NO ICSID:

APONTAMENTOS E REFLEXÕES PARA UMA (RE)AVALIAÇÃO DA TRADICIONAL POSIÇÃO BRASILEIRA

Érika Capella Fernandes

SUMÁRIO: Introdução. 1. Solução de controvérsias relativas a investimentos estrangeiros. 2. Breves noções sobre o funcionamento do ICSID. 3. A Convenção de Washington de 1965 e a hostilidade latino-americana. 4. Novas tendências nos tratados bilaterais de investimentos. 5. Interesse público e interesse privado nos tribunais do ICSID: uma difícil conciliação. 6. O Brasil diante da arbitragem de investimentos: posição tradicional e perspectivas para o futuro. Conclusão. Referências. RESUMO: Este artigo tem por escopo abordar o instituto da arbitragem de investimentos, a que se relega pouco espaço no Brasil, em contraste com a ampla difusão da arbitragem comercial no país. Procura-se conceituar em que consiste essa modalidade peculiar de arbitragem, de natureza híbrida, bem como o histórico de sua evolução, culminando na criação do ICSID, a partir da Convenção de Washington de 1965. Em seguida, procede-se à análise das críticas tecidas ao ICSID e a postura brasileira com relação ao órgão. Propõe-se, fundamentalmente, uma reflexão, que não tem sido realizada, ao menos na intensidade necessária. Argumenta-se que o Brasil deve refletir sobre a arbitragem de investimentos, posicionando-se sobre a pactuação de tratados bilaterais de investimento em um modelo que lhe seja favorável e que preserve o equilíbrio entre investidor e Estado, bem como avaliar a adesão da Convenção de Washington de 1965, como forma de proteger seus investidores nacionais. PALAVRAS-CHAVE: Arbitragem de Investimentos – ICSID – Convenção de Washington de 1965 – Investimentos Estrangeiros Diretos – Tratados Bilaterais de Investimentos. Introdução

O instituto da arbitragem comercial como forma de resolução

de conflitos, embora previsto no ordenamento jurídico brasileiro desde a Constituição de 1824, ganhou notoriedade apenas com a criação da lei 9.037/96, a conhecida Lei de Arbitragem. Antes disso, a arbitragem era admitida, mas o laudo arbitral sujeitava-se à homologação pelo Poder Judiciário. Com o advento da nova lei, a decisão proferida em sede de arbitragem passou a ser denominada sentença arbitral, tornando-se automaticamente executável no Brasil, sem exigência de homologação Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP, na linha de pesquisa “Direito, Mercado e Relações Internacionais”. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP.

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pelo Poder Judiciário. O diploma legal teve sua constitucionalidade questionada e posteriormente reconhecida perante o Supremo Tribunal Federal em 2001. Em consequência, decisões arbitrais nacionais e estrangeiras tornaram-se exigíveis no Brasil. Restava, porém, a necessidade de que as decisões arbitrais proferidas no Brasil pudessem ser executadas em outros Estados.

Em 2002, por meio do Decreto 4.311, o Brasil ratificou a Convenção de Nova York de 1958, a qual dispõe sobre o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras. A partir da ratificação da Convenção, passou a ser possível a execução de sentenças arbitrais brasileiras em outros Estados. Tal fato contribuiu para o desenvolvimento do crescente interesse pelo tema no Brasil.

Desde então, especialmente após a ocorrência desses eventos, assiste-se ao notável avanço da arbitragem comercial no país, com um crescente número de profissionais especializados neste tema. Além disso, o Brasil passou a figurar como um dos países com maior número de procedimentos arbitrais realizados em suas relações comerciais.

Antes de ser operada essa mudança no contexto brasileiro, uma expressão utilizada pelo professor francês René David tornou-se clássica, ao referir-se ao Brasil como uma ilha de resistência à arbitragem. Ao refletir sobre a expressão, a professora e árbitra Selma Lemes (2002, p. 13) nota que hoje esta metáfora deixou de ser pertinente, pois o Brasil transformou-se em um continente favorável à arbitragem.

Contudo, a expressão empregada pelo mestre francês talvez ainda seja válida especificamente para o campo da arbitragem de investimentos. De fato, nosso país demonstra não relegar tamanha importância à arbitragem que se opera entre investidor estrangeiro e Estado receptor de investimentos estrangeiros.

A arbitragem de investimentos desencadeia uma série de questionamentos de suma relevância, principalmente diante do valor econômico envolvido nas transações e nas eventuais controvérsias daí advindas, além dos sérios reflexos políticos e econômicos desencadeados, por exemplo, quando o Estado é condenado a pagar vultosas indenizações ao investidor. Casos como esse suscitam intenso debate entre consagrados internacionalistas, estudiosos do direito internacional dos investimentos, e ensejam complexas discussões dentro dos próprios tribunais arbitrais responsáveis por dirimir o conflito.

No campo da arbitragem de investimentos, os principais instrumentos utilizados pelos árbitros para fundamentar suas decisões são os acordos de promoção e proteção recíproca de investimentos, especialmente os tratados bilaterais de investimentos (BITs). Por sua vez, o principal órgão a julgar esse tipo de litígio é o Centro Internacional de

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Solução de Disputas sobre Investimentos. (CISDI, na sigla em português, ou ICSID, na sigla em inglês). 1

Apesar de o Brasil representar um grande destino de investimentos estrangeiros e também estar se tornando um grande emissor de investimentos estrangeiros (isto é, assiste-se a um avanço dos investimentos das empresas brasileiras rumo ao exterior), nenhum tratado bilateral de investimentos foi jamais ratificado pelo país, tampouco a Convenção de Washington, que permite acesso ao ICSID, do qual fazem parte mais de uma centena de países ao redor do mundo.

Os motivos da postura brasileira diante dos BITs, do ICSID e da arbitragem de investimentos como um todo, já foram bastante debatidos. O escopo deste artigo é analisar a possibilidade de uma mudança da tradicional postura assumida pelo país. O atual regime dos investimentos estrangeiros em pouco se assemelha ao formato deste regime durante os primeiros anos de seu surgimento. A dualidade entre países exportadores e países importadores de capital não mais se justifica, os tratados bilaterais de investimentos são celebrados em novos moldes, falando-se inclusive em uma nova geração desses tratados. O equilíbrio entre os interesses dos investidores e dos Estados tornou-se cerne das discussões.

Em meio aos novos acontecimentos que permeiam essa seara do direito internacional, é não somente oportuno, mas imprescindível, iniciar a reflexão sobre como o Brasil deve se posicionar. Essa reflexão irá permitir uma escolha consciente por parte do país, seja no sentido de prosseguir com sua opção atual (afastamento do BITs e do ICSID) ou no sentido de inserir-se nesse sistema, assinando um modelo de acordo de investimentos que lhe seja favorável.

A primeira parte do artigo busca introduzir conceitos sobre a solução de controvérsias relativas a investimentos, especialmente quais são os possíveis meios de solução de disputas e os motivos pelos quais a arbitragem é considerada, entre todos eles, o meio mais adequado. Em seguida, passa-se à análise do funcionamento do ICSID, apresentando as principais características e funcionamento do órgão, a fim de possibilitar um panorama geral de como se estabelece, na prática, a arbitragem de investimentos. Na sequência, são abordados os principais motivos pelos quais a América Latina era considerada uma região relutante ao regime dos investimentos, posição que hoje ressurge entre alguns países latino-americanos. Após verificar as principais críticas dirigidas à arbitragem de

1 Há várias siglas empregadas para referir-se ao órgão. Em inglês, ICSID; em português, CISDI; em espanhol, CIADI; em francês, CIRDI. No decorrer deste trabalho, optou-se por fazer uso da sigla em inglês, por seu uso ser mais recorrente em artigos científicos da área, tornando mais fácil a identificação do órgão.

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investimentos, investigam-se as novas tendências presentes nos acordos de investimentos, as quais, de certa forma, respondem a grande parte daquelas críticas. Posteriormente, uma sessão do artigo é dedicada a comentar especificamente a possibilidade de uma conciliação de interesses opostos dentro da arbitragem de investimentos (em específico, interesses do investidor e interesses do Estado). Por fim, são tecidas considerações especificamente sobre o caso brasileiro e a necessidade de repensar a tradicional posição do país, principalmente com o objetivo de proteger os investidores brasileiros.

1. Solução de controvérsias relativas a investimentos estrangeiros

Diante do surgimento de uma controvérsia, em razão do

descumprimento de quaisquer garantias asseguradas nos tratados bilaterais de investimentos (ou outro tipo de acordo de investimentos), a solução de controvérsias comporta essencialmente duas possibilidades: (i) solução de controvérsias entre Estados (entre Estado de origem do investidor e Estado receptor do investimento) e (ii) solução de controvérsias entre o Estado receptor do investimento e o investidor.

Antes do surgimento do ICSID, era comum o emprego da primeira possibilidade, por meio do instituto da proteção diplomática ou, ainda, o emprego da segunda opção, através de meios judiciais. Todavia, nenhuma dessas opções atendia aos interesses dos investidores, razão que desencadeou o surgimento de um terceiro mecanismo: a arbitragem de investimentos. Essas várias possibilidades existentes para dirimir conflitos sobre investimentos devem ser objeto de análise, a fim de que se possa compreender porque a arbitragem é considerada o modo mais adequado dentre todos os possíveis.

Inicialmente, os principais meios de solução de controvérsias para resolver litígios surgidos entre investidores e Estados eram o recurso ao Poder Judiciário e o instituto da proteção diplomática. Todavia, ambos os mecanismos desencadeavam profundas discussões e críticas, advindas tanto dos países desenvolvidos como daqueles considerados em desenvolvimento.

O recurso ao Judiciário, além de revelar-se um procedimento nitidamente moroso, corre o risco de não ser imparcial, já que o Poder Judiciário do Estado receptor de investimento tem a responsabilidade de julgar um conflito em que uma das partes é este próprio Estado. Em consequência, poderia haver a indisposição de alguns tribunais internos em condenar seu próprio Estado a indenizar um investidor estrangeiro, notadamente em casos como este, que tratam de valores bastante expressivos. (CAETANO, 2010, p. 5).

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A proteção diplomática, por sua vez, é uma opção pela qual o

investidor estrangeiro, ao sentir-se prejudicado, solicita que o seu Estado de origem encampe sua disputa, acionando o Estado receptor de investimentos perante organismos internacionais, como a Corte Internacional de Justiça. O conflito, que até então era restrito a um particular (o investidor) e a um Estado (o Estado receptor do investimento), a partir do uso da proteção diplomática passa a envolver dois Estados (o Estado de origem do investidor e o Estado receptor do investimento). Contudo, esta via restringe-se às empresas que possuem grande capital político interno e, além disso, o exercício da proteção diplomática está sujeito a oscilações nas conjunturas políticas e econômicas de cada país.

Inconformados com o uso da proteção diplomática como forma de resolução de conflitos, os países latino-americanos desenvolveram teorias contrárias à internacionalização da demanda, com destaque para a Doutrina Calvo. A Doutrina Calvo, criada pelo argentino Carlos Calvo em 1868, baseava-se na premissa de que os estrangeiros que investem em um determinado Estado deveriam ter os mesmos direitos de receber proteção que um nacional do referido Estado. Portanto, os estrangeiros não poderiam solicitar um nível de proteção mais elevado que os nacionais do país. Desse modo, a cláusula Calvo, aposta em diversos contratos entre Estados e investidores estrangeiros, implicava na renúncia do investidor quanto ao direito de proteção diplomática.

Insatisfeitos, os países desenvolvidos, de onde provinham os investidores estrangeiros, declararam a nulidade desta cláusula. Permanecia a necessidade de estabelecer um mecanismo apto a proteger os investimentos internacionais. Com vistas a estabelecer um mecanismo neutro de solução de controvérsias relativas a investimentos, que estivesse fora do aparato governamental do Estado receptor de investimentos, as grandes empresas de países desenvolvidos e exportadores de capital pressionaram os seus respectivos Estados, o que resultou na elaboração da Convenção de Washington de 1965, responsável por instituir o Centro Internacional de Solução de Disputas sobre Investimentos.

O órgão é ligado ao Banco Mundial e, embora não atue como um tribunal permanente, é dotado de estrutura apropriada para a realização de procedimentos de arbitragem e conciliação. A grande vantagem do ICSID é a possibilidade do confronto direto, horizontal, estabelecido entre Estado e particular. Através desse sistema, o investidor que se sente prejudicado por alguma medida adotada pelo Estado tem legitimidade para, em nome próprio, acionar esse Estado diretamente.

Esse tipo de arbitragem é uma modalidade com características

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bastante especiais. Enquanto a arbitragem comercial tem características nitidamente privadas, a arbitragem investidor-Estado assume características públicas.

Ademais, trata-se de uma arbitragem híbrida, uma vez que as partes envolvidas possuem naturezas essencialmente distintas. De um lado, está o investidor estrangeiro, o qual, motivado por inúmeros fatores, realizou um investimento estrangeiro direto em determinado território. De outro lado, está o Estado, o qual, impulsionado por outros diversos motivos, aceitou receber o investimento estrangeiro em seu território.2 Uma vez surgido o conflito entre ambas as partes, de naturezas tão distintas, entende-se que o mecanismo ideal de solução de controvérsias é a arbitragem. A esse respeito, destaque-se o seguinte trecho:

International arbitration, which had been previously considered with suspicion by some groups of States, has become, in the last few years, the major investment dispute settlement instrument. Arbitrations has also been given preference due to the belief that it, more than other instruments, allows to promote a balance between potentially conflicting interests: the protection of the host-State’s national sovereignty, on one hand, and the protection and flexibility needed by investors in order to be able to operate in foreign markets, on the other hand. On this basis, international arbitration has come to be considered, compared to internal jurisdictions, as the most adequate means of dispute settlement, since it allows both to ensure, with more technical ability and impartiality, compliance with the applicable international rules, and to solve the complex problems arising from investment disputes. (MAURO, 2006, p. 313, grifos nossos).3

2 As motivações para atração e recepção de investimentos estrangeiros diretos são variadas. Como exemplo, note-se que o investidor possui capital, tecnologia e condições de contribuir para o crescimento econômico do Estado receptor de investimento, enquanto este possui mão de obra, recursos naturais, posição geográfica e mercado consumidor para adquirir os produtos do investidor. (SIMÕES, 2010, p. 67). 3 A arbitragem internacional, que anteriormente era observada com certa desconfiança por alguns grupos de Estados, tornou-se nos últimos anos o maior instrumento de solução de controvérsias relativas a investimentos. Dá-se preferência à arbitragem em razão da crença de que, mais que outros instrumentos, ela permite promover um balanço entre interesses potencialmente conflitantes: a proteção da soberania nacional do Estado receptor de investimentos, de um lado, e a proteção e flexibilidade necessária para que os investidores sejam capazes de operar em mercados estrangeiros, de outro lado. Nesse sentido, a arbitragem internacional passou a ser considerada, comparada à jurisdição interna, como o meio mais adequado de solução de controvérsias, uma vez que permite tanto assegurar, com maior habilidade técnica e imparcialidade, a observância das regras internacionais aplicáveis, quanto resolver os complexos problemas decorrentes das disputas de investimentos. (Tradução nossa, grifo nosso).

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Note-se que podem ser identificados no âmbito internacional dois modelos específicos de solução de controvérsias: o modelo interestatal e o modelo transnacional (KEHOANE, 2000, p. 457). No modelo interestatal, o Estado é o único sujeito de direito internacional e controla o acesso aos tribunais internacionais, além de ser responsável por nomear os órgãos adjudicantes, como o juiz. Nesse modelo, o Estado é responsável por implementar ou deixar de implementar as decisões advindas das cortes internacionais. Já no modelo transnacional, o acesso às cortes e tribunais e a subsequente executividade (enforcement) das decisões são atos isolados da vontade dos governos nacionais. Nesse segundo modelo, os tribunais mostram-se mais abertos a indivíduos e grupos da sociedade civil, havendo uma perda ou redução do controle estatal, o que permite que as Cortes assumam a direção na definição de sua própria agenda.

Logo, em um dos extremos estão os casos em que apenas o Estado pode submeter lides à análise dos tribunais. Em outro extremo, estão os casos em que qualquer pessoa pode submeter uma reclamação. Em um plano intermediário, estariam aquelas situações em que os indivíduos podem trazer reclamações desde que com a intervenção de um governo. Destarte, quanto mais facilitado o acesso, mais próximo estaria o tribunal do modelo transnacional.

