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Introdução « M udar a avaliação significa provavelmente mudar a escola» (Perenoud, 1992). Esta é uma premissa a ter em conta por todos aque- les que acreditam que a avaliação é sobretudo um processo de comunicação entre quem en- sina e quem aprende. (Barlow, 1992). Falar de avaliação em ambiente escolar é, para muitos, atribuir classificações mas, enten- der a escola numa outra perspectiva, é deixar que a avaliação surja no contexto escolar como uma ajuda para o aluno e uma ajuda para o professor, isto é, que a escola seja um espaço de articulação e de comunicação entre o ensino e a aprendizagem e que a avaliação sirva de su- porte a essa mudança. Não sendo prática no Jardim-de-Infância essa atribuição de classificações, poderia con- cluir-se que não deveria haver avaliação na educação pré-escolar. Contudo, «a atribuição de um valor ou mérito resultante da descrição sistemática de um objecto» (House, 1986), ul- trapassa, largamente, a perspectiva normativa inerente à classificação de alunos. Na sua essência, a avaliação em ambiente escolar é uma componente dinâmica do pró- prio processo de ensino e aprendizagem e, daí, a sua importância no controlo e regulação do sistema de ensino. Esta perspectiva pressupõe assumir o carácter eminentemente pedagógico da avaliação em qualquer processo onde a aprendizagem tenha lugar. Deste modo, gostaria de realçar a importân- cia da avaliação no pré-escolar, não como um processo de distinção entre bons e maus, mas como um processo de comunicação que faci- lita a construção dos conhecimentos dentro da sala de aula. Avaliação, aprendizagem e contexto significativo Em primeiro lugar, para que melhor se com- preenda este processo, debrucemo-nos um pouco sobre a evolução do conceito de avalia- ção como ponto de partida, para uma aborda- gem significativa daquilo que consideramos importante num ambiente que se quer de su- cesso para as aprendizagens. Ao longo dos últimos anos, a avaliação evo- luiu a nível das suas concepções. Num pri- meiro momento, estava ligada à medição do comportamento humano, media conhecimen- tos, habilidades e capacidades. Após a década de sessenta, essa concepção sofreu algumas al- terações. Deixou de se considerar os alunos apenas como aptos e não aptos, deixou de se pensar que a avaliação era um processo exte- rior e posterior ao processo de ensino-aprendi- zagem e considera-se, a partir dessa data, que a avaliação é um elemento essencial para a me- lhoria das práticas pedagógicas e que assume 5 ESCOLA MODERNA Nº 24•5ª série•2005 Avaliação: Um Processo Partilhado Luísa Mendes* * Pré-Escolar. REVISTA Nº24 7/3/06 17:08 Página 5

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Introdução

«Mudar a avaliação significa provavelmentemudar a escola» (Perenoud, 1992). Esta

é uma premissa a ter em conta por todos aque-les que acreditam que a avaliação é sobretudoum processo de comunicação entre quem en-sina e quem aprende. (Barlow, 1992).

Falar de avaliação em ambiente escolar é,para muitos, atribuir classificações mas, enten-der a escola numa outra perspectiva, é deixarque a avaliação surja no contexto escolar comouma ajuda para o aluno e uma ajuda para oprofessor, isto é, que a escola seja um espaçode articulação e de comunicação entre o ensinoe a aprendizagem e que a avaliação sirva de su-porte a essa mudança.

Não sendo prática no Jardim-de-Infânciaessa atribuição de classificações, poderia con-cluir-se que não deveria haver avaliação naeducação pré-escolar. Contudo, «a atribuiçãode um valor ou mérito resultante da descriçãosistemática de um objecto» (House, 1986), ul-trapassa, largamente, a perspectiva normativainerente à classificação de alunos.

Na sua essência, a avaliação em ambienteescolar é uma componente dinâmica do pró-prio processo de ensino e aprendizagem e, daí,a sua importância no controlo e regulação dosistema de ensino. Esta perspectiva pressupõeassumir o carácter eminentemente pedagógico

da avaliação em qualquer processo onde aaprendizagem tenha lugar.

