AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI UNIVALI MARLI ELISE HOLETZ AVAN˙OS E LIMITA˙ES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SADE DO TRABALHADOR DO MUNIC˝PIO DE BLUMENAU, QUANTO A EFETIVA˙ˆO DO SUS. ITAJA˝ (SC) 2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI � UNIVALI

MARLI ELISE HOLETZ AVANÇOS E LIMITAÇÕES DO CENTRO DE REFERÊNCIA EM SAÚDE DO

TRABALHADOR DO MUNICÍPIO DE BLUMENAU, QUANTO A EFETIVAÇÃO DO SUS.

ITAJAÍ (SC) 2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI � UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA � PROPPEC. CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS � CEJURPS. PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS � PMGPP

AVANÇOS E LIMITAÇÕES DO CENTRO DE REFERÊNCIA EM SAÚDE DO

TRABALHADOR DO MUNICÍPIO DE BLUMENAU, QUANTO A EFETIVAÇÃO DO SUS.

Marli Elise Holetz

Dissertação apresentada à Banca Examinadora no Mestrado Profissionalizante em Gestão de Políticas Públicas da Universidade do Vale do Itajaí � UNIVALI, sob a orientação do Dr. Guillermo Alfredo Johnson, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Gestão de Políticas Públicas / Profissionalizante.

ITAJAÍ (SC) 2007

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RESUMO

O presente estudo foi realizado a partir da análise do CEREST (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador) de Blumenau (SC), procurando registrar os avanços e as limitações com as quais se deparou, considerando a implantação do SUS, desde sua criação em 1997 até 2004. Esta análise baseou-se principalmente em dados obtidos em entrevistas com atores sociais ligados a saúde do trabalhador do município, além de documentos da Secretaria Municipal de Saúde e pesquisa bibliográfica. Para viabilizar a compreensão desta política pública e conseqüentemente do serviço analisado aprofundou-se a discussão sobre o Trabalho desde seus primórdios até os dias atuais quando está inserido na ótica capitalista e numa estrutura de Estado neoliberal. Consideramos imprescindível inserirmos no debate da Saúde do Trabalhador e do Processo Saúde/doença. Realizamos um percurso que vai desde a concepção pré-cartesiana, posteriormente a prevalência do modelo biomédico, para finalmente apresentar as compreensões mais atuais, que incluem os aspectos psíquicos e sociais, numa concepção mais holística do ser humano. Foi analisada a política pública de saúde no Brasil, enfatizando o SUS e a Saúde do Trabalhador nas diversas instancias da federação. Partindo destes três eixos temáticos iniciou-se a análise do CEREST na atual conjuntura, que não favorece a implantação e execução da Política Pública de Saúde do Trabalhador, desta forma as ações intra e inter-setoriais ocorrem somente em casos isolados. Dentro das duas frentes de trabalho que caracterizam a atuação dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador, a Assistência e a Vigilância, observamos que, contrariando os princípios do SUS, é a primeira que melhor consegue efetivar suas ações. Ocorre uma oscilação na influência político-partidária na área de Saúde do Trabalhador, de acordo com os interesses políticos e econômicos. A posição que determinados partidos ocupam na esfera governamental (situação ou oposição), também influencia suas práticas com relação a esta área. As ações sindicais, enfraquecidas pela intensa precarização, têm afetado a ação coletiva dos trabalhadores nas últimas décadas, também quanto à saúde dos trabalhadores. Portanto, tanto a Saúde/Doença quanto o trabalho são conceitos socialmente construídos estando sujeitos às diversas influencias da organização societal e, no momento atual a confluência de vários fatores não prioriza que medidas eficazes sejam implantadas e executadas quanto a saúde dos trabalhadores. Palavras-chave: Saúde Pública, Saúde do Trabalhador, Processo de Trabalho, Processo de Saúde-Doença.

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RESUMEN

El presente estudio fue realizado a partir del análisis del CEREST (Centro de Referencia en Salud del Trabajador) de Blumenau (SC), procurando registrar los avances y las limitaciones con las cuales se deparó, considerando la implementación del SUS, desde su creación en1997 hasta 2004. Este análisis se basó principalmente en datos obtenidos a través de entrevistas con actores sociales ligados a la salud del trabajador del municipio, además de documentos de la Secretaría Municipal de Salud e investigación bibliográfica.Para hacer viable la comprensión de esta política pública y consecuentemente del servicio analizado, se profundizó la discusión sobre el Trabajo desde sus primordios hasta los días actuales cuando está inserido en la óptica capitalista y en una estructura de Estado neoliberal. Otra área a ser estudiada por estar intrínsecamente relacionada al área de Salud del Trabajador es la del Proceso Salud/enfermedad. De este área temática fue analizada la trayectoria partiendo de la concepción pre-cartesiana cuando las creencias mágico-religiosas prevalecían y la enfermedad era considerada una punición divina; posteriormente el modelo biomédico que trae una concepción de salud mecanicista estando un agente patológico directamente relacionado a determinada patología; y, finalmente las comprensiones más actuales que incluyen los aspectos psíquicos y sociales, en una concepción más holística del ser humano. Finalmente fue analizada la política pública de salud en el Brasil, enfatizando el SUS y la Salud del Trabajador en las diversas instancias de la federación. Partiendo de estos tres ejes temáticos se inició el análisis del CEREST del cual concluimos, de forma general, que la actual coyuntura de Estado no favorece la implantación y ejecución de la Política Pública de Salud del Trabajador, de esta forma las acciones intra e intersectoriales ocurren solamente en casos aislados. Dentro de los dos frentes de trabajo que caracterizan la actuación de los Centros de Referencia en Salud del Trabajador, la Asistencia � que tiene por objetivo prestar atención al trabajador cuando éste se encuentra accidentado o enfermo; y la Vigilancia que tiene un enfoque más preventivo dirigiéndose a la intervención en los espacios de trabajo; contrariando los principios del SUS es la primera que mejor consigue hacer efectivas sus acciones. Ocurre una oscilación en la influencia político-partidaria en el área de Salud del Trabajador, de acuerdo con los intereses políticos y económicos. La posición que determinados partidos ocupan en la esfera gubernamental (situación u oposición), también influencia sus prácticas con relación a esta área. La acción sindical, debilitada por la intensa precariedad que ha afectado a los trabajadores en las últimas décadas, también, en su gran mayoría tiene una actuación poco relevante cuanto a la Salud de los Trabajadores.. Así, tanto la Salud/Enfermedad cuanto el Trabajo son conceptos socialmente construidos estando sujetos a las diversas influencias de la organización societaria y, en el momento actual la confluencia de varios factores no prioriza que medidas realmente eficaces sean implementadas y ejecutadas cuanto a la Salud de los Trabajadores. Palabras-clave: Salud Pública, Salud del Trabajador, Proceso de Trabajo, Proceso de Salud-Enfermedad.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1 � A DINÂMICA SOCIAL DO TRABALHO .................... 9 1.1 Trabalho e Sociedade ..................................................................... 9 1.2 Trabalho na Sociedade Capitalista ................................................. 12 1.2.1 Modo de Produção Capitalista � Taylorismo ................................ 15 1.2.2 Modo de Produção Capitalista � Fordismo ................................... 17 1.2.3 A Organização do Tabalho e do Estado ....................................... 19 1.2.4 Modo de Produção Capitalista � Toyotismo ................................. 21 1.2.5 Organização do Estado no Modelo Neoliberal ............................. 24 CAPÍTULO 2 � TRABALHO E SAÚDE ................................................. 32 2.1 O Trabalho como Fator de Adoecimento .......................................... 32 2.2 Evolução do Conceito Saúde/Doença ............................................... 37 CAPÍTULO 3 � A SAÚDE DO TRABALHADOR NO BRASIL ............... 44 3.1 Processos Históricos e a Saúde no Brasil ......................................... 44 3.1.1 Período Pré -1930 ........................................................................... 44 3.1.2 Período 1930 � 1945 ...................................................................... 46 3.1.3 Período 1945 � 1964 ...................................................................... 47 3.1.4 Período 1964 � 1980 ...................................................................... 48 3.1.5 Período 1980 � a atual ................................................................... 51 3.2 Saúde do Trabalhador no Brasil ........................................................ 56 3.3 Diretrizes do SUS e da Saúde do Trabalhador .................................. 61 3.4 Saúde do Trabalhador em Blumenau ................................................. 72 CAPÍTULO 4 � AVANÇOS E LIMITAÇÕES DA SAÚDE DO TRABALHADOR EM BLUMENAU ........................................................ 84 4.1 Criação do CEREST ......................................................................... 87 4.2 Principais Ações Desenvolvidas pelo CEREST ................................ 109 4.3 Política de Saúde do Trabalhador ..................................................... 124 4.4 Sugestões e Estratégias .................................................................... 138 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... 146 REFERÊNCIAS ........................................................................................ 155 ANEXOS................................................................................................... 160

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INTRODUÇÃO

O objetivo deste estudo foi de realizar uma análise da Política de Saúde

do Trabalhador no município de Blumenau no período de 1994 a 2004, a partir

do CEREST (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador), considerando a

efetivação do Sistema Único de Saúde (SUS).

As motivações para buscar ampliar os conhecimentos nesta área

devem-se ao fato da pesquisadora ser psicóloga atuante na Secretaria

Municipal de Blumenau desde 1996 e a partir de 2005 ter ingressado na Saúde

do Trabalhador.

A Saúde do Trabalhador é um tema amplo tendo sido necessário

abordar, para obter uma compreensão adequada do tema, a dinâmica social do

trabalho; o trabalho e sua relação com o processo saúde-doença; e a Política

de Saúde, dentro desta a Saúde do Trabalhador e a forma como esta Política

se efetivou em Blumenau (SC). Os principais aspectos que foram abordados

dentro destas temáticas serão descritos na seqüência.

Com relação à dinâmica social do trabalho partiu-se do princípio de que

o trabalho é um processo social e historicamente construído que passou por

transformações ao longo da história de acordo com o momento político,

econômico, e social. Realizou-se um estudo bibliográfico que abordou desde o

início deste processo até os dias atuais quando as estruturas de Estado e de

sociedade sofrem intensas e velozes transformações. Houve um maior

aprofundamento teórico sobre a dinâmica do trabalho neste último período,

caracterizado por se inserir numa sociedade capitalista com uma estrutura de

Estado neoliberal.

A primeira e mais importante transformação que foi abordada refere-se

ao período no qual o trabalho afastou-se da função ontológica de satisfação de

necessidades básicas do ser humano e passou a ter como objetivo principal o

acúmulo de capital. Mészáros, apud Antunes 2001, denominou este processo

de metabolismo social do capital.

Com o objetivo de ampliar o acúmulo de capital o trabalho sofre

transformações e uma das mais importantes ocorre com a Revolução Industrial

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quando novas tecnologias possibilitam um aumento na produção e levam a um

grande desenvolvimento do capitalismo. A adoção de novas formas de

organização do processo de trabalho entre elas o taylorismo e o fordismo, se

propunham a controlar cada vez mais o trabalhador e extrair dele mais trabalho

em menos tempo. Estes dois princípios foram fundamentais para a expansão

do capitalismo, porém este período caracterizava-se por intensos conflitos

entre a classe trabalhadora e a burguesia, que fizeram surgir uma nova

organização de Estado, denominado de Welfare State, através do qual

passaram a ser garantido o mínimo social (moradia, saúde, educação) para a

população.

Este modelo funciona adequadamente durante os �anos de ouro� do

capitalismo, porém entra em crise na década de 70. A partir desta crise, que

fragiliza intensamente a classe trabalhadora, cria-se à possibilidade de

implantação dos pressupostos neoliberais que de forma sucinta prevêem a

redução do Estado de Bem Estar Social, liberalização do mercado financeiro e

a criação do desemprego estrutural. Esta nova proposta de estrutura de Estado

expande-se rapidamente para os países capitalistas trazendo conseqüências

vis para a sociedade que se vê desamparada pelo Estado e grandes parcelas

da população passam a ser excluída do mercado de trabalho, impedindo-lhes a

possibilidade de garantir a sobrevivência através do mecanismo de venda da

sua força de trabalho.

A organização do processo de trabalho também passa por

transformações sendo uma das principais tendências o Toyotismo que utiiliza o

conhecimento do trabalhador a favor da empresa, aumenta a flexibilidade dos

contratos de trabalho e reduz sobremaneira os direitos dos trabalhadores. A

lógica do trabalho continua a ser a extração de mais-valia e o acúmulo de

capital. Este conjunto de fatores atinge de forma mais intensa os países

periféricos e, dentro destes, de forma ainda mais significativa às populações de

mais baixa renda. Este último período foi o que teve maior ênfase na

fundamentação teórica realizada, por constituir a realidade atual.

Quanto à relação entre trabalho, adoecimento e morte dos trabalhadores

também foi realizado um resgate histórico. A discussão iniciou em 1700 com os

estudos de Ramazzini que analisou várias categorias profissionais identificando

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quais fatores presentes no trabalho contribuíam para que estes tivessem

determinadas doenças. Posteriormente aprofundaram-se os estudos sobre a

relação entre trabalho e saúde/doença no período capitalista, principalmente

nas últimas décadas por serem as mais relevantes para a análise do CEREST

(Centro de Referência em Saúde do Trabalhador). Considerou-se também o

trabalho inserido num país capitalista, periférico e que adota medidas

neoliberais, apesar de possuir um governo de esquerda. Os problemas

relacionados ao binômio trabalho/doença nesta conjuntura são amplos e

variados, estando relacionados a velhos problemas de Saúde do Trabalhador

como o elevado índice de acidentes e mortes no trabalho, o trabalho infantil, as

intoxicações pela utilização de produtos tóxicos nos processos produtivos;

associada aos problemas mais recentes originados pelo desemprego

estrutural, ao crescimento do mercado informal, à intensa exploração dos

trabalhadores com ritmos frenéticos de trabalho, excesso de horas extras, à

crescente violência que atinge os trabalhadores, a repetitividade de tarefas, às

condições inadequadas de trabalho, à dificuldade de estabelecimento de nexo

causal para as doenças do trabalho, entre outros.

Com relação à Saúde Pública foi realizada uma síntese enfatizando o

período após a Constituição de 1988 na qual foi instituído o SUS e inclusas as

premissas relacionadas à Saúde do Trabalhador. A forma como este processo

ocorreu em Blumenau também foi analisado.

Sintetizando a trajetória municipal podemos destacar que a discussão

sobre a Saúde do Trabalhador foi iniciada no município ainda no final da

década de 80, impulsionada pelo movimento sindical e pelos partidos de

esquerda. Os frutos foram colhidos na década de 90 quando foi criado o

Programa de Saúde do Trabalhador em 1994. Em 1997 este Programa é

transformado em Centro de Referência ao assumir o poder o Partido dos

Trabalhadores.

Os princípios do SUS estão estabelecidos em Lei desde a Constituição

de 1988, assim como as atribuições quanto à Saúde do Trabalhador. Isto por si

só, porém, não garante que sejam colocadas em prática, principalmente nesta

área diretamente relacionada à questão do capital. Por isso a importância da

realização de estudos sobre a trajetória da Saúde do Trabalhador no município

de Blumenau. É utópico pensar ou pretender que mudanças significativamente

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favoráveis à saúde dos trabalhadores ocorram neste momento histórico, pela

própria estrutura de Estado que define a ação das políticas públicas e que ao

priorizar o mercado financeiro penaliza a quase totalidade da sociedade. Mas

a realização de uma análise adequada pode auxiliar no sentido de que as

ações possíveis de serem realizadas pelos atores sociais que constroem esta

área sejam feitas com clareza e que busquem um direcionamento no sentido

da implementação do SUS e da redução dos acidentes de trabalho, das

mutilações e das mortes dos trabalhadores.

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CAPÍTULO 1

A DINÂMICA SOCIAL DO TRABALHO

1.1 Trabalho e Sociedade

Neste capítulo será apresentada uma breve contextualização do trabalho

da Antiguidade até os dias atuais, enfocando as principais transformações.

Uma delas, e que mudou o significado do trabalho, foi quando este se

distanciou de seu objetivo primeiro, a satisfação de necessidades básicas do

homem, e se transforma num instrumento de acumulação de capital. O

processo de transformação passa por várias fases e continua sempre na ótica

da primazia do capital, o que gerou o avanço do capitalismo e suas

subseqüentes crises. Em cada uma destas fases o processo produtivo e a

própria organização da sociedade sofreram transformações. Ou seja, o capital,

para continuar a crescer adotou novas formas de acumulação, independente

das conseqüências geradas. Atendendo a esta necessidade de ampliação da

acumulação de capitais, foram implantados as políticas neoliberais e os

processos de acumulação flexível que, no seu bojo, prevêem: a perda dos

direitos dos trabalhadores e o aumento da exploração destes, principalmente

nos países periféricos; a negligência com relação à questão ambiental; a

diminuição do tamanho do Estado (o que trás como conseqüência à redução

dos direitos dos mínimos sociais tão duramente conquistados ao longo da

história); ampliação do desemprego estrutural, entre outros. Associados a este

contexto somam-se ainda fatores como o aumento da informatização e da

robótica, das crescentes influências transnacionais, dos efeitos da

globalização, entre outros. É nesta desfavorável conjuntura que se insere a

classe trabalhadora atualmente, o que causa empobrecimento, adoecimento e

exclusão de grandes parcelas desta população. A situação atual é tão critica

que pode ser comparada ao período anterior à implantação do Welfare State

no qual a população não tinha a garantia dos mínimos sociais. Atualmente a

grande quantidade de desempregados, trabalhadores do mercado informal,

temporário, doméstico, o trabalho nas ruas, entre outras formas de trabalho

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precarizado é a realidade de uma grande parcela da população que além da

exclusão social também está sujeita aos demais grandes problemas da

sociedade atual, como o alto índice de criminalidade, a violência de toda sorte,

a degradação ambiental e a poluição.

Uma breve evolução histórica do trabalho na sociedade será

apresentada, porém será o trabalho dentro da sociedade capitalista atual que

terá considerações mais profundas.

Historicamente, o significado do trabalho tem passado por mudanças,

segundo Albornoz (2000), na Antigüidade, ele aparece ligado às atividades

exercidas pelos escravos. No período clássico remete às atividades dos servos

ligados a terra e, ainda, tem-se o período no qual predominou o trabalho

artesanal que, mais tarde, culminou na produção em série � novidade trazida

pela máquina � que resultou nas multidões que trabalham e pedem emprego

nas portas das fábricas.

Na Grécia Antiga surge o termo ponos, que designava as atividades

penosas e que exigiam esforço físico. Tratava-se de atividades degradantes

que estavam longe de qualquer valorização. As atividades valorizadas eram o

pensamento reflexivo e a contemplação. A concepção de trabalho para os

romanos também não diferia muito da dos gregos. Desprezavam o trabalho,

relegando aos escravos a execução das atividades degradantes e penosas.

(MÉDA, 1999).

Com a conversão do Império Romano ao cristianismo, iniciou-se uma

série de mudanças culturais que foram se inscrevendo sobre os antigos

pressupostos romanos. No que se refere ao trabalho, Méda (1999) enfatiza

que, para o pensamento judaico-cristão, tudo o que fosse relacionado às

necessidades físicas continuou a ser considerado atividade penosa e

degradante, pois, como está no livro de Gênesis, o homem ao ser expulso do

paraíso foi �condenado� ao trabalho. Porém este mesmo livro mostra que Deus

também trabalhou, o que atribuiu para os cristãos um significado diferente ao

trabalho, ligado ao ato criador.

Já na Idade Média as relações sociais foram demarcadas pela

dominação dos senhores feudais sobre seus servos, caracterizando o

feudalismo. As relações se deram basicamente pelas trocas que ocorreram

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entre pequenos proprietários, que cederam suas terras aos senhores que, por

sua vez, lhes ofereciam proteção. Dessa maneira, os camponeses

permaneciam nas terras como trabalhadores e uma parte da produção era

destinada ao senhor feudal como pagamento do benefício recebido.

(OLIVEIRA,1987 apud BECKHAUSER; KOEPSEL, 2005 ).

1.2 O Trabalho no Sistema Capitalista

Antes de dar prosseguimento ao resgate histórico do trabalho, serão

apresentados alguns conceitos citados por Antunes (2001) baseados em

Mészáros (1995), e que são importantes para a compreensão do sentido do

trabalho dentro da organização do sistema capitalista.

Uma transformação importante que ocorre quanto ao trabalho refere-se

ao momento em que este se distancia da satisfação de necessidades do ser

humano e passa a ter como objetivo primeiro o acúmulo de capital, este

processo de transformação foi denominado de metabolismo social do capital.

Ao primeiro momento, vinculado à preservação das funções vitais da

reprodução individual e societal, o autor denomina de sistema de mediações de

primeira ordem estando relacionadas à característica ontológica do ser humano

que faz com que, diferentemente dos animais, os homens não possam

sobreviver sem mediação com a natureza. Portanto nesta mediação de

primeira ordem o trabalho tem como função satisfazer necessidades básicas do

ser humano e regular sua relação com a natureza.

A partir do momento em que começa a haver um distanciamento das

funções de primeira ordem, o que ocorre quando a constituição do sistema de

capital supera o sentido do trabalho dentro da perspectiva ontológica do ser

humano, surge o que é denominado de o �sistema de mediações de segunda

ordem�. Nesta segunda etapa o trabalho passa a ser mediado pelo capital e a

finalidade essencial passa a ser a expansão constante do valor de troca

presente em tudo, desde as necessidades humanas mais básicas até as mais

diversas atividades materiais e culturais.

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A organização e a divisão do trabalho são profundamente afetadas a

partir deste segundo momento, no qual o aumento do capital torna-se o

objetivo prioritário do trabalho. Antunes (2001) destaca algumas destas

transformações, são elas:

1) Separação e alienação entre o trabalhador e os meios de produção;

2) Imposição dessas condições objetivadas e alienadas sobre os

trabalhadores;

3) Personificação do capital como um valor egoísta, voltado para o

atendimento dos imperativos expansionistas do capital;

4) Personificação dos operários com o trabalho o que reduz a

identidade do sujeito, repercutindo sobre sua personalidade a

fragmentação das funções produtivas.

Com relação à perspectiva social do trabalho e como este se constitui

em um instrumento de transformação da natureza podemos citar,

[...] o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio deste movimento sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências nela adormecidas e sujeita o jogo de suas forças a seu próprio domínio (MARX, 1983, p. 23).

Abordar este processo de transformação do trabalho teve como objetivo

possibilitar a compreensão e o significado do mesmo nas sociedades

capitalistas. Enfocando a mudança ocasionada a partir do momento em que

houve uma inversão de valores entre capital e trabalho, ficando este último

subjugado ao primeiro, deixando de ser o trabalho fonte de satisfação de

necessidades e transformando-se numa alavanca importante para a

acumulação de capital. Tornou-se desta forma um instrumento importante nas

sociedades capitalistas das quais as principais fases serão descritas na

seqüência.

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Do século XIV ao XVIII, período denominado de mercantilismo, ocorre a

passagem do regime feudal para o capital. Oliveira (1987), mostra que este

período se caracteriza pela nova relação que se estabelece entre Estado e

burguesia. Nessa relação, o Estado disponibiliza seus aparatos de controle e

vigilância em benefício da burguesia que, através de impostos e taxas,

sustenta o Estado. Outro aspecto importante é o declínio da intervenção da

Igreja sobre as decisões do Estado. Durante o mercantilismo o acúmulo de

riquezas anteriormente condenado, passou a representar o objetivo do trabalho

em si.

No século XVIII, a Europa usufruía a riqueza acumulada durante séculos

de exploração de suas colônias ao redor do mundo. O capital angariado

permitiu que investissem em novas tecnologias o que facilitou a produção e o

transporte dos seus produtos para a comercialização destes. Iniciou-se então a

chamada Revolução Industrial. A conseqüência imediata desta revolução foi

reunir um maior número de pessoas envolvidas em torno da confecção de um

mesmo produto, de maneira fragmentada, nas fábricas. Esse fato contribuiu

para o crescimento dos grandes centros urbanos (ALBORNOZ, 2000).

Com esta fragmentação do trabalho, não só os produtos que eram

comercializados, mas também o trabalho, passou a ser tratado como um objeto

de troca. Méda (1999), afirma que ao mesmo tempo em que o trabalho é uma

atividade do homem, ele passa a ser tratado como �desligado do sujeito�.

O trabalho humano é dotado de significado e de intencionalidade, ou

seja, trabalho é um processo consciente por meio do qual o homem se apropria

da natureza para transformar seus materiais em elementos úteis para a sua

vida. A intencionalidade e o significado do trabalho são perdidos pelo

trabalhador dentro da perspectiva capitalista quando este fragmenta de tal

forma o trabalho que o trabalhador muitas vezes só tem conhecimento de uma

pequena parcela do todo, tornando-se alienante. (MARX, 1983).

O trabalho no Sistema Capitalista, além dos aspectos citados por Marx

assume ainda outras características, que são:

1) alienante, porque o trabalhador desconhece o próprio processo produtivo e o valor que agrega ao produto, além de

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não se identificar com os produtos de seu trabalho; 2)explorador, devido os objetivos de produção de mais-valia vinculada ao processo de acumulação de capital; 3)humilhante, porque afeta negativamente a auto-estima; 4)monótono, em sua organização e conteúdo da tarefa; 5) discriminante, porque classifica os homens à medida que classifica os trabalhos; 6)embrutecedor, porque, longe de desenvolver as potencialidades, inibe ou nega usa existência por meio do conteúdo pobre, repetitivo e mecânico das tarefas; 7) submisso pela aceitação passiva das características do trabalho e do emprego, pela imposição da organização interna do processo de trabalho, pelas relações sociais mais amplas e, essencialmente, pela força o exército industrial de reserva [...] (BORGES E YAMAMOTO apud BECKAUSER e KOEPSEL, 2005, p.23).

O conceito de mais-valia, introduzido por Marx (1983) afirma que se

estabelece de uma relação entre o trabalhador que vende sua força de trabalho

como mercadoria, e o capitalista, que detém os meios de produção e para o

qual o trabalhador vende seu trabalho. Portanto, o capitalista torna-se dono dos

produtos gerados pelos trabalhadores e os paga um valor pré-estabelecido por

isso. Este valor, por sua vez, refere-se ao trabalho executado que envolve um

maior número de produtos confeccionados num determinado momento.

Atendendo a esta necessidade de aumentar a produtividade e

conjuntamente o lucro surgem pensadores que desenvolvem conceitos neste

sentido. Dois dos mais importantes são Taylor e Ford cujas teorias baseiam-se

na fragmentação e cronometração do trabalho. O taylorismo e o fordismo

passaram por inúmeras transformações e adaptações geralmente relacionadas

a momentos de crise do capital. A partir da segunda metade do século XX o

taylorismo e o fordismo já não suprem mais as necessidades, e frente a um

novo momento de crise do capital, surge uma nova proposta, o toyotismo. O

toyotismo aproveita das teorias anteriores alguns aspectos e desenvolve outras

que dão origem a novas formas de exploração do trabalho. Na seqüência serão

apresentados os principais aspectos que caracterizam o modo de produção

taylorista e no fordista. O toyotismo, também uma forma de organização da

produção, foi desenvolvido em outro momento histórico e será apresentado

inserido neste contexto porque então a análise conjunta de vários fatores

possibilitará uma compreensão mais ampla. Conhecer as formas de

organização da produção utilizadas pelo capitalismo é importante para a

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compreensão do que ocorre no mundo do trabalho na atualidade e para a

forma de viver, de ter saúde e doença dos trabalhadores.

1.2.1. Modo de produção capitalista - Taylorismo

Os pontos fundamentais do taylorismo serão citados baseando-se em

Fleury (1983). Taylor desenvolve sua teoria num momento histórico no qual

havia a necessidade de ampliar a produção para o crescimento do capitalismo

que trazia inerente a ênfase na acumulação de capital. Taylor observou que até

aquele momento a administração tradicional era baseada principalmente no

que ele chamou de o mecanismo de �iniciativa e incentivo�. Neste mecanismo o

administrador deixava a cargo do trabalhador executar as tarefas, sem muito

conhecimento sobre a forma exata como estas eram executadas e cabia ao

administrador recompensar o trabalhador, seja através de salário, gratificação

ou possibilidade de ascensão profissional. Taylor afirmou que este mecanismo

de �iniciativa � incentivo� só teria sucesso quando o administrador tivesse o

controle minucioso do trabalho.

Taylor desenvolve alguns princípios para que se efetive o controle sobre

o trabalhado e o trabalhador. O primeiro deles busca obter uma �análise

científica� do trabalho. Em poucas palavras trata-se do

[...] estudo do movimento elementar de cada operário, decifrando quais são úteis para eliminar os inúteis, e assim aumentar a intensificação do trabalho. Tal análise era acompanhada do registro dos tempos com o intuito de identificar o �tempo ótimo� para realizar uma tarefa (FLEURY, 1983, p.18).

Após obter o conhecimento detalhado de todas as tarefas a serem

executadas e em qual tempo isto era possível Taylor desenvolve o segundo

princípio, o da seleção e treinamento dos trabalhadores. Ou seja, identificar

trabalhadores com habilidades pessoais específicas para atender a exigência

do trabalho e treiná-los para isto. Este treinamento não envolvia todo o

processo de produção, mas sim aquele número reduzido de tarefas que

aqueles trabalhadores deveriam executar.

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O terceiro princípio tinha por objetivo delegar ao nível gerencial as

funções de planejamento e controle do trabalho. Criando assim uma clara linha

divisória entre os que pensam e os que executam o trabalho. Dando origem a

uma nova estrutura administrativa na fábrica �[...] surgiram os departamentos

de programação e controle de produção, tempos e métodos, controle de

qualidade, arranjo industrial, ferramentaria, etc.�. (FLEURY, 1983 p.20).

Resumindo, podemos dizer que Taylor, através da administração

científica consolidou a fragmentação do trabalho, a hierarquização e o conceito

de �homem certo no lugar certo�. Algumas das conseqüências da aplicação

prática destes princípios são: a redução do tempo �ocioso� no processo de

trabalho, a desqualificação do trabalhador que passa a executar somente

partes do trabalho perdendo a noção do todo, a alienação deste trabalhador, a

repetitividade de tarefas e de movimentos, um controle muito maior por parte

da administração das empresas sobre o trabalho e os trabalhadores, a divisão

entre os que pensam e os que executam, entre outros.

1.2.2 Modo de Produção Capitalista - Fordismo

A síntese deste modelo de organização do processo de trabalho também

será feita com base em Fleury (1983). O Fordismo denomina-se assim por

conta das significativas mudanças na organização do processo de trabalho que

iniciaram na Ford Motors Company. O trabalho nesta empresa por ocasião de

sua fundação, em 1903, era realizado por mecânicos especializados. Isto

exigia profissionais com bom conhecimento técnico e que detinham certo

controle sobre a fabricação dos automóveis. Nesta época a empresa adotava a

linha de montagem para dar seqüência na fabricação dos automóveis.

Com o objetivo de aumentar a produção algumas alterações foram

implantadas na Ford. Uma delas foi à substituição da linha de montagem pela

esteira rolante. A inclusão desta nova ferramenta no processo produtivo

possibilitou a substituição do trabalho qualificado pelo trabalho fragmentado

uma vez que na esteira rolante cada trabalhador realizava apenas uma

pequena parte do trabalho e preferencialmente sempre a mesma. Outra

alteração decorrente da implantação da esteira rolante foi à imposição de um

Page 18: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

18

ritmo ao processo de produção que independia da vontade dos trabalhadores

além de eliminar os movimentos desnecessários.

Fazendo uma analogia entre o pensamento de Taylor e Ford podemos

citar que o primeiro já ressaltava a importância da redução do tempo

desperdiçado com movimentos inúteis e com paradas em virtude da falta de

materiais ou suprimentos. Para reduzir estas pausas destacava a importância

do papel gerencial que deveria planejar e coordenar adequadamente a

execução do trabalho evitando o desperdício. Ford segue a linha de Taylor no

sentido de procurar eliminar o tempo ocioso do processo produtivo e com a

implantação da esteira substitui a função antes atribuída ao controle e

planejamento para a máquina. As peças deslocavam-se automática e ininterruptamente, suprindo o trabalho de todos os homens da produção, sem esperas nem paradas. Ao operário só lhe restava seguir essa cadência, fixo em seu posto de trabalho, e alimentado continuamente de novos materiais que sofreriam a ação de seus membros. Para fazer frente a este ritmo produtivo era impelido a mecanizar os seus movimentos. A linha de montagem tornava-se, assim, notável instrumento de intensificação do trabalho (FLEURY, 1983, p. 22).

Neste período histórico o trabalho era visto como fonte de riqueza, por

isso qualquer desperdício deveria ser combatido e a produção deveria gerar o

maior lucro possível. O fordismo vem de encontro a esta concepção de

aumento da lucratividade que é obtida pela desqualificação do trabalhador e

por conseqüência o barateamento da mão-de-obra, assim como com a

intensificação do trabalho imposto pela esteira e a utilização mais intensa dos

equipamentos, instrumentos e instalações evitando a depreciação destes por

obsolência.

Pode-se dizer que o fordismo alcançou seus objetivos, pois um dos

resultados foi um aumento considerável da produção. Por exemplo, a produção

de um chassi que levava 12 horas e 8 minutos para ser construído passou a

necessitar de somente 1 hora e 33 minutos. Uma conseqüência que ocorreu

com a introdução destas novas formas de organização do trabalho foi à retirada

do componente pensante para a execução do trabalho,

[...] fixo em seu posto de trabalho, o homem passou a ser quase um componente da máquina. Os seus movimentos

Page 19: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

19

deveriam ser feitos mecanicamente sem, segundo Ford, interferência da sua mente, guardando, assim, perfeita harmonia com o conjunto da linha de montagem (FLEURY, 1983, p.23).

Em termos econômicos é evidente a vantagem do trabalhador

desqualificado sobre o seu antecessor. O trabalhador desqualificado somente

necessita utilizar uma pequena parte do seu complexo organismo para o

trabalho. Ford cita exemplos de várias tarefas dentro da nova concepção

produtiva que poderiam ser realizadas por pessoas cegas, sem pernas, etc., já

que o trabalho estava dividido em várias tarefas extremamente simples de

serem executadas.

1.2.3 A Organização do Trabalho e do Estado

O Taylorismo e o Fordismo foram fundamentais para a expansão do

capitalismo, porém este período caracterizava-se por intensos conflitos entre a

classe trabalhadora e a burguesia. Antunes (2001) destaca que para amenizar

estes conflitos surgem as bases do Welfare State que tinha por objetivo criar

um equilíbrio relativo na relação de forças entre burguesia e proletariado depois

de decênios de lutas. Giddens (1998) cita ainda outros dois objetivos do

Welfare State que são: a criação de uma sociedade mais igual e a proteção

aos indivíduos ao longo de suas vidas. Arretche (1995) cita o direito à

aposentadoria, habitação, educação, saúde, etc como exemplos de programas

de proteção social que foram implantados na maioria dos países de capitalismo

avançado ao implantarem o Welfare State.

Este Estado de Bem Estar Social ou Welfare State, é fortalecido

principalmente após a I Guerra Mundial quando sofreu incontestável expansão

e até mesmo de institucionalização, conforme citado por Arretche (1995).