Considerando essa abordagem, as características do ICSID parecem apontar firmemente para o modelo transnacional de solução de controvérsias. (SALLES, 2011, p. 111). Inclusive, pode-se dizer que a maior parte das objeções de alguns Estados à jurisdição do ICSID representaria uma oposição ao modelo transnacional, no qual o Estado teria uma posição fragilizada, com menor influência no processo decisório.

Embora a arbitragem de investimentos não se restrinja ao ICSID, ele é considerado o órgão de maior destaque na área. A Convenção de Washington de 1965 conta hoje com a adesão de 158 Estados (ICSID, 2014). No momento de criação do órgão, um pequeno número de casos era submetido para a realização de procedimentos arbitrais. Contudo, principalmente após os anos 1990, houve uma proliferação nos tratados bilaterais de investimento (BITs)4 e nos casos submetidos ao Centro.

A título de exemplo, durante duas décadas, entre os anos de 1972 e 1992, apenas 28 casos foram submetidos ao Centro.

4 A sigla BIT refere-se à expressão bilateral investment treaties, que remete aos tratados bilaterais de investimento, celebrados entre dois Estados, por meio dos quais estabelecem obrigações e direitos recíprocos a ambos, regulando suas relações em matéria de investimentos (FONSECA, 2010, p. 57).

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Paralelamente, nas duas décadas seguintes, referentes aos anos de 1993 a 2013 foram registrados 431 casos (ICSID, 2014). Tais dados evidenciam o excepcional aumento verificado nas demandas submetidas ao Centro.

Em 2012, 50 casos foram registrados no ICSID. Em 2013, as demandas registradas totalizaram 40 casos. E mesmo diante desses números, o Brasil mantém-se distante desta realidade, não tendo jamais ratificado a Convenção de Washington de 1965, tampouco os tratados bilaterais de investimento que chegou a assinar durante a década de 1990. Uma vez que o Brasil não traz essa preocupação em sua pauta de discussões, o número de estudos direcionados à área é reduzido. E essa falta de estudos contribui para a abstenção do país em assinar o diploma internacional. Em suma, torna-se um círculo vicioso e de difícil rompimento.

No intuito de contribuir para o rompimento desse círculo, almeja-se ressaltar algumas características da arbitragem de investimentos tal como se desenvolve atualmente no plano internacional, especificamente no âmbito do ICSID.

Ainda que se admita, mesmo em um plano hipotético, a desnecessidade na adesão de tais instrumentos, não se pode olvidar a necessidade de refletir sobre o assunto, estudando a fundo o tema, inclusive para verificar a conveniência ou não na manutenção da opção política do país em pertencer ou não a esse sistema.

O Brasil tem a opção de aderir ou não ao regime internacional dos investimentos estrangeiros, com a assinatura de BITs e a participação no mecanismo tradicional de solução de controvérsias. Contudo, é primordial que esta opção seja fruto de acurada reflexão, e não apenas a consequência inevitável do não enfrentamento do assunto.

Recentemente, o Brasil aderiu ao texto da Convenção de Viena das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CVIM, na sigla em português, ou CISG, na sigla em inglês), o que, segundo apontou parte da doutrina, foi feito com relativo atraso, uma vez que a realidade econômica do país exigia a adesão ao diploma há muito tempo.

Da mesma forma, é forçoso possibilitar o debate sobre os instrumentos jurídicos que regulam os investimentos estrangeiros diretos. Não figura como uma escolha acertada ignorar essa realidade, mormente ao considerarmos o vultoso fluxo de investimentos estrangeiros dirigidos ao nosso país e dele emanado.

O primeiro passo a possibilitar tal reflexão consiste em compreender a estrutura, o funcionamento e as regras principais que norteiam o procedimento arbitral estabelecido no ICSID.

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2. Breves noções sobre o funcionamento do ICSID

Para que um Estado ou investidor possa apresentar um pedido de constituição de comissão de conciliação ou tribunal arbitral perante o Centro Internacional de Solução de Disputas Relativas a Investimentos, ao menos três requisitos devem ser devidamente preenchidos: (i) a controvérsia deve estar relacionada a um investimento; (ii) a controvérsia deve ser decorrente de uma divergência de um Estado contratante e um investidor de origem de outro Estado contratante e (iii) as partes devem consentir expressamente e por escrito em submeter o litígio às regras do ICSID. Tais requisitos constam do artigo 25, primeira parte, da Convenção de Washington de 1965 e constituem, respectivamente: a jurisdição ratione materiae, jurisdição ratione personae e jurisdição ratione voluntatis.

Segundo dispõe a Convenção em seu artigo 25:

The jurisdiction of the Centre shall extend to any legal dispute arising directly out of an investment, between a Contracting State (or any constituent subdivision or agency of a Contracting State designated to the Centre by that State) and a national of another Contracting State, which the parties to the dispute consent in writing to submit to the Centre. When the parties have given their consent, no party may withdraw its consent unilaterally.5 (1965 WASHINGTON CONVENTION)

No que tange ao consentimento das partes (jurisdição ratione

voluntatis), seria este o alicerce da jurisdição do ICSID. O consentimento das partes deve ser realizado por escrito, de modo que a mera ratificação da Convenção de Washington não obriga o Estado a submeter todas as disputas ao Centro. O consentimento pode ser expresso por meio de uma cláusula compromissória, em que as partes consentem em submeter futuras disputas ao ICSID, ou por meio de um compromisso firmado entre investidor e Estado receptor do investimento, quando já existe um conflito específico estabelecido entre as partes. Neste segundo caso, a dificuldade reside no fato de que, já existindo uma controvérsia entre as partes, dificilmente elas irão concordar com os termos de um 5 A competência do Centro abrangerá as controvérsias de natureza jurídica diretamente decorrentes de um investimento entre um Estado Contratante (ou qualquer pessoa jurídica de direito público ou organismo dela dependente designado pelo Estado ao Centro) e um nacional de outro Estado Contratante, controvérsia essa cuja submissão ao Centro foi consentida por escrito por ambas as partes. Uma vez dado o consentimento por ambas as partes, nenhuma delas poderá retirá-lo unilateralmente. (Tradução nossa).

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compromisso para instituir a arbitragem. (HERNANDES NETO, 2011, p. 61). Ainda, estabelece a Convenção de Washington que o consentimento das partes seria irrevogável. Quando ambas as partes expressam seu consentimento e este se torna eficaz, uma das partes não pode revogar unilateralmente sua concordância com o ICSID.

Por sua vez, quanto à jurisdição ratione personae, o Centro tem competência para resolver disputas entre um Estado contratante e um nacional de outro Estado contratante, mas não disputa entre Estados, tampouco entre partes privadas. O artigo 25 da Convenção de Washington traz uma lista de definições do que é considerado um nacional de outro Estado contratante.

Finalmente, com relação à jurisdição ratione materiae, a competência do Centro é limitada a disputas envolvendo um investimento. A partir disso, advém a seguinte problemática: inexiste no direito internacional uma noção única e precisa do que seja considerado um investimento. Embora o conceito de investimento seja central para fixar a jurisdição ratione materiae, a Convenção de Washington de 1965, responsável por instituir o ICSID, não trouxe uma definição do termo. A justificativa para essa lacuna encontra-se na fase de negociações da convenção, em que o tema gerou muitas controvérsias, optando-se, por fim, em não adotar nenhuma definição. Destarte, a construção do significado de investimento ficou a cargo dos estudiosos do tema, bem como dos tribunais arbitrais.6

Outro requisito é a exclusividade da jurisdição do órgão. Uma vez dado o consentimento para a arbitragem de investimentos a ser realizada perante o ICSID, a parte não pode buscar outro meio de solução de controvérsias.

O ICSID possui uma lista de conciliadores e uma lista de árbitros, ambas formadas através da indicação periódica de membros. Contudo, os investidores não estão limitados pelas listas, podendo indicar outros nomes para atuarem como árbitros ou conciliadores.

O procedimento arbitral perante o ICSID pode ser iniciado por um investidor contra o Estado receptor de investimento ou pelo Estado receptor de investimento contra o investidor. Contudo, na quase

6 O professor Christoph Schreuer, em seu primeiro comentário à Convenção de Washington, identificou cinco características típicas dos investimentos: duração razoável do investimento; regularidade de lucro; assunção de um risco; engajamento e compromisso substancial do investidor e contribuição para o desenvolvimento do Estado receptor (SCHREUER, 2009, p. 128). Dado o imenso prestígio do autor no campo da arbitragem de investimentos, em inúmeras situações os tribunais arbitrais interpretaram o significado de investimento com base nessas características, que passaram a ser conhecidas como o teste de Salini, por terem sido aplicadas pela primeira vez no caso Salini v. Morocco. Contudo, a aplicação muito rígida desse teste teria o efeito negativo de negar proteção a uma série de operações que não seriam consideradas estritamente como um investimento.

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totalidade dos casos, os investidores estão no polo ativo. Segundo o professor José Augusto Fontoura Costa (2010, p. 205), a justificativa para isso reside nas origens e na estrutura dos acordos de promoção e proteção recíproca de investimentos (APPRIs)7, os quais privilegiam a proteção dos investidores.

Uma vez registrada a reclamação perante o ICSID, haverá formação do tribunal arbitral, composto por um árbitro singular ou por um número ímpar de árbitros, que irão decidir com base no direito indicado pelas partes. A escolha do direito aplicável para solucionar a controvérsia cabe às partes, que podem indicar como regras aplicáveis o direito do Estado receptor de investimento, o direito de um terceiro Estado ou as regras de direito internacional, sendo também possível a dépeçage. 8

Os árbitros são dotados de ampla iniciativa em matéria de provas e podem indicar as medidas provisionais cabíveis para preservar o direito das partes. Uma vez proferido o laudo arbitral, em decisão tomada por maioria, não há previsão de recurso. Com efeito, uma das características da arbitragem é a ausência de via recursal, o que confere maior celeridade à resolução do conflito. Ainda assim, há possibilidade de retificação, interpretação e revisão do laudo arbitral, além de sua anulação, em casos previstos em rol taxativo. Os laudos arbitrais proferidos são vinculantes, finais e não podem ser objeto de revisões externas. (COSTA, 2010, p. 235).

Nota-se que uma grande dificuldade do investidor é a execução de um laudo que lhe seja favorável. Para facilitar a executividade do laudo, prevê-se a possibilidade de execução em um terceiro país, em que o Estado parte na controvérsia detém ativos. Por fim, ressalve-se que, para os Estados que não aderiram à Convenção de Washington, como é o caso do Brasil e do México, existe a possibilidade de utilização do mecanismo complementar, um instrumento com regras específicas, que

7 Os principais instrumentos internacionais que regulam os investimentos estrangeiros são os acordos de promoção e proteção recíproca de investimentos (APPRIs), que podem ser classificados em acordos bilaterais, regionais e multilaterais. Os acordos bilaterais ou tratados bilaterais de investimentos (bilateral investment treaties ou BITs) são celebrados entre dois Estados, estabelecendo suas relações em matéria de investimentos. Os acordos regionais de investimentos são destinados a vigorar em dada região, objetivando a liberalização dos investimentos estrangeiros entre os países signatários, como é o caso do capítulo 11 do Nafta ou dos Protocolos sobre investimentos no âmbito do Mercosul. Finalmente, cumpre registrar os esforços empreendidos no sentido de criar um acordo multilateral de investimentos, como a tentativa da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) em elaborar o Acordo Multilateral sobre Investimentos (MAI), que, no entanto, restou frustrada. Os acordos predominantes são aqueles de natureza bilateral. Ao redor do mundo, calcula-se que mais de 2.500 BITs já foram celebrados. 8 No que concerne ao direito aplicável, nota-se a existência de controvérsias a respeito da aplicação do artigo 42 da Convenção de Washington, isto é, o recurso às normas de direito internacional como direito aplicável ao caso. Ver detalhamento em: GAILLARD, BANIFATEMI, 2003, p. 375-411.

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permite acesso à estrutura do ICSID para Estados não contratantes da Convenção e investidores de Estados não contratantes.

3. A Convenção de Washington de 1965 e a hostilidade latino-americana

Durante a criação e estabelecimento do ICSID, ao longo da década de 1960, os Estados da América Latina posicionaram-se de forma contrária à participação no órgão, manifestando sua recusa em ratificar a Convenção de Washington de 1965. No Encontro Anual da Junta de Governadores do Banco Mundial, ocorrido em 1964 na cidade de Tóquio, ficou clara a posição hostil dos países latino-americanos com relação ao ICSID, razão pela qual esta postura ficou conhecida como o não de Tóquio.

Essa conduta “representou o momento histórico vivido pelos países em desenvolvimento, que buscavam reconhecer suas soberanias econômicas a todo custo e, portanto, observavam com desconfiança as posições dos países desenvolvidos e seus respectivos investidores”. (DIAS, 2010, p. 186).

De fato, nos primeiros anos de seu surgimento, recorreu-se ao ICSID poucas vezes, havendo baixo número de reclamações submetidas a procedimentos de arbitragem ou conciliação. Referido contexto alterou-se substancialmente ao longo da década de 90:

Em grande medida, o ambiente político internacional próprio dos anos 70 e 80 não eram amplamente favoráveis à arbitragem entre investidores e Estados. Sem embargo, mais do que isso, não havia ocorrido o crescimento acelerado do número de APPRIs em vigor. Os anos 90 foram, sim, o pano de fundo adequado para a normalização da arbitragem do Cisdi. Por um lado, a Queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética viabilizaram o fortalecimento de consensos ideológicos a respeito das vantagens das economias de mercado. Mais especificamente, um considerável número de países em transição e em desenvolvimento ingressaram, concomitantemente, em APPRIs e na CW. Por conseguinte, houve um considerável aumento no número de casos levados ao Cisdi. (COSTA, 2010, p. 236).

Ao longo dos anos 90, em grande parte movidos por uma

política de liberalização comercial, muitos países latino-americanos celebraram tratados bilaterais de investimento e decidiram aderir ao texto

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da Convenção de Washington de 1965, objetivando propiciar o crescimento econômico através da atração de investimentos estrangeiros diretos.

Por ordem cronológica: Costa Rica e Paraguai assinaram a Convenção em 1981; El Salvador assinou em 1982; Honduras e Equador, em 1986; Argentina, Bolívia, Peru e Chile assinaram a Convenção em 1991; Uruguai, em 1992; Colômbia e Venezuela tornaram-se signatárias em 1993; Nicarágua, em 1994; Panamá e Guatemala, em 1995. Note-se que, ao longo de todo esse período, o Brasil optou por não aderir ao referido instrumento, posição que perdura até os dias atuais - e que será objeto de abordagem adiante.

Contudo, apesar da ampla adesão ao ICSID nos anos 90, no início da década seguinte observou-se uma alteração radical na postura dos Estados latino-americanos com relação à arbitragem de investimentos. A mudança teve início a partir da crise vivenciada pela Argentina em 2001, bem como das políticas de nacionalização desenvolvidas por alguns desses Estados, o que desencadeou inúmeras reclamações submetidas ao ICSID por parte dos investidores, resultando em condenações dos Estados ao pagamento de volumosas indenizações.

Desde então, tiveram início muitas críticas provenientes da América Latina com relação ao ICSID, culminando na denúncia da Convenção de Washington por parte de três Estados, que deixaram de fazer parte desse sistema: Bolívia, Equador e Venezuela. Esse novo contexto é posto em evidência por Sonia Rodríguez Jiménez, no seguinte trecho:

Así, si bien el CIADI nunca ha sido un foro de resolución de controversias pacífico pues ya en sus inicios de labores encontramos comentarios que manifiestan cierto descontento, en la actualidad se encuentra atravesando por un momento crucial ante la postura de acoso y derribo adoptada y liderada por los países latinoamericanos. (RODRÍGUEZ-JIMÉNEZ, 2010, p. 423, grifos nossos).9

Embora a América Latina não seja a única região do mundo a

criticar o regime de investimentos dos BITs e do ICSID, é precisamente nessa região que as críticas atingiram maior repercussão. A fim de melhor compreender esse novo quadro, cumpre citar quais são as principais

9 Assim, apesar de o ICSID nunca ter sido um foro de solução de controvérsias pacífico, pois desde o início de seus trabalhos encontramos comentários manifestando certo descontentamento, na atualidade se encontra atravessando um momento crucial diante da postura de descrédito e abandono adotada e liderada pelos países latino-americanos. (Tradução nossa, grifo nosso).