Deste modo, gostaria de realçar a importân-cia da avaliação no pré-escolar, não como umprocesso de distinção entre bons e maus, mascomo um processo de comunicação que faci-lita a construção dos conhecimentos dentro dasala de aula.

Avaliação, aprendizagem e contexto significativo

Em primeiro lugar, para que melhor se com-preenda este processo, debrucemo-nos umpouco sobre a evolução do conceito de avalia-ção como ponto de partida, para uma aborda-gem significativa daquilo que consideramosimportante num ambiente que se quer de su-cesso para as aprendizagens.

Ao longo dos últimos anos, a avaliação evo-luiu a nível das suas concepções. Num pri-meiro momento, estava ligada à medição docomportamento humano, media conhecimen-tos, habilidades e capacidades. Após a décadade sessenta, essa concepção sofreu algumas al-terações. Deixou de se considerar os alunosapenas como aptos e não aptos, deixou de sepensar que a avaliação era um processo exte-rior e posterior ao processo de ensino-aprendi-zagem e considera-se, a partir dessa data, quea avaliação é um elemento essencial para a me-lhoria das práticas pedagógicas e que assume

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um papel preponderante devido à função for-mativa que desempenha.

Na década de oitenta, podemos realçar onovo enfoque sobre a avaliação, que adquirerelevância especial no contexto social em quese produz a aprendizagem (Cardinet, 1992).

Trata-se de um modelo comunicativo oupsicossocial em que se privilegia a interacção ese propõe a auto-regulação como elementoque promove a autonomia dos alunos, ao con-trário da avaliação sumativa em que a regula-ção e a gestão dos erros eram da responsabili-dade do professor.

Em Portugal, em 1986, com a aprovação daLei de Bases do sistema educativo, cria-se fi-nalmente um «quadro mais coordenado e glo-bal de reforma e desenvolvimento do SistemaEducativo (Tavares, 1992). Com a alteraçãodos objectivos, há que alterar também o Currí-culo. E este não é uma simples listagem deáreas curriculares, inclui as formas de fazer, oscontextos e processos criados e organizadospara a aprendizagem» (Lemos, 1993). Mas, oeixo central de todo o dispositivo pedagógicoé, sem dúvida alguma, a avaliação.

Por esse motivo, há que clarificar o que seentende por avaliar, isto porque a avaliaçãoexpressa o currículo oculto do professor, é aexpressão da sua liberdade individual no de-sempenho da prática profissional (Pinto, 2003).Se queremos mudar a prática educativa, é ne-cessário mudar a prática da avaliação para queesta não condicione o contexto educativo, maspossibilite a implementação de estratégias afim de que a escola se torne um local de su-cesso onde cada aluno seja expressão indivi-dual de cada saber. Porque por mais que tente-mos dar uniformidade aos resultados escolaresmediante a apresentação quantitativa, existirásempre, atrás de cada número, uma pessoa quese desenvolve, amadurece e aprende singular-mente.

Várias são as definições que distintos estu-diosos da temática deram à avaliação. Assimpassa-se a citar:

«Avaliar pode significar (…) verificar, julgar,

estimar, situar, representar, determinar, dar umconselho» (Hadji, 1994).

«É a bússola e o sextante do processo: for-nece a informação necessária à busca dos ca-minhos e ao marcar dos rumos» (Lemos, 1993).

«É o acto pelo qual se formula um juízo de«valor» incidindo num objecto determinado(indivíduo, situação, acção, projecto, etc.) pormeio de um confronto entre duas séries de da-dos que são postos em relação.»

O acto de avaliar consiste em «decidir nabase de um juízo de valor, formulado sobre umprocesso de recolha de dados, em função decritérios bem definidos» (Pacheco, 1996).

«Avaliar é comunicar, o que contempla a in-tenção (clarificação de objectivos e competên-cias), a instrumentação (negociação dos instru-mentos e critérios de avaliação), o julgamento(negociação dos juízos de valor formulados apartir de critérios específicos) e a decisão(transmissão dos resultados de avaliação) (Be-lair, 1990)

«[…]é uma interacção, uma troca, uma ne-gociação entre um avaliador e um avaliado, so-bre um objecto e num ambiente social dado.»(Weiss cit. Por Hadji, 2001).