Antunes (2001) lembra que esta estrutura de organização de estado é

implantada somente nos países centrais e tinha como sustentação a enorme

exploração do trabalho realizada nos países do chamado Terceiro Mundo,

estes últimos excluídos do �compromisso� social-democrata.

Para suprir as demandas criadas a partir do Estado de Bem Estar Social

a maioria dos países montou uma estrutura de Estado denominado de Estados

Grandes. Anderson (1995) cita que durante a década de 50 e 60, quando o

Page 20: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

20

capitalismo alcançou seus anos de ouro, toda esta estrutura era bem

suportada. Porém na década seguinte, o capitalismo entra em crise e há uma

diminuição das taxas de crescimento e o aumento das taxas de inflação.

Com relação a crise do Capitalismo, Antunes (2001), destaca os

aspectos apontados por Anderson (1995) e, ainda, outros que identificam a

crise a partir do início da década de 70.

1) queda da taxa de lucro influenciada pelo aumento do preço da força

de trabalho conquistado no período pós-guerra e pelas lutas sociais dos anos

60 que objetivavam o controle social da produção;

2) esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista pela

incapacidade de responder à retração do consumo gerada pelo desemprego

estrutural que se iniciava;

3) hipertrofia da esfera financeira, que ganhava relativa autonomia frente

aos capitais produtivos, colocando-se o capital financeiro como um campo

prioritário para a especulação na nova fase do processo de internacionalização;

4) maior concentração de capitais graças a fusão entre as empresas

monopolistas e oligopolistas;

5) crise do Estado de Bem Estar Social;

6) incremento acentuado das privatizações .

Brenner apud Antunes (2001) faz referência à origem da crise do capital

sendo que esta se origina no excesso da capacidade de produção do setor

manufatureiro internacional, principalmente ao final da década de 60, o que

reduziu as taxas de lucros e acabou gerando um grande deslocamento do

capital para as finanças na década seguinte.

Portanto, além da questão financeira verificada em função do

esgotamento do padrão taylorista/fordista e da maior rentabilidade do mercado

financeiro, outro fator determinante para a eclosão da crise ao final dos anos 60

e inicio dos 70 foi a intensificação das lutas de classe. Estas lutas de classe

ocorreram principalmente nos países de capitalismo avançado sendo

evidenciadas a partir de uma pressão por parte dos trabalhadores que

reivindicavam melhores condições de trabalho, ampliação dos salários e de

direitos sociais. Esta mobilização dos trabalhadores surge quando o Estado de

Page 21: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

21

Bem Estar Social não consegue mais resolver as conflitualidades entre as

classes. Surge o que Antunes (2001) denomina de o operário massa,

constituindo-se como uma parcela hegemônica do proletariado da era

taylorista/fordista que atuava no espaço produtivo. Esta organização dos

trabalhadores, neste período histórico, possibilitou o aumento do valor da força

de trabalho e ainda formaram a base pelas lutas sociais dos anos 60 que

objetivavam o controle social da produção.

A organização dos trabalhadores perturbou o funcionamento do

capitalismo porém, a fragilidade desta organização e, na seqüência, o

desenvolvimento tecnológico que se iniciava constituiram-se como uma

primeira resposta do capital à confrontação aberta do mundo do trabalho.

(ANTUNES, 2001).

No atual momento, influenciado por todas as mudanças que ocorreram

na estruturação do Estado, na priorização do mercado financeiro, na redução

dos postos de trabalho, ocorre uma nova configuração dos movimentos dos

trabalhadores,

O senso de solidariedade que distinguia os movimentos trabalhadores organizados está em declínio. As negociações coletivas voltam-se prioritariamente para os trabalhadores do quadro funcional das empresas e as reivindicações têm como foco central a manutenção do emprego [... ] MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1999, p.413).

Esta nova realidade abre espaço para a implantação de novas formas

de organização do processo de trabalho, sendo um dos exemplos o toyotismo,

cujos pontos fundamentais serão apresentados na seqüência.

1.2.4 Modo de Produção Capitalista � Toyotismo

As características do toyotismo citadas baseiam-se em Antunes (1995) e

Antunes (2001). O Toyotismo tem sua origem no Japão, na empresa Toyota,

desenvolvidas por Ohno, engenheiro da empresa. Foram quatro as fases que

levaram ao advento desta nova proposta de organização do processo de

trabalho: 1) a introdução na indústria automobilística japonesa, da experiência

Page 22: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

22

do ramo têxtil na qual o trabalhador operava em várias máquinas; 2) a

necessidade da empresa de responder à crise financeira, aumentando a

produção sem aumentar o número de trabalhadores; 3) a importação das

técnicas de gestão dos supermercados dos EUA, que deram origem ao kanban

de produzir somente o necessário e no melhor tempo; e 4) a expansão do

método kanban a todas as empresas sub-contratadas e fornecedoras.

Analisando-se as diferenças entre o toyotismo e o fordismo podem ser

destacados os seguintes traços:

1) Produção está vinculada a demanda mais individualizada do

mercado consumidor; o fordismo caracterizava-se pela produção em

série.

2) Fundamenta-se no trabalho operário em equipe, com multivariedade

de funções, rompendo com o caráter parcelar típico do fordismo.

3) Produção se estrutura num processo produtivo flexível, que

possibilita ao trabalhador operar simultaneamente várias máquinas,

alterando-se a relação homem-máquina do período

taylorista/fordista.

4) Tem como princípio o just in time, o melhor aproveitamento possível

do tempo de produção;

5) Funciona segundo o sistema kanban (placas ou senhas de comando

para reposição de peças e estoque), visando operar com menor

estoque mínimo o que diferencia do fordismo.

6) As empresas do complexo produtivo toyotista, inclusive as

terceirizadas, têm uma estrutura horizontalizada, ao contrário da

verticalidade fordista. Enquanto na fábrica fordista aproximadamente

75% da produção era realizada no seu interior, a fábrica toyotista é

responsável por apenas 25% da produção, tendência que vem se

intensificando cada vez mais. Esta última prioriza o que é central em

sua especialidade no processo produtivo e transfere a terceiros

grande parte do que antes era produzido dentro de seu espaço

produtivo.

Page 23: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

23

7) Organiza os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), constituindo

grupos de trabalhadores que são instigados pelo capital a discutir

seu trabalho e desempenho, com vistas a melhorar a produtividade

das empresas, convertendo-se num importante instrumento para o

capital apropriar-se do savoir faire intelectual e cognitivo do trabalho,

que o fordismo desprezava.

8) O toyotismo implantou o �emprego vitalício� para uma parcela de

trabalhadores das grandes empresas (cerca de 25 a 30% da

população trabalhadora, onde se presenciava a exclusão das

mulheres), além de ganhos salariais estarem intimamente vinculados

ao aumento de produtividade.

Outros fatores que influenciaram o desenvolvimento do toyotismo no

Japão podem ser citados, um deles seria a crise do pós-guerra neste país que

fez surgir uma demanda por produtos variados e em pequena quantidade. Esta

diversidade encontrava dificuldades para ser atendida somente pela lógica do

taylorismo e do fordismo.

Um aspecto que dificultava a implantação deste novo modelo de gestão

empresarial era a organização sindical japonesa bastante combativa na época.

Porém ocorreu uma sucessão de derrotas dos sindicatos neste país levando

estes a assumir uma postura, do que o autor denomina, de sindicalismo de

empresa, intimamente ligado ao ideário e ao universo patronal, ou seja,

percebe-se o quanto o toyotismo precisava para ser posto em prática no âmbito

dos ideais neoliberais, que conforme vistos anteriormente, necessitam do

desmonte dos sindicatos, trazendo como conseqüência a fragilização dos

trabalhadores. E a clara defesa do Estado em nome do capital eximindo-se de

garantir direitos básicos aos operários.

A perda dos direitos dos trabalhadores dentro do toyotismo é essencial

para que haja a efetiva flexibilização do aparato produtivo. Os trabalhadores

precisam estar sujeitos a direitos cada vez menores, de modo a aceitarem

atender as necessidades do mercado produtivo. Ou seja, o novo mercado

produtivo necessita ter flexibilidade para contratar e demitir, possibilidade de

contar com vínculos temporários e mão-de-obra terceirizada, etc. Esta

flexibilidade no toyotismo é essencial já que a este sistema interessa manter

Page 24: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

24

um número mínimo de trabalhadores, havendo a possibilidade de ampliação

através de horas extras ou contando-se com trabalhadores temporários e sub-

contratações.

Desenvolve-se uma estrutura produtiva mais flexível, recorrendo freqüentemente à desconcentração produtiva, às empresas terceirizadas, etc. Utiliza-se de novas técnicas de gestão da força de trabalho, do trabalho em equipe, das �células de produção�, dos �times de trabalho�, dos grupos �semi-autônomos�, além de requerer, ao menos no plano discursivo, o envolvimento participativo dos trabalhadores, em verdade uma participação manipuladora e que preserva, na essência, as condições do trabalho alienado e estranhado. O �trabalho polivalente�, �multifuncional�, �qualificado�, combinado com uma estrutura mais horizontalizada e integrada entre diversas empresas, inclusive empresas terceirizadas, tem como finalidade a redução do tempo do trabalho (ANTUNES, 2001, p.52).

Algumas das repercussões dessas intensas transformações no processo

produtivo têm resultados imediatos no mundo do trabalho, como por exemplo: a

diminuição enorme dos direitos dos trabalhadores, maior fragmentação no

interior da classe trabalhadora, precarização e terceirização da força humana

que trabalha, transformação do sindicalismo combativo em um sindicalismo de

empresa.

Os métodos do toyotismo foram disseminados a toda a rede de

fornecedores, deste modo kanban, just in time, flexibilização, terceirização,

sub-contratação, CCQ, controle de qualidade total, eliminação do desperdício,

gerência participativa, sindicalismo de empresa, entre outros se propagam

intensamente. Antunes (1995) sugere que, em um universo internacionalizado,

as lições japonesas são copiadas em toda parte porque correspondem à fase

atual de um capitalismo que se caracteriza pelo crescimento da concorrência,

pela diferenciação e pela qualidade.

Ele possibilita ao capital apropriar-se do saber e do fazer do trabalhador.

As transformações são tão significativas que os trabalhadores sofrem a mais

aguda crise deste século, atingindo não só a sua materialidade como também a

sua subjetividade.

1.2.5 Organização do Estado Neoliberal

Page 25: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

25

Entre os ideais neoliberais destacam-se a liberdade de mercado e a

redução do tamanho do Estado, que se desdobra em desigualdade social e

econômica. Giddens (1998) explicita esta tendência citando a hostilidade ao

�governo grande�, porém destaca a defesa, deste modelo de Estado por um

�Estado Forte�, principalmente para romper com o poder dos sindicatos e para

garantir o controle econômico.

A liberdade de mercado, que tem por objetivo o aumento do acúmulo de

capital, refere-se não apenas ao capital que se origina do modelo tradicional,

baseado na extração de mais valia dos produtos e serviços comercializados,

refere-se também ao mercado financeiro globalizado e que, com o avanço da

informática, consegue gerar lucros muito maiores do que o processo produtivo.

O mercado se encontra globalizado e se caracteriza pela grande mobilidade de

massas de capitais, pelo crescimento de corporações transnacionais e pela

predominância dos investimentos no âmbito financeiro. O mercado financeiro

desponta de tal forma que os fluxos financeiros mundiais correspondem a

aproximadamente 78 vezes dos recursos aplicados produtivamente. (MINAYO-

GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1999).

A aplicação dos recursos no mercado produtivo e o local para onde são

designados estão registrados na citação a seguir.

A circulação mundial de capitais produtivos baseia-se fundamentalmente nos potenciais de mercado, de recursos naturais, de capacitação estratégica e na busca de eficiência por meio de investimentos em pesquisa e desenvolvimentos nos países avançados. Os capitais produtivos dirigem-se, portanto, para zonas onde a força de trabalho, apesar de cara, é altamente qualificada, polivalente, com um repertório de habilidades para adaptar-se às flutuações da demanda e que tem condições de comercialização e infra-estrutura de telecomunicações, bem como de manutenção de equipamentos sofisticados. Em contrapartidas, voltam também seus investimentos para regiões onde o trabalho é barato, com inferior, contudo tecnológico, mas com utilização intensiva de matéria prima e mão-de-obra. (MINAYO-GOMEZ e THEDIM-COSTA, 1999, p. 57)

Podemos então concluir que a crescente valorização do mercado

financeiro gera o aumento do lucro, que, porém se concentra cada vez mais em

Page 26: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

26

uma pequena parcela da população, favorecendo aos grandes investidores

vinculados as transnacionais. O mercado produtivo, por outro lado, tem seus

recursos reduzidos, mas quando estes recursos são aplicados nesta área

podem ser divididos em duas frentes, os trabalhos altamente especializados e

que utilizam tecnologia de ponta, direcionado a países que oferecem infra-

estrutura para abrigar e desenvolver este tipo de trabalho, característico de

países centrais. Já aos países periféricos restam os trabalhos baratos,

desenvolvidos com pouca tecnologia. O Brasil, com raras exceções em

algumas áreas, desde o inicio de sua história sempre teve sua economia

direcionada para o modelo agro-exportador. Ou seja, fornecedor de matérias

primas e produtos com pouca utilização de tecnologia. Portanto �sobra� ao

Brasil dentro da cadeia do capitalismo desempenhar o papel de fornecedor de

mão-de-obra barata e exportar principalmente matérias primas para os países

centrais. Assim o trabalho no País é mal remunerado e temos como agravante

ainda a falta de infra-estrutura, por exemplo, nas estradas mal conservadas,

portos que não atendem as necessidades atuais de exportação, etc.

Esse sistema de movimentação dos recursos financeiros e produtivos

acarreta profundas transformações no trabalho, seja na quantidade e na

qualidade destes, gerando um ônus que atinge toda a sociedade, porém de

forma mais insidiosa as populações mais vulneráveis.

[...] diminuição de postos de trabalho e a fragilidade dos novos arranjos laborais como a oferta de empregos de tempo parcial ou duração eventual; as limitações na absorção da força de trabalho jovem, inclusive qualificada; a instabilidade e irregularidade ocupacionais; o subemprego e o desemprego recorrente, duradouro e sem perspectivas de inclusão no mercado formal; as dificuldades de inserção da mão-de-obra não qualificada e os rendimentos decrescentes para boa parcela das populações já empobrecidas (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1999, p. 59)

Apesar de, como foi visto anteriormente, a crise do capitalismo ser uma

crise estrutural e estar relacionada à própria falência organizacional do

capitalismo a responsabilidade da crise foi lançada sobre os sindicatos,

conforme aponta Anderson (1995), por estes reinvindicarem salários e exigir do

Estado o desenvolvimento de políticas sociais.

Page 27: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

27

A Inglaterra foi um dos países onde o Neoliberalismo foi implantado e

algumas das conseqüências foram a negociação individualizada entre capital e

trabalho, diminuição significativa do poder dos sindicatos, aumento de

demissões e do desemprego estrutural. Antunes (2001) cita que a produção

industrial no reino Unido em 1979 contava com mais de 7 milhões de

trabalhadores, ocorrendo uma redução para 3,75 milhões em 1995.

A precarização e flexibilização do trabalho, comuns das novas formas de

organização do Estado e do trabalho, trazem como conseqüência o trabalho

realizado em casa, a necessidade de inclusão do trabalho feminino para o

sustento da família e a redução do trabalho masculino, entre outros, segundo

Antunes (2001).

Este período de intensas transformações afetou todos os países

capitalistas porém este processo de transformação foi ainda mais drástico nos

países que já se encontravam numa posição de exploração e de manutenção

do Estado de Bem Estar Social dos países de capítalismo avançado. Antunes

(2001) explicita esta situação quando cita que ao término do ciclo expansionista

do pós-guerra, presenciou-se a completa desregulamentação dos captiais

produtivos transnacionais, além de forte expansão e liberalização dos capitais

financeiros. Esta fase de intensas modificações produtivas e econômicas

ocorreu de formas diversas nos países capitalistas. Os países que tinham

desenvolvido um capitalismo avançado exerceram um papel de dominção

frente aos demais países. Entre estes últimos encontravam-se aqueles de

industrialização intermediária, como os asiáticos, nestes a transição do modelo

deu-se numa posição de total subordinação e dependência. Nos países do

então chamado Terceiro Mundo esta relação de dominação foi ainda mais

intensa.

São crescentes os exemplos de países excluídos do desenvolvimento, da reposição dos captiais produtivos e financeiros e do padrão tecnológico necessário, o que acarreta repercussões profundas no interior desses países, particularmente no que diz respeito ao desemprego e à precarização da força humana de trabalho (ANTUNES, 2001, p. 33).

Page 28: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

28

Esta situação de desproteção da sociedade nos países periféricos como

o Brasil também pode ser identificado a seguir.

Nos países centrais, mecanismos públicos de bem-estar social e redes de proteção social amenizam essas situações (desemprego e empobrecimento da população), e impedem, em alguma medida, que a exclusão social se consuma em todo seu potencial desagregador. Em países periféricos, como o Brasil, sua principal dimensão é a continua e crescente aproximação do empobrecimento (MINAYO-GOMEZ e THEDIM-COSTA, 1999, p.413).

No Brasil, o Estado de Bem Estar Social não chegou a ser implantado,

registrou-se o chamado período desenvolvimentista que tinha por objetivo

ampliar o potencial de produção de mercadorias e de exportação das mesmas.

Isto levou o Brasil a um grande endividamento. Desta forma, desde meados da

década de 70 até o final da década de 80, o País encontrava-se em um período

de intensas modificações sociais e políticas ocasionadas tanto por pressões

internas quanto externas. Internamente, ocorre o enfraquecimento do partido

de sustentação do regime militar e, além disto, �[...] as classes populares

tornaram-se politicamente mais autônomas e tentaram partilhar valores

materiais e não materiais que antes eram exclusivos das classes média e alta�

(SALLUM, Jr. 2003, p.36). O mesmo autor destaca que externamente o país

sofria uma pressão por parte dos países capitalistas no sentido de adotar as

propostas neoliberais no sentido de ampliar a privatização do Estado, adotar

uma crescente abertura do mercado interno e até mesmo implantar uma

política econômica interna que favorecesse a estes pressupostos. O Brasil

tinha pouca autonomia para não adotar estas medidas considerando a elevada

dívida externa deixada pelo período desenvolvimentista.

A crise do Estado desenvolvimentista foi um dos fatores preponderantes

para o movimento da redução do Estado no Brasil, que segundo Oliveira (1995)

teve início ainda durante a ditadura e prosseguiu no mandato �democrático� de

José Sarney. Também no período Collor o desmonte do Estado continuou,

incutindo-se na sociedade uma visão de Estado desperdiçador através da

desmoralização da educação da saúde, do escândalo dos marajás, etc. Esta

manipulação tornou a sociedade favorável à redução do Estado.

Page 29: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

29

Outro importante fator que viria a favorecer a implantação de uma

política neoliberal no país foi a hiperinflação que, durante o governo de Itamar,

torna-se uma realidade no país, e que foi implantada artificialmente com o

objetivo de fragilizar economicamente a população tornando-a maleável para a

implantação de um modelo de Estado liberal. É neste cenário político,

econômico e social que Fernando Henrique Cardoso põe em prática um plano

econômico, o Plano Real, �cujo elo principal foi à aliança política entre partidos

de centro e direita em torno de um projeto de tomada de poder e de

reconstrução do Estado em uma perspectiva liberal� (SALLUM JR., 2003, p.

44).

De toda a situação abordada podemos perceber a gravidade da situação

para o Brasil. Primeiramente não chega a estruturar o Estado de Bem Estar

Social porque se encontra fora dos países capitalistas que tem condições de

fazer isto. Ao invés disto, na busca de se distanciar do modelo agro-exportador

e tentar se inserir na industrialização, que estava presente nos países de

capitalismo avançado, aumenta sua dívida externa de onde vêm os recursos

para esta mudança. Este processo de crescente industrialização dá origem ao

Estado Desenvolvimentista que é abalado durante a década de 70 com a crise

do capitalismo. O endividamento do País tornou-o ainda mais suscetível às

pressões transnacionais e dos detentores dos poderes econômicos no sentido

de adotar os ideais neoliberais. As conseqüências da implantação do Estado

Neoliberal são extremamente graves para a população:

[...] trabalhadores sem trabalho, os quais ocupam na sociedade, literalmente, um lugar de supranumerários, de inúteis para o mundo. (...) sem espaço na vida econômica, na produção de bens e serviços, com reduzidos direitos sociais e humanos. Uma força de trabalho atomizada, desprotegida socialmente, por cujo infortúnio ninguém parece ser responsável.(MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1999, p.412).

E frente a esta situação, de exclusão de multidões do mercado do

trabalho, o Estado, ao privilegiar o mercado financeiro não adota uma postura

de sanar a situação do desemprego estrutural e de garantir os mínimos sociais

para a grande massa de excluídos. Quando muito cria alternativas de �[...] re-

Page 30: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

30

inserção circunstanciais, negociadas com as empresas, por meio de incentivos

financeiros e redução ou isenção de encargos sociais� (MINAYO-

GOMEZ;THEDIM-COSTA, 1999, p.412).

A primazia do mercado financeiro, a crescente automação e

informatização, além das outras medidas neoliberais, reduzem os níveis de

emprego, por isto estes autores também fazem uma crítica aos políticos

quando estes prometem a superação da crise e a ampliação do mercado de

trabalho. Eles se baseiam em dados da OIT segundo os quais na América

Latina o setor informal atinge de 40% a 70% do mercado de trabalho, no Brasil

a taxa chega a 55% nas regiões metropolitanas.

A violência é outra das conseqüências das desigualdades sociais que

atingem as sociedades atuais. Este aspecto também pode ser comparado aos

primórdios da revolução industrial, quando a violência afetava a ordem social.

No presente, o embate deriva-se de diversas formas de exclusão social e conduz a uma violência difusa, forjada no cruzamento do social, do político do cultural, que se associa a um estado de degradação, de decomposição social, de individualismo crescente. (MINAYO-GOMEZ e THEDIM-COSTA, 1999 p.415)

Durante este capítulo, além da trajetória do trabalho ao longo dos

diversos períodos históricos tivemos uma breve idéia do processo de

implantação de uma política liberal em nosso país, vindo de encontro a uma

pressão transnacional e de interesses da classe dominante visando adequar-se

às exigências do capital. Pudemos perceber também as conseqüências

nefastas que produz na sociedade principalmente nas populações mais

desfavorecidas, as quais estão desamparadas pela estrutura de Estado. O

poder de mobilização sindical também está extremamente fragilizado por toda

a situação que configura a realidade (precarização do trabalho, redução

salarial, aumento do trabalho informal, etc.).

A organização do processo de trabalho também foi abordada, levando-

nos a concluir que o trabalho passou por intensas transformações sempre no

sentido de atender aos interesses do capital e, portanto torná-lo mais eficiente

na geração de lucros. Para atender a este objetivo o trabalho foi intensificado,

Page 31: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

31

fragmentado, terceirizado, entre outros. Estas características do trabalho na

atualidade, entre outros fatores que serão abordados na seqüência, são

importantes fontes de adoecimento e morte dos trabalhadores. Assim, no

próximo capítulo iremos aprofundar a compreensão sobre o processo

saúde/doença enquanto social e historicamente construído e a correlação

existente com o trabalho.

Page 32: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

32

CAPÍTULO 2

TRABALHO E SAÚDE

2.1 O Trabalho como Fator de Adoecimento

A correlação entre trabalho e doença já é antiga, sendo descrita no início

do século XVIII, na obra clássica de Bernardino Ramazzini � De Morbis

Artificium Diatriba. O livro relata doenças que acometiam trabalhadores em

mais de cinqüenta ocupações. Entre eles os sapateiros, ferreiros, azeiteiros,

curtidores, queijeiros, pintores, vidraceiros, lavadeiras, carregadores,

tipógrafos, tecelões, escribas, etc. Estes últimos eram os digitadores da época,

e as doenças que apresentavam são o que hoje conhecemos como Lesões por

Esforços Repetitivos, patologia ocupacional considerada �moderna�. (MAENO;

CARMO, 2005).

Apesar dos estudos de Ramazzini já apontarem a correlação existente

entre doença e trabalho nem sempre o adoecimento e a morte de

trabalhadores foi foco de atenção na área da saúde. Incluir o trabalhador na

assistência a saúde ou melhorar as condições de trabalho para diminuir o

adoecimento destes está relacionado ao período histórico analisado,

dependendo da importância que o trabalho e o trabalhador assumem em cada

um destes períodos. Desta forma, no período do trabalho escravo ou no regime

servil, inexistia a preocupação em preservar a saúde dos que eram submetidos

ao trabalho. Este era interpretado como castigo ou estigma.

O trabalhador, o escravo, o servo eram peças de engrenagens �naturais�, e pertences da terra, assemelhados a animais e ferramentas, sem história, sem progresso, sem perspectivas, sem esperança terrestre, até que, consumidos seus corpos, pudessem voar livres pelos ares ou pelos céus da metafísica (NOSELA apud MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997, p. 22).

Cohn e Marsiglia (1994) citam quatro momentos que caracterizam o

processo produtivo capitalista e fazem uma análise dos fatores que geram

adoecimento em cada um destes momentos. Os três primeiros são baseados

Page 33: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

33

em Marx sendo: o período da cooperação simples, da manufatura e da

maquinaria. O último, o período da automação, foi desenvolvido por

Freyssenet. Uma síntese destes momentos e os respectivos riscos de

adoecimento são:

1) Cooperação Simples � A relação se estabelece com base na

propriedade, que pertenciam ao senhor feudal. Ao trabalhador cabia

executar as tarefas que eram variadas, correspondentes as do artesão.

O próprio trabalhador planejava e executava o trabalho. O adoecimento

ocorria em função do excesso de esforço físico empregado para a

execução das tarefas e o contato com substâncias nocivas.

2) Manufatura � Neste período inicia-se o processo de divisão do trabalho

e a partir de então cada trabalhador realizava tarefas parcializadas,

tendo início a precarização do trabalho. Neste período tem-se a

separação entre a concepção e a execução do trabalho. O risco de

adoecimento passa a relacionar-se à divisão técnica do trabalho que se

caracteriza como monótono e repetitivo. Este tipo de trabalho também

repercute no equilibro psíquico do trabalhador, agravado pela exigência

de maior concentração na mesma atividade durante uma jornada de

trabalho prolongada.

3) Maquinaria � Nesta etapa a máquina substitui as ferramentas

artesanais, e a fonte energética deixa de ser a força humana. Acentua-

se a separação entre a concepção e a execução do trabalho. O trabalho

é dividido em várias fases que se sucedem e são determinadas pelas

operações da máquina. O trabalhador desqualifica-se ainda mais. Este

período é dividido em dois momentos. No primeiro, a maquinaria

simples, o trabalhador aciona, prepara e ajusta a máquina, isto permite

certo controle sobre o seu ritmo de trabalho. O segundo momento

caracteriza-se como a organização científica do trabalho � representado

pelo taylorismo e pelo fordismo. O trabalhador é transformado em

objeto, os movimentos do trabalhador são determinados pela máquina,

há uma intensificação do trabalho, aumenta a parcialização, procura-se

Page 34: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

34

reduzir o tempo gasto em cada atividade para aumentar a produtividade.

Nesta fase do capitalismo o gasto calórico é menor, porém surgem

novos fatores de desgaste como o trabalho por turnos rotativos com

implicações sobre o ciclo circadiano (transtornos gastro-intestinais,

sexuais, distúrbios do sono) e sobre a vida social e familiar do

trabalhador. Os objetos de trabalho são mais diversificados aumentando

os riscos físicos e químicos de adoecimento, há uma intensificação do

ritmo do trabalho, e as técnicas tayloristas e fordistas de gestão

provocam a fadiga física e mental dos trabalhadores.

4) Automação: Na automação ocorre uma redução acentuada da

participação da força de trabalho no processo de produção: sua

participação praticamente restringe-se às funções de vigilância do

processo produtivo. Diminuem os trabalhadores envolvidos no processo

produtivo propriamente dito e aumenta o número de trabalhadores

qualificados para as tarefas de manutenção (Ex.: eletricistas e

soldadores). Este processo também pode ser dividido em dois tipos. O

primeiro é o de processos de fluxo contínuo, neste do início ao final do

processo de produção se dá sem a intervenção humana direta, cabe

aos trabalhadores somente acompanhar e controlar os equipamentos

automatizados. A função dos trabalhadores é limitada a vigilância das

operações num processo no qual o trabalhador não tem mais

intervenção direta. A automação é muito usada nos ramos de produção

da área química, petroquímica e na metalúrgica, nos quais os

trabalhadores são expostos a objetos de trabalho de alta periculosidade

e contaminação. Além disso, com a automação os trabalhadores são

submetidos a formas de organização do trabalho que implicam na sua

imobilidade, associada à monotonia e à exigência de grande

concentração de sua parte, gerando situações de grande tensão. A

redução da exigência de esforço físico vem acompanhada, assim, de

significativo desgaste psíquico do trabalhador expresso em

sintomatologias de fadiga, estresse e demais patologias

psicossomáticas e nervosas.

Page 35: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

35

Estes quatro momentos do modo de produção capitalista e a correlação

com as principais causas de adoecimento em cada uma delas ilustram como o

processo saúde/doença se modifica conforme ocorrem mudanças na

organização do processo de trabalho. Foi possível perceber que no início do

processo de produção capitalista as principais causas de adoecimento estavam

basicamente relacionadas ao elevado dispêndio de energia por parte do

trabalhador. Posteriormente, o processo de trabalho apresenta maiores e mais

complexas causas de adoecimentos, principalmente após a Revolução

Industrial, quando novas tecnologias e produtos vão sendo inclusos no

processo de trabalho. Isto aumenta não apenas a exposição a produtos

nocivos como também afeta o trabalhador em sua estrutura psíquica,

favorecendo o adoecimento mental e do próprio ciclo circadiano.

[...] o ritmo exigido pela produção, a monotonia da atividade, a exposição do corpo para realizar o trabalho, movimentos forçados e pesos excessivos, inadequação da máquina ao corpo do trabalhador, falta de fiscalização ou manutenção das condições das máquinas e instrumentos, poluição e falta de higiene de trabalho, utilização de EPIs inadequados, máquinas inseguras, trabalho em alturas ou em construções defeituosas, excesso de pessoas em lugares fechados, falta de ventilação, falta de capacitação para utilizar a tecnologia empregada, e duração de tempo em que se está desenvolvendo a atividade (PICALUGA, 1982, p.41).

Além dos fatores citados existem ainda outros que devem ser

considerados como possíveis desencadeadores de patologias físicas ou

psíquicas. Entre eles o tamanho da empresa; a jornada de trabalho (número de

horas trabalhadas, obrigatoriedade de cumprir horas extras, anotação destas

horas extras para efeitos de 13º salário, etc.); o tipo de contrato (carteira

assinada, prestação de serviços, �bóias frias�, etc); a forma de pagamento (por

mês, semana, dia, tarefa, etc.); o horário (diurno, noturno, por turnos, etc); a

exigência de conhecimentos técnicos; o sistema de ascensão previsto; a forma

de controle sobre os trabalhadores (no horário do trabalho, nos intervalos, na

utilização dos banheiros, na hora refeições, etc.); o tempo de folga

(cumprimento, ou não da legislação trabalhista); local para refeições e

condições ambientais, etc. (PICALUGA, 1982)

Page 36: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

36

Conforme foi citado no início deste capítulo o processo de saúde/doença

sofre influencias dos fatores psicológicos e sociais, entre estes últimos o

trabalho. Dentre os aspectos sociais a estrutura da sociedade, ou seja, do

conjunto de condições em que uma determinada população vive, incluindo as

condições de moradia, alimentação, o dispêndio de energias no trabalho, a

remuneração por este trabalho, se é suficiente ou não para dar conta dos

gastos para a sobrevivência, etc. que também interferem no processo de

adoecimento. Esta situação é agravada à medida que dentro de uma

perspectiva neoliberal a estrutura estatal é reduzida continuamente, assim

[...] não é difícil associar as doenças que afetam as classes trabalhadoras a partir da oferta de bens de consumo coletivos tais como transporte, saneamento, urbanização, educação, assistência médica, segurança social, aposentadoria, etc. (PICALUGA, 1982, p.37).

Explicitando ainda a questão social que permeia o trabalho e o fator de

adoecimento podemos citar:

[...] emerge um desafio ainda a enfrentar desde velhas situações praticamente intocadas, como o trabalho escravo e o trabalho infantil, às decorrentes de um modelo de produção seletivo e excludente que vem ampliando a dimensão da rua como espaço de trabalho, com todas as incertezas, vulnerabilidades e riscos que esse espaço significa, em relação tanto a acidentes e violências, como à produção da própria sobrevivência (MINAYO-GOMEZ; THEDIN COSTA, 1997, P. 23).

A partir da compreensão do processo saúde/doença que abrange os

aspectos sociais e psicológicos é possível perceber que este processo não

ocorre de forma igual em todas as sociedades. Conforme foi citado

anteriormente, as condições de trabalho num país central ocorrem de maneira

mais adequada enquanto que nos países periféricos as condições de vida e

trabalho são ainda mais precárias. Dentre estes últimos são ainda piores as

condições para a população de mais baixa renda, que é mais excluída em

todos os sentidos dos direitos sociais como a educação, saúde, emprego,

saneamento básico, etc.

Agora que já identificamos que o trabalho pode ser um importante fator

de adoecimento e que este se modifica conforme modifica o processo produtivo

Page 37: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

37

e a organização da sociedade, é importante compreender como estas

mudanças sociais estão relacionadas com as ciências da saúde.

2.2 Evolução do Conceito Saúde/Doença

A história da saúde e da doença é, desde os tempos mais longínquos,

uma história de construções de significações sobre a natureza, as funções e a

estrutura do corpo e ainda sobre as relações corpo-espírito e pessoa-ambiente.

A medicina e as outras ciências da saúde acompanham estes movimentos e

modificações que ocorrem na concepção de saúde e doença, alterando suas

práticas e ideologias. As principais transformações serão apresentadas na

seqüência, assim como a correlação destas com trabalho e o trabalhador.

Albuquerque e Oliveira (2002) referem quatro grandes períodos para

descrever a evolução dos conceitos de saúde e de doença ao longo do

percurso histórico da humanidade: o período pré-cartesiano que perdurou até o

século XVII; o período científico ou biomédico; a primeira revolução da saúde

com o desenvolvimento da saúde pública a partir do século XIX; e a segunda

revolução da saúde iniciada na década de 70.

O período Pré-Cartesiano marca o início do afastamento das crenças

mágico-religiosas. Hipócrates, médico grego, foi quem deu expressão a essa

revolução, defendendo que as doenças eram causadas por causas naturais.

Com ele, a medicina afastou-se do misticismo e do endeusamento e baseou-se

na observação objetiva e no raciocínio dedutivo.