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críticas dirigidas por países latino-americanos com relação ao ICSID. Um panorama geral dessas críticas é exposto de modo claro e conciso por Katia Fach Gómez (2011, p. 197), razão pelo qual ele é aqui reproduzido.

Em suma, apontam-se como principais críticas à arbitragem de investimentos do ICSID: a falta de estrutura financeira do órgão para lidar com a crescente carga de trabalho; ligação do ICSID com o Banco Mundial; preocupação de alguns países de que sua hostilidade com o ICSID possa prejudicar o acesso ao Banco Mundial; o elevado custo da arbitragem de investimentos e a pressão para os países em desenvolvimento recorrerem à assistência de escritórios de advocacia extremamente caros; interesses não comerciais como saúde e proteção ambiental não recebem atenção adequada do órgão; falta de transparência nos procedimentos arbitrais; viés pró-investidor presente nas decisões do órgão; ausência de via recursal; dificuldade em levar em consideração situações de crises econômicas sofridas pelos Estados; falhas no sistema de cumprimento das sentenças arbitrais proferidas.

A essas críticas, acrescente-se o que parece ser o principal temor destes Estados: que a sua capacidade regulatória seja diminuída em prol do investidor, o que implicaria em uma redução na soberania do Estado. De fato, a defesa da soberania geralmente está presente nas justificativas apresentadas pelos países que denunciaram a Convenção de Washington. A esse respeito, contudo, é oportuno recordar a mensagem de Andrés Mezgravis, ao sugerir que, quando mais de 140 países participam de um sistema como o ICSID, não se pode afirmar que todos renunciaram à sua soberania. (MEZGRAVIS, 2012).

Ainda assim, é possível compreender o temor dos Estados. A questão de fundo diz respeito à dicotomia interesse público versus interesse privado e ao modo pelo qual o ICSID lida com esta dualidade. Inclusive, esta tem sido uma preocupação recorrente manifestada dentro do sistema dos investimentos, e a busca por um maior equilíbrio de interesses nos BITs deixou de ser uma reivindicação de um número reduzido de Estados, para tornar-se uma tendência geral.

Para melhor compreender as críticas destinadas ao procedimento arbitral nos moldes como é realizado no ICSID, é preciso dirigir a atenção para os BITs em que os árbitros baseiam-se para decidir. Os novos modelos de BITs dos EUA, tanto o modelo elaborado em 2004 quanto o modelo elaborado em 2012, alteraram muito o modelo antigo de 1994, e parecem responder a algumas dessas críticas dirigidas à arbitragem de investimentos. De fato, atualmente fala-se em uma nova geração de tratados bilaterais de investimentos, tema que merece ser estudado. Ademais, afigura-se também oportuno analisar de que maneira os tribunais arbitrais do ICSID buscam conciliar o interesse privado do

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investidor estrangeiro e o interesse público do Estado receptor de investimentos. Em suma, ambas as análises podem responder às principais críticas dirigidas ao sistema e, consequentemente, permitem nortear uma reflexão por parte do Brasil acerca da viabilidade de aderir à Convenção de Washington de 1965 e participar do sistema ICSID com base nesses novos modelos de acordos.

4. Novas tendências nos tratados bilaterais de investimentos

Grande parte das críticas dirigidas ao ICSID tem como

pano de fundo o pensamento de que os procedimentos arbitrais promovidos perante o órgão possuem a tendência de proteger os investidores, em detrimento dos Estados. Em outros termos, acusa-se o órgão de ser parcial, sempre favorável ao investidor.

Contudo, o cerne do problema está no direito aplicável pelos árbitros. Muitas vezes, o direito aplicável é favorável ao investidor, o que é diferente de dizer que o árbitro seja favorável ao investidor. Neste sentido, o seguinte trecho:

Embora não seja razoável pressupor que os árbitros de elevada qualidade e reputação internacionais atuem maliciosamente com o objetivo de favorecer investidores, tampouco se pode negar a existência de incentivos neste sentido, os quais se aliam a tendências culturais de árbitros oriundos de países membros da OCDE – dez entre os dez mais nomeados – e formados em ambientes que tendem a favorecer o investimento privado. Não se pode negar que os regimes do APPRIs tendem a ser amplamente favoráveis à proteção de investimentos. (COSTA, 2010, p. 245, grifos nossos).

Portanto, a construção e o enfrentamento das críticas dirigidas à

arbitragem do ICSID devem perpassar necessariamente pelo exame dos instrumentos em que os árbitros baseiam-se ao proferirem suas decisões. O árbitro do ICSID, assim como um juiz de direito, está vinculado ao direito aplicável. Importa examinar o modo como este direito está estabelecido. A principal forma de regulamentação dos investimentos estrangeiros diretos consiste nos tratados bilaterais de investimento. Logo, são eles os instrumentos a serem analisados.

Um tratado bilateral de investimento que não contemple os interesses do Estado receptor de investimentos, ao ser aplicado por um árbitro, logicamente resultará em uma decisão que não contempla os

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interesses deste Estado. Da mesma forma, um BIT que seja capaz de aliar a proteção do investidor com a preservação dos interesses públicos do Estado oportunizará decisões mais equânimes e equilibradas. Em síntese, é indispensável proceder à análise dos BITs quando se pretende ponderar rigorosamente sobre a viabilidade das críticas dirigidas à arbitragem de investimentos promovida perante o ICSID.

Os tratados bilaterais de investimento multiplicam-se ao redor de todo o mundo, assumindo as mais variadas formas. Opta-se, neste momento, por analisar o modelo de BIT adotado pelos EUA, por ser empregado na relação com inúmeros países e servir de modelo para BITs celebrados entre outros países.

Há três modelos de BITs formulados pelos EUA: o modelo de 1994, o modelo de 2004 e o modelo de 2012. A evolução destes modelos acompanhou a alteração do fluxo de investimentos no contexto mundial, em um cenário em que a distinção entre países exportadores de capital e países importadores de capital perdeu o sentido. Países como os EUA, tradicionalmente exportadores de capital, atualmente recebem grande fluxo de investimentos provenientes de várias partes do mundo. Em decorrência dessa mudança nos tradicionais papéis, os EUA foram questionados em arbitragens internacionais a que outros países deram início:

O quadro mudou e hoje já se vê – não só no âmbito do Nafta, como também em relação a diversos BITs – países desenvolvidos atuando na condição de requeridos em litígios envolvendo investimentos estrangeiros e tendo de se submeter às regras de direito internacional dos investimentos estrangeiros que eles impuseram a outros países. (FONSECA, 2010, p. 149, grifos nossos).

Nesse contexto, os EUA optaram por adotar um novo modelo

de BIT no ano de 2004, o qual representou relativa evolução se comparado com o modelo anterior, de 1994. Entre as principais mudanças operadas, pode citar-se que o modelo antigo possuía uma definição de investimento de forma ampla e aberta, o que o modelo de 2004 buscou conter. Do mesmo modo, o modelo de 2004 procurou ser mais preciso ao estabelecer regras para definir o tratamento justo e equitativo, bem como ao estabelecer critérios para interpretação da regra de expropriação e compensação devida. (FONSECA, 2010, p. 165).

Notável mudança operada no modelo de 2004 diz respeito ao surgimento de regras que dispõem sobre a proteção do meio ambiente e dos direitos trabalhistas, considerando inadequado incentivar investimentos através da redução nos padrões de proteção ao meio

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ambiente ou de direitos trabalhistas. Deste modo, inovou-se ao prever no texto do BIT essas referências explícitas relacionadas ao interesse público.

Finalmente, o modelo de 2004 trouxe inovações ao fixar regras que regulam o procedimento de solução de controvérsias a ser estabelecido entre investidor e Estado. No artigo 28 do modelo de BIT de 2004, admitiu-se a participação de amicus curiae no procedimento arbitral; houve inclusão de regras de incentivo à maior transparência nos procedimentos; previu-se a possibilidade de um mecanismo de apelação, bem como de consolidação de disputas semelhantes, de modo a garantir maior coerência às decisões. Essas mudanças, se analisadas em conjunto, permitem concluir por um avanço na redação do modelo de BIT de 2004, se comparado com seu predecessor, o acordo de 1994.

Por sua vez, o modelo de BIT de 2012 preservou muitas das mudanças promovidas pelo modelo de 2004, com o fim de assegurar um equilíbrio entre a proteção do investidor e a manutenção da capacidade do Estado de regular com vistas ao interesse público. Deste modo, o modelo de 2012 não diverge muito de seu antecessor. O modelo de 2012 reforçou a necessidade de transparência dos procedimentos arbitrais e expandiu a proteção de direitos trabalhistas e do meio ambiente.

O modelo de 2004 afirmava que as partes devem empenhar-se para assegurar que não estão, por meio de leis, enfraquecendo a proteção do meio ambiente ou dos direitos trabalhistas, de modo a favorecer investidores. Já o modelo de 2012 modifica a expressão, afirmando que as partes devem assegurar que não adotam tal prática. Apesar da diferença de terminologia ser sutil, sua implicação prática é bastante considerável. Neste sentido, note-se a transcrição do modelo de 2004:

Article 12: Investment and Environment 1. The Parties recognize that it is inappropriate to encourage investment by weakening or reducing the protections afforded in domestic environmental laws. Accordingly, each Party shall strive to ensure that it does not waive or otherwise derogate from, or offer to waive or otherwise derogate from, such laws in a manner that weakens or reduces the protections afforded in those laws as an encouragement for the establishment, acquisition, expansion, or retention of an investment in its territory. If a Party considers that the other Party has offered such an encouragement, it may request consultations with the other Party and the two Parties shall consult with a view to avoiding any such

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encouragement.10 (2004 Model BIT, grifos nossos).

E a transcrição do modelo de 2012:

Article 12: Investment and Environment 2. The Parties recognize that it is inappropriate to encourage investment by weakening or reducing the protections afforded in domestic environmental laws. Accordingly, each Party shall ensure that it does not waive or otherwise derogate from or offer to waive or otherwise derogate from its environmental laws in a manner that weakens or reduces the protections afforded in those laws, or fail to effectively enforce those laws through a sustained or recurring course of action or inaction, as an encouragement for the establishment, acquisition, expansion, or retention of an investment in its territory.11 (2012 U.S. Model Bilateral Investment Treaty, grifos nossos).

A sensível modificação nas expressões empregadas nos dois

modelos permite demonstrar um significativo avanço do acordo de 2012 em relação ao acordo de 2004, no que diz respeito à preocupação com o interesse público, já que a expressão “deve assegurar” comporta uma exigência muito maior que a frase “deve empenhar-se para assegurar”.

Tendências no sentido de contemplar o interesse público também são vistas no texto do modelo de BIT adotado pelo Canadá e também foram inseridas na preparação de um modelo de BIT pela Noruega em 2007, embora este último tenha sofrido críticas e sido abandonado em 2009. Essa mudança no teor dos tratados, que antes traziam provisões tão somente relacionadas à proteção do investimento e hoje passaram a trazer outras preocupações, parece configurar uma tendência geral, razão que permite falar em uma nova geração de 10 Artigo 12: Investimento e Meio Ambiente. 1. As partes reconhecem que é inapropriado incentivar investimentos enfraquecendo ou reduzindo as proteções concedidas pelas leis ambientais. Portanto, cada parte deve empenhar-se para assegurar que não renuncia ou derroga, por nenhum outro meio, ou que oferece renunciar ou derrogar, essas leis, de modo a enfraquecer ou reduzir as proteções nelas fornecidas, como um incentivo para o estabelecimento, aquisição, expansão ou retenção de um investimento em seu território. Se uma parte considera que a outra parte ofereceu esse incentivo, pode requisitar consultas com a outra parte e ambas realizarão a consulta com vistas a evitar qualquer incentivo. (Tradução nossa, grifo nosso). 11 Artigo 12: Investimento e Meio Ambiente. 2. As partes reconhecem que é inapropriado incentivar investimentos enfraquecendo ou reduzindo as proteções concedidas pelas leis ambientais. Portanto, cada parte deve assegurar que não renuncia ou derroga, por nenhum outro meio, ou que oferece renunciar ou derrogar, suas leis ambientais, de modo a enfraquecer ou reduzir as proteções nelas fornecidas, ou falha em efetivamente fazer cumprir essas leis através de um sustentado ou recorrente curso de ação ou omissão, como um incentivo para o estabelecimento, aquisição, expansão ou retenção de um investimento em seu território. (Tradução nossa, grifo nosso).

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tratados bilaterais de investimentos. De fato, aponta-se que desde os anos 2000 o universo dos BITs vem passando por um momento de reformulação, com uma constante preocupação de garantir espaço para os interesses dos Estados. (TITI, 2014, p. 58).

Com efeito, uma alternativa possível para os Estados que clamam por mudanças na solução de controvérsias do ICSID seria o estabelecimento de um modelo de BIT mais equilibrado. Não se ignora o pouco poder de barganha de alguns Estados diante de grandes investidores estrangeiros. Mas nota-se que significativas mudanças vêm sendo inseridas na redação de modelos de BITs provenientes de países tradicionalmente investidores, como é o caso dos EUA e Canadá, o que representa, indubitavelmente, um notável avanço.

Também não pode ser desconsiderado o fato de que a aplicação do BIT irá depender, invariavelmente, da interpretação conferida pelo tribunal arbitral. Com relação a este aspecto, é interessante notar a seguinte advertência:

Em discussão com diversos estudiosos do tema, a interpretação dos tribunais arbitrais foi apontada como uma das principais causas do desequilíbrio da relação entre investidor estrangeiro e Estado receptor de investimentos. Os estudiosos foram unânimes ao apontar que os acordos, em verdade, poderiam ser muito mais equilibrados se não fossem as interpretações feitas pelos árbitros acerca de suas disposições. (FONSECA, 2010, p. 189).

De fato, a interpretação feita pelos árbitros do ICSID pode

obstar o estabelecimento de um equilíbrio entre investidor e Estado. Contudo, Tiago Godinho (2008, p. 339) alerta para o desequilíbrio entre investidores e Estados e assevera: “não podemos somente culpar os árbitros, que têm a tendência em se verem competentes, todavia, devemos salientar o papel dos que redigiram os tratados”.

Assim, a mudança no direito aplicável, ou seja, na redação do BIT, representaria um caminho significativo rumo a mudanças interpretativas dos árbitros, e permitiria dar uma resposta inicial às críticas dos Estados latino-americanos à arbitragem de investimentos. Além disso, o estabelecimento de uma redação objetiva no texto dos tratados bilaterais de investimentos é capaz de reduzir o poder do intérprete. Por este motivo, é ideal que sejam assentados critérios objetivos na definição de investimento estrangeiro, bem como na fixação de regras a respeito da expropriação e compensação devidas, por exemplo.

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De fato, muito pode ser feito no intuito de equilibrar os

interesses públicos e privados no texto dos BITs e, consequentemente, na arbitragem de investimentos. A título de exemplo, no que tange à definição de investimento estrangeiro, seria oportuno incluir no texto do BIT uma definição de investimento baseada (embora não idêntica) às regras do teste de Salini 12, contemplando especialmente a necessidade de que, para ser considerada um investimento, a atividade seja capaz de contribuir para o desenvolvimento econômico e social do Estado receptor.

Ainda, seria adequado estabelecer previsões objetivas a respeito de expropriação e compensação devidas, especificando quais medidas regulatórias adotadas pelos Estados são permitidas e não consideradas expropriatórias, além de prever de modo objetivo sobre o tratamento justo e equitativo, que dá ensejo a inúmeras discussões doutrinárias.

Em suma, a cautela e o aprimoramento na redação do tratado bilateral de investimentos, conferindo maior objetividade às suas regras, podem contribuir para oportunizar um maior equilíbrio entre os interesses do investidor e do Estado receptor de investimentos, o que permitirá afastar algumas das principais críticas atualmente dirigidas ao ICSID. 5. Interesse público e interesse privado nos tribunais do ICSID: uma difícil conciliação

Um argumento recorrente entre os críticos da arbitragem de investimentos na forma como é realizada no ICSID diz respeito a não contemplação de interesses públicos no órgão, mas somente interesses de natureza comercial. De certo modo, isto é compreensível, já que o ICSID foi idealizado com vistas a proteger o investimento estrangeiro. De fato, este foi o objetivo que norteou o surgimento da Convenção de Washington em 1965. Contudo, não se pode admitir que o Estado receptor de investimentos não goze da mesma proteção conferida ao investidor, mormente quando este Estado almeja realizar políticas voltadas para o interesse público que, reflexamente, podem atingir o investidor estrangeiro. É primordial o estabelecimento de um equilíbrio entre os interesses dos investidores e dos Estados receptores de investimentos. A possibilidade de construir essa conciliação de distintos interesses tem sido alvo de constantes debates na seara internacional.