Perante as diferentes definições vamosconstruindo uma linha coerente e dela retira-mos algumas palavras-chave:

– contexto,– intervenientes,– definição de objectivos,– juízo de valor,– comunicação,– reflexão,– decisão.

Neste quadro, podemos dizer que a avalia-ção se situa num contexto, a escola, onde osintervenientes (professor/aluno) estabelecemum diálogo em momentos específicos para cla-rificação de objectivos, planeamento, reflexãoe transmissão dos resultados de avaliação (en-volvência com outros parceiros educativos).

Segundo vários autores, toda a experiênciaem educação implica o aluno, o professor, o

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currículo e o meio-envolvente. Segundo No-vak, é necessário «conhecer a situação do edu-cando nas diversas fases da sua evolução cog-nitiva e fundamentar juízos de valor decisivosnão só para a melhoria da sua aprendizagemcomo também para a valorização das expe-riências educativas futuras». Desta forma, aavaliação na escola é tida como um processode comunicação interpessoal intrínseco ao pro-cesso curricular, que permite regular e monito-rizar a adequação e a pertinência das decisõesadoptadas e possibilita a criação de contextossignificativos de aprendizagem com qualidade.

Avaliação Comunicativa uma Estruturade Cooperação no Pré-Escolar

A forma como se abordam as questões daavaliação tem por detrás a concepção que osprofessores têm sobre esta problemática. Aspráticas influenciam o contexto social em quese aplicam e por outro lado, o currículo reflecteessas mesmas práticas.

Embora saibamos que uma grande partedos saberes são adquiridos fora do contexto daescola, ela constitui-se como o lugar institucio-nal de organização e certificação de saberes namedida em que são os saberes aí veiculados,transmitidos, produzidos e avaliados, que de-terminam a mobilidade social dos indivíduosnomeadamente no mercado de trabalho e noseu posicionamento social, naquilo a que Per-renoud chamou de hierarquia de excelência.

Se entendermos a escola nesta perspectiva,deveremos delinear uma prática facilitadora daaprendizagem baseada nesses saberes e inte-resses dos alunos. É assim que avançamos noconhecimento, a partir do conhecimento ante-rior, do já vivenciado ou das práticas passadase através de pausas críticas (Habermas, 1987),tomadas de consciência, metacognição ou ava-liação (Niza, 1997).

Por outro lado, a garantia do direito dos alu-nos a serem informados, orientados e ajudadosnas suas dificuldades de aprendizagem e de in-

tervirem nos processos de avaliação, com su-gestões e iniciativas concretas, fornece à ava-liação o seu valor democrático e educativo:«uma avaliação que não permita a participaçãodos alunos e não proporcione a possibilidadede intervir na escolha de meios não é demo-crática e nem sequer pode ser considerada edu-cativa.» (Ballester, 2003).

O documento emanado do Ministério deEducação contendo as Orientações Curricula-res para a educação pré-escolar, embora sejapor muitos considerado um documento dema-siado genérico, vem reconhecer a necessidadeda existência de um currículo estabelecendoobjectivos educativos e de aprendizagem.

Nesta perspectiva alargada, entendemos ocurrículo para o pré-escolar, não como uma lis-tagem de actividades que visa apenas desen-volver os aspectos cognitivos da criança, masalgo que valoriza os conhecimentos previa-mente adquiridos. Algo que remete para ques-tões mais latas como educar/ensinar/aprender,numa escola que pretende capacitar pes-soas/cidadãos para compreender e participarna complexidade e dinamismo do mundo emque lhes é dado viver (Alonso, 2002).

Assim, pretendemos construir uma escolaem que a avaliação seja formativa, construti-vista e comunicativa e em que o currículo per-mita que as actividades sejam significativas, in-tegradoras e funcionais.

Um currículo que obedeça a critérios dequalidade onde o aluno seja responsável peloseu processo de ensino-aprendizagem e emque o projecto curricular de sala seja uma cons-trução conjunta com a co-avaliação a ser en-tendida como uma estratégia de aprendiza-gem.