O Modelo Biomédico surgiu quando filósofos como Galileu, Descartes,

Newton, Bacon e outros conceberam a realidade do mundo como uma

máquina. Esta visão mecanicista do Mundo também foi adotada pelos médicos

e fisiologistas da época fazendo com que o corpo humano fosse considerado

como uma máquina. O modelo biomédico respondeu às grandes questões de

saúde que se manifestavam na época, definindo a teoria do germe que

postulava que um organismo patogênico específico estava associado a uma

doença específica, fornecendo assim as bases conceptuais necessárias para

combater as epidemias.

Page 38: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

38

A Primeira Revolução da Saúde surge como uma resposta ao diversos

problemas que surgiram com a Revolução Industrial onde proliferaram diversas

epidemias oriundas das precárias condições de vida da população. São

utilizados então os conceitos do modelo biomédico que conduziram ao

desenvolvimento de medidas de saúde pública. Quando estas falhavam,

intervinha a medicina curativa que, a partir de meados do século XX, encontrou

nos antibióticos um auxiliar eficaz na destruição desses microorganismos. Este

modelo alcançou um grande sucesso até o final da década de 70. Porém este

modelo omite os aspectos sociais e psicológicos ao considerar somente a

dimensão física do indivíduo.

A Segunda Revolução da Saúde ocorre a partir da mudança do perfil

das doenças, que passaram de infecto-contagiosas a crônico-degenerativas, e

nestas últimas, a influência da etiologia comportamental e social é muito

importante. Dentro desta nova perspectiva a promoção da saúde e estilo de

vida passaram a ser incorporados como conceitos fundamentais para a saúde.

Até o momento discutimos primeiramente o processo saúde-doença

relacionado ao trabalho e posteriormente percebemos que a saúde e a doença

são também processos sociais e historicamente construídos. No atual

momento histórico encontramo-nos num período no qual as práticas de saúde

devem considerar todo o avanço técnico e biológico, porém os fatores

psíquicos e sociais também devem ser considerados. Nesta perspectiva é

importante citar a obra de Facchini (1994) que faz uma importante

consideração sobre a influência das causas na determinação das doenças. O

autor demonstra que conforme a compreensão do modelo saúde/doença que

se adota a causalidade se modifica. Este conceito é fundamental para a saúde

do trabalhador e dependo do modelo que se adota a responsabilidade pelo

adoecimento pode ser delegada ao trabalhador sem ser considerada a

variedade de fatores que podem estar presentes no desencadeamento de

diversas doenças, inclusive a atividade laboral.

Facchini (1994) define dois modelos de determinação das doenças:

Page 39: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

39

a) o unicausal � que é baseado no modelo da metade do século XIX, na

teoria da microbiologia, de Pasteur, que ainda exerce grande influencia na

medicina atual. Neste modelo a atividade laboral é excluída, sendo considerada

somente em raríssimas situações em que o agente contaminante está

diretamente relacionado à patologia. Ex.: pneumoconiose.

b) o multicausal � neste são considerados vários fatores no

desencadeamento de doenças. Proporciona uma visão mais ampla do

processo saúde doença, porém o autor adverte para o risco de se adotar uma

postura reducionista também neste modelo quando se consideram somente os

aspectos mais próximos. É necessário considerar aspectos como a classe

social, a atividade profissional, os aspectos psicossociais, para um diagnóstico

adequado. Um exemplo são as cardiopatias, quando só se consideram fatores

como dieta, fumo, não considerando, por exemplo, a atividade profissional.

Para ampliar a possibilidade de um diagnóstico mais abrangente é importante a

utilização do instrumental da epidemiologia que com o avanço da tecnologia

pode permitir cruzar vários dados para um completo diagnóstico.

O autor sugere o modelo da Determinação Social da Doença como

alternativa que propõem o modelo que concebe a saúde/doença como um

processo social, já que historicamente os processos biopsíquicos humanos têm

se transformado em função das transformações sociais ocorridas.

Na área da Saúde do Trabalhador o fortalecimento da utilização dos

avanços da epidemiologia num enfoque social possibilita que se considere uma

grande quantidade de fatores que estão relacionados ao trabalho e que

interferem na causalidade das doenças. Como por exemplo, a carga de

trabalho e dos grupos de risco de determinadas categorias profissionais ou

ramos produtivos.

Portanto para uma adequada atuação em Saúde do Trabalhador é

importante que se tenha uma compreensão integral do processo de trabalho,

considerando as peculiaridades que o constituem neste momento histórico,

assim como a forma como este arranjo laboral incide sobre a saúde e doença

dos trabalhadores. O instrumental teórico metodológico que possibilita esta

compreensão holística deve considerar os princípios da epidemiologia numa

perspectiva social.

Page 40: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

40

Maeno e Carmo (2005) abordam estas mudanças na área da saúde e

suas interferências nas práticas em Saúde do Trabalhador. Assim temos o

surgimento da Medicina do Trabalho no século XVIII, período da Revolução

Industrial, onde como já foi visto anteriormente surgem muitos problemas de

saúde em função do grande deslocamento da população para a zona urbana e

em precárias condições de vida e trabalho. É um período de grande epidemias

e o modelo biomédico, com sua teoria higienicista e mecanicista influencia as

práticas de saúde. Os crescentes movimentos operários assim como a

necessidade de preservar minimamente a mão-de-obra é o contexto que faz

surgir a Medicina do Trabalho.

[...] surge a Medicina do Trabalho, restrita a uma abordagem clínica, do trabalhador-paciente, sem preocupação de identificar e alterar os fatores de risco responsáveis pelo adoecimento e morte decorrentes do trabalho. Surge como mais um mediador do conflito entre o trabalhador e o capital para assegurar o funcionamento da �peça especializada� (MAENO; CARMO, 2005, p.28).

A Medicina do Trabalho, apesar de aparentemente incoerente ainda é

prática comum nos dias atuais, podendo ser observada quando profissionais

possuem uma compreensão reducionista do ser humano e da doença que o

acomete. Os autores citam como exemplo, na área de Saúde do Trabalhador,

os exames que rotineiramente são solicitados ao trabalhador.

Esses exames tornam-se, na prática predominante, a contemplação do adoecimento do trabalhador � o indicador biológico de uma situação conhecida e potencialmente nociva, sem a necessária intervenção sobre o processo produtivo (MAENO; CARMO, 2005, p.28).

Os autores evidenciam que existem legislações em vigor no Brasil que,

teoricamente, estabelecem diretrizes que poderiam possibilitar uma atuação

que valorizasse a saúde dos trabalhadores. São as Normas Regulamentadoras

de Segurança e Medicina do Trabalho (NR), contidas na Consolidação das Leis

de Trabalho (CLT), particularmente a NR7 (Programa de Controle Médico de

Saúde Ocupacional � PCMSO) e a NR 9 (Programa de Prevenção de Riscos

Ambientais � PPRA). Freqüentemente são citados como justificativas para a

não aplicabilidade correta destas:

Page 41: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

41

[...] os valores relacionados à origem de classe e à formação acadêmica conservadora da maioria dos médicos, a postura apática da sociedade, a insuficiente capacidade de pressão dos trabalhadores, a indiferença dos empregadores e a ausência de uma política de Estado efetiva, resultam em sucessivas crônicas de doenças e mortes anunciadas, em que o PCMSO e o PPRA são transformados em documentos burocráticos, a serem renovados todos os anos. (MAENO; CARMO, 2005, p.30).

O modelo restritivo da Medicina do Trabalho começa a não ser mais

suficiente para a vasta gama de doenças que surgem em função da II Guerra

Mundial. Num contexto econômico e político da guerra e do pós-guerra, o custo

provocado pela perda de vidas ocasionadas pelos acidentes de trabalho

começou a ser sentido pelos empregadores. A evolução da tecnologia

industrial também evoluía de forma acelerada, alem da nova divisão

internacional do trabalho. Este conjunto de fatores traz a necessidade de

reorganização da medicina do trabalho.

Como resposta surge a perspectiva de ampliação da atuação médica

direcionada ao trabalhador propondo-se a intervir sobre o ambiente e

incorporando o instrumental de outras disciplinas e profissões. Desta evolução

conceitual surgiu a Saúde Ocupacional. �Com base neste novo paradigma,

somou-se à abordagem clínico-individual o ferramental de outras disciplinas,

em especial da ergonomia, da Higiene do Trabalho e da toxicologia. Medidas

de prevenção passaram a ser preconizadas.� (MAENO; CARMO, 2005, p. 42).

Apesar de a Saúde Ocupacional ampliar o leque de instrumentos e

conhecimentos para a abordagem entre saúde e trabalho, não consegue dar

conta de todos os problemas que circundam a Saúde do Trabalhador. Os

autores apontam como alguns dos pontos negativos alguns preceitos que se

transformaram em verdades incontestáveis, como o de que o ser humano pode

ser exposto a condições insalubres desde que respeitados limites considerados

aceitáveis, e que existem níveis seguros de exposição a substâncias nocivas.

A partir da década de 60, nos países industrializados do mundo

ocidental surge um movimento social de questionamento da vida, do trabalho e

do próprio Estado. Como resposta a este movimento social, novas políticas

sociais são transformadas em leis principalmente quanto a legislação

trabalhista. Esta nova legislação prevê o reconhecimento do exercício de

Page 42: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

42

direitos fundamentais dos trabalhadores, como o direito a informação, à recusa

ao trabalho em condições de risco grave para a saúde ou a vida, entre outros.

(MENDES; DIAS, 1991).

Neste intenso processo social de discussões teóricas e de práticas

alternativas, ganha corpo a teoria da determinação social do processo saúde-

doença, cuja centralidade colocada no trabalho � enquanto organizador da vida

social � contribui para aumentar os questionamentos à Medicina do Trabalho e

à Saúde Ocupacional.

A ampla movimentação social e o questionamento da Medicina do

Trabalho e da Saúde Ocupacional fazem surgir a Saúde do Trabalhador. O objeto da saúde do trabalhador pode ser definido como o processo saúde e doença dos grupos humanos, em sua relação com o trabalho. Representa um esforço de compreensão deste processo � como e porque ocorre � e do desenvolvimento de alternativas de intervenção que levem à transformação em direção à apropriação pelos trabalhadores, da dimensão humana do trabalho, numa perspectiva teleológica (MENDES; DIAS, 1991, p. 341).

Estes mesmos autores citam ainda as características desta nova área, a

Saúde do Trabalhador, no sentido de integrar o individual x coletivo, o biológico

x social, o técnico x o político, o particular e o geral.

Esta abordagem traz uma nova perspectiva, a de considerar o ser

humano em sua totalidade, ou seja, sua inserção no processo produtivo, na

organização e na divisão do trabalho e nas características específicas de cada

extrato social. �Este enfoque permitiu uma abordagem mais ampla das

necessidades de saúde dos trabalhadores e resultou em um espectro mais

largo e integral de instrumento para sua atenção� (MAENO; CARMO 2005 p.

44).

Esta visão holística do ser humano e do processo saúde/doença é

necessária para que se possa realizar o diagnóstico e a terapêutica,

principalmente das Doenças Relacionadas ao Trabalho, cuja definição

encontra-se na seqüência. Os agravos à saúde dos trabalhadores englobam, além dos acidentes de trabalho, as doenças profissionais � aquelas que apresentam relação nítida com o trabalho, sendo inerentes aos indivíduos que desenvolvem alguma atividade produtiva, que é a causa inequívoca da doença -, e as doenças relacionadas ao trabalho � aquelas em que não existe pressuposto da inerência, sendo o trabalho assumido como co-fator na

Page 43: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

43

etiologia da doença (WÜNCH FILHO apud SILVA, BARRETO JUNIOR E SANT�ANA, 2003, p. 1).

Esta nova concepção teórico-metodológica, com a visão integral do

trabalhador, possibilita a integração de vários fatores para que se consiga

estabelecer práticas de saúde adequadas para preservar a saúde dos

trabalhadores. Esta perspectiva amplia a possibilidade da identificação de

doenças relacionadas ao trabalho mesmo quando as causas são diversas e

complexas.

Agora que já identificamos as principais mudanças que ocorrem nas

práticas de saúde bem como estas repercutem na relação com o trabalho

analisaremos como este processo ocorreu no Brasil

Page 44: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

44

CAPÍTULO 3

A SAÚDE DO TRABALHADOR NO BRASIL

3.1 Processos Históricos e a Saúde no Brasil

Identificamos o trabalho como um dos fatores que age como

determinante no processo de morbi-mortalidade dos trabalhadores e que este

passa por modificações ao longo da história, o mesmo ocorrendo como o

processo saúde e doença. Baseando-se nesta concepção social é importante

citar alguns fatos históricos que marcaram o País principalmente aqueles que

de alguma forma se relacionam Política Pública de Saúde e à área de Saúde

do Trabalhador.

3.1.1 Período Pré 30

Os principais fatos que caracterizam este período são baseados em

Rocha e Nunes (1994). O período pré-30 tinha sua economia baseada no

modelo agro-exportador e a principal fonte de mão-de-obra era a escrava,

estando estes excluídos de quaisquer ações na área da saúde. Os

trabalhadores rurais apesar de serem fundamentais para a base da economia

também não tinham direitos sociais, o que era influenciado pela cultura

existente na qual a aristocracia rural, por ter a posse da terra, considerava que

os camponeses deveriam desempenhar suas funções como uma troca de

favores.

Este período era caracterizado por precárias condições de vida e

trabalho, mesmo assim a Constituição de 1891 previa a não intervenção do

Estado no mercado e nas relações de trabalho.

Neste período também houve um significativo aumento da população

urbana, principalmente no Rio de Janeiro de Janeiro e São Paulo. Estes

Page 45: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

45

centros apresentavam precárias condições de trabalho o que gerou várias

greves no período de 1901 e 1914, alcançando a quantidade de 129.

O rápido crescimento da população urbana e a emergência de uma

classe média geraram um conflito estrutural entre a classe oligárquica e os

grupos médios que pretendiam ter acesso ao sistema de poder.

Somente em 1919 o Estado começa a intervir nas relações de trabalho

em função da pressão dos trabalhadores e de fontes externas, estas últimas

podendo ser identificadas pela criação da Organização Internacional do

Trabalho (OIT), ao final da década de 10, que refletia a pressão dos países

capitalistas centrais sobre os periféricos no sentido de que todos enfrentassem

mais ativamente a problemática social e trabalhista.

Estas pressões internas e externas fazem com que surjam as primeiras

leis sobre o Acidente do Trabalho (1919) e a primeira lei sobre Previdência

Social (1923).

As condições de saúde/doença neste período eram compostas por um

predomínio das doenças pestilares (febre amarela, varíola, tuberculose e

malária) o que gerou ações de saúde de caráter sanitarista e campanhista,

visando garantir as condições produtivas do país agro-exportador. Assim estas

ações eram priorizadas para os principais centros agro-exportadores, São

Paulo, Minas Gerais e na Capital Federal (Rio de Janeiro).

Outra mudança importante na área da saúde foi a criação, em 1923, do

Departamento Nacional de Saúde Pública, propondo as seguintes atribuições

federais: saneamento rural e urbano; propaganda sanitária; a higiene infantil,

profissional e industrial; a fiscalização dos portos e o combate às endemias

rurais.

Portanto, neste período histórico podemos concluir que houve a

exclusão de importantes parcelas de trabalhadores das políticas sociais,

principalmente os escravos e os camponeses. Alguma mudança de postura por

parte do Estado somente ocorreu quando houve o fortalecimento da classe

média, somada as pressões internacionais. As ações de saúde tinham por

objetivo garantir as condições para a exportação dos produtos do modelo agro

exportador.

Page 46: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

46

3.1.2 Período 30-45

Neste período histórico, também baseado em Rocha e Nunes (1994),

ocorreu a crise do modelo agro-exportador e, por outro lado, um grande

desenvolvimento industrial, que aumentou 60% a produção entre 1939 e 1946.

Este desenvolvimento industrial foi influenciado, parcialmente, pela II

Guerra Mundial uma vez que havia a necessidade da instalação de bases

aéreas no território nacional para o trânsito de aviões de guerra.

Em relação ao contexto político, o fato marcante do período foi a

Revolução de 30, que levou a reorganização do Estado brasileiro,

caracterizado pela presença de Getúlio Vargas por um período de 15 anos.

Este período pode ser dividido basicamente em duas fases, até 1937, onde

existia uma crise de hegemonia devido à disputa de diferentes classes na

sucessão da oligarquia cafeeira, e, após 1937 um período com características

ditatoriais.

No primeiro período Vargas ampliou as Políticas Sociais para atender as

reivindicações populares e as pressões internacionais.

Outra questão importante é o controle sindical que inicia ainda no

primeiro período da era Vargas e se agrava substancialmente no segundo

período. Em 1931 surge o decreto 19.770 pelo qual os sindicatos deveriam ser

regulamentados junto ao Ministério do Trabalho, o que não é aceito pela

grande maioria deles e desta forma em 1934 surge outro decreto que assegura

a pluralidade e autonomia sindical. Isto não dura muito tempo e já em 1935,

após a rebelião militar, vários sindicatos são fechados e líderes sindicais são

presos. Com a implantação do Estado Novo, de caráter ditatorial o controle

sobre os sindicatos é ainda mais drástico. Neste período é instituído o imposto

sindical que fornece o alicerce necessário para a manutenção de serviços

assistenciais incentivando a associação dos trabalhadores em busca desses

serviços (médicos e jurídicos), transferindo para os sindicatos uma

responsabilidade que é do Estado.

Em 1943, outro fato importante que marcou este período foi à criação da

Consolidação das Leis do Trabalho � CLT através do Decreto-Lei n. 5.452.

Page 47: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

47

Em termos de saúde continuava uma situação bastante precária, com

más condições de trabalho, alta mortalidade infantil e o predomínio de doenças

infecto-contagiosas.

Surgem os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs), estes são

criados num contexto econômico de crescimento do processo de

industrialização e num momento político de ampliação da participação do

Estado em termos de políticas sociais. A partir de 1931 definiu-se que a

contribuição das empresas e da União fosse igual à dos segurados, porém o

Governo não repassou os recursos que lhe cabiam e desta forma em 1945 a

dívida da União chegou a 85% das despesas das instituições de Previdência.

Na prática a grande fonte de receita eram os salários dos trabalhadores.

Sintetizando, podemos dizer que neste período destaca-se o modelo

político que tem uma mudança significativa no período pós 37 com a

implantação da ditadura. Isto afeta de forma importante a organização sindical

no Brasil, que passa a ser controlada e direcionada para um padrão

assistencialista, ou seja, de cumprir um papel que deveria ser o do Estado de

garantir direitos como a saúde e assessoria jurídica. O desvio dos recursos dos

fundos de pensões também é algo que demonstra o quanto o Estado manipula

os recursos de acordo com seus interesses e necessidades, independente de

estar estabelecido em lei e de afetar a população nos seus direitos adquiridos.

Com base no que foi abordado neste período histórico podemos refletir sobre a

forma como as conquistas sociais e o poder dos sindicatos, são fortemente

influenciadas pelo modelo político e econômico do país, bem como das

pressões internacionais.

3.1.3 Período de 1945 à 1964

Este período, considerando Rocha e Nunes (1994), se caracterizou pelo

grande crescimento industrial saltando o valor da produção industrial de 17

bilhões e meio em 1939 para 116 bilhões e meio de cruzeiros em 1949. Até

1955 a industrialização privilegiou a indústria nacional, porém no governo de

Page 48: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

48

Juscelino Kubitscheck (1956-60) iniciou-se o processo de abertura ao capital

estrangeiro.

Em relação ao contexto político, a principal característica é o processo

de redemocratização do país, que ocorre com a queda do Estado Novo. Ao

lado disso, após o final da II Guerra Mundial, surge um movimento internacional

de mudança de postura do Estado, no sentido da ampliação de suas

atribuições sociais.

Quanto à organização sindical os mesmos permaneceram atrelados ao

Estado através do controle político e financeiro, com o objetivo de manter a

classe operária dentro dos limites.

O contexto político democrático populista propiciou um processo de

redemocratização da Previdência Social, com o aumento dos benefícios e

serviços prestados. Estes foram garantidos na legislação, mas não

asseguradas na prática.

Com relação ao processo saúde/doença começa a haver uma

importante modificação do perfil de morbi-mortalidade neste período, reduzindo

as doenças infecto-contagiosas e aumentando as doenças crônico-

degenerativas, estas últimas relacionadas com o desenvolvimento industrial.

Em 1953 o Ministério da Saúde é transformado em ministério autônomo.

Sintetizando, podemos dizer que este período se caracteriza por:

[...] um ascendente crescimento econômico, [...] do ponto de vista político assistiu-se, a um processo de redemocratização do país. Associa-se, ainda, a esse período um processo de rápida urbanização. Em relação ao papel do Estado, este se amplia, fato que ocorre também em muitos outros países, visando uma ação mais efetiva e operacional no que se refere às suas atribuições sociais. No caso brasileiro, no período pós-Estado Novo, ampliam-se os serviços e benefícios oferecidos pela Previdência Social. Pretendia-se com isto suavizar as tensões sociais com o estabelecimento de políticas sociais de caráter populista. O modelo populista esgota-se durante o Governo JK (ROCHA; NUNES, 1994, p. 111).

3.1.4 Período de 1964 a 1980

Page 49: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

49

O período 1964 a 1980, também foi sintetizado a partir de Rocha e

Nunes, e, pode ser identificado como o do Milagre Econômico. Nele ocorre o

crescimento industrial associado ao capital estrangeiro e uma forte

concentração da renda. O Estado desempenhou um papel central no processo

de acumulação e passou a ser a fonte mais importante de capital de

investimento.

Este período pode ser dividido em duas fases 1964/1974 e após 1974. A

primeira fase é conhecida como a fase do �milagre econômico� onde se justifica

o crescimento econômico associado ao arrocho salarial pela teoria de que seria

preciso �deixar o bolo crescer para então dividir�.

A partir de 1974 inicia-se um período de crise econômica interna e

internacional. A crise internacional se reflete no Brasil pelo aumento do preço

do petróleo e pela dificuldade da exportação de café, algodão, açúcar, etc.

Em termos políticos, o fato mais importante foi o golpe militar de 1964,

que representou a instalação de um regime caracterizado pelo autoritarismo,

excluindo a participação dos trabalhadores.

Neste contexto, o crescimento econômico foi acompanhado de um

arrocho salarial e um controle intenso sobre o movimento sindical. Após 1964

os militares recorreram a CLT para intervir nos sindicatos e prenderem os

líderes sindicais.

Em 1974 o descontentamento com o regime de 1964 é manifestado

através do voto maciço na oposição. Este processo acompanha a crise

econômica e torna clara a piora das condições de vida das classes média e

popular. Desta forma, principalmente após 1978 o Estado se vê obrigado a

ampliar paulatinamente a participação dos trabalhadores e coloca a questão

social como prioritária. Um dos exemplos é a Previdência Social, cujo Ministério

é criado nesta época.

Neste período o maior índice de acidentes de trabalho concentrava-se

nos trabalhadores diretamente ligados à produção. No início da década de 70 o

Brasil apresentou uma das taxas mais altas de acidente do trabalho do mundo.

Em 1971 para uma população empregada de 7,3 milhões de pessoas foram

registrados 1.401.922 acidentes, o que corresponde a uma taxa de ocorrência

de acidentes de quase 20%.

Page 50: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

50

As condições de saúde no país continuam

[...] precárias, com a associação de doenças ditas como do desenvolvimento, como as doenças cardiovasculares e as doenças mentais e, ao mesmo tempo, a presença de elevados índices de doenças infecciosas, inclusive com endemias antes tidas como rurais que se expandem aos centros urbanos, como a doença de Chagas. O duplo perfil de morbi-mortalidade sugere que os trabalhadores, ao construírem o progresso, não recebem necessariamente o seu benéfico e pagam o preço deste progresso em doenças (ROCHA; NUNES, 1994, p.115).

A resposta do Governo aos elevados índices de acidentes de trabalho

refletiu-se na criação de cursos de Medicina do Trabalho e Engenharia de

Segurança para ampliação dos Serviços de Medicina e Segurança nas

Empresas. Outra medida foi à promulgação da Lei n. 6.367 de Acidentes de

Trabalho em 19/10/1976. Esta Lei determinou que os primeiros 15 dias após o

acidente de trabalho fossem pagos pelo empregador, isto fez com que muitos

acidentes leves, com poucos dias de afastamento, não fossem registrados.

Reduziu-se desta forma o registro dos acidentes de trabalho, mas não a

quantidade real destes. Esta lei também eliminou o pagamento em pecúnio de

pequenas perdas sem repercussão sobre a atividade profissional que

representava 80% dos benefícios concedidos por acidente de trabalho,

gerando uma grande economia com relação aos custos dos acidentes de

trabalho.

Outro aspecto apontado pelos autores quanto às alterações ocasionadas

pela implementação da Lei n. 6.367 foi o reconhecimento de apenas 21

agentes como causadores de doenças profissionais. As outras precisam da

comprovação do nexo-causal e têm o caráter de excepcionalidade.

Os sindicatos neste período começam a se afastar do domínio estatal,

buscam maior autonomia propondo a negociação direta entre empresários e

trabalhadores. Este movimento tem seu marco nas greves de 1978, realizadas

nas indústrias metalúrgicas de São Paulo, onde foi negociada diretamente, em

acordo coletivo, a elevação dos salários.

É neste final da década de 70 que os movimentos sindicais atuam de

forma mais organizada e sistemática em relação à questão da saúde/trabalho.

Page 51: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

51

Porém, ainda assim, vários fatores dificultaram uma atuação mais efetiva, entre

eles: falta de autonomia sindical; órgãos sindicais centralizados e com ações

desintegradas; os baixos salários dos trabalhadores e a falta de estabilidade no

emprego. Os dois últimos fatores fazem com que as lutas tenham de ser

centradas nos reajustes salariais para garantir a sobrevivência, ao lado disso o

medo da demissão faz com que os trabalhadores omitam doenças.

Em termos de Saúde surgem grandes problemas, tais como a crise

financeira, com origem nas fraudes e nos desvios de verbas da Previdência

para os mega projetos do governo; aumento de gastos com a saúde que tinha

suas ações baseadas num modelo privatista; e a exclusão de grandes parcelas

da população do acesso à saúde (MINISTÉRIO da SAÚDE, 1997).

Por outro lado começa a haver uma crescente abertura política e o

reaparecimento de atores (parlamentares, trabalhadores, profissionais da

saúde coletiva, etc), dispostos a lutar pelo direito a saúde e construir uma nova

proposta, compondo o movimento da Reforma Sanitária. Este movimento

ganha força e une-se a acontecimentos internacionais como a Conferência de

Alma Ata que ocorreu em 1978, onde surge a proposta internacional de

priorização aos cuidados primários em saúde (MINISTÉRIO da SAÚDE, 1997).

3.1.5 Período de 1980 a atual

A situação da saúde no Brasil, na década de 80, era excludente e

apresentava índices alarmantes quanto à saúde da população, entre eles o

número de acidentes de trabalho. A situação da saúde no país influenciou a

ampliação do direito à saúde, expresso na Constituição de 88. Alguns dos

dados mais relevantes foram:

• Crianças morrendo aos milhões devido a diarréia, sarampo, meningite, entre outros agravos preveníveis, podendo ser comparada aos piores índices do planeta;

• Mulheres sem assistência à gestação e ao parto e com elevados índices de mortalidade materna e perinatal;

• Índices inaceitáveis de acidentes e doenças do trabalho, segundo organismos internacionais como a OIT

Page 52: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

52

(Organização Internacional do Trabalho) (Ministério da Saúde, 2004, p.3).

Estas precárias condições de Saúde da população, e a confluência de

fatores como o direcionamento internacional, a necessidade de expandir a

assistência médica de baixo custo para as populações excluídas e a pressão

de atores sociais (alguns parlamentares e profissionais de saúde) fez com que

houvesse alguns avanços na área da saúde o que pode ser identificado pela

realização em 1986 da VIII Conferência Nacional de Saúde na qual são

estabelecidas novas diretrizes para a saúde, entre elas:

1) Conceito ampliado de saúde;

2) Saúde como direito e dever do Estado;

3) Instituição do Sistema Único de Saúde.

O conceito ampliado de saúde, definido na VIII Conferência Nacional de

Saúde, 1986 é:

[...] a saúde é resultante, entre outras, das condições de habitação, alimentação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra, acesso a serviços de saúde.

Em 1988 é promulgada a nova Constituição do Brasil, a Constituição

cidadã, que incorpora grande parte dos princípios almejados pelo Movimento

da Reforma Sanitária, e estabelecidos em eventos como o de Alma Ata e da

VIII Conferência Nacional de Saúde.

As diversas reivindicações e pressões fizeram com que a Constituição

de 1988 incorporasse varias questões relativas às políticas sociais. Porém na

década de 90 ocorrem novas mudanças na estrutura de Estado o que faz com

que muitas vezes estes direitos inclusos na Constituição não sejam postos em

prática (RIBEIRO, 2004).

O período atual caracteriza-se por uma elevada taxa de desemprego.

Esta se tornou dramática a partir da adoção das políticas neoliberais em 1990.

O governo Collor começou a pô-las em prática, mas foi o governo Fernando

Henrique Cardoso quem efetivamente as implementou no país. O desemprego

Page 53: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

53

teve um salto impressionante, segundo Lesbaupin (2004). Conforme dados de

DIEESE/SEADE a taxa variou de 11,7% em 1991, na região metropolitana de

São Paulo, para 20% em 2004 na mesma região.

O desemprego no Brasil é fundamentalmente resultado do baixo

crescimento econômico, conseqüência das políticas neoliberais adotadas. O

que bloqueia o crescimento são os juros altos e o elevado superávit primário -

que impede a expansão das empresas e o investimento nos setores produtivos,

necessários para gerar desenvolvimento. Portanto o desemprego não está

sendo produzido principalmente pela modernização, mas sim pela política

econômica. Esta política tem por objetivo controlar a inflação e, para isto, seu

principal instrumento é o desemprego massivo. A �utilização de elevadas taxas

de juros como instrumento singular para coibir a ameaça de recrudescimento

da inflação acabou fazendo do desemprego a verdadeira âncora da

estabilização dos preços� (LESBAUPIN, 2004, p.7).

A quantidade de acidentes de trabalho também continua extremamente

alta no País repetindo índices de períodos anteriores. De 1999 à 2003 a

Previdência Social registrou 1.875.190 acidentes de trabalho, sendo 15.293

com óbito e 72.020 com incapacidade permanente o que significa uma média

de 3.059 óbitos/ano, entre os trabalhadores formais. O coeficiente médio de

mortalidade no período considerado foi de 14.84/100.000 trabalhadores. A

comparação deste coeficiente com o de outros países como a Finlândia, a

França, o Canadá e a Espanha, demonstra que o risco de morrer por acidente

de trabalho no Brasil chega a ser sete vezes superior (Ministério da Saúde,

2004).

Com relação ao Governo Lula, nos seus primeiros dois anos de

mandato, houve um medíocre crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), não

gerando impacto sobre o emprego e o valor dos salários diminuiu durante este

período (SAMPAIO, 2004). Outro ponto a ser destacado é a grande quantidade

de trabalhadores que atuam na informalidade, atingindo 50% e, destes, ¼

(23,8%, segundo IPEA) possuem renda inferior a 1 (um) salário mínimo.

(LESBAUPIN, 2004, p. 9).

A reforma agrária também não avançou significativamente durante este

Page 54: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

54

governo, assim como a reforma urbana que envolveria, por exemplo, a

construção de casas populares.

A utilização do imposto para redistribuição de renda como foi feito em

países da Europa e da América do Norte também não ocorreu no Brasil. �O que

se viu foi uma fúria arrecadadora, completamente indiferente ao fato de que o

sistema tributário vigente onera desproporcionalmente as camadas mais

pobres da população� (SAMPAIO, 2003, p.2)

Os Programas Sociais teoricamente implantados pelo governo Lula não

passaram de ações assistencialistas. �[...] não se conseguiu sair da linha

tradicional do assistencialismo praticado pelas elites dominantes e destinado

meramente a atenuar situações gritantes e explosivas de pobreza� (SAMPAIO,

2003, p.3)

Baseando-se no que foi trazido até o momento percebe-se que as

desigualdades não foram atenuadas durante este governo popular. Segundo

Sampaio (2003), o desmonte neoliberal continua o que pode ser comprovado

com ações como a reforma da Previdência Social, remoção do entrave

constitucional à autonomia do Banco Central; Reforma do Poder Judiciário; Lei

de Falências. Toda esta legislação estruturante, patrocinada a ferro e fogo pelo

governo petista, enquadra-se rigorosamente na receita do consenso de

Washington de Estado Fraco e mercado livre.

O Brasil, para conseguir confiança no mercado financeiro capitalista fez

concessões injustificáveis para as multinacionais de energia e

telecomunicações; isenções indevidas aos especuladores; �vista grossa� às

transgressões das madeireiras estrangeiras; favoreceu as multinacionais dos

transgênicos; entre outras medidas que conduziram a política de ajuste

neoliberal (SAMPAIO, 2003, p.6)

Quanto à organização popular o movimento está mais fraco, mais

confuso, mais dividido do que a anos atrás. Para se ter uma idéia disto, basta

atentar para o fato de que todas as tendências internas do PT "racharam" e

que vários sindicatos importantes desligaram-se ou estão em processo de se

desligar da CUT. Os demais partidos de esquerda e movimentos populares do

campo e da cidade também não escaparam desse processo. O governo Lula

Page 55: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

55

não reprime a esquerda ou o movimento popular, porém, provoca sua diluição

e fragmentação (SAMPAIO, 2003, p.2)

Podemos concluir que o Estado brasileiro, nos últimos anos, apesar de

ter a sua frente um partido de esquerda que teoricamente representa os

trabalhadores, tem aderido às exigências neoliberais e desta forma não

construído um Estado que se estruture no sentido de garantir os mínimos

sociais da população e nem oportunizado uma maior redistribuição de renda ou

aumento da taxa de empregos. Os sindicatos também estão mais frágeis e

dicotomizados do que em períodos anteriores.

Do resgate histórico realizado podemos perceber que houveram várias

modificações na organização da sociedade brasileira durante sua história,

porém esta, sempre sujeita as pressões internacionais, reflexo de se constituir

como um país periférico e portanto sofrendo ainda mais as influências dos

países centrais. Esta situação de submissão piora após o período

desenvolvimentista que elevou a dívida externa do país.

Algumas mudanças no sentido de obter conquistas com relação à

ampliação de direitos sociais somente ocorreram quando, econômica, social e

politicamente foram necessários ao país. Economicamente quando o país

precisava melhorar a infra-estrutura para poder escoar as mercadorias; atender

a normas sanitárias ou trabalhistas internacionais. Politicamente as mudanças

ocorreram quando determinados partidos desejavam ascender ou permanecer

no poder, utilizando-se freqüentemente de práticas populistas. E socialmente,

quando uma parcela significativa da população atinge um determinado status

na sociedade ou ainda quando o poder de mobilização da população ameaça a

estabilidade política ou econômica do país.

As organizações sindicais são vítimas de pressões políticas e

governamentais no sentido de coibir sua atuação como instrumento de

reivindicação da classe trabalhadora. Esta interferência sobre o poder sindical

torna-se ora mais explicita, ora menos, de acordo com a conjuntura histórica do

período. Neste momento, por exemplo, os sindicatos estão em sua grande

maioria desempenhando um papel assistencialista como resultado da política

neoliberal implantada no País e que fragiliza de tal forma a classe trabalhadora

Page 56: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

56

que esta perde seu poder de luta por direitos. Portanto, neste contexto a

coerção sobre a organização sindical não precisa ser levada a extremos.