Em um primeiro momento, a maior parte dos casos submetidos ao ICSID diziam respeito a expropriações diretas e a compensações

12 Conforme anteriormente citado, o teste de Salini exige o preenchimento de cinco requisitos para que determinada atividade seja classificada como um investimento. Ver nota de rodapé n. 6.

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devidas aos investidores expropriados. A expropriação em si não é considerada uma medida ilegal. O Estado tem o poder de expropriar bens, sejam pertencentes a nacionais ou a estrangeiros. Contudo, para que possa fazer uso dessa faculdade, deve cumprir alguns requisitos. A expropriação deve ter por finalidade assegurar o interesse público, deve ser realizada de forma não discriminatória, respeitando os princípios da legalidade e do devido processo legal, e a compensação deve ser paga prontamente, de modo adequado e efetivo. (GONZÁLEZ DE COSSÍO, 2006, p. 146).

Todavia, as expropriações diretas deixaram de ser a regra predominante, tornando-se medidas excepcionais. Em seu lugar, ganharam destaque as chamadas expropriações indiretas ou medidas equivalentes à expropriação. O Estado, ao fazer uso de seu poder regulamentador, pode estipular determinadas regras relacionadas à tributação, ao comércio, ao meio ambiente ou à saúde, com vistas a proteger o interesse público. Contudo, tais regras podem indiretamente afetar os interesses do investidor. A este processo atribuiu-se o nome de expropriação indireta ou, ainda, expropriação regulatória.

Os tribunais arbitrais do ICSID debatem a respeito do conceito de expropriação indireta. De fato, é muito nebuloso o liame que separa uma medida regulatória permitida, que o Estado tem o poder de adotar, decorrente de sua soberania, e que não implica em pagamento de indenização, e uma medida regulatória de efeito expropriatório e que, portanto, deve resultar em compensação ao investidor. A esse respeito:

A expropriação regulatória desponta como um tema bastante controverso, uma vez que praticamente qualquer medida governamental pode ser considerada expropriatória. A dificuldade, nesse sentido, consiste em distinguir entre medidas regulatórias que dão ensejo à compensação e medidas que não ensejam compensação. (FONSECA, 2010, p. 119, grifos nossos).

No mesmo sentido, ainda, note-se o seguinte questionamento

realizado pelo Professor Andrew Newcombe:

Under international law, not all deprivations of property are expropriatory. Under a state’s police powers, it may take property and property owners may suffer significant economic losses without giving rise to state responsibility. Property may be forfeited under a state’s criminal law. Property might be destroyed for reasons of public health. General taxation is not expropriation. In

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all these cases, a state does not incur responsibility for the legitimate and bona fide exercise of certain types of sovereign police powers. The thorny question is: what is a legitimate and bona fide exercise of state police powers that justifies a complete deprivation of property with no corresponding obligation to pay compensation? International law does not provide a clear answer to this question.13 (NEWCOMBE, 2005, p. 3, grifos nossos).

De um lado, há a necessidade de proteger o interesse dos

investidores estrangeiros, garantindo-lhes segurança jurídica, para que não sejam prejudicados por uma medida regulatória adotada pelo Estado e que venha a acarretar-lhes prejuízos econômicos. Do outro lado, há o interesse em preservar o poder de ação do Estado de implementar medidas de interesse público, decorrente de sua soberania.

Um interessante exemplo trazido pelo Professor Andrew Newcombe (2005, p. 4) auxilia a ilustrar em que consiste a expropriação indireta. No exemplo, um investidor estrangeiro possui um empreendimento voltado ao setor de propaganda e controla cerca de 70% dos billboards da cidade. Uma pesquisa sugere que muitos acidentes de trânsito são causados pela distração dos motoristas, em decorrência dos anúncios. Por tal motivo, o governo decide proibir esse tipo de propaganda, o que acarretará grandes prejuízos financeiros para o investidor. Nesse caso, o Estado será condenado a indenizar o investidor ou será isento de pagar compensação, uma vez que a medida voltava-se nitidamente para a proteção do interesse público?

A questão é bastante delicada, haja vista que se o Estado sempre for condenado a indenizar, isso equivale a reduzir ou eliminar seu espaço de manobra para desenvolver políticas públicas. Ao passo que, se o investidor sempre tiver que suportar os prejuízos, isso equivale a anular a proteção estabelecida no tratado bilateral de investimento.

O direito do Estado de adotar estratégias rumo ao seu desenvolvimento deve ser tão importante quanto o direito de proteção dos investidores estrangeiros. Esta conciliação de interesses antagônicos nem

13 No direito internacional, nem todas as formas de perda de propriedade são expropriatórias. Em razão do poder de polícia do Estado, ele pode tomar a propriedade, e os proprietários podem sofrer significativas perdas econômicas sem que seja atribuída responsabilidade ao Estado. A propriedade pode ser confiscada em razão de uma lei criminal. A propriedade pode ser destruída por razões de saúde pública. A tributação em geral não é expropriação. Em todos esses casos, o Estado não incorre em responsabilidade pelo exercício legítimo e de boa fé de certos tipos de poder de polícia soberanos. A difícil questão é: qual é o exercício legítimo e de boa fé do poder de polícia do Estado que justifica uma completa privação da propriedade sem a obrigação correspondente de pagar indenização? O direito internacional não fornece uma resposta clara a essa questão. (Tradução nossa).

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sempre é visualizada na prática. Algumas pesquisas já apontaram que o ICSID, ao decidir esse tipo de demanda, tende a ser mais severo que os próprios tribunais norte-americanos:

There is notable divergence between international investment tribunals’ and U.S. courts’ respective assessments of the scope of enforceable “commitments” and government liability for interference with those undertakings. Both arbitral tribunals and U.S courts declare deference to sovereign acts of general applicability; both also recognize that governments do not have unbounded authority to exercise their sovereign power to the detriment of investor-state contracts. Nevertheless, they differ in terms of the respective tests they apply to determine whether the government promised not to exercise its authority or to provide compensation for future regulatory changes.14 (JOHNSON; VOLKOV, 2014, p. 4, grifo no original).

No estudo, os pesquisadores Lisa Johnson e Oleksandr Volkov

concluíram que, segundo os tribunais arbitrais do ICSID, a chave para compreender se uma medida regulatória adotada pelo Estado é permitida (e, em consequência, não enseja indenização ao investidor) reside em saber se foi conferido ao investidor um compromisso específico por parte do Estado em se abster da prática de tais medidas.

Ainda, segundo a análise feita pelos autores com base em diferentes casos submetidos ao ICSID, a tendência dos árbitros é interpretar esse compromisso específico do Estado de modo amplo. Destarte, na maioria dos casos por eles analisados, o tribunal arbitral entende que o Estado comprometeu-se a não adotar medidas de nenhum tipo prejudiciais ao investidor e, uma vez que as adote, deve ser responsabilizado. Em síntese: o Estado é condenado, ainda que tenha agido com vistas à preservação do interesse público.

Essa interpretação dos tribunais arbitrais certamente gera desequilíbrio entre a posição do investidor, que se vê plenamente protegido, e do Estado, que vê tolhida sua liberdade de atuação e seu

14 Há uma divergência notável entre os tribunais de investimentos internacionais e os tribunais dos EUA quanto às respectivas avaliações sobre o âmbito de “compromissos” executáveis e a responsabilidade do governo em interferir nesses empreendimentos. Ambos os tribunais arbitrais e os tribunais dos EUA declaram respeito a atos decorrentes da soberania, que sejam de aplicação geral; ambos também reconhecem que os governos não têm autoridade ilimitada para exercer seu poder de soberania em detrimento dos contratos entre investidor e Estado. Apesar disso, eles divergem quanto aos respectivos testes aplicáveis para determinar se o governo prometeu não exercer sua autoridade ou providenciar indenização para futuras mudanças regulatórias. (Tradução nossa).

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espaço de manobras para o desenvolvimento de políticas públicas. Neste caso, novamente podem ser notados os malefícios da grande abertura deixada na redação dos BITs, deixando a interpretação tão somente ao critério do árbitro.

A solução que, em um primeiro momento, afigura-se como ideal parece ser o estabelecimento, de modo objetivo, nos tratados bilaterais de investimento, das medidas regulatórias não consideradas expropriatórias. A fixação de regras objetivas nos tratados vincularia a ação dos tribunais arbitrais, uma vez que os BITs são os principais instrumentos em que os árbitros baseiam-se para proferirem suas decisões. 6. O Brasil diante da arbitragem de investimentos: posição tradicional e perspectivas para o futuro

Tradicionalmente, a posição brasileira perante a arbitragem de

investimentos, a Convenção de Washington e o ICSID, sempre foi bastante peculiar. O país chegou a firmar catorze tratados bilaterais de investimentos entre os anos de 1994 e 1999, com os seguintes países: Bélgica e Luxemburgo, Chile, Cuba, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Itália, Coreia do Sul, Holanda, Portugal, Suíça, Reino Unido, Venezuela. (PIMENTA JÚNIOR, p. 11).

Além disso, o Brasil celebrou dois acordos sobre investimentos no âmbito do Mercosul, ambos em 1994: o Protocolo de Colônia para a Promoção e a Proteção Recíproca de Investimentos no Mercosul e o Protocolo sobre Promoção e Proteção de Investimentos Provenientes de Estados Não Partes do Mercosul, conhecido também como Protocolo de Buenos Aires. Entretanto, nenhum deles foi ratificado.

A assinatura desses protocolos, assim como dos BITs, ocorreu em um período histórico em que o país atravessava uma fase política caracterizada por crescente liberalização comercial e necessidade de atrair investimentos. Paralelamente à celebração desses acordos, recorde-se, na mesma época, a promulgação da Emenda Constitucional n. 6/95, que revogou o conceito de empresa brasileira de capital estrangeiro, permitindo que qualquer empresa estabelecida no Brasil em conformidade com a legislação nacional recebesse o status de empresa brasileira, não importando se controlada por brasileiros ou estrangeiros. Buscava-se, dessa forma, a atração maciça de investimento estrangeiro no território. (PIMENTA JÙNIOR, p. 12).

Contudo, nenhum dos tratados bilaterais de investimentos foi ratificado pelo Brasil. Apenas seis BITs chegaram ao Congresso Nacional: aqueles celebrados com a França, Alemanha, Suíça, Portugal,

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Chile e Grã Bretanha. (AZEVEDO, 2001, p. 6). Porém, todos foram retirados da pauta no ano de 2002.

Entre os motivos para essa mudança de opção política, pode-se apontar o receio que começou a tomar conta de vários países quando cresceu o número de reclamações e condenações no âmbito do ICSID, assim como o pensamento de que a ratificação desses instrumentos seria desnecessária:

Assim, a recuada brasileira seguiu a convicção de que os APPRIs poderiam ter efeitos inesperados, bem além da confirmação de parâmetros jurídicos internos e o efeito de sinalização positivo. Além disso, o fluxo consistente de entrada de capitais estrangeiros e o destacado interesse nas privatizações de empresas públicas levaram à convicção de que a adoção dos APPRIs não era necessária. Feitas as contas, decidiu-se que a ratificação não valia a pena. (COSTA, 2010, p. 264).

Com efeito, algumas preocupações começaram a tomar conta

deste cenário. Conforme documento apresentado à época pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, a aprovação dos acordos de investimentos representaria a assunção de vários inconvenientes, como os seguintes: (i) comprometeria o País por um prazo muito longo, sem levar em consideração eventuais mudanças no cenário internacional; (ii) os textos dos acordos privilegiariam o investidor estrangeiro em detrimento do investidor nacional, que não tem acesso ao tipo de proteção acordada; (iii) existiria inconstitucionalidade no que se refere à forma de indenização devida em caso de desapropriação, pois os BITs dispõem de forma diversa do que consta na Constituição Federal; (iv) a possibilidade de escolha de foro pelo investidor seria contrária à lei brasileira; (v) a previsão de livre transferência de capital, sem nenhuma restrição quanto a problemas de balanço de pagamento, seria temerária. (AZEVEDO, 2001, p. 9).

Diante da apresentação destas justificativas, os acordos foram abandonados. Aliado a isto, cresceu o entendimento de que a ratificação de BITs ou mesmo a assinatura e ratificação da Convenção de Washington de 1965 seriam desnecessárias, uma vez que o país assegura a proteção dos investidores estrangeiros em seu ordenamento jurídico, além de não possuir histórico de discriminação do capital estrangeiro ou expropriação sem pagamento de indenização.

O Brasil detém uma situação muito particular no campo dos investimentos estrangeiros, pois, apesar de não ratificar nenhum BIT nem

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fazer parte do ICSID, é um dos principais destinos de atração de investimentos na América Latina. Em consequência, não há preocupação em alterar sua postura.

Apesar de não haver comprovações de que a assinatura de tratados bilaterais de investimento ou da Convenção de Washington iria aumentar o fluxo de investimentos dirigidos ao Brasil, uma vez que esse fluxo já é alto, é importante repensar o assunto diante da crescente instalação de empresas brasileiras no exterior. De fato, as empresas brasileiras que investem em outros países podem ver-se diante de dificuldades em assegurar que os seus investimentos no exterior estão protegidos. Em caso de serem prejudicadas por medidas adotadas pelo Estado estrangeiro receptor do investimento, essas empresas brasileiras não teriam as garantias previstas em BITs, tampouco o acesso garantido à toda a estrutura do ICSID (a não ser pelo instituto do mecanismo complementar, que possui regras específicas). Em muitos casos, essas empresas acabam recorrendo ao chamado treaty shopping, na tentativa de se beneficiarem de acordos existentes entre outros Estados, a fim de protegerem seus investimentos, o que não é considerado uma medida desejável. (CRISTOFARO; PINTO, 2012, p. 92).

O Brasil deixou de ser mero país importador de capital. Houve considerável aumento no fluxo de investimentos emanados do Brasil em direção a outros países. 15 Por este motivo, parece adequado que o Brasil repense a possibilidade de celebrar um novo modelo de BIT, um modelo com características próprias, em que se atente para a cláusula de transferência de capitais, de modo a não incorrer em perda de autonomia em políticas cambiais; para cláusulas de expropriação, de modo a não prejudicar investidores brasileiros; para a problemática das expropriações indiretas e também para a definição de investimento estrangeiro.

Um modelo construído nesses moldes, baseado na nova geração de tratados bilaterais de investimentos e redigido de modo a não comprometer a liberdade de atuação do Estado além do necessário, proporcionaria muitas contribuições, como o fornecimento de maior segurança jurídica para investidores brasileiros que investem no exterior. Conclusão

O artigo buscou introduzir algumas noções gerais da arbitragem

de investimentos, tema que, no Brasil, não recebe grande atenção,

15 Em relação aos fluxos de investimento estrangeiro direto da América Latina e Caribe para o exterior, ou seja, os investimentos realizados pelas chamadas empresas translatinas, verificou-se um crescimento de 17% no ano de 2012, o que representou um recorde histórico. Tais investimentos foram provenientes principalmente do Brasil, Chile, Colômbia e México. (CEPAL, 2012, p. 10).

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especialmente se comparado à arbitragem comercial. Para isso, foi descrito o modo como o procedimento arbitral se opera no âmbito do ICSID e quais são as principais críticas dirigidas a esse sistema. Em seguida, ressaltaram-se novos temas que são alvo de constante e intenso debate a nível internacional, como a existência de uma nova geração de tratados bilaterais de investimentos e a diferenciação entre medidas regulatórias e expropriatórias. Esses temas foram citados de modo a auxiliar na reavaliação do posicionamento brasileiro diante da regulação dos investimentos estrangeiros.