Deste modo e como podemos salientar doDecreto-lei n.º6/2001 de 18 de Janeiro, que re-fere a educação pré-escolar como fazendoparte da educação básica, consideramos que éimportante começar desde esta fase a envolvera criança/aluno numa escola que a valoriza en-quanto pessoa e cidadão activo implicado naconstrução das suas aprendizagens.

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Para Hadji (1994), «a avaliação tem por ob-jectivo contribuir para melhorar a aprendiza-gem em curso, informando o professor sobreas condições em que está a decorrer essa apren-dizagem, e instruindo (aquele que aprende) so-bre o seu próprio percurso, os seus êxitos e asdificuldades».

A importância da avaliação comunicativa,como uma estrutura de cooperação no pré-es-colar, à semelhança dos outros níveis de en-sino, é que a mesma faz parte da dinâmica diá-ria da sala de aula, melhora a comunicação efacilita a aprendizagem. Não se estabelecemmomentos precisos entre as actividades deavaliação e as actividades de aprendizagem. Oconhecimento constrói-se num clima de coo-peração e negociação constante, culturalmentemarcado, devido à heterogeneidade de todosos intervenientes.

Esta concepção da avaliação é mais alargadapois não se limita à avaliação das aprendiza-gens dos alunos e exclui outros factores que in-fluenciam o processo educativo, como o con-texto real em que a mesma acontece.

Avaliar: Registar, Comunicar

Nas Orientações Curriculares, a desejadaqualidade da educação pré-escolar acentua anecessidade da intencionalidade educativa«(…) o que implica uma organização intencio-nal e sistemática do processo pedagógico, exi-gindo que o educador planeie o seu trabalho eavalie os processos e os efeitos no desenvolvi-mento e nas aprendizagens da criança».

A intervenção do educador neste processode avaliação e construção de conhecimentos éfundamental. As características particulares dasua intervenção podem ser eficazes ou desmo-tivadoras para a aprendizagem das crianças. Omelhoramento do processo e os resultados daspráticas requerem uma reflexão critica cons-tante. Por isso, se queremos mudar a práticaeducativa, teremos de alterar a prática da ava-liação, repensar o que se ensina e como se en-

sina. Construir um currículo assente na diver-sidade cultural que pense a avaliação como umacto facilitador da autonomia do aluno.

Um dos aspectos que considero fundamen-tal na avaliação é que esta se possa traduzirnum registo, qualquer que seja a forma assu-mida por este. À semelhança do conhecimentocientífico, ela só adquire sentido se for regis-tada e comunicada. Da mesma forma que o co-nhecimento científico só o é, quando deixar depertencer apenas a quem o produziu, a avalia-ção só o será se for registada (sob qualquer su-porte ou técnica). No contexto da sala de aula,existem instrumentos reguladores da práticaeducativa que servem de suporte a esse re-gisto.

De qualquer modo, é necessário que o edu-cador diversifique os meios e os instrumentosde avaliação e aproveite plenamente a infor-mação obtida neste processo para que possaser partilhada com outros técnicos, isto porqueas conclusões obtidas da avaliação podem sermais objectivas e mais próximas da realidade.Bredekamp (1993) define a avaliação no pré-escolar como o processo de observar, registar,e outros modos de documentar o trabalho quea criança faz e como faz, em interacção comoutros no contexto educativo real.

A formação das crianças não é apenas res-ponsabilidade da educadora, ela é repartidacom o colectivo da escola. Daí, a importânciade, na escola, se criarem momentos de reflexãoconjunta. A experiência escolar das criançasnão decorre só na sala de aula, mas tambémnos espaços conjuntos da escola, onde as crian-ças convivem e aprendem formas de relação,atitudes e valores.

A reflexão colectiva é outro momento im-portante no acto de avaliar. Constitui um meiopara transformar a gestão escolar mediante atomada de decisões para fortalecer as acçõesque funcionam, alterar formas de trabalho quenão são eficazes e desenhar novos tipos deacções.

Por outro lado, esta prática de reflexão par-tilhada, possibilita à escola, enquanto institui-

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ção, a construção do Projecto Educativo quetem como suporte, para além das necessidadese interesses dos alunos, um modelo de gestãoparticipada que intensifica a motivação e visao melhoramento das práticas educativas.