E finalmente a Política de Saúde que por ser uma Política Social sofre a

influência da forma como o Estado se encontra configurado e a postura que

este adota frente à garantia dos direitos sociais da população. Assim, na

década de 80, o panorama nacional possibilitou a inserção na Constituição de

1988 de vários avanços nesta área, já na década seguinte, com a adoção das

medidas neoliberais esta legislação por vezes é ignorada escancaradamente.

Este conjunto de fatores políticos, econômicos e sociais tem reflexos

sobre a saúde da população, bem como sobre a estruturação das políticas

públicas. Na seqüência será apresentada uma síntese da história da Saúde do

Trabalhador, que é uma das áreas da Política de Saúde. Basicamente os

mesmos fatores que oportunizaram a inclusão do SUS na Constituição de

1988, também foram os que fizeram com que a Saúde do Trabalhador fosse

incorporada a esta Política Pública.

3.2 Saúde do Trabalhador no Brasil

Apesar da correlação entre o adoecimento e a morte de trabalhadores já

ser apontada em literatura desde 1700, através da obra de Bernardino

Ramazzini, que analisou trabalhadores de várias categorias � os escribas que

são comparados aos atuais digitadores, os trabalhadores de poços e os

limpadores de latrinas, etc � identificando que conforme o trabalho que

realizavam desenvolviam determinadas doenças; mesmo transcorrido tanto

tempo e havendo a constatação da importância do trabalho para o

desenvolvimento de várias doenças nos trabalhadores, a implantação de uma

Política de Saúde do Trabalhador vai sendo construída com avanços e

retrocessos conforme o momento político, econômico e social do País.

Além do elevado índice de acidentes de trabalho a Saúde do

Trabalhador teve um importante avanço num momento em que houve a

confluência de vários fatores que agiram positivamente para o surgimento dos

primeiros Programas de Saúde do Trabalhador (PST). Lacaz (2005) destaca: o

Page 57: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

57

fortalecimento do movimento sindical a partir da segunda metade da década de

70; o empenho de alguns profissionais, principalmente militantes de esquerda;

e as pressões internacionais que ocorriam em virtude do elevado índice de

acidentes de trabalho que ocorriam. A década de 80 também se constituiu

como ponto de referência para a consolidação da luta dos trabalhadores e da

sociedade brasileira pela democracia, que culminou com a promulgação da

Constituição de 1988, a chamada �Constituição Cidadã�.

O que é conhecido hoje como Saúde do Trabalhador é, portanto a

resposta institucional a diversos movimentos sociais que entre os anos 70 e 90

confluíram para a reivindicação de que a Saúde do Trabalhador fizesse parte

do direito universal à saúde.

A construção da Saúde do Trabalhador no Brasil será apresentada a

partir de Maeno e Carmo (2005).

Os vários fatores apontados anteriormente por Lacaz fizeram com que

surgissem, ainda antes da promulgação da Constituição de 1988 e da I

Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, as primeiras unidades de

Programa de Saúde do Trabalhador que tiveram inicio no ano de 1984 em São

Paulo e, posteriormente, no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e

Bahia.

Estes Programas de Saúde do Trabalhador tinham por objetivo

desenvolver ações realmente direcionadas para a Saúde do Trabalhador e num

enfoque que priorizasse os trabalhadores.

Anteriormente já vimos as práticas em saúde relacionadas à área de

Saúde do Trabalhador. Estas inicialmente tinham um caráter biologicista e

mecanicista, repetindo o padrão predominante de compreensão de

saúde/doença da época, e que tinha por objetivo atuar sobre o trabalhador,

sem intervir no processo de trabalho. Este modelo é baseado na Medicina do

Trabalho. Na seqüência surge o modelo da Saúde Ocupacional, que tem uma

visão de saúde um pouco mais ampliada ao integrar novos conhecimentos e

disciplinas na prática em Saúde do Trabalhador. A Saúde Ocupacional a nível

internacional surge ainda na década de 50, inclusive nos Estados Unidos.

Posteriormente a OIT, inclui o caráter preventivo a esta política, lançando a

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58

discussão sobre a regulação dos Serviços Médicos nas empresas, através da

�Recomendação para Serviços de Saúde Ocupacional� mais conhecida como

recomendação nº 112. Esta resolução da OIT estabeleceu [...] que os serviços deveriam proteger os trabalhadores contra qualquer risco a sua saúde que pudesse decorrer do seu trabalho ou das condições em que este é realizado; contribuir para o ajustamento físico e mental do trabalhador, obtido especialmente pela adaptação do trabalho aos trabalhadores, e pela colocação destes em atividades profissionais para as quais tivesse aptidões; e contribuir para o estabelecimento e a manutenção do mais alto grau possível de bem-estar físico e mental dos trabalhadores. Destacava que o papel dos médicos nas empresas era estruturar um serviço essencialmente preventivo (MAENO; CARMO, 2005, p. 56).

No Brasil, o que prevalecia nesta época e perdurou por muitos anos

além, foi uma prática médica essencialmente curativa, apesar das resoluções

da OIT.

Outro marco importante para a Saúde do Trabalhador no Brasil é a

criação da Fundacentro, em 1966, vinculada ao Ministério do Trabalho. Esta

fundação teve origem numa proposta de criação de um Centro de Estudos e

Pesquisas no Brasil, ligado a Universidade.

A Fundacentro teve papel fundamental na disseminação de

conhecimentos em Saúde do Trabalhador. Foi através dela que foi ministrado

em quase todos os estados brasileiros um curso básico de Saúde e Segurança

no Trabalho, pré-requisito para a obtenção da qualificação dos médicos do

trabalho e de engenheiros de segurança do trabalho.

Ainda assim os avanços em Saúde do Trabalhador são lentos, como por

exemplo, no período final da ditadura, de 1976 a 1982, quando apesar das

lutas de profissionais de saúde, principalmente alguns ligados ao PCB como

David Capistrano da Costa Filho1 era difícil implementar uma política de Saúde

do Trabalhador. O objetivo destes profissionais de saúde era: [...] reorganizar departamentos médicos formatados para um atendimento próximo a um plano de saúde privado, sem nenhuma valorização da atividade de trabalho do paciente, e transformá-los em instrumentos de coleta de informações pertinentes à saúde do operário. Portanto, em uma ferramenta

1David Capistrano Filho (*1948 a +2000) Médico Sanitarista, Ex -Secretário de Higiene e Saúde de Bauru/SP (1984-1986). Foi ainda prefeito da cidade paulista de Santos e autor de várias obras na área de Saúde Pública.

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59

de luta pela Saúde do Trabalhador. Assim como os planos da saúde privados dos ambulatórios dos sindicatos tinham uma perspectiva estritamente assistencial, sem atividades de prevenção de agravos relacionados ao trabalho. (MAENO; CARMO, 2005, p. 61).

Em 1982 ocorreu um avanço na área de Saúde do Trabalhador. Neste

ano muitos médicos ligados politicamente à esquerda, entraram por concurso

no Ministério do Trabalho e passaram a atuar em sintonia com colegas da

Saúde Pública, possibilitando a construção de uma nova prática em defesa da

saúde e segurança dos trabalhadores.

Os autores citam ainda a influência do movimento sindical italiano, que

inspirava vários dos militantes de esquerda da época e, dentre estes, os

profissionais que foram construindo os primórdios da Saúde do Trabalhador no

Brasil. Esta influência veio a gerar frutos concretos a partir de um convênio,

iniciado por David Capistrano Filho, através do qual dezesseis médicos

brasileiros que receberam bolsas de institutos italianos dedicados

exclusivamente a Saúde do Trabalhador.

Como um dos resultados deste intercâmbio, que gradualmente

disseminou-se no Brasil, surgiu o chamado �Mapa de Risco�, uma metodologia

de análise e estimativa dos riscos físicos, químicos, biológicos e de

organização do trabalho aos quais os trabalhadores estão expostos. Era o

primeiro mapa deste tipo feito sem médico, um meio para que os próprios

trabalhadores atuassem como instrumentos e sujeitos de informação e

avaliação. A introdução da obrigatoriedade do mapeamento dos riscos

ocupacionais na nossa legislação trabalhista foi resultado dessa influência, mas

sua forma de aplicação está distante do conceito original, que privilegiava a

participação ativa dos trabalhadores no processo.

Apesar de muitas modificações, foi à influência italiana que contribuiu

para a criação dos serviços de atenção à Saúde do Trabalhador dentro da

estrutura da rede básica de saúde. O modelo italiano, a grosso modo, preconizava a participação dos trabalhadores na geração do conhecimento e no controle dos riscos aos quais estavam expostos no trabalho, ao mesmo tempo que contemplava a atenção a saúde dos trabalhadores, com suas especificidades, dentro da estrutura pública, sempre com a integração entre trabalhadores e quadros técnicos. (MAENO; CARMO, 2005, p. 64).

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60

A proposta de integração da Saúde do Trabalhador na rede básica de

saúde já havia sido apontada, no Brasil, em 1983 por Júlio Pereira e Koshiro

Otani, após relatório que fizeram e apresentaram no II Congresso Paulista de

Saúde Pública. Neste relatório foram registrados dados obtidos de

trabalhadores que atuavam em duas empresas do ramo metalúrgico do interior

de São Paulo.

A proposta dos dois não foi implantada, porém, no ano seguinte

novamente, David Capistrano Filho, cria a possibilidade para que se organize o

primeiro serviço de Saúde do Trabalhador, que um pouco mais tarde se

transformaria no Programa de Saúde do Trabalhador da Zona Norte de São

Paulo (PST/ZN) Na seqüência foram criados outros Programas de Saúde do

Trabalhador, como por exemplo, o de Bauru e o Centro de Saúde do

Trabalhador (Cesat) da Baixada Santista. Este último teve desde o início, o

entendimento de que as ações de saúde deveriam incluir, além da assistência,

a vigilância, incluindo a vigilância epidemiológica para doenças ocupacionais e

a vigilância sanitária para os fatores de risco nos ambientes de trabalho. Outra

característica do Cesat era sua atuação interinstitucional com diversos

sindicatos, Fundacentro e Secretaria de Relações de Trabalho.

Se, nos anos 80 a participação do movimento sindical foi um dos

aspectos centrais para o desenvolvimento da Saúde do Trabalhador, a partir

dos anos 90, com o avanço da reestruturação produtiva na globalização

neoliberal, os órgãos de representação dos trabalhadores perderam grande

parte de sua representatividade. O mundo do trabalho, antes dominado pela indústria taylorista/fordista, espaço que legitimou a atuação dos sindicatos nos anos 70 e 80, hoje é caracterizado pelo setor terciário que absorve a maior parcela da força de trabalho, cujos vínculos de emprego diluíram-se na precarização e no desemprego. E, neste contexto, a ação sindical perdeu eficácia e capacidade de representação, tendo pouca interlocução hoje ao nível das políticas públicas. (LACAZ, 2004 apud LACAZ, 2005, p. 147).

Por outro lado o desafio que se coloca para a Saúde do Trabalhador

continua a ser �a necessidade de unificação de órgãos com vistas a uma

efetiva política de caráter intersetorial, universal, que incorpore a integralidade

da atenção, com participação social�. (LACAZ; MACHADO; PORTO, 2002 apud

LACAZ 2005, p. 147).

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61

Estas importantes questões nos possibilitam perceber que a Saúde do

Trabalhador encontra-se atualmente fragilizada, sendo um dos fatores a

redução do poder dos sindicatos. A complexidade da área envolve a ação intra

e intersetorial, conforme apontada pelo autor, ou seja, a aplicação dos

princípios do SUS. Na seqüência serão apresentadas algumas das diretrizes

do SUS, inclusive aquelas que dizem respeito à Saúde do Trabalhador.

3.3 Diretrizes do SUS e da Saúde do Trabalhador

Em 1990 o Sistema Único de Saúde é regulamentado através da Lei

Orgânica da Saúde n 8.080, os objetivos são amplos e visam desenvolver

ações que venham a atender o conceito ampliado de saúde, estabelecido na

VIII Conferência Nacional de Saúde. Especificamente com relação à Saúde do

Trabalhador, os objetivos da Lei 8080/90 são:

A execução de ações de vigilância sanitária, epidemiológica, de saúde dos trabalhadores de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica.

O SUS é organizado através de princípios doutrinários e organizativos,

que conforme o Ministério da Saúde (1997), tendo por objetivo estabelecer os

parâmetros de conduta e desempenho de cada esfera de governo, do controle

social e da articulação com o setor privado.

Os princípios doutrinários são:

• Universalidade: todas as pessoas têm direito ao atendimento independente de cor, raça, religião, local de moradia, situação de emprego ou renda, etc. A saúde é direito de cidadania e dever do governo municipal, estadual e federal.

• Equidade: Todo cidadão é igual perante o Sistema Único de Saúde e será atendido conforme suas necessidades. [...] O SUS não pode oferecer o mesmo atendimento à todas as pessoas [...] o SUS deve tratar desigualmente os desiguais.

• Integralidade: as ações de saúde devem ser combinadas e voltadas ao mesmo tempo para prevenção e a cura. Os serviços de saúde devem funcionar atendendo o indivíduo como um ser humano integral. [...] Desta forma o atendimento deve ser feito para a sua saúde e não

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somente para as suas doenças. Isto exige que o atendimento deva ser feito também para erradicar as causas e diminuir os riscos, além de tratar os danos. Ou seja, é preciso garantir o acesso às ações de: Promoção, Prevenção e Recuperação (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1997 p. 28)

Os princípios Organizativos são:

• Regionalização e hierarquização � a rede de serviços do SUS deve ser organizada de forma regionalizada e hierarquizada, permitindo um conhecimento maior dos problemas de saúde da população de uma área delimitada, favorecendo ações de vigilância epidemiológica, sanitária, controle de vetores, educação em saúde, além das ações de atenção ambulatorial e hospitalar em todos os níveis de complexidade. O acesso da população à rede deve se dar através dos serviços de nível primário de atenção, que devem estar qualificados para atender e resolver os principais problemas. Os que não forem resolvidos a este nível deverão ser referenciados para os serviços de maior complexidade tecnológica.

• Resolutividade: é a exigência de que quando um indivíduo buscar o atendimento ou quando surgir um problema de impacto coletivo sobre a saúde o serviço correspondente esteja capacitado para enfrentá-lo e resolve-lo até o nível de sua complexidade.

• Descentralização: é entendida como a redistribuição das responsabilidades às ações e serviços de saúde entre os vários níveis de governo, a partir da idéia de que quanto mais perto do fato a decisão for tomada mais chance haverá de acerto. [...] Este processo recebe o nome de Municipalização.

• Participação dos Cidadãos: é a garantia constitucional de que a população através de suas entidades representativas poderá participar do processo de formulação das políticas de saúde e do controle de sua execução em todos os níveis de governo.

• Complementariedade do Setor Privado: quando por insuficiência do setor público for necessária a contratação de serviços privados (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1997, p. 29)

A forma como os municípios devem se organizar e gerenciar a saúde

estão estabelecidos pela NOB 01/96 e são:

Gestão Plena de Atenção Básica � neste tipo de gestão a responsabilidade

do município está direcionada a atenção básica, abrangendo serviços de

Clínica Médica, Pediátrica, Ginecológica e Cirurgia Geral; serviços de Vigilância

Sanitária e ações de Epidemiologia e controle de doenças. Os recursos são

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repassados baseados na relação habitante/ano. A Saúde do Trabalhador é um

dos programas básicos a ser mantido por este tipo de gestão.

Gestão Plena do Sistema Municipal � o município habilitado para este tipo de

Gestão tem responsabilidades sobre ações de saúde mais complexas. O

Município planeja, controla e avalia todas as unidades ambulatoriais básicas,

especializadas e hospitalares, públicas e privadas, vinculadas ao SUS em seu

território. Os recursos financeiros devem ser correspondentes ao teto

ambulatorial e hospitalar estabelecido.

De acordo com o citado até o momento percebemos como a

regulamentação do SUS é bastante abrangente na legislação, garantindo

acesso a todos à saúde, em todos os níveis de complexidade, inclusive com a

participação da comunidade no controle das ações nesta área. O cumprimento

do Estado com relação a esta regulamentação é o que analisaremos na etapa

final desta pesquisa. Na seqüência serão citadas as principais diretrizes que

definem a atuação na área de Saúde do Trabalhador.

Conforme os Cadernos de Atenção Básica de Saúde do Trabalhador, do

Ministério da Saúde (2002), uma das grandes mudanças de paradigma

estabelecidas pela Constituição está em considerar o trabalho como um fator

determinante e condicionante do processo saúde/doença. Ou seja, as

circunstâncias nas quais o trabalho ocorre, os fatores de risco aos quais os

trabalhadores estão expostos, a organização do processo produtivo, ou ainda a

ausência do trabalho que expõem o cidadão a uma dependência do Estado,

passam a ser fatores que influenciam diretamente no processo saúde/doença.

Antes de citarmos as principais regulamentações quanto a Saúde do

Trabalhador traremos a definição, adotada pelo Ministério da Saúde, dos

termos Acidente de Trabalho e Doenças Relacionadas ao Trabalho, conceitos

fundamentais para a compreensão do que este órgão governamental considera

em cada um dos respectivos casos.

Acidente de Trabalho é definido como: �todos os acidentes que ocorrem

no exercício da atividade laboral ou no percurso de casa para o trabalho e vice-

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versa, podendo o trabalhador estar inserido tanto no mercado formal como

informal de trabalho�.(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002).

As principais causas do adoecimento dos trabalhadores são:

[...] o arranjo físico inadequado do espaço de trabalho, falta de proteção em máquinas perigosas, ferramentas defeituosas, possibilidade de incêndio e explosão, esforço físico intenso, levantamento manual de peso, posturas e posições inadequadas, pressão da chefia por produtividade, ritmo acelerado na realização das tarefas, repetitividade de movimento, extensa jornada de trabalho com freqüente realização de hora-extra, pausas inexistentes, trabalho noturno ou em turnos, presença de animais peçonhentos e presença de substâncias tóxicas nos ambientes de trabalho estão entre os fatores mais freqüentemente envolvidos na gênese dos acidentes de trabalho. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002, p. 8).

As Doenças Relacionadas ao Trabalho são definidas como:

[...] um conjunto de danos ou agravos que incidem sobre a saúde dos trabalhadores, causados, desencadeados ou agravados por fatores de risco presentes nos locais de trabalho. Manifestam-se de forma lenta, insidiosa, podendo levar anos, as vezes até mais de 20, para manifestarem o que na prática, tem demonstrado ser um fator dificultador no estabelecimento da relação entre uma doença sob investigação e o trabalho. Também são consideradas as doenças provenientes de contaminação acidental no exercício do trabalho e as doenças endêmicas quando contraídas por exposição ou contato direto, determinado pela natureza do trabalho realizado (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002, p.8).

Os riscos presentes nos locais de trabalho, segundo o Ministério da

Saúde podem ser classificados em:

Físicos: ruído, vibração, calor, frio, luminosidade, ventilação, umidade,

pressões anormais, radiação, etc.

Químicos: substâncias químicas e tóxicas presentes nos ambientes de

trabalho nas formas de gases, fumo, névoa, neblina e/ou poeira.

Biológicos: bactérias, fungos, parasitas, vírus, etc.

Organização do trabalho: divisão do trabalho, pressão da chefia por

produtividade ou disciplina, ritmo acelerado, repetividade de movimento,

jornadas de trabalho extensas, trabalho noturno ou em turnos, organização do

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espaço físico, esforço físico intenso, levantamento manual de peso, posturas e

posições inadequadas, entre outros.

O Ministério da Saúde (2002) cita ainda algumas doenças como

prioridade para notificação e investigação epidemiológica, sendo que cada

município ou estado pode acrescentar outras conforme houver necessidade.

São elas: Doenças das vias aéreas, pneumoconioses (causadas, por exemplo,

pela poeira de sílica e do absento), asma ocupacional, Perada Auditiva

Induzida por Ruído (PAIR), Lesão por Esforço Repetitivo/Distúrbio

Osteomuscular Relacionado ao Trabalho (LER/DORT), Intoxicações Exógenas,

Solventes Orgânicos, Dermatoses Ocupacionais, Distúrbios Mentais e

Trabalho.

Agora que já apresentamos a conceituação de Acidente de Trabalho e

Doenças Relacionadas ao Trabalho adotadas pelo Ministério da Saúde

citaremos as principais diretrizes estabelecidas na Lei Orgânica da Saúde

(LOS) e Norma Operacional Básica de Saúde do Trabalhador (NOST � SUS),

norteadoras desta política pública.

A Saúde do Trabalhador já se faz presente desde a implementação da

Lei Orgânica da Saúde (LOS) 8080/90, que regulamenta o SUS devendo ser

organizada de acordo com os princípios básicos estabelecidos nesta Lei.

Na LOS a Saúde do Trabalhador está definida como:

[...] um conjunto de atividades que se destina, através de ações de vigilância epidemiológica e sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho (LOS 8080/90).

As ações específicas de Saúde do Trabalhador constantes na LOS

referem-se ao:

[...] atendimento as vítimas de acidente de trabalho ou portadores de doença profissional ou do trabalho: a realização de estudos, pesquisa, avaliação e controle dos riscos e agravos existentes no processo de trabalho, a informação ao trabalhador, sindicatos e empresas sobre os riscos de acidentes bem como resultados de fiscalizações, avaliações ambientais, exames admissionais, periódicos e demissionais, respeitada a ética. (LOS 8080/90).

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Ainda quanto à legislação, as ações de Saúde do Trabalhador também

estão instituídas através da Norma Operacional Básica de Saúde do

Trabalhador (NOST � SUS) na Portaria n 3908/GM de 30.09.1998. Nela

destacam-se as seguintes atividades: a)Informações ao trabalhador, à sua respectiva entidade sindical e às empresas, sobre os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão, respeitados os preceitos da ética profissional; b)Participação na normalização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas; c)Revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas dos processos de trabalho, tendo na sua elaboração, a participação das entidades sindicais; d)Garantia ao sindicato dos trabalhadores, de requerer aos órgãos competentes, a interdição de máquinas, de setores de serviços ou de todo o ambiente de trabalho, quando houver exposição a risco iminente para a vida ou saúde do trabalhador (NOST/SUS Portaria n 3908/GM de 30.09.1998).

Baseando-se nestes princípios norteadores do SUS para com a Saúde

do Trabalhador podemos sintetizar as duas áreas de atuação que os

municípios devem enfocar: a Assistência e a Vigilância em Saúde. As ações de atenção à saúde do trabalhador devem ser organizadas para que seja prestada assistência multiprofissional às vítimas de doenças ocupacionais, de doenças relacionadas ao trabalho e de acidentes de trabalho, incluindo ações de diagnóstico, identificação de nexo causal, tratamento, recuperação e reabilitação, bem como a vigilância de ambientes de trabalho e prevenção de riscos. As ações de vigilância têm como objetivo identificar situações de riscos de acidentes e agravos à saúde e promover melhorias nas condições de segurança e saúde no trabalho, através de visitas às empresas e notificação sobre mudanças a serem realizadas. A assistência ao trabalhador vítima de acidente ou doença do trabalho pode ser feita na rede básica ou em serviços especializados (SILVA; BARRETO JR.; SANT�ANA, 2003, p. 52).

As ações em Saúde do Trabalhador da rede básica de saúde estão

citadas pelos Cadernos de Atenção Básica do Ministério da Saúde (2002).

Estão relacionadas ações de atribuições de toda a equipe, independentemente

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da forma como se organiza a atenção básica, que pode ser em Programas de

Saúde da Família ou em Centros/Postos de Saúde.

Estas atribuições gerais referem-se ao registro da população

economicamente ativa; das atividades produtivas existentes na área; dos

trabalhadores independentemente de trabalho formal ou informal; do trabalho

de menores, da ocorrência de acidentes e/ou doenças relacionadas ao

trabalho.

Além do registro são ainda atribuições destas unidades: organizar e

analisar os dados de visitas domiciliares; desenvolver ações educativas em

Saúde do Trabalhador; incluir o item ocupação e ramo de atividade nas fichas

de atendimento; planejar ações de vigilância nos locais de trabalho;

desenvolver ações intersetoriais para solucionar os problemas encontrados;

(considerar como evento sentinela o trabalho de menores de 16 anos). Para os

casos de Acidente de Trabalho ou Doença Ocupacional cabe a estas unidades:

1) condução clínica dos casos; 2) encaminhamentos para outros níveis de

complexidade; 3) notificação dos casos nos instrumentos do Ministério da

Saúde; 4) solicitar emissão de CAT e o médico preencher o campo respectivo a

ele da mesma; 5) investigação do local de trabalho; 6) orientações trabalhistas

e previdenciárias; 7) informar e discutir com o trabalhador as causas do seu

adoecimento.

Conforme foi citado anteriormente a Política de Saúde do Trabalhador

deve seguir os mesmos princípios do SUS. E os pressupostos básicos da

NOST/SUS, que identificam esta atuação, podem ser sintetizados em:

universalidade das ações, independentemente de vínculos empregatícios

formais no mercado de trabalho; integralidade das ações, compreendendo

assistência, recuperação de agravos e prevenção por meio de intervenções

nos processos de trabalho; direito à informação e controle social, com a

incorporação dos trabalhadores e seus representantes, em todas as etapas da

vigilância à saúde; e regionalização e hierarquização, através da execução das

ações de saúde do trabalhador em todos os níveis da rede de serviços,

organizado num sistema de referência e contra-referência, local e regional.

Atender aos princípios do SUS traz a tona uma complexidade de ações

e atores que são necessários para que seja efetuada uma política de saúde

inclusiva e resolutiva. As responsabilidades pela atenção à saúde do

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trabalhador devem ser compartilhadas de forma diferenciada por

empregadores, trabalhadores (através de suas representações) e Estado (no

seu papel de mediador e condensador das forças sociais).

A área de Saúde do Trabalhador necessita que as ações sejam de

caráter intra e intersetorial. Nesta atuação transversal, devem estar inclusas as

práticas em parceria com a Previdência Social, o Ministério de Trabalho, o

Ministério Público. Estas articulações são extremamente complexas, sabendo-

se dos entraves burocráticos e das disputas de poder existentes quando a

articulação envolve tantos atores com interesses muitas vezes antagônicos. Na

esfera do Estado, atuam nessa questão os Ministérios do Trabalho, da

Previdência Social, da Saúde e do Meio Ambiente, a Justiça do Trabalho e a

Promotoria Pública. Dias apud Silva; Barreto Jr.; E Sant�Ana (2003) elaborou

um apanhado das atribuições destes diferentes órgãos e ainda do GEISAT,

descritos resumidamente a seguir:

• GEISAT - Grupo Executivo Interinstitucional de Saúde do Trabalhador �

constituído por representantes dos Ministérios envolvidos com a Saúde

do Trabalhador e que tem como função articular e racionalizar a atuação

dos diferentes setores governamentais, evitar a duplicação de ações e

desperdício de recursos, compatibilizar e integrar as políticas e práticas

de intervenção desenvolvidas pelo Estado.

• Ministério do Trabalho e Emprego � cabe a inspeção do trabalho em

nível nacional, fundamentado nos dispositivos da Consolidação das Leis

de Trabalho (CLT), nas Convenções Internacionais ratificadas pelo

Brasil e nas cláusulas dos Contratos Coletivos de Trabalho. Conta com o

apoio técnico da Fundacentro que, entre outras atividades, realiza

estudos e pesquisas e desenvolve programas educacionais sobre

diferentes assuntos que envolvem o trabalhador e respectivas condições

de trabalho.

• Previdência Social - cabe, por meio do Instituto Nacional do Seguro

Social � INSS, a responsabilidade pelo pagamento dos benefícios,

enquanto perdure a incapacidade decorrente de acidente do trabalho.

Entre outras atribuições do INSS estão os procedimentos de reabilitação

profissional, de preparo e capacitação para acidentados ou

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incapacitados para a reinserção no mercado e a coleta, a consolidação e

a divulgação de dados sobre ocorrência de acidentes de trabalho.

• Justiça do Trabalho � integra o Poder Judiciário e congrega as Juntas de

Conciliação e Julgamento, o Tribunal Regional do Trabalho e o Tribunal

Superior do Trabalho.

• Ministério Público - presta assistência jurídica às vitimas de acidentes e

doenças do trabalho e/ou aos seus dependentes, fiscaliza e acompanha

denúncias de descumprimento das Normas de Segurança e Medicina do

Trabalho, impetra ações de reparação de dano, interpreta e elabora

pareceres técnicos que respaldem a atenção à Saúde dos

Trabalhadores.

• Sistema Único de Saúde � mantém programas ou Centros de

Referência à Saúde do Trabalhador, nos serviços próprios ou

conveniados da rede SUS.

Acabamos de ver as atribuições de cada órgão governamental e

inclusive do órgão específico que tem como finalidade integrá-los com objetivo

de evitar a duplicidade de ações e o desperdício de recursos. Na seqüência

iremos abordar a estratégia adotada pelo Ministério da Saúde para ampliar as

ações em Saúde do Trabalhador nos Estados e municípios, a RENAST (Rede

Nacional de Atenção Integral em Saúde do Trabalhador). Esta abordagem será

baseada em Hoefel, Dias e Silva (2005).

A estratégia para a implementação das ações em Saúde do Trabalhador

foi baseada num modelo de Centros de Referência, que se expandiram pelo

país na década de 90, a maioria destes Centros era vinculado às Secretarias

Municipais de Saúde e em alguns casos a hospitais universitários. Este modelo

de organização das ações em Saúde do Trabalhador contribuiu para o avanço

na área, porém manteve a mesma a margem das políticas de saúde do SUS,

na medida em que estes centros têm �ficado de fora� do sistema como um

todo. Esta problemática levou o Ministério da Saúde a desenvolver novas

estratégias para a inclusão real da Saúde do Trabalhador no SUS. Assim, em

2002 surgiu a proposta de criação da RENAST. A RENAST pode ser caracterizada como uma rede de atenção integral à saúde do trabalhador no SUS, estruturada a partir

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dos centros de referência, das unidades e dos municípios sentinela, organizada em torno de um dado território. [...] Os Municípios Sentinela e Núcleos Sentinela tem a tarefa de desenvolver metodologias e organizar o fluxo de atendimento aos adoecidos e acidentados do trabalho em todos os níveis de atenção do SUS: rede básica, média e alta complexidade de modo articulado com as Vigilâncias Sanitária, Epidemiológica e Ambiental (HOEFEL; DIAS; SILVA 2005, p.74).

Para incentivar os gestores municipais a implantarem as ações em

Saúde do Trabalhador foi definido o repasse, na fase inicial da RENAST, de

recursos extrateto, transferidos pelo Fundo Nacional de Saúde aos Fundos

estaduais e municipais de saúde.

Com a implantação da RENAST o papel dos Centros de Referência

passou a ser de se constituírem como pólos irradiadores da cultura da

produção social das doenças e da centralidade do trabalho nesse processo;

prover suporte técnico adequado às ações de Saúde do Trabalhador; recolher,

sistematizar e difundir informações de interesse para a Saúde do Trabalhador;

viabilizar as ações de vigilância, facilitar os processos de capacitação e

educação permanente para os profissionais e técnicos da rede do SUS e os

participantes do controle social, além de servir de instância facilitadora das

pactuações intra e intersetoriais.

As ações da RENAST também devem fortalecer a intra-setorialidade,

que busca articular as ações de Saúde do Trabalhador dentro do próprio SUS,

seja na rede própria � em todos os níveis de complexidade, ou na conveniada.

E a inter-setorialidade que tem por objetivo promover a integração das ações

em outras instituições de governo (Ministério do Trabalho; Ministério da

Previdência Social; Ministério de Meio Ambiente e Poder Judiciário) e a

organização da sociedade civil. Viabilizar as ações intra e inter-setoriais serão

fundamentais para garantir a atenção integral à saúde dos trabalhadores por

meio da garantia de acesso; cobertura universal; qualidade e estabelecimento

de fluxos de referência e contra-referência em todos os níveis de atenção do

SUS.

As ações em Saúde do Trabalhador devem basear-se na Humanização

da atenção por meio de mudanças nas estratégias de gestão, que permitam a

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71

democratização e incorporem os trabalhadores de Saúde no processo de

discussão dos processos de trabalho no SUS e a construção de alternativas,

entre elas a co-gestão e a gestão participativa. O Acolhimento dos

trabalhadores deve ser outra das estratégias utilizadas incorporando o saber do

trabalhador, a co-responsabilização e o envolvimento destes nas ações de

mobilização e intervenção para transformações. O Fortalecimento do Controle

Social é outra das responsabilidades propostas pela RENAST, além da

incorporação das questões de Saúde do Trabalhador nos Sistema de

Informação.

Alguns dos principais avanços ocorridos após a implantação da

RENAST, verificadas pelos técnicos da COSAT, são: a maior visibilidade da

área de Saúde do Trabalhador; o repasse dos recursos extra-teto e o avanço

do quadro jurídico institucional da área.

Estes mesmos técnicos apontam as principais dificuldades, que são: os

gestores de saúde têm dificuldade para reconhecer o trabalho como um dos

determinantes do processo saúde/doença dos indivíduos e das coletividades;

insuficiência e inadequação técnica e política para a definição dos processos

de informação e vigilância; desconhecimento, por parte dos diferentes

profissionais da saúde sobre os riscos e agravos à saúde relacionados com o

trabalho e despreparo para lidar com estas questões; fragilidade do controle

social; a Saúde do Trabalhador ainda não foi efetivamente incorporada na

Agenda de Saúde do SUS; a confusão de papéis entre as coordenações

estaduais e dos Centros de Referência; certo conflito de território, uma vez que

as áreas de abrangência e atuação dos Centros de Referência em Saúde do

Trabalhador, nem sempre coincidem com as Regionais de Saúde; a forma de

repasse dos recursos tem possibilitado o desvio para outras áreas;

privilegiamento da assistência em detrimento das ações de vigilância,

prejudicando a integralidade das ações e as ações inter-setoriais ainda são

tímidas e localizadas.

Foram citadas as principais normas e diretrizes do SUS enfocando a

Saúde do Trabalhador. As ações e responsabilidades na área de Saúde do

Trabalhador são de caráter amplo envolvendo as ações propriamente ditas que

devem ser desenvolvidas pelos municípios ou estados. Estas ações abrangem

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a assistência, da prevenção a recuperação; e, a vigilância que trás implícita o

contato direto com as empresas no sentido de identificar e intervir, se

necessário, nos fatores causadores de risco para a Saúde do Trabalhador. A

atuação integrada com os sindicatos é outra característica que diferencia a

Saúde do Trabalhador, mais do que em qualquer outra área da saúde. Na

Saúde do Trabalhador ela se torna primordial, no sentido de muitas vezes

somar forças para intervir na complicada relação capital/trabalho que permeia

esta área. A intra e a intersetorialidade também são extremamente necessárias

para que se alcance maior resolutividade.