A tendência clássica do Brasil, desde o surgimento do ICSID, foi de não preocupar-se com a arbitragem de investimentos, até porque o país não possui histórico de discriminar capital estrangeiro ou realizar expropriações sem pagamento de indenização. O Brasil nunca precisou firmar compromissos para garantir proteção aos investimentos estrangeiros diretos, pois essa tradição sempre esteve presente no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, hoje a situação se inverte, uma vez que o país precisa assinar esses tratados com vistas a proteger o investidor brasileiro no exterior, não podendo mais permanecer alheio ao assunto.

Portanto, apesar do tradicional posicionamento brasileiro no sentido da desnecessidade na assinatura e ratificação dos BITs ou da Convenção de Washington de 1965, acredita-se ser considerável ressaltar algumas características atuais do sistema ICSID, que permitem desconstruir algumas críticas dirigidas ao órgão e rever o entendimento brasileiro nesta matéria.

Primeiramente, devem ser ressaltadas as mudanças ocorridas no texto de tratados bilaterais de investimentos, como o modelo de BIT dos EUA de 2004 e de 2012, em que se operou a inclusão de novos temas, como aqueles relacionados ao meio ambiente e a direitos trabalhistas, além de preocupação com a transparência dos procedimentos arbitrais e em garantir um maior espaço para o Estado desenvolver políticas públicas. Desse modo, os novos modelos de BITs representam um primeiro passo a oportunizar maior equilíbrio na relação entre investidor estrangeiro e Estado receptor de investimento.

Em um segundo momento, deve-se levar em consideração uma discussão atual, objeto de abordagem em inúmeros casos submetidos ao ICSID. Trata-se da indagação sobre o liame que separa uma medida regulatória que o Estado é autorizado a adotar, com vistas a atender o interesse público, e uma medida regulatória expropriatória que enseja a responsabilidade do Estado e implica em condenação a compensar o investidor.

Nesse caso, muitas decisões arbitrais são tomadas privilegiando

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o investidor, em detrimento do Estado, que se vê impossibilitado de adotar medidas de interesse público que podem afetar o investidor. Por tais motivos, defende-se que uma solução para reajustar o equilíbrio entre as partes consistiria na inclusão, de modo objetivo, no texto dos BITs, de cláusulas regulando a expropriação indireta, detalhando quais medidas são permitidas ou proibidas.

Defende-se ainda a inclusão nos BITs, de modo bastante objetivo, da definição de investimento estrangeiro direto. Frise-se inclusive que seria conveniente inserir a contribuição para o desenvolvimento econômico e social do Estado como um dos requisitos incluídos na definição de investimento.

Ademais, mostra-se oportuno estabelecer regras específicas sobre o tratamento nacional e tratamento da nação mais favorecida, oferecendo a possibilidade de o Estado ter controle para direcionar a entrada e estabelecimento do investimento em seu território, e também regras detalhadas do tratamento justo e equitativo, que dá ensejo a tantas discussões doutrinárias e jurisprudenciais.

Trata-se, portanto, de o Brasil aceitar ingressar neste sistema, mas negociar um modelo de BIT que lhe seja favorável, onde sejam preservados os interesses do Estado. O Brasil recentemente aderiu ao texto da CISG, ainda que com relativo atraso. Talvez também seja chegado o momento de refletir cuidadosamente sobre a adesão à Convenção de Washington e aos BITs, pois trata-se de uma realidade mundialmente admitida e sempre ignorada pelo Brasil. O país não pode mais furtar-se a enfrentar tal realidade, sobretudo diante de seus investidores nacionais que investem no exterior e não podem permanecer desprovidos de proteção.

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ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL

Etiene Maria Bosco Breviglieri

Renata Cristina Martins Sumário: 1. Conceito de Arbitragem. 2. Natureza Jurídica. 3. Origem Histórica e Evolução da Arbitragem. 4. Lei de Arbitragem Brasileira (9.307/96). 5. Protocolos, Acordos e Convenções sobre arbitragem para solução de controvérsias comerciais. 6. Conceito e Características dos Contratos Internacionais. 7. A Liberdade Contratual ou Autonomia da Vontade: princípio fundamental dos contratos comerciais internacionais. 8. Convenção Arbitral: a Cláusula arbitral ou Cláusula compromissória e o Compromisso Arbitral. 8.1. Convenção sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras: Convenção de Nova Iorque. 9. Execução da Sentença Arbitral e seus Efeitos. Resumo: Considerada uma inovadora alternativa de solução das controvérsias empresariais, a arbitragem se insere no cenário internacional como processo para pacificação de lides relacionadas ao comércio. O presente trabalho busca, além de uma abordagem histórica sobre o instituto, traçar os princípios basilares do juízo arbitral e as nuances do procedimento. Em âmbito normativo, serão estudados os diversos documentos discutidos pela comunidade internacional. Em seguida, serão examinadas as especificidades da cláusula arbitral e do compromisso arbitral, características das convenções arbitrais e dos contratos internacionais. Ao final, será demonstrado o comportamento jurisprudencial dos juízos arbitrais e as decisões dos tribunais do mundo que atualmente colocaram fim aos litígios comerciais seja em âmbito internacional público, ou seja, em âmbito privado. Palavras–Chave: Arbitragem. Comércio Internacional. Contratos Internacionais. 1. Conceito de Arbitragem

O termo arbitragem possui origem latina, oriundo do vocábulo

“arbiter”, o qual significa juiz, louvado ou jurado. (SANTOS, 2010, p. 10).

Um dos conceitos mais tradicionais sobre o tema foi o desenvolvido pelo francês Matthieu Boissessón, o qual afirma ser a arbitragem “instituição pela qual as partes confiam a terceiro, livremente designado por elas a missão de solucionar suas controvérsias”.

Etiene Maria Bosco Breviglieri professora Adjunta da UEMS MS. Mestre pela Unesp França em Direito Internacional, Doutora pela Puc SP em Direito Civil Comparado e Pós Doutora em Responsabilidade Civil pela Università degli Studi di Messina na Itália. Renata Cristina Martins aluna egressa da UEMG -Frutal e advogada.

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(BOSSEISSÓN apud RIBEIRO, 2006, p. 33).

São várias as outras definições encontradas pela doutrina, senão vejamos:

Para o grande jurista Cretella Júnior o instituto da arbitragem pode ser conceituado como

[...] sistema especial de julgamento, com procedimento, técnica e princípios informativos especiais e com força executória reconhecida pelo direito comum, mas a este subtraído, mediante o qual duas ou mais pessoas físicas, de direito privado ou de direito público, em conflito de interesses, escolhem de comum acordo, contratualmente, uma terceira pessoa, o árbitro, a quem confiam o papel de resolver-lhes a pendência, anuindo os litigantes em aceitar a decisão proferida. (CRETELLA JÚNIOR, 2014, on line).

Luiz Roberto Nogueira Pinto citando Plácido e Silva assevera

que a arbitragem pode ser definida como o “processo que se utiliza a fim de se dar solução a litígio ou divergência havida entre duas ou mais pessoas”. (SILVA apud PINTO, 2002, p. 65).

Segundo Nelson Eizirik o instituto da arbitragem

[...] se funda na autonomia da vontade, que constitui, no plano dos direitos subjetivos, o poder de auto-regulamentação, ou autodisciplina dos interesses patrimoniais. No plano sociológico, a antologia do instituto é de promover melhor distribuição da justiça em decorrência da presteza e aprofundamento técnico que a sentença arbitral pode trazer às partes que convencionarão. (CARVALHO apud FINKELSTEIN; VITA; CASADO FILHO, 2010, p. 180).

Já Carreira Alvim conceitua o instituto da seguinte forma

[...] a arbitragem é a instituição pela qual as pessoas capazes de contratar confiam à árbitros, por elas indicados ou não, o julgamento de seus litígios relativos a direitos transigíveis. Esta definição põe em relevo que a arbitragem é uma especial modalidade de resolução de conflitos; pode ser convencionada por pessoas capazes, físicas ou jurídicas; os árbitros são juízes indicados pelas partes, ou consentidos por elas por indicação de terceiros, ou nomeados pelo juiz, se houver ação de instituição judicial de arbitragem; na arbitragem existe o

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‘julgamento’ de um litígio por uma ‘sentença’ com força de coisa julgada. (ALVIM, 2005, p.14).

Para Carlos Alberto Carmona

[...] a arbitragem, de forma ampla, é uma técnica de solução de controvérsias através de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada decidindo com base nela sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial. (CARMONA, 2003a, p. 19).

Pode-se verificar que os conceitos de arbitragem trazidos pela

doutrina são, de certa forma, homogêneos, uma vez que em todas as definições descritas o instituto foi conceituado como um meio de solução de controvérsias estritamente privado, sem qualquer ingerência do poder do Estado-Juiz, com primazia dos interesses dos particulares, sobretudo sob o escudo da autonomia da vontade. (NETTO, 2008, p. 06).

2. Natureza jurídica

A natureza jurídica pode ser conceituada como a posição que

determinado instituto ocupa no ordenamento jurídico. A posição do instituto da arbitragem não é tema pacífico na doutrina, pois se questiona se o instituto possui natureza jurisdicional, contratual ou mista.

Grande parte da doutrina entende que a arbitragem possui natureza de jurisdição, Luiz Rodrigues Wambier utiliza a expressão jurisdição privada para delimitar a natureza jurídica do instituto aqui mencionado. (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2009, p. 59).

Nas palavras de Nelson Nery

A natureza jurídica da arbitragem é de jurisdição. O árbitro exerce jurisdição porque aplica o direito ao caso concreto e coloca fim à lide que existe entre as partes. A arbitragem é instrumento de pacificação social. Sua decisão é exteriorizada por meio de sentença, que tem qualidade de título executivo judicial, não havendo necessidade de ser homologada pela jurisdição estatal. (NERY, 2008, p. 455).

Nesse sentido também se posiciona Luiz Guilherme da Costa

Wagner Júnior, entendendo possuir a arbitragem natureza jurisdicional, em especial pelo legislador ter autorizado, após o advento da Lei

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9.307/96, que as partes solucionassem seus litígios sem que houvesse a intervenção do poder estatal, transportando-se, portanto, o elemento da substitutividade que em linhas gerais era intrínseco à jurisdição. (WAGNER JÚNIOR, 2008, p. 11).

Ainda dentre os defensores da corrente jurisdicional está Carlos Alberto Carmona, o qual assevera que:

O art.32 [da Lei 9.307/96] afirma que a decisão final dos árbitros produzirá os mesmos efeitos da sentença estatal, constituindo a sentença condenatória título exe-cutivo que, embora não oriundo do Poder Judiciário, assume a categoria de judicial. O legislador optou, assim, por adotar a tese jurisdicional da arbitragem, pondo termo à atividade homologatória do juiz, fator e emperramento da arbitragem. Certamente continuarão a surgir críticas, especialmente de processualistas ortodoxos que não conseguem ver a atividade processual – e muito menos jurisdicional – fora do âmbito da tutela estatal estrita. Para rebater tal idéia tacanha de jurisdição, não há lição mais concisa e direta que a de Giovanni Verde: ‘A experiência tumultuosa destes últimos quarenta anos nos demonstra que a imagem do Estado onipotente e centralizador é um mito, que não pode (e talvez não mereça) ser cultivado. Deste mito faz parte a idéia de que a justiça deva ser administrada em via exclusiva pelos seus juízes. (CARMONA, 2004b, p. 45).

Do lado oposto, estão os que se filiam à corrente contratualista,

baseando-se na alegação de que as partes utilizam-se da autonomia da vontade. A posição é sustentada por Guiseppe Chiovenda e Salvatore Satta.

Por fim, a corrente mista, no Brasil, é defendida por Alexandre Freitas Câmara, o qual afirma:

Parece-me que as duas posições são criticáveis. Em primeiro lugar, deve-se afirmar, a meu juízo, a função exercida pelos árbitros é pública, por ser função de paci-ficação de conflitos, de nítido caráter de colaboração com o Estado na busca de seus objetivos essenciais. De outro lado, parece inegável que a arbitragem, se inicia por ato de direito privado, qual seja, a convenção de arbitragem, que será estudada mais adiante. Não se pode, porém, confundir a convenção de arbitragem, ato que institui o procedimento arbitral, com arbitragem em

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si. É a natureza desta, e não daquele, que se busca, e tal natureza é, a meu juízo, a de função pública. Pública, mas não estatal, e – por conseguinte – não se poderia considerar que tal função é jurisdicional. Pensar de outra forma, a meu ver seria infringir o monopólio estatal da jurisdição, o que não me parece possível. Relembre-se agora o que já disse anteriormente: o Estado não possui o monopólio da Justiça, mas possui o da Jurisdição. (CÂMARA, 2005, p. 12-15).

Já o professor Luiz Guilherme Marinoni entende que a

arbitragem não possui natureza jurídica de jurisdição e seu principal fundamento é a impossibilidade do árbitro em conceder as tutelas de urgência. Alega ainda o autor que a jurisdição é composta de determinados princípios que não podem ser visualizados no juízo arbitral, como por exemplo, os princípios da investidura, indelegabilidade e juiz natural. (MARINONI, 2008, p. 148).

Por fim, em que pese à discussão ainda não restar pacífica, é notório que grande parte da doutrina é adepta ao entendimento de que prevalece a natureza jurisdicional da arbitragem. 3. Origem e Evolução Histórica da Arbitragem

Para a solução dos conflitos gerados entre os grupos e

sociedades, o ser humano buscou instrumentos de pacificação diversos. Em inúmeros episódios históricos, pode-se notar que em primeiro lugar, os líderes políticos buscavam pelo diálogo e resolução das lides de forma amigável, antes de tomar qualquer medida ofensiva e de caráter conflituoso, como a guerra. Sabia-se que era vantajoso para o Estado resolver suas pendências por meio de soluções amigáveis, ao invés da declaração de batalha e da busca forçada por êxito de interesses.

É por meio desse histórico é que se tem conhecimento da aplicação da arbitragem em diversas épocas da história da humanidade.

Na civilização Babilônica, Hebraica e Judaica, César Fiuza afirma que

Os babilônios viviam na região antigamente denominada Mesopotâmia, região que atualmente corresponde ao Iraque. Era um povo de realização da justiça civil, durante o período da realeza (753 a.C a 510 a.C), era distribuída pelos reis que julgavam a divergências entre os particulares. A seguir durante o período da República (510 a.C a 27 a.C), “a organização judiciária romana é dominada pelo grande

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princípio da divisão da instância ou processo em duas fases, conhecidas pelos nomes de jus e judicium”. Na primeira fase denominada jus, o litigante expunha as questões fáticas concernentes ao litígio perante o magistrado, que preparava o processo para ser julgado na próxima fase, apresentando e delimitando o objeto litigioso, bem como integrando o réu na lide. Na segunda fase, denominada judicium, o processo era entregue a um particular escolhido pelos litigantes para julgar definitivamente a contenda. Esta divisão procedimental vigorou durante dois primeiros movimentos da sistemática processual romana. (FIUZA, 2005, p. 68-70).

Conhecido por seu avanço intelectual e inteligência, tem-se o

Código de Hamurabi, considerado um dos mais antigos e evoluídos codex já escritos pela humanidade, sendo um código, à época, completo e diferenciado.

Tem-se notícia de que há mais de 3.000 a.c os babilônios obtiveram soluções amigáveis através da dita arbitragem pública. (FINKELSTEIN; VITA; CASADO FILHO, 2010, p.115).

Sabe-se que desde àquela época, os hebreus utilizavam-se da arbitragem nas contendas de direito privado que se resolviam com a formação de um tribunal denominado Beit Din, ou tribunal rabino, composto por três dayan, nome dado aos juízes arbitrais rabinos. (DOLINGER apud MARTINS, 2009, p. 69).

O denominado Beit Din era utilizado para julgar causas privadas entre judeus sob o manto da arbitragem, sendo utilizado até hoje pelo povo judeu. A intervenção judiciária não era muito requisitada, sendo sempre desejável a utilização de instrumentos intermediários de solução de conflito, havendo imprescindibilidade das questões litigiosas serem levadas à análise dos tribunais arbitrais rabinos. Como já dito, até o momento, os judeus ainda utilizam dessa corte, desejo este que é respeitado por outros tribunais arbitrais existentes pelo mundo. (GORDO DE PAULA, 2014).