O conjunto das decisões tomadas, baseadona avaliação interna (avaliação das aprendiza-gens como ponto de partida) e na reflexão co-lectiva, é o meio através do qual se pode inte-grar um plano de acção que visa a construçãode uma escola democrática que se quer de to-dos e para todos.

Quando avaliamos, emitimos um juízo devalor. Daí a importância da cooperação nesteacto complexo e de importante carga moral. Épor isso que considero importante a transpa-rência ao longo de todo este processo.

Bellester (2003) define transparência como:«o direito que assiste a todos os cidadãos de es-tar informados dos assuntos que afectem a suaconvivência, seus direitos e suas obrigações.»Podemos então realçar que cada vez mais a es-cola deve caminhar no sentido de tornar a ava-liação como uma tomada de consciência queregula o processo de aprendizagem num dadocontexto em circuito de comunicação demo-crática em que a transparência possibilita aoaluno o desenvolvimento da autonomia relati-vamente ao acto de regular sistematicamenteas suas acções.

Um percurso de Aprendizagem no Pré Escolar /Avaliação

Pretendo aqui relatar como desenvolvo omeu trabalho na sala do Jardim de Infância,com crianças de idades compreendidas entreos cinco e os seis anos nomeadamente, explici-tar quais os momentos de avaliação e quais osinstrumentos reguladores da vida do grupoque servem de suporte a esses mesmos mo-mentos.

Como referi anteriormente, embora aaprendizagem seja um processo individual, oprocesso para aprender realiza-se principal-

mente em interacção com os outros. O funcio-namento do grupo exerce uma influênciamuito importante na aprendizagem da criança:as relações que se estabelecem entre elas, nopercurso diário e o papel que cada aluno de-sempenha no grupo, a forma de organizaçãodas actividades, (individuais, em pequenogrupo, ou colectivas), e as oportunidades dasua participação real. «O modelo interactivo datransmissão social do conhecimento de Vi-gotsky assenta na hipótese de que, desde a in-fância, todas as capacidades se manifestamnum primeiro momento em situação interac-tiva» (Niza 1997).

Avaliar é para mim, um acto quotidiano.Por esse motivo, a avaliação percorre contínuae sistematicamente as actividades diárias queconstituem o acto educativo. De um modo for-mal e informal, permite-nos ter sempre emconta: o que vivemos na sala, na escola e na co-munidade; o que queremos fazer, o que já fi-zemos, como fizemos e o que nos falta aindafazer; o que gostamos e o que não gostamos;a forma como nos relacionamos e como resol-vemos os nossos conflitos; os nossos desejos ea forma que escolhemos para os realizar.

Toda esta caminhada implica, desde o iní-cio do ano, uma construção conjunta. Por ou-tro lado, é necessário manter um clima de livreexpressão, reforçando e valorizando a opiniãoe as ideias das crianças.

O espaço educativo é organizado em con-junto, o levantamento das actividades e dosmateriais é realizado em grupo e as regras dasala surgem de conflitos reais vividos pelogrupo

Pretende-se desenvolver uma gestão coope-rada na qual as crianças participam directa-mente, de acordo com as suas necessidades einteresses, na escolha, distribuição e avaliaçãode actividades (Niza, 2000).

A sala dispõe de diferentes áreas de traba-lho que possibilitam à criança, ao longo do dia,a escolha de diferentes actividades. As paredesservem de suporte aos seus trabalhos e nelastambém estão colocados os instrumentos de

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pilotagem que ajudam na planificação, gestãoe avaliação das actividades realizadas quer in-dividualmente, quer em grupo.

Os momentos de avaliação e de controlodas aprendizagens decorrem deste trabalhosistemático e diário que se processa ao longodos dias, das semanas e dos meses. Destaforma participada, vamos construindo o pro-jecto curricular de sala que surge a partir daavaliação que fazemos dos momentos maisimportantes vivenciados ao longo do mês.

Estes resumos são expostos na sala e ex-pressam, de forma clara, todo o percurso deaprendizagem realizado em grupo.

Podemos assim dizer que a avaliação não éum fim, mas sim um meio que potencia asaprendizagens dos alunos através dos circuitosinternos de comunicação.