Outro ponto a destacar é a iniciativa do Ministério da Saúde de lançar

uma proposta de expansão das ações em Saúde do Trabalhador nos Estados

e Municípios, através da RENAST. Esta proposta tem dificuldades, assim como

os próprios técnicos do Ministério da Saúde apontam, porém não deixam de

ser uma tentativa de tornar a área mais presente na saúde e desta forma

reduzindo o alarmante índice de acidentes de trabalho presentes

historicamente no País.

Em seguida será apresentado um conjunto de informações sobre o

município de Blumenau e a implantação da Saúde do Trabalhador neste.

3. 4 Saúde do Trabalhador em Blumenau

Antes de citarmos o surgimento e a evolução da Saúde do Trabalhador

em Blumenau destacaremos alguns pontos que nos possibilitarão conhecer um

pouco da realidade municipal, seu histórico e brevemente a Saúde Pública

neste município.

O povoamento do Vale do Itajaí tomou impulso, a partir de 1850, com a

Colônia de Blumenau, fundada por Hermann Bruno Otto Blumenau, na

confluência do Rio Itajaí-Açu com o Ribeirão Garcia, a cerca de 65 quilômetros

do litoral. Hermann Blumenau interessou-se pela colonização e veio ao Brasil,

após a negociação com o Governo Provincial de Santa Catarina de quem

obteve uma área de 2 léguas. Chegou acompanhado de 17 colonos, com quem

iniciou a colonização de Blumenau no dia 2 de Setembro de 1850, considerada

a data de fundação da cidade (SINGER, 1977).

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A principio a colônia manteve-se como propriedade particular do

fundador. Somente em 1880, com o apoio do Governo Imperial, Blumenau foi

elevada a categoria de município. Nesta época contava com uma área de 20

mil km2 e uma população de 15 mil habitantes. (BLUMENAU, 2001).

Na sua fase inicial, a econômica da colônia era baseada na produção

para o auto consumo e possuía uma divisão de trabalho muito incipiente já que

cada família satisfazia, com sua própria produção, quase todas suas

necessidades, mas na medida em que a população crescia, surgiam também

às possibilidades de se estabelecer uma maior divisão social do trabalho com

uma economia artesanal, pouco a pouco se diferenciando da atividade agrícola

(SINGER, 1977).

O espaço territorial de Blumenau foi gradativamente sendo reduzido,

passando de uma área de 10.610 Km² em 1934 para apenas 510,3 Km² dos

dias atuais. Desses desmembramentos resultaram nada menos que 37 novos

municípios. Da área atual 192 Km² (37,6%) situam-se em área urbana e 318,3

Km² (62,4%) em área rural. (BLUMENAU, 2001).

Pela sua localização, população e equipamentos, Blumenau é a principal

cidade da região, exercendo sua influência pelos vales do Itajaí-Açú, Itajaí-

Mirim e Benedito. O município é membro da Associação dos Municípios do

Médio Vale do Itajaí � AMMVI � que é formada por 14 municípios. Os

municípios participantes da AMMVI são: Apiúna, Ascurra, Benedito Novo,

Blumenau, Botuverá, Brusque, Dr. Pedrinho, Gaspar, Guabiruba, Indaial,

Pomerode, Rio dos Cedros, Rodeio e Timbó. (BLUMENAU, 2001).

Blumenau inicialmente não foi planejada para ser uma cidade, mas sim,

uma colônia agrícola. Atualmente apresenta problemas urbanos complexos aos

quais se somam as enchentes, as enxurradas e as ocupações de áreas de

risco. Mas, [...] a questão mais grave que se coloca neste final de século, é a formação de uma cidade desigual, fruto de um modelo econômico excludente e concentrador de renda, terra e poder. Uma Blumenau dividida, de cidadãos e não-cidadãos, habitando, respectivamente, territórios legais e ilegais. (SIEBERT, 2000, p.279)

Siebert (2000) apontou ainda a existência de 5.390 residências em

áreas ilegais, o que corresponderia a 8,4% da população total e a FAEMA

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(Fundação Municipal de Meio Ambiente) chega a estimar em cerca de 10.000

as moradias em ocupações ilegais das quais 30% com risco iminente de

desmoronamento.

Em 2000 o município contava com um total de 261.868 habitantes

(IBGE, 2000). Pelo fato do município ser um município pólo é um dos fatores

que faz com que seja receptor de migrantes, fato este que é considerado

gerador dos muitos problemas sociais da cidade (BLUMENAU, 2001)

Em termos de setores econômicos, Blumenau conta com uma

agricultura de pouca expressão, em razão das sucessivas divisões em seu

território e de constantes divisões de terras por heranças, além do êxodo rural

crescente nos últimos anos. As atividades agrícolas absorvem 1,7 % da

população economicamente ativa (PEA) e é responsável pela menor parcela da

renda gerada na economia. O setor secundário é muito forte, embora tenha

apresentado importante redução na sua participação no total de empregos no

município entre as décadas de 80 e 90. Em 2000, Blumenau possuía 2.712

estabelecimentos industriais, onde se destacavam, os da alimentação, os

metalúrgicos e principalmente os da área têxtil e do vestuário, gerando 38.463

empregos. O setor terciário é atualmente o mais dinâmico e tomou a dianteira

quanto ao número de postos de trabalho no município. O comércio com 7.507

estabelecimentos e com 39.062 empregados é bem desenvolvido, e graças às

festas da cidade, sua economia recebe significativo impulso do setor de

hotelaria e de turismo possuindo 8.267 estabelecimentos de serviço, com

57.681 empregados (BLUMENAU, 2001).

As empresas da cidade, notadamente as do setor têxtil, passaram por

um doloroso processo de reestruturação industrial, que envolveu

desconcentração industrial, automação e terceirização, aumentando, com isso,

o nível de desemprego e o grau de informalidade da economia. As indústrias

têxteis foram atingidas de forma significativa na década de 90 com a

supervalorização da moeda e o aumento no mercado nacional e estrangeiro

dos produtos asiáticos, produzidos com elevada tecnologia e salários baixos. A estratégia de algumas grandes empresas da região foi de buscar saída pela guerra fiscal, transferindo investimentos para o Nordeste e outras áreas do País, onde os salários são mais baixos e os incentivos foram mais elevados. Essa estratégia também teve a sua dimensão regional, através da interiorização de empresas, de seu desmembramento, da

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terceirização de parte da produção para cooperativas de costureiras, cuja localização se fazem, em grande parte, em municípios de microrregiões circunvizinhas (ESPINDOLA; JOHNSON; SCHMOELLER, 2004, p. 137).

Posteriormente houve a recuperação do mercado têxtil, porém algumas

das estratégias (terceirização, descentralização, etc), adotadas anteriormente,

permaneceram prejudicando o mercado de trabalho na cidade de Blumenau.

Em relação aos aspectos epidemiológicos vamos ressaltar que, em

1980, Blumenau possuía o Coeficiente de Mortalidade Infantil (CMI) de 34,5

apresentando um decréscimo sensível durante toda a década de 80, chegando

a 18,1 por mil nascidos vivos em 1993, elevando-se discretamente em 1994 e

1995, respectivamente 21,2 e 22,6 voltando a entrar em declínio nos últimos

anos e em 2000, o Coeficiente de Mortalidade Infantil (CMI) foi de 10,7 por mil

nascidos vivos, estando muito abaixo da média catarinense que ultrapassa os

20 por mil (BLUMENAU, 2001).

Outros dados extraídos do Plano Municipal de Saúde 2001, referem-se

ao Coeficiente de Mortalidade Geral (CMG) que em Blumenau, nos últimos

anos, ficou em torno de 5 por 1.000/habitantes. As doenças crônico-

degenerativas se destacam, em Blumenau, como responsáveis por mais da

metade dos óbitos da população, o que se deve, certamente, ao aumento da

longevidade. Em contrapartida, as doenças infecciosas vêm apresentando

redução acentuada, apesar de ainda se destacarem entre as dez principais

causas de mortalidade, o que é normal no contexto atual de transição

epidemiológica. As causas externas com tendência ascendente, principalmente

devido aos acidentes de trânsito, aparecem como segunda causa de morte da

população no município.

A área da saúde no município, quanto aos serviços próprios, em 2004

contava com a seguinte estrutura, conforme dados obtidos junto à secretaria

Municipal de Saúde de Blumenau (SEMUS): 08 Unidades Avançadas de

Saúde; 34 Unidades de Programa de Saúde da Família; 07 Ambulatórios

Gerais; 01 Unidade Sanitária de Saúde (que abriga as Vigilâncias Sanitária e

Epidemiológica); 01 Escola Técnica de Saúde; 24 Unidades de Saúde Bucal;

01 Serviço de Quimioterapia; 03 Ambulatórios de Referência em Saúde Mental

(um para adultos, um para crianças e adolescentes e o terceiro para usuários

Page 76: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

76

que apresentam dependência química), 01 unidade de Saúde do Trabalhador;

Núcleo Integrado de Atendimento ao Fissurado Lábio Palatal; Ambulatório de

DST/AIDS; 01 Centro de Apoio e Orientação Sorológico (COAS); 01 Centro de

Lactação; 01 Laboratório Municipal de Citopatologia; 01 Laboratório Municipal

de Análises Clínicas e 01 Policlínica de Especialidades.

A rede Hospitalar é composta por 04 hospitais, o Hospital Santo Antonio

que é uma Fundação Hospitalar prestando atendimentos pelo Sistema Único

de Saúde. O Hospital Santa Isabel e o Hospital Misericórdia, estes dois

possuindo convênio com a rede SUS, porém a maioria dos atendimentos

ocorre no primeiro, tendo em vista que o segundo localiza-se fora da região

central da cidade e tem uma estrutura menor. E o Hospital Santa Catarina que

é particular atendendo ao SUS somente em algumas áreas em função da

filantropia.

Após alguns breves dados apresentados sobre a cidade de Blumenau,

vale lembrar Siebert (2000), principalmente quando analisamos uma Política

Pública social como a saúde. O autor chama a atenção para a �imagem

forjada�, a Blumenau estereotipada, de "primeiro mundo", a cidade européia,

sem os problemas do resto á país. Na realidade, se oculta a outra Blumenau

que, cada vez mais pobre e mais parecida com tantas outras cidades

brasileiras, se expande clandestinamente subindo as encostas das periferias,

em áreas ilegais, sem saneamento básico e à mercê de enchentes, enxurradas

e deslizamentos, marginalizadas e esquecidas pelas administrações locais que

as trata como focos de sub moradia ou bolsões de pobreza.

Agora que já conhecemos um pouco da realidade municipal

abordaremos o histórico da Saúde do Trabalhador em Blumenau. O histórico da Saúde do Trabalhador em Blumenau foi obtido através de

documentos e registros do próprio CEREST, porém foi complementado com

informações importantes oriundas das entrevistas realizadas no decorrer desta

dissertação.

De forma bastante sucinta podemos dizer que a Saúde do Trabalhador

em Blumenau começou a ser discutida em reuniões sindicais ainda na década

de 80 e as questões levantadas foram encaminhadas ao Poder Público da

época, mas efetivamente entraram para a agenda governamental durante o

Page 77: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

77

governo de Renato Vianna do PMDB, no período de 1992 a 1996, cujo

secretário de saúde foi o Dr. Luis Eduardo Caminha. É este último que solicita

a realização de um projeto e que posteriormente é colocado em prática com a

criação do Programa de Saúde do Trabalhador (PST), em 1994. O Partido dos

Trabalhadores assume o governo municipal no final de 1996 e em primeiro de

maio do próximo ano transforma o PST no CEREST (Centro de Referência em

Saúde do Trabalhador).

A organização sindical por ocasião das primeiras discussões em

Saúde do Trabalhador era composta pela união de vários sindicatos,

denominada de Intersindical. Posteriormente, a partir desta organização

intersindical foi criado o CISAT (Conselho Intersindical de Saúde e Ambiente de

Trabalho), em 12 de agosto de 1993, com o objetivo de defender a Saúde do

Trabalhador e a Legislação do SUS (Lei 8080 e 8142). Estavam vinculados ao

CISAT 12 sindicatos de trabalhadores de Blumenau e região (Ata da

Assembléia Geral do CISAT, realizada em 14/08/1993; CISAT, 1993). Estes

movimentos sindicais traziam uma ampla participação de pessoas vinculadas a

partidos de esquerda e que buscavam o apoio da base dos trabalhadores para

uma mudança política no município. Estes sindicalistas aprofundaram suas

discussões sobre o SUS e buscaram conhecer experiências em Saúde do

Trabalhador de outros Estados.

O elevado número de Acidentes de Trabalho no município bem como a

falta de assistência que havia com relação aos trabalhadores acidentados foi

outro dos fatores que mobilizou a organização sindical e por sua vez o poder

público. Os acidentados somente recebiam o primeiro atendimento que era

feito nos Prontos Socorros do município, porém a continuidade do atendimento

não era garantida.

Esta confluência de fatores foi fundamental para o início das ações em

Saúde do Trabalhador em Blumenau e serão aprofundados posteriormente nas

entrevistas realizadas.

Quanto aos principais atores sociais envolvidos na construção do CISAT

e da Saúde do Trabalhador de Blumenau podemos destacar o Sr. Amândio

Castellain que ocupou vários cargos de destaque em organizações da

sociedade civil, tal como Coordenador Geral da Pastoral Operária (1984-1988),

Presidente da Simetal - Sindicato dos Metalúrgicos � (1889 a 1995),

Page 78: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

78

Coordenador Geral do CISAT (1993 a 2005), Conselheiro Municipal de Saúde

(1990 a 2005), Presidente do Conselho Municipal de Saúde (1998 a 2004) e

ainda o cargo de Superintendente Administrativo Financeiro da Secretaria

Municipal de Saúde (2001 a 2004). Outro ator importante neste processo foi o

Dr. Lúcio Botelho, atual reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, que

colaborou com as discussões sobre o tema da Saúde do Trabalhador

fortalecendo o movimento sindical quanto a implantação de um serviço de

referência nesta especialidade. O Dr. Edson José Adriano foi outro nome de

destaque, sendo inicialmente médico do sindicato dos Metalúrgicos e também

colaborando nas discussões sobre Saúde do Trabalhador que originaram o

CISAT. Também foi Edson Adriano que elaborou o projeto para a implantação

do Programa de Saúde do Trabalhador e que posteriormente foi o primeiro

médico a integrar este serviço. O secretário de saúde da gestão de 1992 a

1996, Dr. Luis Eduardo Caminha destacou-se por viabilizar a implantação de

uma unidade de saúde específica para o atendimento dos trabalhadores

acidentados em Blumenau.

Outro fato marcante que influenciou o surgimento do Programa de

Saúde do Trabalhador em Blumenau foi o �I Encontro de Saúde dos

Trabalhadores� realizado em 1992, com a presença de 220 trabalhadores de

32 sindicatos de Blumenau e Região, realizado pelo CISAT. Este evento teve

um papel decisivo na apresentação e aprovação de uma proposta de

implantação do Programa de Saúde do Trabalhador na Secretaria Municipal de

Saúde, bem como nos enfrentamentos da representação dos sindicatos de

trabalhadores dentro do CMS (Conselho Municipal de Saúde), em defesa dos

princípios e diretrizes do SUS (ADRIANO, 2003).

O ano de 1994 é importante para a saúde em Blumenau, neste ano

ocorre a habilitação como gestão semiplena, sendo o primeiro município de

Santa Catarina e o oitavo do Brasil, a receber esta aprovação de

enquadramento, de acordo com a NOB-SUS 01/93. Outro fato importante é a

realização da I Conferência Municipal de Saúde tem como tema �Promover

Saúde, Promovendo Qualidade de vida� com a participação de 153 delegados

e sendo precedida por cinco pré-conferências distritais. (ADRIANO, 2003).

Ainda em 1994 é instituído o Código de Saúde do Município de

Blumenau (Blumenau, 1995). Trata-se de um documento sanitário no qual são

Page 79: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

79

estabelecidos desde a metodologia a ser utilizada nas ações de vigilância à

saúde e de promoção até as penalidades a serem aplicadas em caso de

infração sanitária. Este Código legitimou as atuações da Vigilância Sanitária, da

Vigilância Epidemiológica e da Saúde do Trabalhador, no município de

Blumenau (ADRIANO, 2003).

Em 1994 também é criado o Programa de Saúde do Trabalhador,

conforme já foi visto. Este programa inicialmente funcionou na sede da

Prefeitura Municipal de Blumenau, e segundo Edson Adriano, com o objetivo

de atender a uma necessidade da gestão municipal que naquela época estava

tendo uma discussão sobre a questão da insalubridade e da periculosidade dos

funcionários públicos.

A equipe inicialmente era composta por 01 operador administrativo, 01

auxiliar de enfermagem, 02 médicos do trabalho. Em 1996 a equipe foi

ampliada com a contratação de 01 enfermeiro do trabalho.

Edson Adriano cita um segundo momento do Programa de Saúde do

Trabalhador quando este é transferido para a FURB (Fundação Universitária da

Região de Blumenau). Esta transferência ocorreu em parte para atender ao

segundo colocado no concurso público para médico do trabalho, que veio a

integrar a equipe e que já possuía um vínculo trabalhista com a Universidade.

Na Universidade funcionava um ambulatório de especialidades, com convênio

com o SUS. Com esta mudança para a FURB o serviço começa a atender a

toda a população acidentada do município, porém só na área da assistência.

Mesmo com a criação do Programa de Saúde do Trabalhador a

mobilização sindical continuou buscando ampliar as ações deste programa,

quanto a intersetorialidade e da Vigilância em Saúde do Trabalhador.

Em 1996 foi realizada a II Conferência Municipal de Saúde tendo como

tema �Saúde é Qualidade de Vida� (Ata da reunião ordinária do CMS de

Blumenau realizada em 17/04/96). Nesta Conferência foram deliberados os

seguintes encaminhamentos referentes à Saúde do Trabalhador:

• Criação do Fórum Permanente de Vigilância à Saúde do Trabalhador

com participação Interinstitucional das entidades: CISAT, INSS, DRT,

Sindicato Patronal, Promotoria Pública, Vigilância Sanitária, com o

Page 80: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

80

município garantindo recursos para sua implementação dentro do prazo

de 30 dias;

• Criação e estruturação do Serviço de Vigilância à Saúde do Trabalhador

com implantação de, no máximo, 90 dias;

Em final de 1996 o Partido dos Trabalhadores venceu as eleições e logo

no início do próximo ano definiu a transformação do PST em CEREST, o que

ocorreu em 1º de maio de 1997.

Com a inauguração do CEREST o mesmo sai das dependências da

FURB e ganha uma unidade de saúde individualizada, na região central da

cidade. Neste período também começam a ser realizados os encontros

intersetoriais através do Fórum em Saúde do Trabalhador definido na

Conferência Municipal de Saúde do ano anterior. Este Fórum, infelizmente, não

teve prosseguimento porque o Ministério Público ausentou-se das reuniões e a

Secretaria Municipal de Saúde teve uma participação parcial porque com

freqüência se fazia representar por alguém que não estava diretamente

relacionado à Política de Saúde do Trabalhador. Esta posição que a Secretaria

Municipal de Saúde adota frente a este Fórum será analisada juntamente com

as entrevistas.

Além da postura da Secretaria de Saúde a Saúde do Trabalhador

também teve que se deparar com dificuldades como a falta de um lugar

adequado para seu funcionamento, reduzido número de profissionais, falta de

equipamentos e materiais.

Em 1999 o CEREST muda novamente de endereço, passando a exercer

suas atividades no Centro de Saúde (antiga estrutura estadual, mas que já

estava sob responsabilidade do município nas últimas décadas). Neste local já

funcionava a Superintendência de Vigilância Sanitária e Epidemiológica, a qual

o CEREST era vinculado. Com o objetivo de unificar esta Superintendência

ocorre a transferência do CEREST.

Em 2003 o CEREST ocorre novo remanejado desta vez sendo

influenciado pela centralização da Vigilância Sanitária e Epidemiológica no

mesmo prédio da Secretaria Municipal de Saúde. O antigo prédio do Centro de

Saúde estava em precárias condições de uso, inclusive das instalações

elétricas.

Page 81: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

81

Neste mesmo ano o CEREST passa ainda por nova transformação,

desta vez influenciada pelo Ministério da Saúde/COSAT � Coordenação de

Saúde do Trabalhador, que apresenta uma estratégia de viabilização da Saúde

do Trabalhador no SUS através da RENAST � Rede Nacional de Atenção

Integral à Saúde do Trabalhador para os municípios. A RENAST foi criada em

2002, através da Portaria l.679 e se constitui na principal estratégia de

viabilização da Saúde do Trabalhador no SUS.

Uma definição para esta proposta do Ministério da Saúde é:

A RENAST pode ser caracterizada como uma rede de atenção integral à saúde do trabalhador no SUS, estruturada a partir dos centros de referência, das unidades e dos municípios sentinela, organizada em torno de um dado território. [...] Os Municípios Sentinela e Núcleos Sentinela tem a tarefa de desenvolver metodologias e organizar o fluxo de atendimento aos adoecidos e acidentados do trabalho em todos os níveis de atenção do SUS: rede básica, Média e alta complexidade de modo articulado com as Vigilâncias Sanitária, Epidemiológica e Ambiental (HOEFEL; DIAS; SILVA, 2005, p. 75).

Blumenau, que já tinha uma unidade de Saúde do Trabalhador criada

desde 1994 é habilitado, em 29 de agosto de 2003 pela portaria SAES/MS 250

como Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do Vale do Itajaí (CRST

Vale do Itajaí nº 36 � tipo B). Com esta habilitação tornou-se referência para

mais 52 municípios, tendo uma população estimada em 1.350.000 habitantes.

A Gerência Estadual em Saúde do Trabalhador, para criar a Rede de

Saúde do Trabalhador no Estado, adotou a divisão macro-regional, seguindo a

lógica de regionalização política administrativa de oito grandes regiões do

governo estadual. Desta forma e de acordo com a portaria l.679 no estado

seriam criados nove CRSTs, um estadual e oito regionais. O CRST Vale do

Itajaí ficaria composto de três regiões, sendo elas:

• AMAVI � Associação dos Municípios do Alto Vale do Itajaí, com 28

municípios e uma população estimada em 248.555 habitantes, tendo

também a base da economia a agropecuária, agricultura, indústria, têxtil,

madeira, comércio, etc.

• AMMVI � Associação dos Municípios do Médio Vale do Itajaí, com l4

municípios e uma população estimada em 604.644 habitantes, tendo a

Page 82: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

82

base de sua economia a indústria têxtil, metal mecânica, construção

civil, confecção, agricultura, etc.

• AMFRI � Associação dos Municípios da Foz do Rio Itajaí, com l1

municípios e uma população estimada em 471.782 habitantes, tendo a

base da economia a pesca, construção naval, turismo e construção civil,

comércio, serviços, etc.

A partir da inserção na RENAST Blumenau optou pela execução de

quatro subprojetos identificados como prioridade pela equipe do CEREST,

gestor da Saúde do Município e representantes sindicais, sendo os eles:

LER/DORT; Saúde mental; Construção Civil; e, Observatório (coleta, registro e

análise de dados na área de Saúde do Trabalhador).

No ano de 2004 a equipe era multiprofissional composta por: médico do

trabalho, ortopedista, clínico geral, enfermeiro do trabalho, fisioterapeuta,

engenheiro de segurança do trabalho, técnico de segurança, técnico de

enfermagem e equipe de apoio administrativo.

As demandas por avaliações de Doenças Ocupacionais são

significativas no CEREST Na seqüência serão apresentados alguns dados que

permitem caracterizar a dimensão dos atendimentos realizados.

Quadro 1 � Evolução histórica do atendimento ambulatorial do CEREST

ANO � MÊS QUANTIDADE DE ATENDIMENTOS

2003 3.830

2004 3822

2005 4616

2006 (Até julho) 2950

Fonte: SIAST(Sistema de Informações Ambulatoriais em Saúde do Trabalhador) CEREST (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador) SEMUS (Secretaria Municipal de Saúde)

Page 83: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

83

Quadro 2 � Dados de Doenças do Trabalho � Período 2002 a 2004

Ano 2002 2003 2004

Investigações 146 142 163

Doenças de Pele 01 03 01

Doenças do Sistema Osteomuscular 47 33 44

Transtornos Mentais 01 01 01

Queimadura Labial 01 __ __

Doenças do Sistema Respiratório __ 01 __

Total 50 38 46 Fonte: SIAST(Sistema de Informações Ambulatoriais em Saúde do Trabalhador) CEREST (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador) SEMUS (Secretaria Municipal de Saúde)

Quadro 3 � Origem do Encaminhamento dos usuários do CEREST

Local de encaminhamento Porcentagem

Hospital 90%

Unidades Básicas de saúde 2,5%

Empresas 4,5%

Sindicatos 1,0%

Outros 2.0% Fonte: SIAST(Sistema de Informações Ambulatoriais em Saúde do Trabalhador) CEREST (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador) SEMUS (Secretaria Municipal de Saúde)

Analisando conjuntamente os dados das tabelas podemos dizer que as

Doenças do Trabalho são uma demanda significativa do CEREST. Dentre

estes casos as Doenças Osteomusculares destacam-se pela quantidade e

nestas estão inclusas as LER/DORT. Em média 30% das investigações de

Doenças do Trabalho tem nexo positivo.

Outro ponto significativo é o aumento de número de atendimentos nos

últimos anos, sendo em 2003 uma cifra inferior a 4.000 e em 2006, até julho já

alcançou um número próximo dos 3.000 atendimentos. Se esta elevação

continuar até o final do ano haverá um acréscimo de aproximadamente 50%

dos atendimentos nesta unidade de saúde.

A origem dos encaminhamentos é em 90% dos casos hospitalar, o que

nos leva a supor a severidade nos casos encaminhados ao CEREST. E talvez

uma menor atenção aos acidentes mais leves que são atendidos na rede

Page 84: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

84

ambulatorial e que não são identificados como acidentes de trabalho e

encaminhados ao CEREST.

No próximo capítulo daremos inicio a uma análise das entrevistas que

foram realizadas com o objetivo de aprofundar os conhecimentos em Saúde do

Trabalhador a partir da realidade de uma unidade municipal de saúde, o

CEREST.

Page 85: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

85

CAPITULO 4

AVANÇOS E LIMITES DA SAÚDE DO TRABALHADOR EM BLUMENAU

Neste capítulo, a Saúde do Trabalhador do município de Blumenau será

analisada a partir da implantação do CEREST, através da análise das

entrevistas, que foram realizadas com vários atores sociais que acompanharam

a implantação deste Centro de Referência e o desenvolvimento das atividades

no período analisado, 1997 a 2004.

Os atores sociais entrevistados representaram o controle social que na

realidade municipal é composto basicamente por sindicalistas; os profissionais

de saúde e um gestor da Secretaria Municipal de Saúde de Blumenau. Dois dos

entrevistados, durante o período analisado, passaram a ocupar outro cargo e

desta forma apresentaram em suas respostas uma compreensão que abrangia

um enfoque governamental e gerencial, bem como a sindical ou de profissional

de saúde. Um deles de sindicalista passou a ocupar um cargo gerencial na

Secretaria Municipal de Saúde e o outro de profissional de saúde exerceu a

função de gestor desta mesma secretaria.

Todos os sindicalistas entrevistados participam ou participaram do

CISAT.

Quadro 4 � Representatividade dos atores sociais entrevistados

Entrevistado Representatividade

Entrevistado 1 Controle Social/sindicalista

Entrevistado 2 Controle Social/sindicalista

Entrevistado 3 Controle Social/sindicalista

Entrevistado 4 Controle Social/sindicalista

Entrevistado 5 Controle Social/sindicalista

Entrevistado 6 Profissional de Saúde

Entrevistado 7 Profissional de Saúde

Page 86: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

86

Entrevistado 8 Gestor

A identificação dos entrevistados não foi citada com muitos detalhes para

garantir o anonimato dos mesmos. Os representantes sindicais, por exemplo,

não tiveram o nome dos sindicatos que representam acrescidos, mas foram

escolhidos por estarem vinculados ao CISAT e terem uma atuação importante

na área da Saúde do Trabalhador. Os profissionais de saúde entrevistados

foram escolhidos por integrarem o CEREST desde sua implantação e estarem

vinculados a ele até a presente data o que os fez acompanhar as diversas

trajetórias pelas quais passou este serviço e o gestor foi escolhido por ser o que

por mais tempo ocupou este cargo durante o período de análise deste estudo.

Para a execução da presente dissertação foram utilizados dados quanti e

qualitativos. Os principais dados quantitativos já foram apresentados na

caracterização e histórico da Saúde do Trabalhador em Blumenau. Já para os

dados mais subjetivos foram aplicados métodos da pesquisa qualitativa, sendo

a técnica escolhida a de entrevistas. Estas foram aplicadas a profissionais de

saúde vinculados a Saúde do Trabalhador do município, gestores da Política

de Saúde Municipal e representantes do controle social (representados por

sindicalistas).

Os métodos quanti e qualitativos utilizados não se opõem, na verdade, se

complementam. A pesquisa quantitativa é muito útil para investigar as

qualidades primárias de um objeto, ou seja, a quantidade. Por outro lado, a

qualitativa é a mais recomendada para estudar as qualidades secundárias, que

não podem ser quantificadas: o universo de significados, motivos, aspirações,

crenças, valores e atitudes dos seres humanos em suas ações e interações

sociais (MINAYO, 2000).

Quanto à utilização das entrevistas podemos dizer que �A entrevista é um

encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a

respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza

profissional.�(LAKATOS E MARCONI, 2001, p.21). Neste capitulo serão

apresentados os diversos dados obtidos, através das diversas técnicas (dados

bibliográficos, quantitativos e qualitativos) fazendo um entrelaçamento entre

Page 87: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

87

eles objetivando compreender melhor a Saúde do Trabalhador de Blumenau,

seus avanços e limitações.

As entrevistas foram realizadas com perguntas abertas, com o objetivo

de possibilitar aos entrevistados explanar com liberdade sobre o tema proposto.

O tema central é a avaliação da política pública de saúde do trabalhador de sua

implantação até 2004. As perguntas foram relacionadas à implantação do

serviço, a funcionalidade do mesmo, a influência ou não de mudanças em nível

da política pública de Saúde do Trabalhador � através da RENAST e sugestões

para uma melhor efetivação da Política de Saúde do Trabalhador de Blumenau.

As perguntas realizadas encontram-se na íntegra no Anexo 1, e foram

analisadas em torno de quatro questões conforme a origem das perguntas.

O primeiro grupo de respostas a ser analisado refere-se à Criação do

CEREST.

4.1. Criação do CEREST

Neste Bloco serão analisados os principais fatores e atores sociais que

influenciaram para a criação do CEREST.

Esta questão trouxe um resgate histórico da trajetória da Saúde do

Trabalhador em Blumenau, sendo que alguns dados das entrevistas

complementaram o item desta dissertação que descreve o Histórico da Saúde

do Trabalhador em Blumenau.

Foi possível identificar a convergência de alguns fatores que tiveram

grande influência tanto na criação do CEREST quanto no desenvolvimento

deste. Os principais fatores citados foram: as influências Político-Partidárias e

do Movimento Sindical; a necessidade de atendimento aos Acidentados e

Portadores de Doenças Ocupacionais; e a Legislação Federal (SUS) e

Municipal (Código de Saúde do Município). Com relação aos principais atores

sociais envolvidos neste processo podemos citar que os militantes de esquerda

e os sindicalistas ocuparam um lugar de destaque no sentido da criação do

Programa de Saúde do Trabalhador e posteriormente no CEREST. Além deste

foram citados ainda alguns profissionais de saúde e a igreja como outros atores

sociais importantes neste processo. Já os empresários e as organizações

Page 88: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

88

governamentais foram citados como atores que se ausentaram do processo,

entre estes últimos, inclusive, uma atuação ambivalente por parte da Secretaria

Municipal de Saúde. Na seqüência analisaremos cada um destes fatores.

As influências políticas e sindicais para o surgimento da Saúde do

Trabalhador no município se desenrolaram conjuntamente. Conforme já foi visto

no Histórico do CEREST, havia em Blumenau uma organização do movimento

sindical denominado de Intersindical. Posteriormente, a partir desta organização

foi criado o CISAT (Conselho Intersindical de Saúde e Ambiente de Trabalho).

Estes movimentos sindicais traziam uma ampla participação de pessoas

vinculadas a partidos de esquerda e que buscavam o apoio da base dos

trabalhadores para uma mudança política no município. Dentro desta conjuntura

tanto os partidos de esquerda quanto os sindicatos se constituíram como

importantes atores sociais para a criação inicialmente do Programa de Saúde

do Trabalhador como posteriormente do CEREST.

Blumenau não é exceção no predomínio de militantes de esquerda para

o desenvolvimento das ações em Saúde do Trabalhador. Anteriormente, na

fundamentação teórica, já foi citado o exemplo de São Paulo que também teve

grande influência por parte dos partidos de esquerda para o surgimento dos

primeiros Programas de Saúde do Trabalhador naquele Estado, e que foram os

primeiros do país.

A inclusão na Constituição de 1988 das prerrogativas em Saúde do

Trabalhador também estão relacionadas à pressão dos sindicatos e partidos de

esquerda, além das normativas internacionais em função do elevado número de

acidentes de trabalho, que ocorriam no mundo inteiro, fruto da organização do

trabalho que se verificava, e ainda se verifica, nos países inclusos na ordem

capitalistas. O Brasil conseguiu alcançar um lugar de destaque neste ranking,

sendo um dos países com maior índice de acidentes de trabalho. Na

fundamentação teórica este elevado índice de acidentes foi abordado tanto com

dados do próprio Ministério da Saúde, como também os citados por Rocha e

Nunes (1994) que apresentaram um resgate histórico dos fatos marcantes que

ocorreram nos diversos períodos políticos do país, correlacionando-os a área do

trabalho. Destacaram as precárias condições de trabalho dos escravos e dos

trabalhadores rurais no período da economia baseada no modelo agro-

exportador, posteriormente o grande aumento de acidentes de trabalho que

Page 89: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

89

ocorreram durante o período desenvolvimentista quando se acentuou o

processo de industrialização do País, entre outros.

Confirmando a relação da influência político-partidária no

desenvolvimento da Saúde do Trabalhador em Blumenau, citaremos alguns

trechos de entrevistas. Uma delas é a de um dos representantes do controle

social que destacou: �[...] era através da saúde que nós podíamos manifestar

todo pensamento ideológico sem ser contrariado. E isto foi decisivo para falar

de Saúde do Trabalhador porque falando de Saúde do Trabalhador tinha de

falar de saúde, de educação, salário, moradia de todas estas coisas. Então se

eu fosse falar só de moradia, de política de moradia, de política disto ou daquilo

o pessoal iria falar este cara é de esquerda e não sei o que mais. Mas quando

se falava em saúde, independente de trabalhador, de patrão ou qualquer coisa,

as pessoas iriam ouvir. Politicamente este foi um fator� (Entrevistado 1).