Na Roma e Grécia Antiga, Magro e Zínia Baeta nos ensinam que a arbitragem na era greco-romana obteve formas em primeiro lugar na mitologia, como por exemplo, a disputa travada entre as Deusas Afrodite, Atena e Hera para saber quem possuía maior beleza, advindo de uma maçã de ouro implantada pela Deusa da discórdia Éris, o qual tinha como inscrição os seguintes dizeres “para a mais bela”. Para a solução do conflito, conta o mito, que Paris foi escolhido como árbitro e escolheu a Deusa Afrodite como a mais bela de todas, sendo oferecido à Paris como

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gratidão o amor da Princesa Helena. Amor este que originou a tão conhecida guerra de Tróia e Esparta. O episódio foi denominado como o “Julgamento de Paris”. (MAGRO; BAETA, 2004, p. 150).

Gustavo Pereira Leite usando das palavras de Joel Dias Figueira Júnior sustenta que

A figura do árbitro esteve presente durante toda a Grécia clássica. Ao contrário do juiz estatal, o árbitro não estava preso às formalidades processuais, decidindo, desta forma, os litígios de maneira abreviada. O árbitro possuía a faculdade de julgar conforme a equidade, enquanto o juiz só podia fazê-lo conforme a lei. Muitas vezes, o julgamento dos árbitros se restringia à adoção, na íntegra, da tese levantada por um dos litigantes. (CRETELLA JÚNIOR apud RIBEIRO, 2006, p. 18).

Relatam os historiadores que há aproximadamente seis séculos

antes de Cristo, a arbitragem foi utilizada em inúmeras disputas territoriais na Grécia Antiga. Afirmam, ainda, que no ano de 445 a.c, Esparta e Atenas celebraram um tratado de paz que era composto de cláusulas equivalentes ao procedimento arbitral.

Em Roma, foi onde a arbitragem começou a tomar contornos mais expressivos recebendo tratamento jurídico relevante, sendo considerada como extensão dos poderes dos juízes com a finalidade de efetivar e instrumentalizar a justiça no caso prático. Neste período, pode-se afirmar que o histórico da arbitragem se confunde com a história do Direito Processual Civil. (RIBEIRO, 2006, p.18).

Já em Roma, a arbitragem tornou freqüente com a expansão do Império Romano. As cláusulas arbitrais firmadas na era romana favoreciam os romanos quando da invasão dos bárbaros, pois aqueles conseguiram se esquivar da aplicação da lei dos invasores por meio da solução arbitral dos litígios.

Tanto o é que Roma, em que pese à visão imperialista, encontrou na arbitragem uma forma de resolver seus conflitos com outros Estados e posteriormente com os particulares, nas fases denominadas por Silva Fazinga Oporto e Fernanda Vasconcelos como jus peregrinus e praetor pregrinus.

Em Roma, o juízo arbitral era de toda forma simples, uma vez que o árbitro podia resolver as questões a ele submetidas sem se apegar a qualquer embasamento legal. O procedimento arbitral era vantajoso a quem o escolhia, uma vez que a justiça apenas era opção quando o litigante tinha plena certeza do resultado final da contenda.

Na idade média, a arbitragem teve discretos aparecimentos na

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época feudal, em especial, com o incentivo da Igreja Católica em solucionar os litígios de forma pacífica. O Papa era considerado árbitro supremo e os bispos eram os mediadores. Nesta época, a igreja aplicava penalidades a quem não utilizava da arbitragem, como por exemplo, a excomunhão e o interdito. (VARCONCELOS; OPORTO, 2014).

Com o desenvolvimento das atividades mercantis e a fundação das corporações de mercadores, os comerciantes no intuito de aplicar as regras específicas criadas para o tráfico mercantil instalaram a denominada justiça particular, uma vez que naquela época o Estado já estava enfraquecido com as grandes revoluções burguesas e não possuía mais força para solucionar os litígios de forma célere e eficaz. (RIBEIRO, 2006, p. 24). Foi neste momento em que surgiu a arbitragem comercial, apontando-se como a melhor alternativa para a solução dos conflitos comerciais internacionais.

Na França, a arbitragem foi elevada ao status constitucional. Não havia limitação ao compromisso arbitral e as sentenças arbitrais eram irrecorríveis, salvo se houvesse acordo entre as partes. Havia a denominada arbitragem voluntária e a forçada, esta última figura não convenceu e acabou sendo extinta no ano de 1796. O Código Napoleônico de 1804 e o Código de Processo Civil Francês de 1806 guardaram vinte e cinco artigos para o tratamento da arbitragem, sendo considerado um marco para a história do instituto. (RIBEIRO, 2006, p. 24).

No Brasil, a arbitragem possuiu reconhecimento desde a colonização portuguesa, quando vigorava as chamadas Ordenações Filipinas, as quais eram nada mais nada menos do que uma condensação de leis resultantes da reforma do Código Manuelino em Portugal no ano de 1603.

Após a Independência do Brasil declarada por Dom Pedro I em 1822, as Ordenações Filipinas continuaram vigorando, em razão da ausência de ordenamento jurídico próprio, e mais, as normas eram necessárias para a manutenção da ordem política, econômica e social. As regras estabelecidas por este diploma regulamentaram a recorribilidade da sentença arbitral, mesmo existindo cláusula proibitiva do compromisso arbitral neste sentido, além da prescindibilidade da homologação judicial da decisão proferida pelo árbitro. (RIBEIRO, 2006, p. 25).

A Constituição Imperial de 1824 previa em seu artigo 160 que “[...] nas causas cíveis e nas penais civilmente intentadas, poderão as partes nomear juízes árbitros. Suas sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas partes”. (GARCEZ, 2007, p. 23).

Como no modelo Francês, a arbitragem ganhou status

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constitucional na carta política imperial, prestigiando o instituto e dando-lhe expansão, como o ocorrido nos anos de 1831 e 1837, a qual a arbitragem foi utilizada para dirimir conflitos sobre temáticas relacionadas a seguros e prestações de serviços.

O Código Comercial de 1850 previa em seu artigo 20 que seriam necessariamente decididas por árbitros às questões e controvérsias que o Código Comercial daria a esta forma de decisão.

Observa-se que o diploma aqui mencionado tratava a arbitragem como algo obrigatório para determinadas causas, contrariando o texto constitucional da época que era baseado no princípio da autonomia da vontade. Somente em 1866 é que a obrigatoriedade foi afastada.

Jader Augusto Ferreira Dias em sua obra “Direito societário na atualidade: aspectos polêmicos”, afirma que a arbitragem no Código Comercial foi indicada para a solução das causas entre sócios das sociedades comerciais, em especial, durante a liquidação e partilha, assim como pelo Regulamento n. 737, também revogado no ano de 1866. (BERALDO, 2007, p. 405).

A Constituição Republicana de 1891 não reproduziu o que foi disposto no artigo 160, da Constituição Imperial, contudo, também não suprimiu o juízo arbitral, sendo o mesmo regulado pelo Decreto n. 3.084 de 05 de novembro de 1898, uma verdadeira consolidação do instituto. (CARVALHO apud ALVIM, 2007, p. 20).

Como já dito, embora a supressão do instituto na Carta Política aqui mencionada, por meio do decreto indicado no parágrafo anterior, outras leis infraconstitucionais foram editadas acerca do tema, dentre as quais se destaca o Decreto n. 3.900 de 1867, o qual serviu de base para a legislação no plano Estadual, quando ainda não era vigente o sistema de unidade processual, uma vez que foi a primeira Constituição em que a competência para legislar sobre direito processual civil passou a ser concorrente entre a União e os Estados- Membros. A maioria dos Estados seguiu o modelo da República, com exceção da Bahia, Minas Gerais e São Paulo. (RIBEIRO, 2006, p. 26).

A Constituição de 1934 atribuiu competência ao Poder Legislativo Federal para disciplinar a adoção da arbitragem comercial. Aqui, a unidade processual foi mantida até a Constituição de 1937, denominada por Carreira Alvim de “estadonovista”. Nessa época foi promulgado o Código Processo Civil de 1939 que reservou o Livro IX para tratar sobre o instituto da arbitragem. (FINKELSTEIN; VITA; CASADO FILHO, 2010, p. 180).

Segundo o mesmo autor, as Constituições seguintes (1946, 1967 e 1969) silenciaram igualmente sobre a arbitragem, o qual não

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impediu que mais tarde o Código de Processo Civil promulgado em 1973 despertasse o tema também em um capítulo à parte (Capítulo XIV – do juízo arbitral), o qual atualmente encontra-se revogado em razão do advento da Lei n. 9.307/96. (ALVIM, 2007, p. 21).

A Constituição de 1988 voltou a consagrar o instituto da arbitragem, tratando expressamente do tema no artigo114, §§ 1º e 2º, mas foi a Lei n. 9.307 de 23 de setembro de 1996, que estabeleceu um marco na revolução legislativa do instituto, do qual trataremos mais adiante.

Uma questão relevante foi a ordem constitucional vigente que proibiu a instituição da arbitragem obrigatória, como se pode fazer referência ao artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, o qual dispõe sobre o princípio da inafastabilidade da jurisdição. (CALLUF FILHO, 2006, p. 23).

4. Lei de Arbitragem Brasileira (9.307/96)

O instituto da Arbitragem atualmente é regulado pela Lei n.

9.397 de 23 de setembro de 1996. A mencionada lei teve com inspiração para o seu nascimento a Lei Modelo (LM) da UNCITRAL (United Nations Comission of International Trade Law), em especial, pela Comissão que organizou a lei modelo clamar para que os Estados harmonizassem seus ordenamentos, conforme os preceitos ditados pela UNCITRAL.

Assim o fez o Brasil. O país incorporou ao texto da Lei n. 9.307/96 algumas das disposições mencionadas pela LM, em especial, o reconhecimento do caráter obrigatório e vinculante da cláusula compromissória e executoriedade da sentença arbitral. (FERREIRA NETTO, 2008, P. 24).

O artigo 1º da Lei de Arbitragem Brasileira dispõe que pode participar do juízo arbitral em razão do procedimento decorrer de um acordo celebrado entre as partes, isto é a instituição da cláusula compromissória e do compromisso arbitral. Assim, para ser parte do procedimento arbitral, necessário que as partes tenham capacidade jurídica para contratar, bem como entender o significado de direito patrimonial disponível. (PINTO, 2012, s/p).

Luiz Roberto Nogueira Pinto citando Sálvio de Figueiredo Teixeira afirma que em que embora o compromisso arbitral exigido, a cláusula arbitral ou a chamada compromissória não possui a mesma obrigatoriedade de cumprimento, constituindo-se como uma mera promessa de contratar, sendo sua inexecução passível apenas de pleito às perdas e danos, ao invés de ensejar uma execução específica. (TEIXEIRA apud NOGUEIRA PINTO, 2010, p. 26).

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Durante muitos anos, não havia especulação de qualquer

regulamentação específica da matéria, contudo, com a ratificação de alguns documentos internacionais, o Brasil se viu na necessidade de efetivar a elaboração de uma legislação específica para questão, sendo, dessa forma, confeccionada a Lei n. 9.307 de 1996, o diploma foi resultado de uma terceira tentativa realizada para aprovação de projetos legislativos sobre o tema, uma vez que antes da promulgação da lei em comento, três projetos foram arquivados na década de 80.

José Maria Rossani Garcez em sua obra traz a justificação do Projeto, o qual deu origem a Lei atual, vejamos:

[...] ela trará sensível benefício à sociedade, pois colocará à sua disposição um meio ágil de fazer resolver controvérsias, com árbitros por aqueles próprios escolhidos, imparciais e independentes, especialmente em matéria técnica, tudo com sigilo, brevidade e grande informalidade. (GARCEZ, 2007, p. 25).

Em breves apontamentos, esclarece-se que a atual Lei de

Arbitragem possui o escopo de solucionar conflitos patrimoniais disponíveis, desde que também haja a anuência das partes. Os interessados procederão com a escolha de um árbitro, o qual deverá ser pessoa de confiança das partes, dotada de instrução sobre o tema a ser discutido, não necessariamente o árbitro deverá ter amplo conhecimento jurídico, o qual acima de tudo irá buscar o ponto de equilíbrio entre as partes, conciliando-as.

Caso não haja a conciliação, o árbitro possui, segundo os ditames da lei, poder e capacidade para decidir a lide, sendo o ato decisório de cumprimento obrigatório entre as partes, passível de execução da sentença arbitral, uma vez que tal é investida dos efeitos da coisa julgada. 5. Protocolos, Acordos e Convenções sobre arbitragem para solução de controvérsias comerciais

A Lei Modelo de arbitragem da UNCITRAL (United Nations Comission Internacional Trade Law) foi adotada para o Direito Comercial Internacional pelas Nações Unidas em 21 de junho de 1985. Foi recomendado pela Assembléia Geral (Resolução n. 40/72) que todos os Estados tivessem consideração a Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional para uniformização das regras sobre o procedimento arbitral e determinadas práticas da arbitragem. Em 07 de julho de 2006 tal lei passou por algumas alterações, tendo a Assembléia

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Geral aconselhado que todos os Estados oferecessem parecer favorável à promulgação dos artigos já revisados da Lei Modelo. (BARROCAS, 2013, p. 14).

Conforme ensina o professor português Manuel Pereira Barrocas

A lei modelo constitui uma base sólida para a desejada harmonização e para o aperfeiçoamento das leis nacionais. Abrange todas as fases do procedimento arbitral, desde o acordo de arbitragem até o reconhecimento e execução da sentença arbitral, reflectindo um consenso universal sobre os princípios e questões relevantes da prática da arbitragem internacional. É reconhecida por Estados de todo mundo com sistemas jurídicos e económicos diferentes. Desde a sua adopção pela UNCITRAL de forma a aumentar a visibilidade de harmonização e assim intensificar a confiança de utilizadores estrangeiros, os primeiros utilizadores da arbitragem internacional, na segurança da lei arbitral no Estado que a adoptou. (BARROCAS, 2013, p. 14).

Em 21 de junho de 1985 a UNCITRAL aprovou a Lei-Modelo

sobre arbitragem comercial internacional, a partir deste regulamento as leis que tratavam sobre o tema em diversos países tiveram que ser revisados, tornando ajustadas com as convenções internacionais promovidas pelo órgão, inclusive o Brasil, a Alemanha e a Espanha. (MAGRO; BAETA, 2004, p. 135).

O acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do MERCOSUL datou-se em 12 de junho do ano de 1998 em Buenos Aires, na Argentina, sendo ratificado pelo Brasil em junho de 2003 pelo Decreto n. 4.719. Um dos seus principais objetivos era uniformizar a arbitragem comercial privada entre os membros do MERCOSUL. (MAGRO; BAETA, 2004, p. 134).

Dentre as regulamentações do acordo, estava a possibilidade de adoção de medidas cautelares pelo tribunal arbitral, criando-se assim o denominado laudo provisional ou interlocutório, com a finalidade de garantir a segurança jurídica das decisões e cumprimento.

Maíra Magro e Zínia Baeta nos ensinam que

O acordo trata também de uma série de procedimentos e princípios de arbitragem, como tratamento equitativo e não abusivo aos contratantes, a forma de intimação das partes, o que deve conter a convenção de arbitragem, a

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nomeação dos árbitros e condições para a sua recusa ou substituição, além de critérios para a decisão arbitral e sua execução. O acordo prevê também que os participantes do procedimento escolham se a arbitragem será feita segundo regras de direito ou por equidade, assim como elejam a legislação aplicável ao caso. (MAGRO; BAETA, 2004, p. 134).

Segundo Dayse Ventura, o acordo supramencionado, de certa

forma, formou um quadro favorável da arbitragem comercial internacional aos operadores da economia, uma vez que propicia uma regulamentação diferenciada e moderna em que tribunais, advogados e Estados membros se familiriarizam com a arbitragem como alternativa para a solução de controvérsias. (VENTURA, 2003, p. 231-232).

Á época da ratificação do acordo e de sua incorporação no ordenamento jurídico brasileiro, o decreto presidencial de 2003 fez a ressalva de que

[...] para dirimir qualquer dúvida decorrente da linguagem utilizada, o acordo deve ser interpretado no sentido de permitir que as partes escolham livremente as regras do direito aplicáveis à matéria. (BELNOSKI, 2013, p. 33).

Além do mencionado tratado, no mesmo dia de sua assinatura foi celebrado outro acordo a respeito da arbitragem comercial internacional, contudo, agora entre os países do MERCOSUL, a Bolívia e o Chile, uma vez que ambos são países associados ao bloco econômico.