Apresento em seguida alguns desses mo-mentos de avaliação formativa em cooperação,fundamentais para a vida do grupo.

Os «momentos» de Avaliação

É na reunião da manhã, em conselho deturma, que planificamos o nosso trabalho re-correndo ao Plano do Dia para nele registar otrabalho que se vai desenvolver.

O nosso trabalho é planificado em grandegrupo, embora as crianças, no momento se-guinte, passem à planificação individual noMapa de Planificação de Actividades que existepara o efeito. Assim, podemos dizer que o tra-balho se desenrola em dois momentos: traba-lho individual e trabalho de grupo (pequenosgrupos que trabalham em colaboração com aeducadora o tema ou projecto que foi anterior-mente planificado).

O Plano do Dia define desta forma, o quefazemos e quando fazemos. Por outro lado, oMapa de Planificação das actividades regista otrabalho individual de cada criança recorrendoà previsão do tempo para essa mesma planifi-cação. É um instrumento organizador e gestordo tempo das actividades. Quer um, quer ou-

tro, são instrumentos que pertencem a todos,por essa razão são controlados e avaliados portodos.

No final do dia, mediante um código pré-estabelecido, procede-se à avaliação do Planodo Dia para saber se cumprimos o que planeá-mos ou se transita para o dia seguinte o que fi-cou por fazer.

O trabalho de projecto possibilita a cons-trução dos conhecimentos de forma concreta eem interacção, isto porque, com o auxílio daeducadora, a criança recolhe informação, cons-trói pequenos álbuns com o objectivo de trans-mitir aos outros as descobertas feitas em pe-queno grupo. Após a concretização dos peque-nos projectos de investigação e pesquisa, ascrianças trocam entre si e com os colegas dasoutras salas ou de outras escolas (correspon-dência escolar), os produtos daí resultantes.Chamamos a este momento o tempo da «Co-municação».

É um momento de avaliação participada emque as crianças relatam os seus trabalhos e emque todos se pronunciam apresentando críticase sugestões que podem contribuir para a me-lhoria das comunicações seguintes.

Nestes momentos, praticamos a avaliaçãocomunicativa/formativa num sistema de circu-lação de informação que dá sentido às apren-dizagens. Estabelecem-se compromissos co-lectivos. Já nos dizia Chevallard que «a avalia-ção escolar precisa para progredir (para maisjustiça e mais objectividade) de um contratosocial»(cit. Por Hadji, 2001, p.40).

À sexta-feira, em reunião de Conselho (reu-nião semanal para avaliação do trabalho reali-zado e planificação do trabalho para a semanaseguinte), com recurso ao Diário de Turma(instrumento regulador da vida de grupo queexpressa o balanço sócio-moral da vida dogrupo e ajuda na planificação das actividades),procede-se à avaliação da semana.

Em Conselho, avaliam-se atitudes e com-portamentos, realizações e projectos, trabalhosindividuais e responsabilidades, através do re-gisto escrito, feito pela educadora ou pelas

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crianças no Diário de Turma. Este instrumentoregista a caminhada do grupo no sentido daavaliação para o planeamento, como convémao processo formativo do indivíduo.

O conselho é ainda um momento de to-mada de decisões e de construção de normassociais do grupo. Partindo da leitura e reflexãode um juízo de valor expresso no Diário deTurma, constroem-se as regras de grupo.

É em reunião de Conselho que cada criançaapresenta ao grupo o balanço do seu trabalho,exprimindo-se livremente e ouvindo os outros.

O poder do educador é partilhado com ascrianças. As crianças estão permanentementeimplicadas na planificação do trabalho da sala,sendo, desta forma, construtoras do seu pro-cesso de aprendizagem e gestoras do mesmo;nele o educador se inclui e participa.

Outro instrumento existente na sala é oMapa das Tarefas, onde se regista o compro-misso semanal face à realização de tarefas, oque possibilita a gestão cooperada dentro dasala. A avaliação deste instrumento gera mo-mentos importantíssimos e preciosos para aaquisição de atitudes e hábitos de autonomia,de partilha, de cooperação.