Este interesse político foi influenciado pelo fato deste entrevistado ser

candidato a um cargo político na administração municipal pelo Partido dos

Trabalhadores, na seqüência de sua entrevista ele continua a reforçar a relação

entre política e a Saúde do Trabalhador �[...] eu queria dar uma resposta nesta

área, então eu precisava de uma coisa nova em termos políticos e sindicais. Eu

assumi a presidência do sindicato [...] e, eu queria fazer uma coisa diferente do

que existia na cidade, até porque nós tínhamos um projeto político que era de

ganhar esta eleição. E para isto tinha que fazer uma coisa diferente. Eu tinha

que convencer os meus amigos e os outros dirigentes sindicais� (Entrevistado

1).

Outro representante do controle social também faz uma correlação entre

a Saúde do Trabalhador e os partidos de esquerda. �Na época realmente era

um debate muito acirrado, nós sabíamos a diferença entre direita e esquerda. A

direita com o PMDB e o PFL eles não vinham para discutir conosco a questão

dos trabalhadores, sempre acharam que as questões de direitos dos

trabalhadores eram coisas de esquerda, do PT, do PC do B e da CUT. E por

isso eles não vinham quando eram chamados para participarem das

discussões� (Entrevistado 3).

Com relação à influência do movimento sindical são obtidos alguns

depoimentos que identificam esta organização como o principal ator no

Page 90: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

90

processo de implantação do CEREST, principalmente através do CISAT.

�[...] com certeza os sindicatos, mais precisamente com o CISAT, é que

foi dado o passo inicial para a criação do CEREST� (Entrevistado 3).

�Eu digo que sem o movimento sindical o CEREST não existiria. Teve o

CISAT [...] este foi o maior batalhador pelo CEREST� (Entrevistado 6).

Um dos representantes do controle social nos mostra uma das razões

para que a organização sindical de Blumenau tenha se tornado uma peça tão

importante na criação do PST e do CEREST, surpreendentemente, a própria

fragilidade dos mesmos. �Por que na época em que começou o controle da

inflação, o sindicato não tinha mais como ficar lutando por reposição salarial

real, e até porque veio a livre negociação. Aí então a gente começou a

perceber que o problema dos trabalhadores não era só o salário. Quando ele

recebia a folha de pagamento a inflação já tinha comido boa parte do seu

salário, então quando vieram o Plano Real, que deu uma segurada na inflação,

que se tornou menor, a gente percebeu que o CISAT, [...] deveria trabalhar as

questões relativas a saúde do trabalhador� (Entrevistado 3).

É coerente a fala do entrevistado ao apontar as mudanças de atuação

que os sindicatos sofrem conforme se altera o momento político e econômico do

país. Estas modificações que ocorrem na esfera sindical já foram discutidas

durante a fundamentação teórica. Resgatando o essencial podemos dizer que

está diretamente vinculado à questão da inserção do país numa perspectiva

neoliberal, onde algumas das premissas são a diminuição do poder dos

sindicatos e a flexibilização dos direitos dos trabalhadores. Lacaz (2005), aponta

a transformação que ocorreu no mundo do trabalho na década de 90,

caracterizado pelo aumento do emprego no setor terciário, pela precarização e

desemprego o que fez com que a ação sindical perdesse sua eficácia e

capacidade de representação, diminuindo também sua interlocução ao nível das

políticas públicas.

O poder de reivindicação da classe operária e a negociação dos

sindicatos relacionam-se ao momento histórico, percebe-se que as conquistas

Page 91: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

91

são alcançadas em momentos como o da Revolução Industrial e o pós-guerra,

ou seja, em momentos em que a necessidade de produção e de mão-de-obra

aumenta. No Brasil, um pouco desta história de movimentação do poder de

mobilização da sociedade civil foi citado por Nunes e Rocha, (1994). Estes

autores analisaram, por exemplo, o período após 1964 quando houve por parte

do Estado a intervenção nos sindicatos, submetendo os mesmos a rígidas

regras de funcionamento. Já após 1974, com a crise no país se acentuando e o

descontentamento da população sendo expresso através do voto na oposição,

fez com que o poder público flexibilizasse o controle sindical e ampliasse os

direitos sociais.

Porém, as grandes mudanças que ocorreram na década de 90, período

de implantação do CEREST, levaram a um retrocesso do poder sindical e

conseqüentemente do poder de mobilização dos trabalhadores. Este período caracteriza-se por moderada recuperação do crescimento econômico, pela expansão da força de trabalho, pelo aumento do desemprego e a insuficiente geração de postos de trabalho, combinados com desaceleração do ritmo de crescimento do PIB, a não-recuperação do salário mínimo em termos reais e a evolução do ingresso dos trabalhadores no emprego informal. Neste quadro econômico, os trabalhadores ligados a indústrias de pequeno porte, os autônomos/temporários ou os do setor informal tiveram menos garantia de emprego. [...] outro fenômeno importante é o aumento da terceirização que remete a tarefas insalubres, monótonas e perigosas [...] (Relatório da OIT apud SILVA; BARRETO JUNIOR e SANT�ANA, 2003, p. 57).

De acordo com o Relatório da OIT podemos perceber o quanto ocorreu a

fragilização dos trabalhadores a partir da década de 90 e concluir que trouxe

profundas conseqüências na capacidade dos trabalhadores de se organizarem.

Estes passam a lutar pela sobrevivência e pela manutenção do emprego,

independentemente do tipo de trabalho a ser realizado.

A continuidade da entrevista do representante do controle social aborda

outra situação interessante que está presente no dia-a-dia dos trabalhadores e

na inserção destes no mercado de trabalho. �Antigamente não se tinha

computador na escola, mas agora já tem e ainda muitos não têm condições de

comprar um computador, porque é caríssimo. E daí quem não tem fica fora do

mercado de trabalho porque a gente sabe que só quem sabe trabalhar com

computador tem lugar no mercado de trabalho. Fica desempregado e

Page 92: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

92

marginalizado os trabalhadores que na época não puderam estudar porque

tiveram que trabalhar e que hoje não encontram mais emprego. Vão ter que

trabalhar num trabalho informal, sem registro, sem carteira porque hoje exige-se

que tenha todos os requisitos e que seja bastante qualificado� (Entrevistado 3).

Contextualizando esta situação cabe referir o que foi citado nos capítulos

iniciais, baseado em Minayo-Gomez e Thedim-Costa (1999) que destacam a

redução da aplicação dos recursos financeiros no mercado produtivo, e estes

últimos, são aplicados prioritariamente em países que possuem potencial de

mercado, além de mão de obra qualificada e polivalente, condições de

comercialização e infra-estrutura de telecomunicações e tecnologias, condições

estas apresentadas por países desenvolvidos. Os recursos financeiros também

são aplicados em regiões onde o trabalho é barato, com menor utilização de

tecnologia, ocorrendo uma maior exploração da mão de obra e das matérias

primas.

Com base na citação podemos perceber o quanto o mercado de trabalho

e, conseqüentemente, a vida da população trabalhadora, é afetada pela

movimentação da aplicação dos recursos do mercado produtivo. As

conseqüências negativas afetam de forma bem mais intensa aos países pobres

do que os ricos porque as funções produtivas mais rentáveis são destinadas a

estes últimos enquanto que os pior remunerados ou aqueles que apresentam

maiores riscos são direcionados aos países periféricos. Na continuidade os

autores continuam a afirmar que:

Esse quadro de reestruturação das empresas e dos sistemas produtivos, inquestionáveis numa ótica eminentemente econômicos, acarreta um peso do ônus [...] que atinge não apenas as populações consideradas vulneráveis, mas o conjunto da sociedade, embora de modo diferenciado, muitas vezes sob o eufemismo de novas formas de trabalho. [...] o que esconde a diminuição de postos de trabalho e a fragilidade dos novos arranjos laborais como a oferta de empregos de tempo parcial ou duração eventual; as limitações na absorção da força de trabalho jovem, inclusive qualificada; a instabilidade e irregularidade ocupacionais; o subemprego e o desemprego recorrente, duradouro e sem perspectivas de inclusão no mercado formal; as dificuldades de inserção da mão-de-obra não qualificada e os rendimentos decrescentes para boa parcela das populações já empobrecidas (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1999, p.412).

Estas citações acima nos permitem compreender que apesar de toda a

Page 93: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

93

sociedade ser afetada pela reestruturação produtiva e econômica esta atinge de

forma mais intensa aos menos qualificados e em situação social mais precária,

que são justamente os citados pelo representante sindical. Estes têm menores

chances de integração ao mercado formal de trabalho e estão sujeitos a rendas

reduzidas. Esta situação é ainda mais drástica nos países periféricos para os

quais são designados trabalhos que exigem menos infra-estrutura e tecnologia,

portanto menos valorizados sob ponto de vista econômico. Esta fragilização da

classe trabalhadora tem repercussões sobre a organização sindical que é o que

foi apontado na entrevista do sindicalista.

A estabilidade da moeda foi outro dos fatores levantados pelo

entrevistado como motivo para a diminuição da representatividade dos

sindicatos. Esta questão também já foi apontada na fundamentação teórica,

principalmente através da obra de Sallum Jr (2003). Segundo este autor,

primeiramente o país foi levado a um período de hiperinflação, que foi

implantada artificialmente, e que levou a fragilização da economia e do mercado

produtivo, além de desvalorizar os salários dos trabalhadores. Esta hiperinflação

foi utilizada como um importante instrumento que tornaria o país apto à

implantação das estratégias neoliberais. Após a grande desestabilização da

economia estavam criadas as condições ideais para que o governo de

Fernando Henrique Cardoso implantasse o Plano Real que previa a estabilidade

da moeda e que o país aderisse ainda mais aos pressupostos neoliberais. Este

processo de adesão ao neoliberalismo teve início durante o Governo de Collor,

porém continua até os dias atuais.

[...] o Governo Lula não conseguiu desfazer-se inteiramente do conceito neoliberal dos �gastos sociais focalizados�. O anunciado vetor estruturante destas transferências de renda aos setores mais pobres não passou do terreno das boas intenções (SAMPAIO, 2005, p.03).

Ou seja, não houve, no período analisado pelo autor (dois primeiros anos

do governo), redução das desigualdades sociais, havendo continuação do

ajuste neoliberal. No aspecto econômico este citou exemplos como a reforma

da Previdência Social; a remoção do entrave constitucional à autonomia do

Page 94: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

94

Banco Central; reforma do Poder Judiciário; e Lei de Falências. Todos estes

exemplos �[...] enquadram-se rigorosamente na receita do Consenso de

Washington - Estado fraco e mercado livre� (SAMPAIO, 2005 p.03).

Dentro deste contexto, os sindicatos que anteriormente lutavam por

salário e condições de trabalho passaram a ter que desenvolver estratégias

para conseguirem se manter. Outra entrevista que ilustra o quanto às medidas

políticas e econômicas afetaram os movimentos sindicais no município de

Blumenau foi a de outro dos representantes sindicais. �Nós tivemos um grande

desemprego [...] nesta época, onde os sindicatos tiveram que fazer acertos nas

negociações coletivas como, por exemplo, o piso livre que na época foi visto

com muito maus olhos pelos sindicatos, nosso sindicato foi alvo de muitas

críticas [...]� Quem aborda este processo de globalização e precarização do

trabalho neste município é Espindola; Johnson e Schmoeller (2001), que

apontam que na década de 90 a estabilização da moeda, a concorrência dos

produtos importados dos países asiáticos, a diminuição de tarifas alfandegárias

e a adoção de uma política de abertura de mercado afetou de forma significativa

a economia do município, principalmente a indústria têxtil. Este movimento da

economia e enfraquecimento das grandes empresas afetou aos trabalhadores e

também aos sindicatos. Outro fator que afetou a economia blumenauense e

seus trabalhadores foi à estratégia adotada pelas grandes empresas de

transferir seus investimentos para o Nordeste ou outras áreas do país nos quais

os salários eram mais baixos e nos quais houve maiores incentivos fiscais.

Este contexto de crescente adesão às políticas neoliberais que tiveram

várias repercussões, para as empresas significou terem que se adequar a

globalização e a abertura de mercado, além da supervalorização do mercado

financeiro o que tirou investimentos do setor produtivo. Para os sindicatos

significou uma crescente fragilidade pela flexibilização, precarização do trabalho

e redução dos postos de trabalho, desta forma estas entidades precisavam de

uma �bandeira� para se fortalecer. Politicamente haviam os partidos de

esquerda que almejavam assumir o poder buscando para isto apoio na classe

trabalhadora. Houve, desta forma, uma união com o objetivo de traçar

estratégias que viessem de encontro aos desejos da classe trabalhadora que se

fortaleceu a pressão, junto ao poder público, e que fizeram surgir às primeiras

Page 95: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

95

ações em Saúde do Trabalhador no município.

Na seqüência serão analisados outros fatores que se fizeram presentes

para a estruturação da Saúde do Trabalhador no município, que foram a

necessidade de atendimento aos acidentados e aos portadores de Doença

Ocupacional e o desenvolvimento de ações de Vigilância e Fiscalização. Além

destes foram citados ainda a necessidade de atender a Legislação pelo fato do

município aderir ao Modelo de Gestão Plena do Sistema.

Quanto à questão das ações de Assistência um dos fatores que exerceu

influencia para a criação do CEREST foi a situação dos trabalhadores

acidentados de Blumenau que até meados da década de 90 eram atendidos na

rede hospitalar, no Pronto Socorro, a continuidade do tratamento destes

acidentados não era garantida e nem havia um lugar específico para que

ocorresse. O atendimento aos portadores de doença ocupacional era ainda pior.

Não existia até aquele momento o estabelecimento do nexo causal destas

patologias e, conseqüentemente, não havia por parte dos trabalhadores

possibilidade de acessar nem ao tratamento na área da saúde nem aos

benefícios do INSS.

As referências à necessidade de um serviço na área de Saúde do

Trabalhador que realizasse ações de vigilância foram feitas em menor

quantidade pelos entrevistados. Destacam-se as seguintes falas:

A primeira de um dos profissionais de saúde �[...] eu lembro que naquela

época o trabalhador que se acidentava ficava no hospital, sendo atendido e

depois ia direto para o INSS ele não tinha este acompanhamento. A fiscalização

quem fazia era o Ministério do Trabalho [...]� (Entrevistado 7).

O controle social confirma esta precariedade do atendimento �Teve uma

época em que a gente não sabia para onde encaminhar o trabalhador

acidentado ou por doença, porque os ambulatórios diziam que não era

competência deles, que o acidentado tinha que ser do hospital, o hospital dizia

que só fazia o primeiro atendimento [...]� (Entrevistado 2).

O mesmo entrevistado aborda a complicada situação dos que

desenvolvem uma doença do trabalho e acrescenta a necessidade de realizar

ações de vigilância nos ambientes de trabalho. �[...] a necessidade que a gente

viu dentro do movimento sindical de ter uma estrutura para atender os

acidentados e principalmente os portadores de doenças ocupacionais. Até

Page 96: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

96

então a gente não tinha nenhuma referência, nenhum estudo, não sabia nem

para onde encaminhar alguém que estava com dor no braço, para ver se era do

trabalho ou não, para fazer uma fiscalização� (Entrevistado 2).

Pelos relatos das entrevistas podemos perceber o quanto o trabalhador

deparava-se com uma difícil problemática, apesar da própria Constituição de

1988 já identificar o trabalho como um fator determinante e condicionante do

processo saúde/doença. Ou seja, as circunstâncias nas quais o trabalho ocorre,

os fatores de risco aos quais os trabalhadores estão expostos, a organização do

processo produtivo, ou ainda a ausência do trabalho que expõem o cidadão a

uma dependência do Estado, estes são fatores que influenciam diretamente no

processo saúde/doença. Apesar desta compreensão mais ampla sobre a forma

como o trabalho interfere no adoecimento dos trabalhadores, as doenças

profissionais e doenças relacionadas ao trabalho, cuja definição foi citada na

íntegra na fundamentação teórica, a partir de Silva, Barreto Jr e Santana (2003),

envolvem um diagnóstico que considere uma maior variedades de causas

interferindo para o surgimento ou agravamento da patologia, não havendo esta

consideração integral não será possível estabelecer a relação entre

adoecimento e a atividade profissional. Quanto maior o conhecimento sobre o

tipo de trabalho que o trabalhador desenvolve, maior será a possibilidade do

profissional de saúde estabelecer um diagnóstico adequado. Esta questão de

considerar a multiplicidade de fatores para a realização do diagnóstico foi

aprofundada através da síntese da obra de Facchini (1994), que analisou a

importância da multicausalidade na compreensão do processo saúde-doença.

Aliás, a relação do trabalho com o adoecimento e a morte de trabalhadores já

foi apontada desde 1700, através dos estudos de Ramazzini, citada nos

capítulos iniciais, porém, infelizmente, esta relação ainda muitas vezes ainda é

ignorada tendo sido um dos fortes fatores que influenciou a criação do

CEREST.

Atender a legislação foi outro dos fatores apontados para a implantação

da atenção em Saúde do Trabalhador em Blumenau, �O principal (fator) de

todos, na época, foi a Lei 8.080, que era uma das Blumenau estar recebendo a

gestão plena� (Entrevistado 6).

Silva, Barreto Jr. e Sant�Ana (2003) desenvolveram uma pesquisa para

avaliar a descentralização das ações em Saúde do Trabalhador em São Paulo.

Page 97: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

97

Nesta pesquisa citam que �até 1988 as ações públicas em Saúde do

Trabalhador eram centralizadas e se reduziam as inspeções tradicionais

efetuadas por agentes do Ministério do Trabalho�. Posteriormente com a Lei

Orgânica da Saúde houve a regulamentação dos preceitos constitucionais e

definiu-se a participação do município na execução, controle e avaliação das

ações referentes às condições de trabalho, bem como a execução dos serviços

de saúde do trabalhador. Apesar da mudança na legislação verificou-se que em

1999 somente 42,1% dos municípios analisados, e, que estavam vinculados a

Gestão Plena do Sistema, realizavam ações em Saúde do Trabalhador.

Os municípios que adotaram a Gestão Plena do Sistema deveriam ter

implantado ações específicas em Saúde do Trabalhador, porque:

[...] possuem maior capacidade instalada e oferecessem um rol mais amplo de ações e serviços em favor da saúde de suas populações. Além disso, essas cidades possuem maior autonomia na gestão do sistema local e recebem aportes de recursos mais significativos do Ministério da Saúde, inclusive para realizar pagamentos pela prestação de serviços realizados por prestadores privados e filantrópicos (SILVA; BARRETO JR.; SANT�ANA, 2003, p. 54).

Portanto, apesar de Blumenau estar vinculada a Gestão Plena do

Sistema, não haveria obrigatoriedade do poder público municipal implantar um

Centro de Referência em Saúde do Trabalhador, poderia continuar a prestar

algum tipo de atendimento na rede hospitalar e ambulatorial como vinha

ocorrendo até início da década de 90. Desta forma podemos presumir que os

outros três fatores foram mais preponderantes para que esta política viesse a

ser executada, ou seja, a pressão político partidária, a organização do

movimento sindical e a grande quantidade de trabalhadores acidentados e sem

um local adequado para receber atendimento.

Até o presente momento foram analisados os principais fatores citados

como sendo fundamentais para o surgimento do CEREST (políticos, sindicais,

assistenciais e Legais). Os dois primeiros � políticos de esquerda e organização

sindical constituíram-se como os principais atores sociais presentes para a

concretização do CEREST. Além destes, foram citados ainda como atores

importantes alguns profissionais de saúde e a Igreja. Isto pode ser comprovado

pelos trechos das entrevistas que serão apresentados na seqüência.

Page 98: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

98

Os profissionais de saúde que tiveram uma importância significativa para

a estruturação desta política já foram citados no item onde foi descrito o

�Histórico da Saúde do Trabalhador em Blumenau�. A colaboração ocorreu no

sentido da elaboração do projeto para a implantação do serviço e para as

discussões teóricas na área. Algumas entrevistas destacam esta participação

dos profissionais de saúde. São elas: �uma figura importantíssima que é o Dr.

Lúcio Bottelho, hoje reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, é ele que

vai trazer a base teórica para nós formarmos o CISAT e termos uma base mais

forte para lutarmos pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador�. O

mesmo entrevistado cita �[...] outras pessoas que participaram da criação do

CEREST, foi o Dr. Caminha, o Dr. Ernani, o Edson, tinha um pessoal de

Florianópolis, o Dr. Flavio Valente, [...]� (Entrevistado 1).

Relembrando que Dr. Caminha era o Secretário Municipal de Saúde de

Blumenau no período 1992 � 1996, no qual foi criado o Programa de Saúde do

Trabalhador, e, realizado concurso público para estruturar o serviço; Dr. Ernani

e Dr. Edson os dois primeiros médicos do Trabalho concursados para a

Secretaria Municipal de Saúde em 1994 e que passaram a integrar o Programa

de Saúde do Trabalhador de Blumenau. O Dr. Edson Adriano foi o profissional

que realizou o projeto para a implantação do PST e também teve uma

participação fundamental para a estruturação do CISAT.

Outro entrevistado destaca o papel do profissional de saúde no dia-a-dia

do serviço. �Não pode ser só o movimento sindical, se os profissionais de saúde

não tiverem este entendimento (de prestar um bom atendimento aos

trabalhadores), não estiverem do lado dos trabalhadores, só o movimento

sindical, por mais vontade que tenha, nunca vai fazer acontecer. A parte que

está ali atendendo mesmo é de fundamental importância� (Entrevistado 2).

O controle social citou ainda �A igreja através das pastorais também

participou na luta pela construção do CEREST� (Entrevistado 3).

Além dos atores sociais citados e que tiveram um envolvimento positivo

com a área, existem também aqueles que permaneceram alheios a este

processo. Este segundo grupo se refere à classe empresarial e aos órgãos

públicos, inclusive a Secretaria Municipal de Saúde.

Uma das entrevistas que é bastante interessante no aspecto da ausência

de determinados atores sociais, cita: �Teria sido importante à participação de

Page 99: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

99

outros atores sociais para a criação do CEREST, ficou sem força, mesmo sendo

um pessoal que estava naquela época no movimento sindical, eles eram muito

fortes, e alguns ainda fazem parte do movimento sindical até hoje em

Blumenau, mas eu diria que o próprio poder público em si mais eficiente e o

empresarial, sabe [...] mais entidades mais fortes de Blumenau [...]�

(Entrevistado 6).

Ao final da fala este entrevistado mostra o quanto teria sido importante à

integração com o setor empresarial, e continua destacando que o mesmo

poderia obter vantagens com um bom serviço na área de Saúde do

Trabalhador. �[...] o empresário estava vendo este tipo de serviço como um

�bicho papão�, como algo que só iria arruinar a empresa e não beneficiar, mas

com isso quem também está ganhando é a empresa, com este controle de dias

parados, com o atendimento assistencial, a fiscalizações � as orientações das

fiscalizações� (Entrevistado 6).

Na seqüência temos o registro de outra entrevista de um dos

representantes do controle social que tem uma visão diferenciada com relação à

ausência da classe empresarial. �O empresário só quer saber se o trabalhador

está bom para o trabalho. Se não está afasta ele e quando a perícia determinar

que está apto ao trabalho retorna. Eles não têm esta preocupação com o

trabalhador acidentado, eles jogam isto para o SUS, para o INSS, e se eximem

de outras responsabilidades até sociais� (Entrevistado 3).

Temos ainda outro representante do controle social, que cita o exemplo

de duas empresas de Blumenau e que possibilita ter uma idéia da gravidade da

situação a que estão expostos os trabalhadores do município de Blumenau. �[...]

isto foi uma coisa assim maravilhosa e dolorida também (referindo-se as

primeiras fiscalizações realizadas por profissionais do Programa de Saúde do

Trabalhador em parceria com o CISAT). Porque nós chegamos na [...]2

(empresa metalúrgica de Blumenau) e no fichário de mais 500 trabalhadores

480 tinham perda auditiva acima de 50 decibéis. Trinta trabalhadores estavam

condenados à morte por pneumoconiose, porque os �caras� trabalhavam dentro

de um fosso que tinha lá. Nós chegamos na [...], de 120 trabalhadores tinha 80

que tinham perda auditiva.�

Analisando de forma conjunta as citações destes três importantes atores 2 O nome das empresas foi omitido propositadamente para respeitar a ética da pesquisa acadêmica.

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100

sociais para a Saúde do Trabalhador de Blumenau, percebemos que a primeira,

de um profissional de saúde destaca o aspecto positivo da participação dos

empresários nas ações de saúde do trabalhador, já os representantes do

controle sociais têm uma visão mais dura com relação à realidade e a

articulação entre a classe empresarial e a classe operária. Serão citadas na

seqüência algumas fundamentações teóricas que nos possibilitarão tecer

algumas considerações a respeito. O empregador detém o poder porque tem dinheiro para comprar a força de trabalho e os trabalhadores se submetem, porque precisam vendê-la para sobreviver. Uma relação permanentemente conflituosa: o empregador quer pagar menos e extrair mais força de trabalho, mesmo que isto importe na degradação das condições e relações sociais de trabalho e na perda da saúde do trabalhador; o trabalhador, por sua vez, tenta aumentar o valor de suas horas de trabalho e preservar sua saúde e capacidade de trabalho (RIBEIRO, 2004, p. 5).

Continuando sua análise o autor cita que:

[...] além de conflituosa, a relação entre o empregado e o empregador vai além da simples subordinação: é uma relação de submissão imposta por um poder determinado unilateralmente por interesse econômico do empregador, respaldado na coação e capacidade de retaliação; uma submissão tanto maior quanto menor for a organização e resistência dos trabalhadores e maior sua necessidade de sobrevivência (Ibidem).

Esta relação de poder que foi apontada pelo autor e tão claramente

relacionada à questão da extração da mais valia, não é neutra e está

intrinsecamente relacionada ao que foi citado no início do primeiro capítulo, da

obra de Mészáros (1995) apud Antunes (2001), que aborda a questão do

metabolismo social do capital, processo que ocorre quando o trabalho não se

destina mais somente à satisfação das necessidades do ser humano, mas

passa a ter como função primordial o acúmulo de capital. Isto produz profundas

transformações no trabalho sendo uma delas a personificação do capital como

um valor egoísta, voltado para o atendimento dos imperativos expansionistas do

capital. Isto nos leva a concluir que os objetivos da classe trabalhadora e da

classe empresarial são completamente diferentes e é difícil atender a

expectativas tão diversas. Na verdade a empresa pode ser beneficiada, como

foi citado pelo profissional de saúde, com uma maior agilidade no atendimento

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101

ao acidentado fazendo com que o mesmo retorne mais rapidamente ao

trabalho. Porém, este não é o objetivo primeiro de um Centro de Referência em

Saúde do Trabalhador.

A mola propulsora de um Centro de Referência em Saúde do

Trabalhador deve ser o elevado índice de acidentes, doenças e mortes que

atingem os trabalhadores no Brasil. Conforme já foi citado, o Brasil apresenta

dados alarmantes neste quesito. E este cenário somente sofre mudanças

favoráveis aos trabalhadores quando interfere na lucratividade, ou quando os

movimentos sociais conseguem mobilizar o poder público por melhores

condições de vida. Houve um avanço na década de 80 e posteriormente, na

década de 90 apresentou um retrocesso em virtude da crescente adesão aos

ideais neoliberais. O relatório da Organização Internacional de Trabalho � OIT,

de 1999 apud Silva, Barreto Junior e Sant�Ana (2003), mostra claramente esta

situação, este relatório aponta que houve um aumento considerável da

precarização do trabalho o que diminuiu as garantias trabalhistas, o aumento

das funções terceirizadas com excesso de tarefas insalubres, monótonas e

perigosas, aliado a isto o crescimento econômico dos países da América Latina

foi somente considerado moderado. Podemos concluir, portanto que o poder de

pressão dos trabalhadores está bastante fragilizado e desta forma mudanças

substanciais quanto às condições de trabalho não devem ser conquistadas

neste momento histórico do país, o que dificulta a atuação de um Centro de

Referência em Saúde do Trabalhador.

Quanto à função que um serviço na área de Saúde do Trabalhador deve

executar, podemos citar a obra de Maeno e Carmo (2005) que relatam os

primórdios da Saúde do Trabalhador no Brasil. Ao final da década de 70 e início

da de 80 (final da ditadura), alguns profissionais da saúde lutavam para

reorganizar os departamentos médicos das empresas que tinham por objetivo

um atendimento estritamente assistencial sem nenhuma valorização da

atividade de trabalho do paciente, e transformá-los em instrumentos de coleta

de informações pertinentes à saúde do operário, possibilitando uma atuação

preventiva nos agravos relacionados ao trabalho. Estes autores também

destacam a influencia do Movimento Operário Italiano como base para a

implantação dos primeiros Programas de Saúde do Trabalhador no Brasil. De

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102

forma bastante resumida podemos dizer que um grande diferencial do

Movimento Italiano foi o de considerar o conhecimento do trabalhador sobre seu

próprio trabalho e articular este conhecimento ao conhecimento técnico para

buscar soluções para as diversas situações que geram o adoecimento dos

trabalhadores no ambiente de trabalho. Portanto um Centro de Referência em

Saúde do Trabalhador deve, primeiramente, buscar a intervenção preventiva no

ambiente de trabalho e considerar o conhecimento que o trabalhador tem sobre

a organização do seu trabalho, o que pode conter informações importantes para

a identificação de fatores de adoecimento dentro das empresas. A abordagem

teórica utilizada por estes centros também deve incluir além dos aspectos

clínicos, os sociais e psicológicos, abrangendo a complexidade de fatores que

constitui o trabalho (e o não trabalho) na atualidade.

Pela entrevista do representante do controle social é possível perceber a

gravidade da situação da Saúde do Trabalhador em Blumenau e o quanto para

determinadas empresas, adoecer, mutilar ou matar seus trabalhadores é mais

econômico do que modificar intensamente o seu processo produtivo, até mesmo

porque a maioria dos trabalhadores desconhece seus direitos como o próprio

entrevistado cita: �Quer dizer, todos estes trabalhadores desconhecem seus

direitos quanto a Previdência, eles poderiam mover ação de indenização por

doença ocupacional.�Entrevistado 1.

Conforme relatou o outro entrevistado, quando o trabalhador está

adoecido a responsabilidade é transferida aos órgãos públicos. Portanto a

parceria entre CEREST e empresários é um tanto utópica se o primeiro exercer

um papel de intervenção nos processos de trabalho.

Após analisar a difícil articulação entre trabalhadores e empresários, bem

como a atuação do CEREST junto a estes, cabe-nos analisar a participação dos

órgãos governamentais na Saúde do Trabalhador de Blumenau.

A questão da Intersetorialidade, principalmente na Saúde do

Trabalhador, é extremamente importante pela necessidade de envolvimento de

vários órgãos governamentais e não governamentais para a resolução das

problemáticas que envolvem o trabalho. Podemos citar o Ministério Público, o

Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério da Previdência Social, o

Ministério da Saúde, os empresários, entre outros. Cada qual com sua

estrutura, recursos e objetivos diferenciados. Em alguns aspectos os órgãos

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103

governamentais deveriam se complementar, porém pela diferença de objetivos

e pela falta de uma política de integração eles não se tornam parceiros e não

ocorre a complementação das ações.

Silva, Barreto Jr. e Sant�Ana (2003), abordam a importância da

intersetorialidade na Saúde do Trabalhador, referem que a reestruturação

produtiva na globalização da economia, as transformações urbanas (por

exemplo, com a rápida mudança que houve no Brasil com relação à saída da

população da zona rural para a urbana), as mudanças organizacionais no

trabalho, os fatores de risco industriais e ambientais e os aspectos psicofísicos

do trabalho exigem uma atuação mais ampla. Os problemas de saúde do

trabalhador dificilmente poderão ser resolvidos por ações exclusivas do setor

saúde.

Infelizmente, como veremos na seqüência, baseado no relato dos

entrevistados a participação destes órgãos governamentais não foi e não está

sendo favorável. Registramos um relato de um dos entrevistados,

representando o controle social, que expressa: �Zero, a intersetorialidade é

zero. Nós tivemos a oportunidade, enquanto CISAT, de trazer a Previdência

Social para as reuniões que ocorriam mensalmente. Nos prometeram,

prometeram, prometeram... Mas quando aparece o primeiro caso de doença

ocupacional em Blumenau, e vai acontecer com a nossa presença, o Dr.

Francisco que participava das nossas reuniões na última hora estava dizendo: -

Mas, meu filho, tu não tivesse quando pequeno asma? Quer dizer o cara se

aposentou doente, não chegou nem a receber o dinheiro da aposentadoria

porque morreu [...] Era uma pneumoconiose da [...]3, era um destes

condenados� (Entrevistado 1).

Outro relato interessante quanto à dificuldade de participação das esferas

governamentais é de um dos representantes do controle social, �não acredito

que tenha havido a participação de outros atores, nem do INSS e muito menos

do Ministério do Trabalho. Já que eles são totalmente alheios a esta situação de

acidentes e reabilitação do trabalhador, tanto é que o INSS tem o seu espaço

de reabilitação dos trabalhadores e, pouco faz ou nada faz, neste sentido�

(Entrevistado 4). Esta citação identifica a situação no momento atual, ou seja,

de desarticulação entre os órgãos. 3 Nome da empresa omitido para fins de sigilo e ética da pesquisa acadêmica.

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104

Um dos profissionais de saúde entrevistados também identifica esta falta

de articulação entre os órgãos governamentais �[...] tem uma rixa entre

Ministério do Trabalho e Ministério da Saúde, principalmente na questão da

fiscalização. O Ministério do Trabalho não aceita a interferência de fiscais do

Ministério da Saúde, do SUS, nos ambientes e postos de trabalho� (Entrevistado

7). Este mesmo profissional ainda se refere ao INSS �[...] a previdência nunca

foi contra o nosso trabalho, mas a preocupação maior deles era com a

concessão do benefício e a emissão da CAT. Mais era a concessão do

benefício, aí discutiam aquela questão que prevalece até hoje, que é melhor

conceder benefício por auxilio doença do que por auxílio doença do trabalho ou

acidente de trabalho� (Entrevistado 7). Este registro sobre o INSS é um

indicativo de o quanto este órgão público privilegia a classe empresarial já que

adota uma postura que dificulta a notificação de acidentes de trabalho e impede

o trabalhador de acessar seus direitos.

Silva, Barreto Jr. e Sant�Ana (2003) fazem algumas considerações sobre

os diversos órgãos públicos presentes na Saúde do Trabalhador e citam a

Constituição de 1988 como referência para direcionar a atuação destes. As

responsabilidades pela atenção a Saúde do Trabalhador devem ser

compartilhadas de forma diferenciada por empregadores, trabalhadores (através

de suas representações) e Estado (no seu papel de mediador e condensador

das forças sociais). Na esfera do Estado atuam nessa questão os Ministérios do

Trabalho, da Previdência Social, da Saúde e do Meio Ambiente, a Justiça do

Trabalho e a Promotoria Pública, e, com o objetivo de obter a integração entre

todos eles existe o Grupo Executivo Interinstitucional de Saúde do Trabalhador

� GEISAT � constituído por representantes dos Ministérios envolvidos com a

questão, procurando articular e racionalizar a atuação dos diferentes setores

governamentais, evitando a duplicação de ações e o desperdício de recursos,

além de compatibilizar e integrar as políticas e práticas de intervenção

desenvolvidas pelo Estado.