A Convenção do Panamá foi assinada em 1975 e também é denominada “Inter- American Convention International Commercial Arbitration” (Convenção Inter-amerciana de Arbitragem Comercial Internacional) foi elaborada para dirimir os conflitos que envolvam os países da América Latina, em especial, Brasil, Chile, Costa Rica, Panamá, Honduras, México, Paraguai, El Salvador e Uruguai. Dentre os países contratantes, ainda, se inclui os Estados Unidos da América, a Bolívia, a Guatemala, Colômbia, Peru e Venezuela. A República Dominicana e a Nicarágua, em que pese terem assinado a convenção, não a ratificaram.

Basicamente a Convenção do Panamá tinha como objetivo, a submissão ao juízo arbitral das controvérsias comerciais entre os países signatários. A convenção tratou também das homologações e execuções da sentença arbitral, embora foi realizado outro acordo para o tratamento da questão: a Convenção de Montevidéu. (NOGUEIRA PINTO, 2002, p.

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Avaliação de Riscos e Solução de Conflitos no Direito do Comércio Internacional

41).

Com a criação do bloco econômico MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) foi assinado pelos países membros Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai: o Tratado de Assunção. Neste documento ficou consignado que a solução de controvérsias suscitadas perante o bloco resolveriam-se por meio de negociações diretas ou consultas e em especial, pela arbitragem ad hoc.

Este último método utilizado consiste na obtenção de uma decisão final por meio de procedimento que envolvam as partes em discussão. O ato decisório é proferido por árbitros nomeados pelas partes. No MERCOSUL, a arbitragem atende apenas a solução de controvérsias dos Estados-Partes.

O tratado também previu que os países membros deveriam adotar um sistema permanente de solução de controvérsias, sistema esse com data limite de aprovação para 31 de dezembro de 1994. Dessa previsão, surgiu a ratificação pelos quatro países membros do MERCOSUL do Protocolo de Brasília para solução de controvérsias, com data de 17 de Dezembro de 1991, já atualmente alterado pelo Protocolo de Ouro Preto. (NOGUEIRA PINTO, 2002, p. 45-46).

Utilizando das palavras de Paulo Borba Casella, Rodrigo Almeida Magalhães afirma que

No âmbito estatal, o primeiro passo é dado pelo Protocolo de Brasília, de 1991. Passo importante para a arbitragem estatal é dado pelo Protocolo de Olivos, de 2002. Do ponto de vista dos operadores privados, dois passos importantes: o Protocolo de Buenos Aires, de 1998, criando estatuto comum de arbitragem para os operadores privados; e o Regulamento padrão das instituições arbitrais do MERCOSUL, assinado em Buenos Aires, em 2000. (NOGUEIRA PINTO, 2002, p. 45-46).

Ficou consignado, ainda, que os Estados-Partes poderiam

acionar o Protocolo, desde que as controvérsias versassem sobre interpretação, aplicação e o não cumprimento das disposições do Tratado de Assunção, das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções de Grupo do Mercado Comum e, por fim, das Diretrizes traçadas pela Comissão de Comércio do Sul.

O Protocolo de Olivos firmado em 2002 substituiu o Protocolo de Brasília de 1991, o qual foi posteriormente alterado pelo Protocolo de Ouro Preto em 1994. O texto do referido documento dizia que diante de uma controvérsia perante alguns dos membros do MERCOSUL, os países

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deveriam, primeiramente, tentar a resolução da questão por meio das negociações diretas. Caso não houvesse acordo, as partes deveriam buscar uma avaliação do assunto perante o Grupo do Mercado Comum, se mesmo assim a questão não fosse resolvida, a contenda deveria ser levada ao juízo arbitral, informando a decisão a Secretaria do Mercado Comum.

Em comentário ao Protocolo de Ouro Preto, o autor Ricardo Seitenfus afirma que

Na conferência diplomática de Ouro Preto (dezembro de 1994) foi adotado o modelo institucional definitivo do MERCOSUL: abandonou-se a possibilidade de compatibilizar objetivos do TA (Tribunal Arbitral) com a estrutura institucional e adotou-se o modelo inter-governamental em detrimento do supranacional. A partir de então, do ponto de vista jurídico, o MERCOSUL passou a funcionar, de fato, obedecendo às regras clássicas do Direito Internacional público e privado. (SENTEINFUS, 2004, p. 212).

O procedimento tramitará por um dos tribunais arbitrais ad hoc

para a prolação de uma decisão. O tribunal é instituído cada vez em um país e os árbitros são chamados a cada lide a ser resolvida.

O Protocolo de Olivos criou, ainda, a segunda instância da arbitragem no MERCOSUL, o denominado Tribunal Permanente de Revisão, o qual possui a função de realizar a análise de recursos apresentados, guerreando o laudo arbitral ad hoc. Em caso de interesse das partes, a controvérsia estabelecida entre os demandantes pode ser levada diretamente ao tribunal de revisão em única instância. O Protocolo também dispõe que em caso de descumprimento da decisão arbitral ao país inadimplente podem ser adotadas medidas compensatórias. (MAGRO; BAETA, 2004, p. 131).

O Tribunal Permanente de Revisão possui sede em Assunção no Paraguai e além de atuar como segunda instância revisando as decisões arbitrais prolatadas, o Tribunal também aplica o direito comunitário, não havendo, neste caso, possibilidade revisão quando os laudos tratarem de decisão ex equo a bono. O Tribunal, ainda, é competente para conhecer de casos urgentes, bem como proferir pareceres consultivos. Quando a lide for formada por dois Estados, três árbitros comporão o julgamento. Em caso de mais de dois Estados, cinco serão os árbitros a proferir o laudo. (CARNEIRO, 2007, p. 165). Os árbitros são integrantes de uma lista pública mantida na Secretaria do MERCOSUL.

De acordo com José Rubens Morato Leite e Ney Barros Bello

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Filho a justificativa dos Estados membros do MERCOSUL para o Protocolo de Olivos foi à instituição de um sistema novo de solução de controvérsias que pudesse garantir a correta interpretação, aplicação, internalização e cumprimento do conjunto normativo elaborado pelo MERCOSUL. (MORATO LEITE; BELLO FILHO; 2004, p. 287-288). 6. Conceito e Características dos Contratos Internacionais

De um modo geral, o Professor Darcy Bessone nos traz o conceito de contrato. Segundo o ilustre mestre conceitua-se contrato “[...] como acordo de duas ou mais pessoas para entre si constituir ou extinguir uma relação jurídica de natureza patrimonial.” (JUNQUEIRA, 1997, p.19).

De acordo com Mirian Junqueira, dentre os inúmeros ordenamentos jurídicos espalhados pelo mundo, escassos legisladores intentaram estruturar um conceito completo do que pudesse ser um contrato internacional. Nas palavras da mesma autora, em análise a diversos códigos estrangeiros e legislações alienígenas, a respeito do conceito de contrato pode-se ter as seguintes definições abaixo elencadas, vejamos:

Português – “um acordo, pelo qual duas ou mais pessoas transferem entre si algum direito ou se sujeitam a alguma obrigação”. Espanha “el contrato existe desde que uma ó várias personas consisten em obligarse, respecto de outra ó tras, a dar alguna cosa a prestar algun servcio.” Digesto de Direito Civil Inglês , formulado por JENK e outros – “um contrat est une convention qui crée ou que est destinée à créer une obligation juridique entre lês parties qui la conclutend.”1. Argentino – “Hay contrato cuando varias personas se ponen de acuerdo sobre uma declaracíon de voluntad comum, destinada a regular derechos.” Mexicano – “Contrato es um convenio por el que dós ó más personas se transfiren algun derecho ó contraeb alguna oblegacíon.” Alemão - esse evitou qualquer definição, porém, dispôs o seguinte: “ pour la formation d’um rapport d’obligation por acte juridique, comme por toute modification du contenu d’um rapport d’ obligatio est exige u contrat passe entre lês interesses,

1 Um contrato é um acordo que cria ou tem a intenção de criar uma obrigação jurídica que as partes ali concluíram. (Tradução nossa).

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em tant que la loi n’em dispose pás autreman.”2 Suiço – conforme dispõe o Código Federal das Obrigações – “I’l n’y a contrat que si lês parties on manifeste d’une manièré concordant leur volonté reciproque. Cette manifestation peut etrê expresse ou tacite.”3 Soviético – o seu código Civil dispõe que ‘os atos jurídicos, isto é, os atos que visam a estabelecer modificar ou extinguir relações de Direito Civil, podem ser unilaterais ou mútuos (contratos).”Polonês - o seu Código das Obrigações declara em seu art. 50, §1º que “Le contrat se forme par la déclaration concordante de volonté dês deux parties, l’une s’obligeant à une prestation em et l’autre acceptant cette prestation. Par. 2º Le contrat peut aussi avoir pour objet de créer, modifer ou éteindre un rapport juridique, en dehors de tout obligation de prester.”4 (JUNQUEIRA, 1997, p. 20-21).

Na prática do comércio o contrato tem a finalidade de alcançar

os objetivos almejados pelas empresas. Os objetos do contrato não se limitam aos bens materiais, mas pode incluir condutas humanas e bens imateriais, isto é, tudo que possa ser objeto de negócio também será objeto de contrato.

Os contratos surgiram por meio de um entrelace de interesses e valores que movimentam a vontade das partes, levando-as a assumir deveres e obrigações.

Segundo Luiz Olavo Baptista convencionou-se chamar de internacionais os contratos que

Quando determinadas características fazem com que possam estar sujeitos às normas de mais de um sistema jurídico. Sua importância numérica cresce com o aumento do comércio internacional, e nas épocas de crise e depressão, são os litígios que aumentam, pois como os “se”, e os casos, os contratos são a porta por onde as complicações entraram no universo. (BAPTISTA, 2010, p. 16).

2 Para a formação de um acordo de obrigação por ato jurídico, como para todas as modificações de conteúdo do acordo de obrigação é exigido um contrato que firme os interesses, tanto que a lei não dispõe outra forma. (tradução nossa). 3 Há um consenso de que se as peças ali de uma forma consistente vontade recíproca em seu manifesto. Este evento pode ser expresso ou implícito. (Tradução nossa). 4 Um contrato é formado pela declaração conjunta da vontade de ambos os lados, um é forçado a dispor e o outro aceitar o benefício. Par. 2 ° O contrato também pode ser destinado a criar, modificar ou extinguir uma relação jurídica, sem qualquer obrigação de fornecer. (Tradução nossa).

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Luciano Benetti Timm, Rafael Pellegrini Ribeiro e Angela T.

Gobbi Estrella afirmam que Um contrato, via de regra, é considerado internacional, pela ótica do direito, quando apresenta um elemento que “o conecte a dois ou mais ordenamentos jurídicos”. Essa conexão pode ser pela força do domicílio, da nacionalidade, da sede principal dos negócios, do lugar do contrato, do lugar da execução do contrato, ou de qualquer outra circunstância que exprima uma indicativa de qual o direito que vem a ser aplicável no caso concreto. Assim, a título exemplificativo, basta que uma das partes seja domiciliada em um país e o contrato seja cumprido em outro para que esteja caracterizado seu fator internacional. Desse modo, na doutrina jurídica, é internacional aquele contrato que contém um “elemento de estraneidade”, ou seja, aquele fator jusprivatista que conecta uma determinada relação negocial a mais de um ordenamento jurídico estatal. (Normalmente o local de domicílio das partes contratantes, ou local de execução do contrato). (ESTRELLA; TIMM; RIBEIRO, 2009, p. 54).

O Mestre Batiffol foi o grande formulador dos critérios

utilizados para a distinção do contrato nacional do internacional. O autor afirma que um contrato tem caráter internacional

[...] quando, pelos atos concernentes à sua celebração ou sua execução, ou a situação das partes quanto à sua nacionalidade ou seu domicílio, ou a localização de seu objeto, ele tem liame com mais de um sistema jurídico. (BATIFFOL apud BAPTISTA, 2010, p. 23).

7. A Liberdade Contratual ou Autonomia da Vontade: princípio fundamental dos contratos comerciais internacionais

Vicente Zetti em análise da vontade sobre a visão do filósofo

Immanuel Kant afirma que

O princípio da autonomia é o imperativo categórico, sua formulação geral é: Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne universal (KANT, 1974, p. 223). Tal princípio só é possível na pressuposição da liberdade da vontade; a vontade deve querer a própria autonomia e sua liberdade

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consiste em ser lei para si mesma. A formulação do imperativo categórico que se refere à autonomia é “a idéia da vontade de todo o ser racional concebida com vontade legisladora universal. (ZATTI, 2007, p. 16).

O mesmo autor afirma que para Kant a autonomia da vontade é

a característica da própria vontade, considerando tal princípio como o supremo da moralidade, prendendo-se até mesmo a idéia de dignidade da pessoa. Segundo o filósofo a autonomia é, pois o fundamento da dignidade da natureza humana e de toda natureza racional. (ZATTI, 2007, p. 16).

Paulo César Fernandes afirma que A autonomia da vontade é aquela que sua propriedade graças à qual é para si mesma a sua lei (independentemente da natureza dos objectos do querer). O princípio da autonomia é portanto: não escolher senão de modo a que as máximas da escolha estejam incluídas simultaneamente, no querer mesmo. Como lei universal [...] Pela simples análise dos conceitos da moralidade pode-se, porém, mostrar que o citado princípio da autonomia é o único princípio da moral. Pois desta maneira de descobre que esse princípio tem de ser um imperativo categórico, e que este imperativo não manda nem mais nem menos do que precisamente esta autonomia. (FERNANDES, 2010, p. 65).

Em âmbito civil, entende-se por autonomia da vontade a possibilidade dos particulares resolverem suas pendências e interesses. Embora a atividade individual esteja sob forte influência e vigilância do Estado, ainda há emanação de liberdade em algumas ações do homem.

O principio da liberdade contratual consiste da discricionariedade de celebrar ou não determinado contrato. Contudo, a liberdade de contratar e a liberdade contratual se distinguem, uma vez que enquanto a primeira consiste na liberdade de estipular o conteúdo do contrato, a segunda consiste na faculdade de celebrar ou não um contrato. (FERREIRA, 2006, p. 170).

A liberdade contratual tem como maior pressuposto a denominada liberdade de fixação de conteúdo, isto é, liberdade de seleção do tipo contratual e das suas cláusulas, as quais as partes podem estabelecer os efeitos jurídicos atinentes, sendo importante não apenas para o negócio, mas também para satisfação dos interesses.

As partes não podem pactuar um contrato sem o consentimento

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Avaliação de Riscos e Solução de Conflitos no Direito do Comércio Internacional

da outra parte contratante. Caso isso aconteça, poderá haver perdas e danos como resposta ao prejuízo sofrido pela parte contrária.

A liberdade contratual ou autonomia da vontade, também denominada autonomia privada complementa o chamado princípio da boa-fé, também fundamental na confecção e cumprimento dos contratos, uma vez que o comportamento leal e transparente das partes é fundamental para a proteção das legítimas expectativas dos contratantes.

Para César Fiuza o princípio da autonomia da vontade

É o mais importante princípio. É ele que faculta às partes total liberdade para concluir seus contratos. Funda-se na vontade livre, na liberdade de contratar. O contrato é visto como fenômeno da vontade e não como fenômeno econômico-social. Exerce a autonomia da vontade em quatro planos. 1º) Contratar ou não contratar. Ninguém pode ser obrigado a contratar apesar de ser impossível uma pessoa viver sem celebrar contratos. 2º) Com quem e o que contratar. As pessoas devem ser livres para escolher seu parceiro contratual e o objeto do contrato. 3º) Estabelecer as cláusulas contratuais, respeitados os limites da Lei. 4º) Mobilizar ou não o Poder Judiciário para fazer respeitar o contrato, que, uma vez celebrado, torna-se fonte formal do direito. (FIUZA, 2008, p. 398).

A liberdade contratual também possui como uma de suas bases

o denominado princípio da hasdship, o qual consiste na possibilidade das partes renegociarem as condições do contrato, adaptando-o a situações ditas imprevisíveis que possam de uma maneira geral afetar o equilíbrio econômico-financeiro preteritamente estabelecido no contrato, cita-se a caráter de exemplo, a ocorrência de guerras, catástrofes naturais e instabilidade política.

Assim, a arbitragem nasce da autonomia das partes em se submeterem ao juízo arbitral às controvérsias e contendas surgidas na celebração e execução de um contrato.