As crianças vão, desta forma, crescendonum contexto que privilegia a construção dossaberes, como uma prática social democráticaque tem como alicerce a avaliação formativaem cooperação, integrada na acção e nasaprendizagens, num clima de negociação cons-tante.

Conclusão

«Não se pode pedir que a avaliação substi-tua o ensino. Em contrapartida, ela não deveriajamais impedir uma pedagogia diferenciada,activa, construtivista, aberta, cooperativa, efi-ciente, mas colocar-se a seu serviço» (Perre-noud, 1992).

Construir o «eu» a partir do «nós» será tal-vez um bom ponto de partida para concluireste trabalho.

A avaliação é um conjunto de estratégiasdestinadas a melhorar a qualidade do ensino, oque implica a envolvência directa de todos osintervenientes. Por outro lado, considero im-portante que a avaliação informe sobre a reali-dade do que acontece na escola tendo comoobjectivo transformar essa mesma realidade deacordo com os interesses e as reais necessida-des da criança/aluno.

A avaliação deve cumprir diferentes fun-ções. Para além de regular o processo de ensinoaprendizagem e seguir a evolução de cadaaluno, deverá mediar e ajustar a relação entre oprofessor e cada aluno individualmente e como grupo, facilitando a interacção e a comuni-cação.

Se, por um lado, os instrumentos de pilota-gem são um bom suporte à recolha de infor-mação, por outro lado, não deveremos esque-cer a importância de cada escola construir osseus próprios instrumentos, tendo semprecomo ponto de partida a realidade de cadacontexto educativo.

É importante que os alunos possam, ao longodo seu percurso de aprendizagem, criar instru-mentos e estratégias que os tornem capazes econhecedores dos seus interesses, dificuldadese possibilidades.

«A avaliação formativa coloca à disposiçãodo professor informações mais precisas, maisqualitativas, sobre os processos de aprendiza-gem, as atitudes e as aquisições dos alunos»(Perrenoud, 1992). «Está portanto centrada es-sencial, directa e imediatamente sobre a gestãodas aprendizagens dos alunos (pelo professor epelos interessados)» (Brain, 1988).

A avaliação deve, então, ser ao mesmotempo formativa e formadora para que os alu-nos regulem directamente o seu processo deaprendizagem. Os alunos desde cedo devemtomar consciência da sua própria aprendiza-gem, partindo dos momentos diários de ava-liação que acontecem na sala. Devem reflectirsobre o seu próprio desenvolvimento e tomardecisões, quer individualmente, quer emgrupo, partindo dessa mesma reflexão.

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O professor deverá promover momentosque facilitem a auto-avaliação e a auto-regula-ção partindo das actividades diárias (momen-tos de comunicação, trabalho de projecto, con-selho, entre outros).

Assim, nesta perspectiva em que se pre-tende que o aluno regule as suas aprendiza-gens, a auto-avaliação passa a ter um papelmuito importante, uma vez que privilegia a re-gulação da acção (auto-regulação) e desen-volve actividades de metacognição Por isso,para a avaliação formadora, as prioridades sãode facto a acção e o próprio sujeito (neste casoa criança/aluno).

Em suma, a avaliação suporta um sistemade comunicação cujo carácter regulador e for-mador contribui para que a criança «construaum sistema interno de pilotagem, indispensá-vel para o bom desenvolvimento de todas asfases da sua acção» (Nunziatti, 1990).

«As crianças, com a ajuda da professora, sãocapazes de construir critérios de avaliação queimplicam a consciência da trajectória pessoal edo grupo, a capacidade de utilizá-los e as con-sequências desse processo, concretizadas nanecessidade de continuar aprendendo a partirdas metas alcançadas ou ainda não alcançadas,das vantagens e dos inconvenientes encontra-dos, bem como o incentivo ocasionado por no-vas dúvidas, o que nos coloca de novo dianteda necessidade da avaliação» (Sbert, 2003).

A avaliação é um circuito dinâmico. Cum-prindo as suas funções, fortalece o circuito decomunicação dentro da escola, o que implicauma mudança de práticas que visem a melho-ria do currículo. Pretende-se a criação de umaescola de todos e para todos, num contexto deaprendizagem onde se aprende a aprender.

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