Quanto à questão do INSS também citada pelos entrevistados podemos citar:

O INSS, por intermédio dos médicos peritos, tem a incumbência de dizer se há incapacidade, qual o tamanho dela

Page 105: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

105

e, principalmente, se é ocupacional ou não, mediante a relação que a Previdência Social estabelece, numa visão individualista, entre o diagnóstico e a ocupação; entre o acidente e a lesão; entre acidente e causa mortis do trabalhador (OLIVEIRA, 2005, p.111).

O autor destaca ainda que o Sistema Previdenciário é movido a CAT

(Comunicação de Acidente de Trabalho) e que esta, por razões políticas,

econômicas, jurídicas e sociais é sonegada escancaradamente. Destacam-se

os seguintes aspectos: Empresas não querem que o trabalhador acesse ao

direito da estabilidade (1 ano após a data de retorno) e nem efetuar a

contribuição do FGTS no período do afastamento; as empresas não querem

reconhecer a presença de agente nocivo causador da doença do trabalho ou

profissional para não custear aposentadorias especiais; a CAT é ato médico �

o INSS não aceita CAT sem a seção do atestado médico; o INSS condiciona a

concessão do benefício acidentário a apresentação da CAT; entre outros.

Podemos perceber o quanto o INSS penaliza o trabalhador, valoriza a

emissão da CAT que muitas vezes é negada pela empresa (pelas várias razões

apontadas acima), além de estar submetida a um diagnóstico estritamente

médico. Privilegia o afastamento por auxilio doença no qual o aspecto trabalho é

totalmente desconsiderado e desta forma o trabalhador é prejudicado por perder

a estabilidade, o depósito do FGTS e fica praticamente impossibilitado de

buscar seus direitos juridicamente.

Ainda com relação à ação das esferas governamentais e a classe

empresarial cabe citar: Seria demasiada ingenuidade política a simultaneidade da desobediência do Estado e do empresariado para com os direitos sociais constitucionalizados, como mera coincidência, quando é sinal de convergência de interesses dos grupos econômicos e políticos que empolgam os Poderes da República. Perderam um pouco o pé com a implantação do Estado de Direito, consolidada com a Constituição de 88, mas recuperaram as forças na década de 90 (RIBEIRO, 2004, p 3).

Podemos concluir que o Estado tem descumprido com a própria

legislação, bem como o setor empresarial e atribui este fato ao atual momento

histórico, de fragilização dos sindicatos e trabalhadores, e o fortalecimento do

mercado financeiro que ocorreu a partir da década de 90. O que pode ser

Page 106: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

106

comprovado, segundo este autor, pelas ações coletivas, públicas e de

inconstitucionalidade que se multiplicam no Judiciário, especialmente em áreas

como a Previdência Social e a Saúde.

Esta compreensão de Ribeiro (2004) mostra o quanto o poder

econômico, aliado aos interesses políticos, subvertem a própria Constituição e

então podemos lembrar a citação de Minayo-Gomez e Thedim-Costa, (1999)

que comparam o momento atual com as condições existentes antes da

instituição do Estado de Direito, na primeira metade do século XIX, ocasionado

pela precarização do trabalho e do não trabalho o que faz surgir uma enorme

massa de desempregados excluídos dos direitos humanos e sociais e pelos

quais ninguém, nem mesmo o Estado, parece ser responsável.

Apesar da dificuldade de se articular estes diferentes órgãos

governamentais constatou-se, através das entrevistas um interessante processo

onde uma parte das pessoas interessadas na estruturação da Saúde do

Trabalhador em Blumenau organizou encontros entre os diversos atores sociais

que tinham ligação com a área, denominado de Fórum de Saúde do

Trabalhador, que ocorreu nos primeiros dois anos após a formação do

CEREST, com o objetivo de promover a intersetorialidade e desta forma dar

resolutividade as questões de Saúde do Trabalhador. E, por incrível que parece

num primeiro momento, é a Secretaria de Saúde que tem uma participação um

tanto questionável conforme será possível perceber com os relatos dos

entrevistados.

Um dos entrevistados explica o que era este Fórum: �[...] um Fórum

envolvendo as entidades que eram: o Ministério Público, o INSS, Sindicatos e

hospitais que atendiam acidentes de trabalho. [...] Era um espaço para a

discussão de assuntos relacionados à Saúde do Trabalhador. Sempre era feito

e havia a participação de todos, o único empecilho, que acabou ocasionando o

fim do Fórum é que a Secretaria de Saúde mandava um representante que não

era uma pessoa que tinha conhecimento em Saúde do Trabalhador, que dava

muita �bola fora�, vamos dizer assim, ai as outras entidades, principalmente

Ministério do Trabalho e INSS e até mesmo os sindicatos começaram a cobrar a

participação, nestas reuniões, do secretario municipal de saúde. Ele não vinha e

delegava sempre alguém que não era do CEREST, era alguém da

administração da secretaria de saúde, um assessor do secretário, inclusive em

Page 107: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

107

duas ou três vezes o CEREST estava conseguindo passos importantes para

gerenciar a Saúde do Trabalhador em nossa cidade, quando estava se

fechando, principalmente a questão do atendimento com os hospitais este

representante abria a boca e tudo ia por água abaixo. Aí começaram a solicitar

a presença do secretário, o secretário não ia, dizia que tinha outros

compromissos, entre aspas, só que as reuniões do Fórum eram sempre

agendadas de um mês para o outro, então começou a desestimular outros

profissionais [...] Então acabaram as reuniões mensais. Estas reuniões duraram

mais ou menos um ano, um ano e pouco, isto em 97, já era o CEREST. [...]

como não se trazia soluções, terminava-se uma reunião com alguns

encaminhamentos para a próxima reunião, chegava na próxima reunião não se

tinha às definições, ou tinha questões que envolviam o gestor de saúde, então

acabaram as reuniões.� (Entrevistado 7).

Este afastamento da Secretaria Municipal de Saúde gerou o término de

uma importante tentativa de articulação entre os diversos órgãos e segmentos

na Saúde do Trabalhador. Isto pode levar ao questionamento de qual a real

intenção ao se estruturar uma política pública na área da Saúde do Trabalhador.

No início da questão já foi analisada a influencia dos partidos de

esquerda, em grande parte aliados ao movimento sindical e que exerceram

pressão sobre o poder público para a criação do Programa de Saúde do

Trabalhador. Posteriormente um destes partidos de esquerda assume o

governo municipal e então o primeiro serviço a ser inaugurado na área da saúde

é o CEREST. E quem assume a Secretaria Municipal de Saúde é o profissional

que acompanhou o processo de discussão da Saúde do Trabalhador no

município, elaborou o primeiro projeto para a viabilização do mesmo e

posteriormente foi o primeiro colocado no concurso público realizado para

compor esta unidade de saúde. Mesmo assim, a participação no Fórum de

Saúde do Trabalhador foi relegada a um segundo plano.

Parece que houve muito mais uma motivação política do que realmente

uma vontade de reduzir os acidentes de trabalho no município e intervir junto

aos empresários para modificações importantes no processo de trabalho. Um

dos trechos que pode ser indicativo desta motivação política é: �[...] em 97

definiu-se que 1º de maio era uma data importante para a criação do CEREST,

que era o dia do trabalhador, então tinha que inaugurar o CEREST nesta data.

Page 108: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

108

Então se reuniu um pouco antes os integrantes do Programa de Saúde do

Trabalhador, que funcionava no Ambulatório da FURB, que o mesmo teria sede

própria e que iria sair do ambulatório da FURB�. Uma atuação deste tipo por

parte de um órgão público pode sugerir um desinteresse da esfera

governamental pela população referido nas obras de Ribeiro (2004) e Minayo-

Gomez e Thedim-Costa, (1999), citadas nesta questão e que explicitaram o

interesse da esfera governamental em privilegiar o poder econômico.

Outra possível explicação para tamanho afastamento pode ser a questão

da posição que o partido assume. Quando iniciaram as discussões acerca da

Saúde do Trabalhador o Partido dos Trabalhadores era oposição e tinha um

objetivo claro que era o de acessar ao poder e para isto seria importante contar

com o apoio (e os votos) de grande parte da população trabalhadora.

Posteriormente, ao assumir o poder, deixa de ser oposição e então,

provavelmente, em nome da governabilidade, não tem mais interesse em se

confrontar com a classe empresarial. Um depoimento que dá um indicativo

neste sentido vem do representante da gestão: �Décio veio do meio sindical,

contou muito com o apoio deles para se eleger. Porém os sindicatos perderam

força e o Décio também se afastou do movimento sindical, acho que foi o

grande erro do PT em Blumenau� (Entrevistado 8).

Na seqüência será citado um trecho de uma entrevista que vem de

encontro a esta questão da governabilidade de um partido de oposição quando

assume o poder: �[...] você sabe que queira ou não, a pessoa que foi eleita, o

prefeito Décio Lima, tinha uma visão muito de poder e deixou-se levar por ele.

Entre perder o poder ou agradar os poderosos, ele preferiu agradar aos

poderosos. E daí, na estrutura do CEREST, que é uma estrutura mais de

esquerda, dos movimentos sindicais que atinge justamente aquilo que a direita

não quer, que é defender os trabalhadores dos empregadores que estão

mutilando os trabalhadores dentro das empresas [...] Daí começa o conflito de

idéias entre o movimento sindical e da própria executiva da prefeitura, que nem

todos eram do partido dos trabalhadores, alguns tinham uma aliança e aí houve

uma guerra e pessoas do partido que foram para o governo acabaram

esquecendo das suas raízes, um pouco dos seus objetivos e dando prioridade a

questões relativas a outras prioridades e o CEREST ficou um pouco para trás�

(Entrevistado 3).

Page 109: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

109

Analisando-se a estrutura política do país após a Constituição de 88

constata-se que não importa qual partido assuma o poder, este mantém a

política econômica para não mexer nos interesses do capital.

Pode parecer estranho, mas não é, porque os partidos políticos da situação e da oposição, que têm se alternado no poder, são extremamente parecidos no que diz respeito à condução da política econômica, essencialmente conservadora e voltada aos interesses do capital financeiro e especulativo (RIBEIRO, 2004, p. 3).

O autor também analisa o SUS dentro desta política de Estado,

apontando a incoerência que ocorre porque os governos elogiam e se propõem

a expandir o SUS através de projetos como o PSF e o SAMU, porém submetem

o mesmo a asfixia financeira a mais de uma década. Quanto à saúde do

trabalhador também se verifica uma grande incoerência, pois ao mesmo tempo

em que as esferas governamentais realizam-se conferências sobre o tema,

praticam a precarização do trabalho que atinge de 30 a 50% de sua força de

trabalho. Os dados financeiros do SUS também são ilustrativos da real política

de saúde adotada e que interferem na quantidade e qualidade dos serviços

prestados. Assim, às camadas mais pobres da população são destinados 35

bilhões de reais para atender os 150 milhões de brasileiros, enquanto o dobro

deste dinheiro é gasto com serviços privados de saúde destinados aos 45

milhões de brasileiros de maior renda.

Podemos concluir nesta questão que os principais fatores e atores

sociais envolvidos na Saúde do Trabalhador ocorreram em função de interesses

outros que não a Saúde do Trabalhador propriamente dita. Ou seja,

mobilizaram-se para garantir um poder governamental e de legitimação da

organização sindical. Os segmentos mais diretamente relacionados à questão

do capital mantiveram-se afastados, entre eles a classe empresarial e os órgãos

governamentais, entre estes últimos sendo citados vários exemplos de como

atuam no sentido da preservação do capital fator que será abordado no tópico

de análise de entrevistas que se refere à Política de Saúde do Trabalhador.

4.2 Principais Ações Desenvolvidas pelo CEREST

Page 110: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

110

Este segundo bloco tem como objetivo identificar as ações que se

esperava que fossem realizadas e aquelas que efetivamente foram pelo

CEREST. Antes de iniciarmos a análise das Entrevistas apresentaremos uma

breve explanação sobre as formas de organização da atenção a Saúde dos

Trabalhadores e as principais ações de responsabilidade nesta área. A

apresentação será sucinta porque já foi realizada na fundamentação teórica dos

capítulos iniciais.

As ações em Saúde do Trabalhador podem ser realizadas na rede básica

de saúde ou em serviços de referência, como é o caso de Blumenau. Para

Ribeiro (2004) o atendimento ao trabalhador deve ser nas unidades básicas de

saúde e não em centros de referência. A Política de Saúde do Trabalhador deve

ser gerida pelos próprios trabalhadores e não por estes centros. Quanto aos

profissionais de saúde do SUS, ao atender o trabalhador deverão simplesmente

fazer a pergunta já sugerida por Ramazzini em 1700 �Que arte exerce?�

Na seqüência podemos citar uma posição de defesa da organização dos

serviços em Saúde do Trabalhador em nível de especialidades. Apesar das críticas dirigidas à atenção diferenciada e especializada, considerada verticalizada e de alcance restrito enquanto estratégia de atuação em saúde pública, a implementação dos Programas de Saúde do Trabalhador e dos Centros de Referência tem facilitado o desenvolvimento de ações que compõem a prescrição legal de competência do SUS e que contribuem com a transformação das condições adoecedoras existentes no processo de trabalho. (SILVA; BARRETO JR.; SANTA�ANA ,2003, p.53).

Podemos concluir que o ideal seria a posição de Ribeiro, ou seja, que

todos os profissionais de saúde, nos diferentes níveis de atenção, tivessem a

compreensão da importância do trabalho para o desencadeamento de diversas

patologias. Chegar a este nível de desenvolvimento em termos de saúde do

trabalhador tornaria muito mais fácil atender aos princípios do SUS. Porém não

é esta a realidade nacional, e, desta forma, a existência dos Centros de

Referência pode ser essencial para que as ações em Saúde do Trabalhador se

efetivem.

Estes Centros de Referência devem de forma geral atuar em duas

grandes áreas. A assistencial, que é onde ocorre o atendimento e o tratamento

ao trabalhador acidentado ou portador de doença ocupacional e a área de

Page 111: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

111

Vigilância e Fiscalização onde ocorre o processo de fiscalização junto às

empresas com o objetivo de avaliar o processo e o ambiente de trabalho,

visando reduzir os riscos de acidentes de trabalho. Pinheiro, Ribeiro e Machado

(2005), referem que estas duas áreas da Saúde do Trabalhador estão presentes

desde o início nos serviços desta área, e que as discussões sempre giraram em

torno da necessidade de que o cerne das ações deveriam ser o enfrentamento

dos determinantes e condicionantes da saúde (causas), sem perder ou

negligenciar a responsabilidade pela assistência (efeitos). Ou seja, as propostas

em Saúde do Trabalhador sempre visaram uma atuação integral do trabalhador,

com ações de prevenção e também de recuperação.

Agora que já citamos os parâmetros básicos que devem estruturar uma

unidade de Saúde do Trabalhador relacionaremos as ações, que segundo os

entrevistados eram de responsabilidade do CEREST, por ocasião de sua

criação e se estas foram alcançadas.

O cenário que compunha o período da criação do CEREST era

aparentemente bastante favorável entre eles o partido de esquerda que

participou ativamente das discussões e exerceu pressão para que a área de

saúde do trabalhador se tornasse uma realidade no município, assumiu a

gestão municipal. Edson Adriano, primeiro médico do trabalho do Programa de

Saúde do Trabalhador assume a gestão da Secretaria Municipal de Saúde. O

movimento sindical estava composto por pessoas atuantes e possuía uma certa

consonância com o Partido dos Trabalhadores. Este conjunto de fatores gerou

�A expectativa era muito grande, mesmo sendo criado da noite para o dia

porque tinha a vontade de alguns segmentos do controle social [...] A

expectativa que nós profissionais do CEREST, principalmente da enfermagem

era de que era um governo popular e que nós tínhamos um secretario de saúde

que era médico do trabalho, então a expectativa era a maior possível�

(Entrevistado 7).

Dentro deste contexto, aparentemente tão favorável, surge por parte dos

atores sociais entrevistados a expectativa de que o CEREST desenvolvesse

ações amplas e que viessem a atender tanto a área de Assistência, quanto à de

Prevenção e Promoção à saúde.

Uma das expectativas apresentada é a de que o Estado assumisse a

função de realizar os exames admissionais, periódicos e demissionais. Esta

Page 112: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

112

expectativa foi apresentada por um dos representantes do controle social. �A

minha expectativa maior era que nós tivéssemos um Centro de Referência onde

nós pudéssemos cuidar mesmo do trabalhador, desde sua admissão, fazer

exames periódicos, avaliando riscos no demissional [...] esta parte dos exames

periódicos e admissionais é mais ou menos como uma criança que têm todas as

suas vacinas, e tal, para saber tudo o que ela tem� (Entrevistado 1).

Segundo a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) é de

responsabilidade do empregador a realização dos exames admissionais,

periódicos e demissionais, expresso no capítulo das Medidas Preventivas de

Medicina do Trabalho, no art. 168 que diz: Será obrigatório exame médico, por

conta do empregador, nas condições estabelecidas neste Art. e nas instruções

complementares a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho:

I - na admissão;

II - na demissão;

III � periodicamente.

Com base no exposto concluímos que os exames dos trabalhadores são

de responsabilidade da empresa, conforme a legislação trabalhista vigente.

Infelizmente esta área esta cercada de dificuldades conforme apontam Maeno e

Carmo (2005) e Oliveira (2005), citados nos capítulos iniciais, que ressaltam a

criação na legislação de Programas que tem como objetivo reduzir o número de

acidentes de trabalho (PPRA - Programa de Prevenção de Riscos Ambientais e

PCMSO - Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional), porém os

autores destacam que com freqüência ocorre simplesmente o cumprimento

cartorário das normas trabalhistas, atendendo aos interesses do cliente (o

empregador). Desta forma mais uma vez podemos perceber que o fato de haver

uma legislação não impede que se encontrem alternativas para burlar a mesma.

Concordo com a posição do entrevistado de que há uma incoerência ao delegar

as empresas à realização dos exames dos seus trabalhadores. Elas são as

maiores interessadas de que o número de acidentes de trabalho e o

desenvolvimento de doenças ocupacionais em seu ambiente de trabalho não

seja notificado, portanto agirá de forma a que este adoecimento não seja

Page 113: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

113

perceptível, nem para o trabalhador (que passará a ter alguns direitos como a

estabilidade, o depósito do fundo de garantia durante o período de afastamento,

além de que teria provas para uma possível ação trabalhista), nem para os

órgãos fiscalizatórios que poderiam deflagrar um processo de vigilância na

empresa.

De qualquer forma o exemplo citado pelo entrevistado de comparar a

Atenção a Saúde Infantil e a Saúde do Trabalhador é ótimo para esclarecer a

questão dos diversos interesses políticos que circundam a Saúde do

Trabalhador. Se tomarmos a atenção infantil, qual é o gestor que não deseja

reduzir a mortalidade infantil? Aumentar a cobertura vacinal? Reduzir a

quantidade de cáries de suas crianças e adolescentes? Usando a nossa

criatividade poderemos até imaginar as belíssimas fotos e imagens que sempre

se fazem presentes nas campanhas publicitárias as vésperas das eleições,

acrescidas de algum índice obtido pelas ações direcionadas a atenção materno-

infantil. Agora tomando a Saúde do Trabalhador, qual é o gestor que quer

mostrar que em seu município os casos de câncer ocupacional não têm sido

reduzidos e que na maioria das vezes não são nem ao menos diagnosticados, e

se incentivar o diagnóstico ao invés de reduzir o índice irá aumentá-lo porque

reduzirá a subnotificação, e o tratamento terá um custo bastante elevado com

resultados nem sempre positivos? Que as doenças ocupacionais continuam se

alastrado porque a pressão das empresas por maior produtividade não diminui?

Que as amputações continuam ocorrendo porque muitas empresas utilizam

equipamentos obsoletos e a fiscalização não é suficiente para parar ou ao

menos reduzir significativamente este processo de mutilação,... Apontando

índices deste tipo um gestor terá, para atuar preventivamente, que intervir nas

empresas; e por outro lado, qual é o candidato que não tem em entre seus

compromissos de campanha a garantia de aumentar o emprego? E quem

fornece empregos se não os empresários? Além é óbvio de que movimentam o

mercado produtivo e financeiro.

Quem esclarece esta questão do emprego na sociedade atual é Forrester

(1997) apud Minayo-Gomez e Thedim-Costa, 1999, este autor condena a

hipocrisia de políticos e governantes ao prometerem reiteradamente a

superação da crise e a ampliação do mercado de trabalho. Considera falacioso

querer impor a inserção social através do vínculo com o mundo do trabalho

Page 114: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

114

quando, na prática, ela é negada porque deixou de existir. Estes autores citam

alguns dados que ilustram que a cidadania através do trabalho formal deixou de

existir, baseando-se na OIT. Segundo este órgão, na América Latina, o setor

informal situa-se entre 40% e 70% do mercado de trabalho, com uma taxa de

crescimento anual superior a 4%. No Brasil, em apenas uma década, a

ocupação predominante alterou-se de formal para informal, atingindo no final de

1998 a proporção alarmante de 55% da força de trabalho metropolitana. A

perda de um posto de trabalho no setor formal determinou uma queda no

rendimento médio do trabalhador entre 30% a 40%.

Podemos concluir que a expectativa do entrevistado é extremamente

adequada, porém o Estado na atual conjuntura não tem valorizado os direitos

duramente conquistados pela população e expressos na Constituição de 1988.

A priorização da esfera econômica por parte dos políticos tem dificultado a

adoção de práticas que venham a favor do trabalhador.

Na seqüência temos outro dos representantes do controle social que

sintetiza em sua fala as diversidade e amplitude das ações que se esperava

fossem executadas pelo CEREST. �A expectativa era de que todo trabalhador

que passasse por uma situação de acidente de trabalho ou doença do trabalho

tivesse um órgão que o atendesse e também que denunciasse as empresas e

fizesse com que estas empresas mudassem os setores onde estão mutilando

os trabalhadores e desta forma liquidando com isto, resolvendo isto. Nós

sabemos que existem empresas em que não adianta só o CEREST encaminhar

a CAT, mandar para o INSS e afastar a pessoa, porque outros que vão

substituir aquele trabalhador, vão continuar adoecendo [...] Algo tem que ser

feito, mudar o número de horas de trabalho, ou acabar com o setor ou alterar o

número de acidentes. Para isto o CEREST deverá demandar profissionais para

fazer pesquisas, e resolver os problemas gerados ao trabalhador. Apenas

afastá-lo e encaminhá-lo ao INSS, isto não resolve. É necessário prevenir e não

remediar� (Entrevistado 3).

Outro representante do controle social acrescenta a necessidade de

elaborar de um perfil epidemiológico para direcionar as ações do Centro de

Referência. �A maior expectativa nossa é que poderia haver assim um centro de

pesquisa, formando assim, como se fosse um perfil epidemiológico dos

trabalhadores� (Entrevistado 2).

Page 115: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

115

Com base nos relatos apresentados podemos perceber que a grande

maioria deles aponta no sentido do desenvolvimento de ações adequadamente

planejadas e que incluam a prevenção e a promoção a saúde dos

trabalhadores, vindo de encontro ao estabelecido na legislação do SUS.

Apesar da expectativa ser de uma atuação integral na área da saúde do

trabalhador foi a área de Assistência que obteve um maior avanço e impacto.

Isto pode ser identificado nas entrevistas de alguns representantes do controle

social, citadas na seqüência:

� A mudança principal foi ter um espaço de referência para o atendimento dos

trabalhadores acidentados, (...) onde ele busca as informações, orientações, e a

recuperação. Então este espaço para os trabalhadores foi um avanço ...�

Entrevistado 4.

�... o assistencial faz parte do CEREST. As próprias empresas passam a

reconhecer que o serviço é de qualidade. Os médicos das empresas passam a

reconhecer que com o CEREST a empresa tinha um ganho. A pessoa se

tratando no CEREST é bem cuidada. Nisso aí, no restante é resto.� Entrevistado

1.

� a principal mudança é o trabalhador ter um ponto de referência, chegando lá

vocês encaminham para onde precisa, para INSS, para sindicato, ... E também

quando precisa de buscar junto a empresa, a fiscalização, para ver o que o

trabalhador tem. Porque antes nunca tinha doenças do trabalho, foi a partir do

CEREST que começou a aparecer as CATs e o INSS a aceitar. Antes do

CEREST por mais que se dizia que era doença ocupacional não tinha o nexo e

quando ia para o INSS este descaracterizava e ficava por isto mesmo. Agora há

um acompanhamento do CEREST que diz que o nexo é positivo e o INSS

dando nexo negativo, juridicamente vai para uma ação contra a empresa onde o

empregado que foi demitido consegue provar que sua doença é do trabalho e

daí dá para cobrar a responsabilidade da empresa, a indenização. Existem

vários e vários casos que a gente conseguiu cobrar até valores altos por causa

do relatório do CEREST dando nexo positivo.�Entrevistado 2.

A fala de um dos profissionais de saúde também aponta vários aspectos

Page 116: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

116

que sofreram mudanças positivas após a implantação do CEREST, �... de forma

geral a saúde do trabalhador, para Blumenau, depois da criação do CEREST,

centralizou, consegue-se ver o número de Acidentes de Trabalho que

acontecem, de um jeito ou de outro, os Acidentes de Trabalho graves, estão

sendo vistos. Por exemplo, uma amputação todo mundo escondia, uma morte

todo mundo escondia, entre aspas eu digo que todo mundo escondia... A

subnotificação era ainda maior, acontece ainda, mas diminuiu bastante. Com as

visitas, com as fiscalizações e vigilâncias da equipe na empresa as empresas

estão mais conscientes. Este contato do CEREST com as empresas é muito

importante. E o próprio assistencial o trabalhador foi lá, vai no Pronto Socorro,

ele tem um atendimento melhor porque se ele ficasse lá do jeito que ele estava

nos anos 80, o acompanhamento, a infecção, a medicação, este

acompanhamento do tratamento está bem diferenciado. Então a gente sabe

como está, se ele está fazendo direito, não está, então este lado beneficiou

bastante o trabalhador acidentado. Ele tem para onde ir, ele não fica perdido

pelo município: Onde que eu vou fazer o curativo agora? Em termos

epidemiológicos, as vacinas � a vacina contra o tétano, as orientações sobre

enfermagem que são feitas, teve um avanço considerável.� Entrevistado 6.

Analisando as expectativas e as mudanças da Assistência que ocorreram

após a implantação do Programa de Saúde do Trabalhador e posteriormente do

CEREST, podemos dizer que estas mudanças podem ser resumidas em: ter um

local específico para a assistência e a continuidade do atendimento;

estabelecimento de nexo causal para as doenças ocupacionais onde já é

necessária uma compreensão mais geral sobre o processo de trabalho e o

adoecimento do trabalhador; e a redução da subnotificação.

Uma das mudanças mais substanciais, portanto, foi quanto ao

estabelecimento de nexo causal para as doenças ocupacionais, este processo

baseando nos na teoria apresentada nos capítulos iniciais, podemos tecer

algumas considerações com relação à causalidade das doenças, conceito

fundamental quando se trata de doenças ocupacionais ou relacionadas ao

trabalho. Este conceito foi abordado por Facchini (1994) que faz um paralelo

entre a causalidade e a concepção de saúde/doença que se adota e os reflexos

que isto trás para a saúde do trabalhador. O autor faz uma distinção entre o

Page 117: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

117

modelo unicausal - que é baseado na concepção de saúde/doença da metade

do século XIX, na teoria da microbiologia, de Pasteur, esta ainda exerce uma

grande influencia na medicina atual. Posteriormente o autor identifica o modelo

Multicausal que ocorre quando são considerados vários fatores no

desencadeamento de doenças. Este segundo modelo traz um avanço com

relação ao primeiro, mas se forem considerados somente os aspectos mais

próximos, numa visão reducionista também será prejudicial ao trabalhador.

Também transfere para ele a responsabilidade pelo adoecimento ou ignora

outros aspectos importantes para o adoecimento deste que não os mais

aparentes. É necessário considerar também aspectos da classe social, da

atividade profissional, psicossociais, entre outros para um diagnóstico

adequado. O autor cita como exemplo as cardiopatias que se forem analisadas

numa visão reducionista serão levados em conta fatores como dieta e fumo.

Nesta perspectiva o desenvolvimento da patologia será de total

responsabilidade do trabalhador pelos hábitos que adota em sua vida. Porém se

conjuntamente a estes fatores forem considerados a atividade profissional, a

classe social e os fatores psicossociais a compreensão poderá ser totalmente

diferente. Destaca-se ainda a importância da Epidemiologia, que com o avanço

da tecnologia, pode permitir cruzar vários dados para um completo diagnóstico,

aliado a fatores sociais.

A Assistência, como já foi citado no item anterior, evidencia menos

conflitos, e inclusive serve aos interesses dos empresários porque proporciona

agilidade no atendimento do trabalhador acidentado, ocorre um controle da

quantidade de dias de afastamento, enfim, de forma geral faz com que o

trabalhador retorne num menor espaço de tempo ao trabalho e recuperado de

seu acidente. Desta forma é uma área mais fácil de ser colocada em prática.

O processo de Vigilância e Fiscalização questiona a organização e os

processos de trabalho das empresas, avalia se a empresa legalmente cumpre

suas responsabilidades quanto à saúde do trabalhador, e no caso de

descumprimento podem autuar a empresa ou mesmo interditar determinadas

áreas de uma empresa ou toda ela. Portanto uma diferença bastante drástica o

que faz com que esta segunda área seja mais difícil de ser implementada, o que

pode ser confirmado pela citação a seguir: A vigilância é compreendida como uma prática política de

Page 118: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

118

saúde, complexa, ampla, permeada por interesses conflitivos, inserida visceralmente na sociedade, uma prática de empoderamento dos trabalhadores na luta pela preservação de sua saúde e não meramente como uma prática neutra, padronizada e estritamente técnica. (PINHEIRO; RIBEIRO; MACHADO, 2005, p. 169).

Uma das entrevistas que aponta no sentido de o quanto é difícil à

atuação na Vigilância e Fiscalização, inclusive porque nesta área é necessário

que se amplie a intersetorialidade, é a do representante da gestão �A

intersetorialidade sempre foi muito difícil, principalmente com o INSS, o diálogo

era muito complicado. O CEREST também não surgiu para atender aos

interesses dos empresários, mas sim dos trabalhadores [...] A Fiscalização do

CEREST era insipiente, foi tentada uma parceria com a DRT (Delegacia

Regional do Trabalho) o que também não trouxe resultados� (Entrevistado 8).

Outra dificuldade para a execução das ações em Vigilância e

Fiscalização é apontada na próxima entrevista. �A expectativa é que ele (o

CEREST) funcionasse muito bem nas fiscalizações. As fiscalizações no inicio

não tinha fiscais, não tinha estrutura, não tinha como ir. A equipe entrava um,

saía outro, entrava um, saía outro,... nunca tivemos uma equipe bem afinada,

bem estruturada como equipe e visando um objetivo único.� Entrevistado 6.

Temos ainda a entrevista de um dos representantes do controle social,

que enfoca a questão governamental, abordando inclusive a economia que

ocorreria na área da saúde com um trabalho mais direcionado para a área

preventiva. �Cabendo a Secretaria de Saúde a responsabilidade total pela

saúde dos indivíduos teria que se preocupar mais com a prevenção e não só

com a recuperação porque o preço da recuperação é dez, trinta ou cinqüenta

vezes, ou até sem previsão do custo da recuperação com relação ao

investimento da prevenção. O que está acontecendo pouco é a prevenção (...)

deveria ter oito ou dez pessoas capacitadas, com poder coercitivo de visitar os

locais de trabalho e verificar se as legislações municipais, estaduais ou federais

estejam sendo cumpridas no que diz respeito à segurança e a medicina do

trabalho. Acho que o município daria um grande salto de qualidade se investisse

na prevenção o que não me parece que é preocupação do poder político em

relação a prevenção de acidentes. (...) Só querem tratar, o que é importante ,

mas prevenir é muito mais.� Entrevistado 4.

Page 119: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

119

As entrevistas citadas até o momento identificam uma série de

dificuldades que colaboram para que as ações de Vigilância tenham maior

dificuldade de serem viabilizadas, entre as apontadas: a difícil atuação

intersetorial, equipe insuficiente e com alta rotatividade, além da pouca

efetividade por parte da política governamental para a priorização das ações de

prevenção na Saúde dos Trabalhadores. Na teoria podemos novamente

perceber o quanto à realidade municipal se repete a nível nacional e que

algumas dificuldades perduram ao longo da construção da história da Saúde do

Trabalhador. Alguns conflitos são marcos desde os anos iniciais e persistem até o momento: dificuldades legais de acesso e intervenção nos ambientes de trabalho, atritos intersetoriais, sobretudo com o Ministério do Trabalho, baixo envolvimento da Previdência Social, desintegração e desarticulações intra-setoriais na esfera da saúde, baixa prioridade para a área de Saúde do Trabalhador no SUS e nos demais setores afins, sistema de informação parcial e segmentado, resistência do grande empresariado às ações do SUS, participação dos trabalhadores assistemática e mais restrita ao setor formal e urbano, número restrito e insuficiente de profissionais de saúde lotado nas ações de vigilância. Tudo isto num macro cenário globalizado, neoliberal, de desemprego estrutural, de baixos salários, de flexibilização e precarização no trabalho além de limitações e fragilidades no interior dos movimentos associativos e sindicais dos trabalhadores (PINHEIRO, RIBEIRO; MACHADO, 2005, p. 170).

Uma das entrevistas citadas referiu-se a economia que poderia ser feita

na área da saúde se as ações de caráter preventivo fossem mais intensamente

implementadas, afinal a não adoção destas práticas vai contra a própria

legislação do SUS, que tem como um de seus princípios básicos a atuação na

área preventiva. Esta atuação na área preventiva tanto reduz custos do ponto

de vista financeiro quanto melhora a qualidade de vida da população ao intervir

antes que a doença ou o acidente ocorra. Observa-se aqui mais uma vez a

diversidade de fatores, principalmente políticos e econômicos que cerceiam a

área de Saúde do Trabalhador, fazendo com que as ações governamentais

quanto a esta área se tornem incompreensíveis, se não houver um olhar que

englobe os fatores políticos e econômicos. Esta aparente incoerência dos

órgãos públicos também é citada com relação ao Ministério da Previdência

Social para quem

Page 120: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

120

A vigilância poderia ser extremamente útil e essencial no sentido de cessar e controlar os riscos nos processos de trabalho. Enquanto órgão da seguridade social é a instância que paga a conta dos agravos e acidentes decorrentes do trabalho, portanto deveria ser um dos maiores interessados no êxito da vigilância (PINHEIRO; RIBEIRO; MACHADO, 2005, p. 170)

Portanto podemos perceber que não existe um interesse real na saúde

dos trabalhadores e nem na economia que poderia ser gerada havendo um

maior controle dos ambientes e dos processos de trabalho. A influência política

e econômica supera o enfoque da saúde e vida dos trabalhadores neste país. A

classe empresarial também exerce um poder de pressão externa e assume uma

postura de caráter imperial e confrontadora utilizando o poder econômico que

detém, e, inclusive o papel de financiador do Estado que assumem para se

eximirem da responsabilidade pela justiça social. (PINHEIRO, RIBEIRO e

MACHADO, 2005)

Outro aspecto levantado como dificultador para o processo de Vigilância

e Fiscalização é a questão dos profissionais que atuam na área de Saúde do

Trabalhador, quando estes se deparam com o conflito do público/privado,

principalmente a categoria médica. Uma das entrevistas que ilustra esta

situação é a de um dos sindicalistas que inicialmente chama a atenção para um

retrocesso que houve nesta área (Vigilância e Fiscalização) do período de

criação do Programa de Saúde do Trabalhador e em momentos posteriores. �...

nós tivemos no início, um início maravilhoso. Nós fizemos semanalmente, com

um carro cedido pela Vigilância Sanitária, colocado a disposição pelo Caminha

(secretário de Saúde da época do Programa de Saúde do Trabalhador). Ali ia

um técnico da Vigilância Sanitária, ia mais um médico de Saúde do

Trabalhador, que era o Ernani ou o Edson Adriano, e os sindicalistas. Nós

adentramos nas fábricas e o médico indo lá no departamento médico da

empresa e olhando todos os fichários para ver tudo o que estava acontecendo

dentro daquela empresa e nós olhando todas as dependências da empresa, o

local de trabalho, o refeitório, as condições das máquinas, tudo o que a gente

enquanto sindicalista podia estar observando. Qual máquina que podia estar

prejudicando o trabalhador e assim por diante.� Foi questionado ao entrevistado

o que foi que interrompeu este início tão favorável e obtivemos a seguinte

resposta: �O que vai brecar aí já não é mais governo, o que vai brecar é sempre

Page 121: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

121

a consciência de classe. A vontade política de fazer esta política. O Ernani e o

Edson vão montar uma empresa de segurança do trabalho e aí os dois não vão

mais querer fazer visitas nas empresas porque então eles vão esbarrar em

empresas onde eles eram contratados para fazer Saúde do Trabalhador...�

Entrevistado 1.