8. Convenção Arbitral: a Cláusula arbitral ou Cláusula compromissória e o Compromisso Arbitral

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Convenção de arbitragem é a expressão utilizada para designar

um gênero e suas duas espécies: a cláusula compromissória e o compromisso e suas noções.

Existem dois tipos de cláusulas arbitrais, as que fornecem informações necessárias para a instauração de um juízo arbitral e as que apenas prevêem a utilização da arbitragem como forma de solução de controvérsias. Aquelas que fornecem informações são denominadas cláusulas cheias e bastante recomendadas, uma vez que um determinado órgão pode ser escolhido para dirimir o conflito e levá-lo à arbitragem, sendo isto se chamado de arbitragem institucional. (ESTRELLA; TIMM; RIBEIRO, 2009, p. 750).

Olavo Baptista nos ensina que

Nos contratos internacionais encontra-se a cláusula compromissória abrangida pela expressão cláusula arbitral (ou convenção arbitral). A cláusula compromissória também chamada de pactum de compromittenndo é a convenção pela qual as partes contratam resolver, por meio de arbitragem, as divergências que surjam entre elas, geralmente quanto à execução e ou à interpretação de um contrato (...). Ela é, pois, um contrato que produz dois efeitos um positivo estabelece a competência jurisdicional arbitral, ou outro negativo, exclui a competência das jurisdições estatais. Para que isto ocorra, é claro que a cláusula precisa ser válida. Já o compromisso, segundo a doutrina e nos países que a distinguem da cláusula compromissória, destina-se à solução de uma divergência ou controvérsia determinada. (BAPTISTA, 2010, p. 185).

A cláusula arbitral ou compromissória pode ser conceituada

como

Espécie do gênero convenção de arbitragem. É o acordo antecipado que elege a arbitragem como meio para resolver eventual controvérsia surgida entre as partes contratantes. A cláusula em geral, é inserida no contrato que para a validade da opção, deverá versar sobre direitos patrimoniais disponíveis. Por essa cláusula as partes restringem à esfera privada o julgamento de um conflito surgido entre eles. (FULGÊNCIO, 2007, p. 123).

O compromisso arbitral é conceituado por César Fiuza como

sendo “[...] convenção bilateral pela qual as partes renunciam à jurisdição

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estatal e se obrigam a se submeter à decisão de árbitros por elas indicados.” (FIUZA apud BERALDO, 2007, p. 410). Para celebração de um compromisso arbitral necessário ter como primeiro pressuposto a existência de um litígio. Tanto o é, que está neste elemento a principal diferença entre o compromisso arbitral e a cláusula compromissória, uma vez que esta última é avançada antes mesmo da ocorrência de eventual contenda, enquanto no compromisso é necessário haver uma pretensão já resistida.

O compromisso arbitral pode ser estipulado tanto em âmbito judicial quanto no extrajudicial, podendo até mesmo ter como pressuposto uma lide já instalada na jurisdição estatal.

O Professor Carlos Alberto Carmona define cláusula compromissória como uma

[...] convenção celebrada entre os contratantes, através da qual fica estipulada que as divergências que vierem a surgir entre eles a respeito de um dado negócio jurídico serão resolvidas por meio da arbitragem. (CARMONA apud NOGUEIRA PINTO, 2002, p. 70).

Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto a instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim, sendo certo, ainda, que não concordando as partes sobe os termos do compromisso decidirá o juiz, o qual se a cláusula compromissória nada dispuser sobre a nomeação de árbitro, poderá nomear árbitro único para a solução do litígio (artigo 7º e parágrafos da lei 9307/96). (WAGNER JUNIOR, 2008, p. 14).

Segundo Luciano Benetti Timm, Rafael Pellegrini Ribeiro e

Angela T. Gobbi Estrella (2009, p. 75) a “[...] cláusula arbitral cheia isenta as parte do compromisso arbitral, podendo a parte interessada seguir diretamente o procedimento da instituição eleita.” Os mesmos autores ainda comentam que a cláusula arbitral se diferencia do compromisso arbitral, pois a primeira é negociada antes de eventual e hipotético litígio surgir, enquanto o segundo é celebrado quando o litígio já se instaurou. (ESTRELLA; TIMM; RIBEIRO, 2009, p. 75).

A cláusula compromissória é aplicada necessariamente anteriormente ao litígio, informalmente definida como uma promessa de compromisso, o artigo 4º da Lei 9307 (Lei de Arbitragem Brasileira) define a cláusula compromissória como convenção por meio da qual as

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partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir relativamente a tal contrato.

Pedro Batista Martins define a cláusula compromissória e a cláusula arbitral como sendo “[...] a convenção preliminar ou preparatória, mediante a qual as partes se obrigam, no próprio contrato, ou em ajuste ulterior, a submeter todas ou algumas das controvérsias que se original da execução contratual”. No direito brasileiro, a cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo ser inserta no próprio contrato, conforme preceitua o artigo 4º da mesma lei aqui citada. (MARTINS apud BERALDO, 2007, p. 408).

Luiz Roberto Nogueira Pinto define a Cláusula Compromissória como “[...] aquela mediante a qual as partes estipulam no contrato ou em ato consecutivo que as controvérsias oriundas do mesmo e ainda as futuras serão decididas por intermédio de árbitros”. (NOGUEIRA PINTO, 2002, p. 70). Já o compromisso arbitral é a convenção celebrada por duas ou mais pessoas, o qual a solução dos litígios é confiada aos árbitros.

Antônio Carlos Marcato define o compromisso arbitral como “instrumento de que se valeram os interessados para, de comum acordo, atribuírem a terceiro (denominado árbitro) a solução de pendências entre eles existentes.” (MARCATO, apud, NOGUEIRA PINTO, 2002, p. 70).

No Código de Processo Civil Francês, artigo 1.442, a cláusula arbitral recebeu o nome de clause compomissoire, e “é a convenção pela qual as partes contratantes se comprometem à submeter à arbitragem os litígios que poderiam derivar desse contrato”. (BAPTISTA, 2010, p. 185).

A cláusula arbitral é autônoma e independente, sendo considerado um negócio jurídico de organização, pois provoca o afastamento da jurisdição estatal, sendo, portanto, também um negócio processual, isto é, com efeitos para as partes componentes e para os próprios processos. A cláusula possui independência quanto ao contrato que está ligada, tanto o é, que sua validade e licitude são analisadas separadamente às demais cláusulas do instrumento contratual. Olavo Baptista afirma que os tribunais anglo-saxões referem-se a essa autonomia e separabilidade da cláusula arbitral por meio das expressões severability e separability, as quais traçam a idéia de separação de cláusula. contratantes se comprometem à submeter à arbitragem os litígios que poderiam derivar desse contrato. (BAPTISTA, 2010, p. 191).

A distinção entre compromisso e cláusula compromissória é controvertida, uma vez que há legislações que nem mesmo a admitem, atualmente no ordenamento jurídico tanto brasileiro, quanto francês, belga e holandês, diversos traços distintos são elencados para diferenciar

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ambos os institutos, como por exemplo, individualizações quanto à função, à forma e à natureza jurídica. A cláusula compromissória pode ter conteúdo genérico, com o fim de resolver número indefinido de contendas, enquanto o compromisso arbitral é relativamente específico, visando a solução de contendas limitadas quanto ao número, tendo que ser estas já existentes e definidas sendo o futuro uma condicional. 8.1. Convenção sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras: Convenção de Nova Iorque

Substituindo a Convenção de Genebra e o Protocolo de 1923, a Convenção de Nova Iorque assinada em 10 de Junho de 1958 ou Convenção sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras é conhecida no cenário internacional como um dos mais importantes documentos a respeito de arbitragem já elaborados. Atualmente, a convenção conta com a adesão de cerca de cento e trinta países, inclusive os integrantes do MERCOSUL e conta com dezesseis artigos. (NOGUEIRA PINTO, 2002, p. 38-39). Sendo, sem sombra de dúvidas, o diploma internacional mais utilizado no globo.

A prática da arbitragem em âmbito internacional evidenciou que o desejo das partes em resolver suas disputas de forma privada somente seria uma realidade caso houvesse regras e internacionais uniformes sobre o reconhecimento e execução dos laudos arbitrais internacionais. Era imperioso que as cortes locais conferissem aos laudos arbitrais estrangeiros o mesmo tratamento dispensado aos laudos interno, de modo que o judiciário do foro não pudesse recusar ou dificultar o reconhecimento e a execução de um laudo oriundo de outro país. (WALD, 2011, p. 55).

E ainda

A internacionalidade de uma sentença arbitral é afirmada pelo critério geográfico de sua prolação, ou seja, basta que seja proferida em um Estado, mas tenha que ser reconhecida e executada em outro. Em outras palavras, são estrangeiras as sentenças arbitrais proferidas no território de um Estado diferente daquele em que é requerido o seu reconhecimento e execução. Não se exige como fora feito no Protocolo de Genebra, que a sentença seja proferida em um Estado Contratante, já que nenhuma referência é feita ao país de origem da sentença. Esta regra demonstra a modernidade da

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convenção e sua tendência em prol da universalidade do reconhecimento de todas as sentenças estrangeiras e não apenas daquelas oriundas de países signatários. No entanto, o princípio da universalidade não era aceito por todos os Estados e para isso a própria Convenção previu a reserva de reciprocidade na primeira parte do terceiro inciso do artigo I, que foi utilizada por pouco menos da metade dos Estados signatários. (WALD, 2011, p. 60).

A aplicação da referida convenção se dá quando se necessita do

reconhecimento e execução por um determinado Estado de uma sentença arbitral que foi proferida em outro país, podendo ser referente a contendas entre pessoas físicas ou jurídicas. A sentença, também não pode ser considerada nacional por aquele Estado, isto é, o ato decisório não pode ter sido emanado da jurisdição doméstica.

As características da Convenção de Nova Iorque foram explicadas, à época, pelo presidente da conferência da Organização das Nações Unidas. Segundo ele, o documento representava uma evolução da Convenção de Genebra de 1927, além de que a convenção apresentava uma visão mais ampla do conceito de sentença. Na redação do documento também foi simplificada as exigências e requerimentos que as partes eram obrigadas a cumprir para obter o reconhecimento e execução de uma sentença arbitral, e à parte contrária ao reconhecimento era atribuído o ônus da prova. Por fim, a Convenção também trouxe liberdade às partes para realizarem a escolha do procedimento e dos árbitros. (CALLUF FILHO, 2006, p. 31).

A realização alcançada pela Convenção de 1958 tem relevância, e sua (ainda) recente adoção, por países como o Brasil, mostra quanto é delicado o equilíbrio constituído. Nesse sentido, poderia sim ser concebida, como hipótese de trabalho, a adoção de “protocolo adicional” que viesse a suprir alegadas lacunas da Convenção de 1958, e se e quando se desse a sua eventual adoção e entrada em vigor, substituiria, progressivamente, entre os estados que ao novo instrumento aderissem à anterior convenção. Tal como se deu com o antigo Protocolo de Genebra de 24 de Setembro de 1923, que se tornou absoleto à medida que se ampliou a ratificação pelos estados pela Convenção de 1958. (WALD, 2011, p. 22).

O Brasil somente veio a ratificar a Convenção em 23 de julho

de 2002, por meio do Decreto 4.311. A ratificação e aprovação do

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documento possibilitaram que país estivesse em situação harmônica com os demais países que também ratificaram a Convenção, pois além do reconhecimento execução das sentenças arbitrais estrangeiras, outro fator preponderante era o tempo em que estas eram reconhecidas, o qual ficou muito mais célere após a ratificação do documento. (CALLUF FLHO, 2006, p. 31).

Segundo Maíra Magro e Zínia Baeta

O Brasil ratificou a convenção em 2002 dando um grande passo para o desenvolvimento da arbitragem internacional no país ao garantir que sentenças arbitrais proferidas aqui sejam reconhecidas no exterior e vice-versa. O valor do tratado é, portanto, a previsão de que as decisões arbitrais proferidas em países signatários sejam executadas sem restrições em outros Estados. A convenção de Nova York também trouxe agilidade ao procedimento arbitral, ao acabar com a necessidade d e homologação dos laudos arbitrais pelo judiciário do país onde foram proferidos. Outro aspecto importante é a previsão de que o judiciário de um país signatário deve abster de analisar o processo judicial que trate de uma matéria em relação à qual existe uma convenção de arbitragem. A Convenção de Nova York também prevê a inversão do ônus da prova nos casos de reconhecimento de execução de sentenças estrangeiras. Isso significa que o réu, e não o autor do pedido de homologação ou execução deve provar eventuais argumentos de nulidade ou invalidade da sentença arbitral. (MAGRO; BAETA, 2004, p. 126).

A ratificação do Brasil da mencionada Convenção não foi

apenas mais uma Convenção em que o Brasil aderiu, mas sim da premente necessidade do país internacionalizar o seu direito e das relações entre o direito interno e internacional. A adoção da Convenção de Nova Iorque mostra as novas facetas do sistema jurídico nacional de mudanças estruturais e conceituais e demonstra a inevitável mutação do sistema institucional e normativo internacional com uma sensível abertura da sociedade, o qual se deu no Brasil com a ratificação da Convenção de Nova Iorque, com a elaboração da Lei de Arbitragem (9.307/96) e com a ratificação da Convenção Interamericana sobre arbitragem comercial internacional firmada no Panamá, em 30 de janeiro de 1975. (WALD, 2011, p. 23). 9. Execução da Sentença Arbitral e seus Efeitos

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A decisão dos árbitros possui os mesmos efeitos da sentença estatal, neste diapasão, Lenza arremata dizendo que

[...] a sentença arbitral é o julgamento prolatado pelo árbitro, se único, ou pelo tribunal arbitral, se por vários árbitros, após concluída a instrução, acerca da disputa que foi submetida à sua apreciação. (LENZA, 1997, P. 99).

O procedimento arbitral encerra-se com a sentença arbitral. Nos conformes da Lei de Arbitragem, os efeitos e força desta sentença terá os mesmos resultados da sentença judicial – no âmbito do Poder Judiciário; portanto,

Fácil é concluir que a opção do legislador foi pela atribuição do caráter publicístico ao juízo arbitral, tornando-o um completo equivalente jurisdicional, por escolha das partes. Se a justificação de seu cabimento radica-se numa relação negocial privada (a convenção arbitral), o certo é que, uma vez instituído o juízo arbitral, sua natureza é tão jurisdicional como a dos órgãos integrantes do Poder Judiciário. (ALVIM, 2000, p. 58-59).

A sentença arbitral deve se valer às formalidades impostas pela

Lei, que regulamenta todas as medidas a serem tomadas. Funciona como um comando privado em razão da função administrada pelo árbitro. Quando se fala em efeitos da sentença, a proporção entre sentença arbitral e sentença judicial está, claramente, relatada no artigo 31 da Lei n. 9.307/96, in verbis, “a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo”.

O árbitro é o intermédio da disputa, por meio dele busca-se uma celeridade nas decisões. Em suma, propõem-se acordos, mas, não sendo realizados estes, os juízes mediadores irão decidir pelo litígio, sempre de forma justa e respeitando o princípio da igualdade entre as partes. O árbitro possui a tarefa de se manifestar em todo e qualquer ato do objeto discutido, ficando reservado a ele lançar todos os atos processuais decorrentes da arbitragem,

[...] um juiz não pode determinar a suspensão de um processo arbitral simplesmente porque, havendo uma arbitragem, caberá a ele suspender ou extinguir o

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processo judicial, respeitando a prioridade concedida aos árbitros para análise de sua própria competência. (PINTOMBO, 2006, p. 216).

A sentença arbitral é amparada por todas as formalidades legais, com o diferencial de ser mais atrativa e rápida, já que a autonomia da vontade das partes deve sempre prevalecer, tornando os Tribunais de Arbitragem uma ótima opção para a solução de conflitos.

O Brasil em 19 de julho do ano de 2005 informou que na mesma data foi publicado no Diário Oficial da União, o Decreto n. 5.492 que revogava os decretos mencionados anteriormente. Informou também que a Resolução CAMEX n. 26 de 2003 que onerava as exportações brasileiras de tabaco e insumos para derivados do tabaco foi revogada no dia 13 de julho com publicação no Diário Oficial da União da Resolução CAMEX n. 20/05 de 05 de julho de 2005.

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