Outros atores sociais entrevistados também indicaram dificuldades com

relação à atuação dos profissionais médicos do CEREST. Podemos citar: �Acho

que alguns profissionais médicos não queriam criar vínculo com a Saúde do

Trabalhador, ele tinha outras perspectivas... (...) tem profissional que, mesmo

fazendo a descrição do cargo conforme solicitado pela secretaria de saúde, ele

foi claro que não faria fiscalização e vigilância. (...) Este profissional ainda cita

em sua entrevista �... o médico do trabalho do CEREST, o que ele faz aqui, é

clínica e não medicina do trabalho. (...) o trabalhador vai para o Pronto Socorro

faz o primeiro atendimento, depois vem ao CEREST . A ortopedia, a ortopedia

nem tem noção do que vem a ser o acidente de trabalho, como é que o

acidentado se acidentou lá naquela máquina. Ele vai fazer a parte curativa, falta

um profissional médico que faça medicina do trabalho, só que não se encontra.

Uma é a questão salarial, e outra é porque não tem interesse aqui... Se

começar a fazer muita Medicina do Trabalho dentro do CEREST vai se

�queimar� lá fora perante as empresas, daí se de repente ele precisar de uma

vaga lá numa empresa ele não vai conseguir.� Entrevistado 7.

Outra entrevista ilustrativa quanto aos profissionais médicos é: �Um dos

fatores que está atravancando a questão do CEREST é a questão dos médicos,

você tem pessoas comprometidas politicamente com o trabalhador, mas você

não tem médicos comprometidos. Muitas vezes os médicos que vão atuar no

CEREST já tem uma linha, já vem de uma formação diferente e aí você acaba

conflitando as idéias, o que o movimento sindical pensa e na idéia do médico

pensa. E, para nós, muitas vezes não esta a contento as decisões do médico.

Ele não atende da maneira que deveria atender, mas ele é um profissional que

foi criado assim, foi educado assim, é um direito dele. Política e informação,

talvez até na faculdade deveria ter para os profissionais médicos uma formação

adequada para este tipo de atendimento. Porque se você pegar um médico que

trabalha numa empresa grande como a CIA Hering e como você quer que ele

vá contra as deliberações da empresa, uma vez que lá provavelmente ele

Page 122: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

122

ganha muito mais do que aqui. Então complicam as idéias, se ele está

trabalhando lá ele já deve ter as idéias mais favoráveis a empresa e se ele vem

para o CEREST ele não vai ter uma idéia diferente, ele vai continuar com a

mesma idéia. Aí conflita com o movimento sindical que quer pessoas

comprometidas com a saúde dos trabalhadores.� Entrevistado 3.

A área de Vigilância, conforme foi citado anteriormente, é uma área que

explicita muitos conflitos. A VISAT (Vigilância em Saúde do Trabalhador), se insere nas práticas de um Estado que é modificado pela correlação de forças históricas e sociais. Desta forma, quanto mais a VISAT avança no sentido de intervir nos ambientes de trabalho mais conflitos trará a tona. (PINHEIRO, 1996 apud PINHEIRO, RIBEIRO e MACHADO, 2005 p.169).

Obviamente que estes conflitos também afetam aos profissionais que

atuam na Saúde do Trabalhador. Maeno e Carmo (2005) também se referem à

atuação dos profissionais médicos e citaram como sendo um dos fatores que

dificultam a realização de ações de prevenção no ambiente laboral os valores

relacionados à origem de classe e à formação acadêmica conservadora da

maioria dos médicos. Este aspecto foi citado por um dos entrevistados.

Quanto ao conflito destes profissionais e a sua relação com as

instituições privadas podemos fazer uma correlação com a questão do capital.

Dentro de uma sociedade capitalista praticamente tudo está submetido à lógica

do capital (MÉDA, 1999) O trabalho configurando-se como objeto de troca faz

com que seja negociado como um produto, sendo vendido a quem paga mais

ou oferece melhores condições. Evidencia-se esta mercantilização do valor de

troca principalmente na categoria médica.

No sentido de apontar possibilidades para esta importante área da Saúde

do Trabalhador, a Vigilância, podemos citar uma experiência desenvolvida pela

Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, descrita por Vasconcellos e

Ribeiro (1997).

Estes autores evidenciam a necessidade de superar as Vigilâncias

tradicionais e pontuais e desenvolver ações que incluem uma ação

transdisciplinar, com a participação de diversos atores sociais. A atuação

transdisciplinar supera uma ação onde cada um faz a sua parte. O que cria a

possibilidade de uma atuação diferenciada para a saúde do trabalhador é a

Page 123: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

123

Constituição de 1988 a partir do conceito ampliado de saúde e do movimento da

Reforma Sanitária, com uma visão holística para a área, sendo responsável

pela assistência, pesquisa, sistematização das informações e intervenção nos

fatores de risco.

Essa experiência é denominada como �Intervenções Éticas de Impacto�,

através desta estratégia são identificados locais ou áreas específicas de

atuação já que não é possível abranger a todas as demandas por Vigilância e

Fiscalização em saúde do trabalhador. Nestes locais serão realizadas as

fiscalizações e são chamados a integrar a ação diversos atores sociais o que

garante transparência ao processo, agilidade e resolutividade.

Os atores sociais envolvidos são: Secretarias Estaduais e Municipais,

Universidades, Poder Legislativo, Poder Judiciário, Imprensa, movimentos

sociais e sindicais.

A proposta do trabalho pode ser sintetizada: Conjugando-se os setores progressistas e não corrompíveis no âmbito do Estado, com setores combativos da sociedade civil organizada, no esforço comum da intervenção, é possível forjar uma aliança de contraposição do poder mobilizante do Estado �não ético�, em conluio com os setores produtivos predatórios. O impacto é dado na medida da eleição do aonde intervir de forma a servir como medida exemplar. (VASCONCELLOS, 1994, apud VASCONCELLOS; RIBEIRO, 1997, p.5).

As intervenções em vigilância são definidas a partir de:

• Solicitação Sindical � neste modo o sindicato encaminha uma

situação problema, e na medida do possível as ações desencadeadas

são estendidas as empresas vinculadas a entidade sindical

desencadeante da ação inicial.

• Ramo Produtivo � a atuação também é feita conjuntamente com o

sindicato de trabalhadores e abrangendo a todas as empresas com o

mesmo perfil de produção.

• Evento sentinela � a ação de Vigilância e Fiscalização é

desencadeada pelos casos que chegam a Vigilância, existe a

preocupação de aprofundar a investigação para identificar outros

casos semelhantes.

• Microrregional � baseia-se num espaço geográfico politicamente

Page 124: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

124

constituído, onde são feitas as identificações das situações de risco

para os trabalhadores. A partir deste mapeamento ocorre o

planejamento da intervenção em parceria com os serviços de saúde

da região.

Apresentar uma síntese da experiência do Rio de Janeiro teve o intuito

de identificar algumas estratégias para a superação dos problemas identificados

na área e alcançar resultados positivos. A atuação direcionada pode dar

aumentar o impacto das ações, abrangendo uma maior quantidade de

trabalhadores, assim como a transdisciplinariedade pode auxiliar a driblar

situações como a identificada em Blumenau onde alguns profissionais médicos

se recusam a fazer este processo. Não que a participação destes e o

conhecimento específico que possuem não seja importante e nem que será

suprido pelas demais áreas, mas talvez o impacto possa ser reduzido.

Sintetizando podemos dizer que as expectativas com relação às ações a

serem desenvolvidas pelo CEREST foram amplas abrangendo desde ações de

prevenção e promoção até as de assistência e recuperação. Considerando as

duas grandes áreas que compõem um Centro de Referência em Saúde do

Trabalhador percebemos que as de Assistência alcançaram melhores

resultados, destacando-se aqui o importante avanço quanto a identificação de

Doenças Ocupacionais, principalmente as LER/DORT. A Vigilância não

conseguiu atingir uma posição de destaque, salvo em seus primeiros

momentos. Os fatores que influenciaram para um retrocesso nesta área podem

ser correlacionados a questão política e governamental (que ao assumir o poder

não deseja mais de defrontar abertamente com a classe empresarial); a

redução do poder dos sindicatos e o fato de muitos deles estarem vinculados ao

partido governamental, portanto também não querendo um confronto direto; a

subordinação da atuação dos profissionais de saúde, mais especificamente os

médicos, ao capital.

4.3 Política de Saúde do Trabalhador

Page 125: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

125

Este tópico teve por objetivo analisar a Política de Saúde do Trabalhador

a partir da concepção dos atores sociais entrevistados. Ao serem questionados

sobre a viabilidade da implantação da Política de Saúde do Trabalhador, os

entrevistados responderam afirmativamente, mas, ressaltaram a importância da

posição política e governamental assim como a necessidade da pressão da

sociedade civil organizada para impulsionar o poder público no sentido de

executar estas ações. A parceria com o setor empresarial para implantar esta

política também foi citada.

Quanto à questão política registramos a fala de um dos representantes

do controle social: �Pode e deve ser implantada, mas ela só vai ser implantada

se tiver vontade política. (...) se não tiver uma formação para os movimentos

sindicais e sociais para com os trabalhadores, que elegem os nossos

representantes, vamos ter dificuldades porque, eu tenho este entendimento, se

eu votar num �cara� da direita eu achar que vai implantar uma política de saúde

do trabalhador estou me enganando. Porque ele vai ter sempre que dar

prioridade a política das empresas, por isso ele é candidato apoiado e investido

pelas empresas para que elas continuem cada vez mais explorando os

trabalhadores tirando o máximo que ela pode tirar de lucro, porque nenhuma

empresa, nenhum capitalista vai querer tirar do seu bolso para tratar um

trabalhador doente ou para evitar que o trabalhador fique doente. Porque no

mercado tem um monte de trabalhador sem emprego e um monte de

trabalhador novo. O trabalhador doente, o Empresário, manda para o CEREST,

para o INSS, afasta, aposenta, mas nós queremos trabalhador novo para nós

podermos ficar lucrando cada vez mais. Não existe interesse por parte dos

órgãos para que a direita venha realmente resolver os problemas dos

trabalhadores. A política de saúde do Trabalhador só vai ser implantada se nós,

os movimentos sindicais, conseguirmos colocar na cabeça dos trabalhadores

que votam a necessidade do comprometimento dos nossos governantes com a

Política de Saúde do Trabalhador.� Entrevistado 3.

Nesta passagem da entrevista do representante do controle social

podemos destacar várias das facetas que compõem a Saúde do Trabalhador,

todas elas na verdade interligadas. Podemos identificar: o contexto de

exploração capitalista, a questão política de direita e esquerda e ainda o

conhecimento para que haja maior poder de reivindicação e mobilização dos

Page 126: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

126

trabalhadores. Como estes fatores permeiam a saúde do trabalhador de alguma

forma já foram abordados anteriormente, mas vale a pena tecer algumas

considerações.

Primeiramente a situação da estrutura capitalista inserida dentro de uma

ótica neoliberal enfatiza a necessidade de liberação do mercado financeiro, esta

predominância da esfera financeira faz com que a mesma tome proporções

desproporcionais com relação às outras esferas que compõem uma estrutura de

Estado. Claus Offe (1999), contextualiza a estrutura de Estado neste momento

histórico e segundo este autor são três as instâncias que compõem o Estado: a

sociedade, o governo e o mercado, estas deverão se articular sendo, porém

sempre uma relação conflituosa. O autor cita Soluções mais promissoras são essencialmente �impuras� : não se deve utilizar nenhum dos três princípios da ordem social exclusivamente, mas a todos eles deve ser reservado um papel em um arranjo institucional complexo e composto. Esses três componentes da ordem social em precária relação entre si: de um lado, eles se baseiam um no outro, já que cada componente depende do funcionamento dos outros dois; de outro entretanto, a sua relação é antagônica, já que a predominância de um deles põe em risco a viabilidade dos outros dois (OFFE, 1999, p.128).

Para uma melhor compreensão o autor faz um comparativo entre os

elementos da organização social e uma capacidade de relacionamento humano.

O Estado pode ser considerado como a Razão, já que surge como um contrato

racional. O Mercado é movido pelos interesses humanos na aquisição de bens

individuais sem grandes considerações sobre o que estas aquisições farão para

os outros ou para o futuro. Já a Comunidade pode ser equiparada à paixão

(amor, honra, orgulho, sentimento de crença), são estes sentimentos que geram

um sentimento de compromisso de pertencimento.

Quando há predominância excessiva de um dos elementos ou ainda

quando um dos elementos é praticamente desconsiderado na organização das

sociedades ocorrem problemas. No contexto de uma organização societal com

princípios neoliberais, que se caracteriza pelo Estado mínimo, pela liberdade

quase irrestrita do mercado financeiro e por negligenciar a Comunidade,

enquadram-se três dos seis arranjos de Estado citados por este autor, que são:

1) Governo pequeno demais � O Estado no seu mínimo deve ser

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127

chamado a proteger a vida, a propriedade e a liberdade dos cidadãos

(Locke). Com o objetivo de levar a cabo essas funções que são

essenciais para o Estado, os Estados devem ser capazes de extrair

os recursos necessários para a performance destas funções através

dos impostos. O que ocorre em muitas situações é a existência de um

Estado superdimensionado com uma performance abaixo do

necessário.

2) Falácia do mercado excessivo � Os mercados são arranjos

institucionais muito peculiares, em que a alocação de competitiva de

fatores e resultados da produção é mediada através da sinalização de

preços. Os mercados são conhecidos por sua surdez e cegueira: são

surdos as externalidades negativas, por eles causadas, por exemplo

de natureza ambiental, ao mesmo tempo que são cegos às

conseqüências de longo prazo que as transações de mercado podem

causar aqueles envolvidos com elas.

3) Falácia de Negligenciar Comunidades e Identidades � Comunidades

como família, associações religiosas ou noções étnicas oferecem aos

indivíduos uma sensação de sentido e missão. Estas representam um

papel importante na reprodução das tradições culturais e valores

étnicos. A cessão e a garantia do necessário espaço para que a ação

política e social dessas diversas comunidades possam promover suas

práticas associativas (em vez de substituí-las por ação estatal

paternalista e/ou repressiva) aparecem como uma pré-condição

necessária para o aprofundamento do uso benéfico coletivo destas

forças comunitárias e modos de ação.

A síntese sobre a estrutura e Estado nos possibilita refletir sobre qual

arranjo de Estado temos na atualidade e quais conseqüências isto acarreta.

Podemos concluir que a atual estrutura é composta por um Estado cada vez

mais mínimo que se exime cada vez mais de suas responsabilidades quanto a

vida, a propriedade e a liberdade. As comunidades e os valores que este

deveria desenvolver na população estão substancialmente afetados levando a

uma sensação de não pertencimento causada pela excessiva negligência, que

se verifica no modelo de Estado atual pela Comunidade. Este pode ser citado

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128

como um dos fatores que aumentam a criminalidade, além é obvio da ausência

do Estado que ao não promover os mínimos sociais faz com que o indivíduo

procure uma inserção para garantir sua sobrevivência, por vezes o faz na

informalidade do mercado de trabalho e em outras no poder paralelo que se

forma no mundo do crime. E por fim, quando o mercado financeiro é dilatado,

baseando-se somente na lucratividade e ficando surdo e mudo às demais

instâncias, ou seja, assumindo uma postura onde os fins (lucros) justificam os

meios (degradação ambiental, exclusão social em massa, etc.). Todos estes

componentes colaboram para a enorme dificuldade que há em realmente

implementar uma política pública de saúde do trabalhador.

Podemos citar ainda outra análise sobre a grande influência que o

mercado financeiro ocupa na conjuntura atual, onde os fluxos financeiros

mundiais correspondem a aproximadamente 78 vezes a quantidade de recursos

aplicados produtivamente. Esta redução do Mercado Produtivo é um dos fatores

que diminui quantidade de postos de trabalho e direciona os recursos de

maneira diferente entre os países. Aos desenvolvidos cabem as tarefas que são

melhor remuneradas e que exigem melhor infra-estrutura e desenvolvimento

tecnológico, já os países periféricos ficam com os trabalhos pior remunerados e

realizados em condições mais desfavoráveis como por exemplo a utilização de

produtos, que pela toxicidade já foram eliminados do processo produtivo de

países centrais. Estas características do mercado financeiro e do mercado

produtivo atingem a toda a população, porém de forma mais intensa as

camadas mais vulneráveis. O mercado de trabalho, nesta conjuntura, também

assume novas formas que não deixam de significar a fragilização deste, o que

pode ser exemplificado, por exemplo, nos empregos de tempo parcial, no

subemprego e no desemprego, além da curva decrescente de rendimentos para

grandes parcelas da população (MINAYO-GOMEZ e THEDIM-COSTA, 1999).

Finalmente, estes mesmos autores, depois de fazerem este estudo sobre

a forma como a supremacia do mercado financeiro afeta a toda a população,

mesmo que de forma mais intensa a classe menos favorecida, identificam o

papel do Estado que:

[...] frente ao enorme contingente do moderno �exército

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129

industrial de reserva� gerado pelo desemprego em massa, oferece, quando muito, alternativas de re-inserção circunstanciais negociadas com as empresas, por meio de incentivos financeiros e redução ou isenção de encargos sociais (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1999, p.412).

Através dos pontos destacados pelos autores podemos constatar que a

configuração de Sociedade atual é extremamente precária com relação a

Comunidade. Desta forma a implantação de uma política de Estado direcionada

para este segmento não tem grande possibilidade de obter avanços

significativos, porque as outras duas instâncias prevalecem sobre esta.

O entrevistado se refere ainda à questão política de direita e esquerda,

que já foi abordada baseado em Ribeiro (2004), segundo o qual

independentemente da ideologia política de um partido quando este assume o

poder alia-se aos interesses do poder econômico. Offe (1999), também faz um

apanhado geral sobre a forma como a globalização sobre o comportamento dos

Estados e que à medida que as fronteiras dos Estados são transpostas e

tornadas permeáveis, o poder das forças políticas locais diminui. As fronteiras

perderam não apenas sua característica de limite, mas também protetora e,

portanto, capacitadora de respostas independentes e autônomas. Ou seja, na

atual estrutura de Estado a autonomia deste diminui, principalmente dos países

periféricos que ficam mais submetidos às pressões transnacionais e

econômicas.

A mesma entrevista apresenta ainda a questão da consciência dos

trabalhadores, os conhecimentos para que elejam representantes que estejam

comprometidos com suas necessidades. Uma maior consciência crítica com

certeza faz com que as pessoas tenham maior poder de reivindicação,

conhecimento de seus direitos, e se tornem menos propensos a serem massa

de manobra. Porém, é necessário considerar à relação de poder que se

estabelece entre o empregador e o trabalhador. Percebe-se que, além de conflituosa, a relação entre o empregado e o empregador vai além da simples subordinação: é uma relação de submissão imposta por um poder determinado unilateralmente por interesse econômico do empregador, respaldado na coação e capacidade de retaliação; uma submissão tanto maior quanto menor for a organização e resistência dos trabalhadores e maior sua necessidade de sobrevivência. (...) Na relação autoritária, o sujeito colocado no pólo dominante do poder faz do sujeito situado no outro pólo,

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130

um simples objeto. Esta relação de coisificação é comum na relação de poder do empregador com seus empregados.� �...o desconhecimento do outro, é um dos traços da sociedade brasileira fundada na exploração do trabalho escravo. (...) os grilhões desapareceram, mas os trabalhadores continuam virtualmente presos nos postos de trabalho (RIBEIRO, 2004, p.6)

Esta posição de submissão do trabalhador, aliado ao que foi apontado

anteriormente da obra de Minayo-Gomes e Thedin-Costa (1999), que ilustram a

situação de precariedade do trabalho nos dias atuais e ainda Ribeiro (2004) que

também teceu uma reflexão sobre a redução do poder dos sindicatos e o

sentimento de individualismo que se instalou nos trabalhadores oriundo da

necessidade de sobrevivência a qual estão expostos pela precarização das

relações de trabalho, faz com que o desejo de se engajarem na luta pelos seus

direitos estejam reduzidos, precisam se preocupar em manter seus empregos e

sobreviver.

Com todas as considerações feitas à política de Saúde do Trabalhador

vem na contra-mão da lógica neoliberal que prevê cada vez mais autonomia e

flexibilidade para que a esfera econômica e produtiva se desenvolva no sentido

da primazia do capital e relegando a um segundo plano a vida humana e a

questão ambiental, ou seja, a implantação de um Estado cada vez mais mínimo.

A próxima entrevista que também abre uma discussão sobre a questão

política, porém já faz uma análise diferenciada com relação à atuação dos

partidos de Direita e Esquerda, e que é bastante interessante principalmente por

vir de um representante sindical e que posteriormente ocupou um cargo

estratégico dentro da Secretaria Municipal de Saúde, e que vem de encontro ao

que foi citado por Ribeiro (2004) e Offe (1999) Este refere: �Para o Estado não

interessa (referindo-se a Política de Saúde do Trabalhador), e isto independe se

é direita ou esquerda. Vai depender da boa vontade das pessoas de avançar ou

não dentro deste processo. Mesmo dentro de um partido de esquerda, nós

estivemos lá e fomos bloqueados, barrados, porque não interessa... (...) A

verdade que eu tenho dentro de mim, que quando eu chego ao poder, é uma

verdade escondida que eu só vou manifestar lá.� Entrevistado 1. Como

podemos perceber este ator social aponta para a dificuldade de implementar

uma real Política de Saúde do Trabalhador, independentemente da ideologia

político-partidária e das pressões que ocorrem para que a área não tome lugar

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131

de destaque, evitando assim explicitar a relação capital/trabalho entre

empregadores e trabalhadores.

Apesar da ausência do Estado na real implementação da Política de

Saúde do Trabalhador, o Ministério da Saúde lançou em 2002 a RENAST com o

objetivo de expandir as ações em saúde do trabalhador nos municípios

brasileiros já que somente uma pequena parcela deles assume suas

responsabilidades quanto à saúde do trabalhador. Através da RENAST foram

disponibilizados recursos financeiros para a área, principalmente para

municípios que foram habilitados, assim como Blumenau, como Centros de

Referência em Saúde do Trabalhador. Estes municípios passaram a assumir

uma responsabilidade regional, no caso de Blumenau referindo-se a 52

municípios além do próprio.

A habilitação de Blumenau ocorreu em 2003 e os entrevistados foram

abordados sobre os reflexos desta habilitação para a Saúde do Trabalhador em

Blumenau.

Serão citados alguns itens do que os entrevistados destacaram e que

possibilitarão uma breve idéia de como ocorreu este processo em Blumenau.

Uma das entrevistas de um dos representantes do controle social

abordou um aspecto interessante, a motivação que a habilitação do CEREST

trouxe para a organização sindical, e infelizmente mostra ao final como o poder

público ao ser tantas vezes inoperante leva a um desejo de afastamento, de

distanciamento. �... quando veio a RENAST, na época, houve aquela vontade

enorme, o Fabiano era o coordenador, ele trouxe aquilo e nós fizemos vários

projetos, conversamos muito. Já era para sair à cartilha da LER/DORT, o

projeto da construção civil, já iríamos ver a questão da saúde mental dos

trabalhadores, estava uma coisa toda fogosa. Nós já estávamos organizando

grupos para formar grupos de formadores para ir para dentro das fábricas para

falar com os trabalhadores, mas de repente a coisa mudou e mudou muito. Eu

não sei se foi na mudança de governo ou o que foi e daí tudo ficou muito difícil.

Até saiu a cartilha do CEREST, mas foi um parto, o que acaba, assim, a gente

deixando de participar por desanimo mesmo. É reunião, reunião e aquela coisa

não andava. E neste sentido eu não vi muita mudança não. Com a RENAST

antes e agora.�Entrevistado 2

A próxima fala a ser citada é a de outro representante sindical. �A

Page 132: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

132

RENAST trouxe recursos, mas existem entraves políticos que não conseguem

destravar o andamento da RENAST. Os recursos existentes poderiam dar

vazão para as demandas de acidentes de trabalho, o que poderia ser �puxado�

com esta verba. (...) seriam as ações de prevenção e que não tem acontecido.

Me parece que não existe interesse político para que esta situação venha de

fato a se concretizar.� Entrevistado 4.

Os profissionais de saúde também não sentiram avanço do CEREST,

nem mesmo com o repasse dos recursos. �Não trouxe mudança, para mim

continua a mesma coisa. Eu até acho que com a RENAST no início até andou,

mas depois eu não vejo mudanças, não vejo ações na regional. Apesar de ser

habilitado para mais 52 municípios eu não vejo nada.� Entrevistado 7.

A fala do representante da gestão mostra o recebimento de recursos e

uma constatação de que a área não avançou, mesmo havendo incentivo

financeiro. �A RENAST trouxe maior incentivo financeiro para a área

possibilitando a compra de equipamentos e cursos de capacitação. No segundo

governo do Décio4 poderia ter avançado bem mais, mas infelizmente não

avançou. A RENAST trás recursos para a área de Saúde do Trabalhador, mas

que agora, com a mudança nos financiamentos do Ministério da Saúde, não

serão mais repassados exclusivamente para este fim, passando a ser

incorporados pela média e alta complexidade. Isto deve prejudicar a área de

Saúde do Trabalhador. Nós sabemos o quanto o financiamento é importante na

área da saúde, a área que tem recursos próprios deslancha.� Entrevistado 8.

Conforme foi possível perceber a RENAST não conseguiu atingir seus

objetivos de acordo com os atores sociais da Saúde do Trabalhador envolvidos

nesta pesquisa, apesar de contar com recursos específicos para a área.

As responsabilidades dos Centros de Referência em Saúde do

Trabalhador habilitados pelo Ministério da Saúde são bastante amplos,

sintetizando Hoefel, Dias e Silva (2005), podemos dizer que devem ser pólos

irradiadores para discutir a centralidade do trabalho no adoecimento dos

trabalhadores; desenvolver ações de informação, capacitação e educação

continuada, para profissionais do SUS e para o controle social; ampliar a

informatização e sistematização dos dados em saúde do trabalhador;

desenvolver ações de vigilância; atuar de forma inter e intrasetorial; prestar 4 Décio Lima foi prefeito de Blumenau na gestão 1997-2000 e 2001-2004.

Page 133: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

133

atenção integral ao trabalhador através de práticas que visem a humanização e

o acolhimento; apoiar e incentivar o fortalecimento do controle social.

Infelizmente em Blumenau apesar do caráter regional que foi conferido pela

regionalização não houve avanço significativo na política de saúde do

trabalhador após a habilitação do CEREST.

A dificuldade de implantação da RENAST não é uma realidade apenas

municipal, também foi tema de discussão do Sindicato dos Químicos Unificados

de São Paulo, em 2003 que onde se realizou uma avaliação sobre o processo

de implantação da RENAST nos diversos estados brasileiros, em Santa

Catarina alguns dos aspectos apontados foram: problemas com médicos peritos

do INSS e com médicos responsáveis em estabelecer o nexo entre a doença e

o trabalho; problemas com profissionais que atuam na esfera pública e privada

concomitantemente; falta de interesse de muitos Sindicatos; falta de medidas de

prevenção e de tratamento. (Relatório dos Militantes segundo os Estados da

Federação, 2003)

Algumas das principais dificuldades para a implantação da RENAST a

nível federal, baseada em dados dos técnicos do Ministério da Saúde, foram

citadas nos capítulo 3 quando se abordou a Política de Saúde do Trabalhador

no Brasil, sucintamente podemos dizer que se referem a falta de conhecimento

de gestores e profissionais pela área, fragilidade do controle social; Saúde do

Trabalhador não efetivamente integrada ao SUS; conflito de território (Centros

de Referência em Saúde do Trabalhador com as Regionais de Saúde);

privilegiamento da assistência, e insipiência das ações intersetoriais (HOEFEL;

DIAS; SILVA, 2005).

Os técnicos do Ministério da Saúde destacam alguns aspectos positivos

que ocorreram após a implantação da RENAST que são: uma maior visibilidade

da área e o avanço do quadro jurídico institucional permitido uma melhor

estruturação no SUS.

Um dos aspectos que foi citado como positivo para a implantação desta

política na área de saúde do trabalhador, o financiamento extra-teto, será

encerrado este ano (2007) o que deverá ampliar os problemas para o progresso

nesta área, principalmente o interesse de alguns gestores.

Comparando os dados sobre as responsabilidades de um Centro de

Page 134: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

134

abrangência Regional; os registros que temos sobre a RENAST em Blumenau;

e, na seqüência os dados avaliativos a nível estadual (realizada por

representantes do controle social) e na esfera federal, podemos perceber que

em muitos casos a problemática se repete, ou seja, na dificuldade de

articulação inter e intrasetorial, na conflituosa relação capitalista que afeta

principalmente a categoria médica. Na avaliação de técnicos do Ministério da

Saúde podemos perceber que eles apontam vários problemas que atingem a

saúde do trabalhador no país. Ou seja, apesar de haver �A disponibilidade de

recursos extra-teto que tem facilitado a conversa com os gestores e o

planejamento de intervenções com os trabalhadores, particularmente com

aqueles inseridos no setor formal� (HOEFEL; DIAS; SILVA, 2005, p. 115), por

outro lado, existem problemas importantes que dificilmente serão superados por

um Centro de Referência em Saúde do Trabalhador já que envolvem definições

governamentais e nas três esferas de governo. Um dos exemplos é a

regionalização da Saúde do Trabalhador que ao ser diferenciada do restante da

rede SUS exige pactuações específicas o que dificulta o avanço das ações,

principalmente se considerarmos a complexidade da área com todas as

transformações que vem ocorrendo com relação ao trabalho e ao

desconhecimento de gestores e profissionais sobre a influencia deste no

adoecimento e morte dos trabalhadores.

Com base nas entrevistas podemos perceber que tentativa do poder

público de ampliar as ações em saúde do trabalhador, através da RENAST, nas

várias instâncias da federação alcança resultados parciais, e em Blumenau,

nem ao menos perceptíveis por parte dos entrevistados. Isto leva ao

questionamento de até onde realmente se tem como objetivo o avanço das

ações nesta área e uma maior efetividade na implementação desta política

pública. Erros estruturais, como por exemplo, a saúde do trabalhador seguir

uma regionalização diferente das demais áreas da saúde, obviamente dificulta a

ação. Primeiramente necessitaria que ações estruturais fossem adotadas, como

por exemplo, a articulação entre os diferentes órgãos governamentais. O

controle social precisa ser fortalecido e capacitado para que possa realmente

atuar no sentido da implantação desta política, os empresários precisam ser

responsabilizados pelos acidentes e doenças que causam. Enquanto só houver

o repasse de uma determinada quantidade de verba para um município que

Page 135: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

135

deverá se tornar parcialmente responsável por mais inúmeros municípios nesta

complexa área de saúde do trabalhador a política poderá até ter alguns

avanços, mas não muda a essência do problema.

Apenas para concluir citaremos uma entrevista que aponta para a

necessidade de articulação da sociedade civil organizada, é a de um dos

representantes sindicais, que diz: �Só falta é decisão política de dar condições e

implementar (referindo-se a implantação da política de saúde do trabalhador).

Agora se não tiver esta vontade não vai nunca se implementar. Somente vai ser

implementada se os movimentos sociais, sindicatos dos trabalhadores,

sindicatos patronais e sociedade civil organizada cobrarem de quem tem

responsabilidade de dar esta condição adequada aos trabalhadores, cobrar

para que de fato façam, senão não vão fazer mesmo. Agora que tem condições

isto eu não tenho a menor dúvida. E se os sindicatos têm condições, sem poder

coercitivo nenhum e estão diariamente nos canteiros de obras orientando os

trabalhadores, orientando as empresas e verificando as irregularidades

existentes porque que uma Secretaria de Saúde, uma Vigilância Sanitária não

podem implementar isto? Só não implementam porque não querem.�

Entrevistado 4.

A fala bastante positiva deste representante sindical é interessante

porque em entrevistas de outros atores sociais ele foi apontado como sendo o

responsável por desenvolver um trabalho diferenciado em Saúde do

Trabalhador no município, na área da construção civil, portanto, identificando

que apesar das dificuldades para uma real implantação de uma Política de

Saúde do Trabalhador algumas ações importantes são possíveis e podem gerar

resultados significativos. Algumas falas que ilustram esta atuação diferenciada

deste sindicato são:

�Uma pessoa que vem fazendo um trabalho a mais de 15 anos em

Blumenau, como o Alberto, a Secretaria de Saúde deveria reconhecer o

trabalho deste sindicato, pelo que eles fazem lá... Vai ver o número de mortes

que existia na construção civil antes do Alberto e em todo este período em que

ele está no sindicato...� Entrevistado 1.

�Eu particularmente posso dizer que tem um sindicato que realmente faz

Saúde do Trabalhador, que é o da Construção Civil...� Entrevistado 7.

Após estas entrevistas que demonstram a importância do

Page 136: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

136

posicionamento do Estado para a execução das ações em saúde do trabalhador

e da mobilização da sociedade civil organizada iremos analisar alguns trechos

nos quais os entrevistados ressaltam a necessidade de parceria com as

empresas.

�... as empresas hoje não estão para perder, então no momento em que se o

CEREST fizer um trabalho com elas, elas vão abrir as portas, (...) ainda hoje o

CEREST é um �bicho papão� para elas. Quando elas estiverem conscientes que

o CEREST está aí só para ajudar e não para prejudicar, elas vão abrir as

portas.� Entrevistado 6.

�Porque ninguém quer �sacanear� as empresas, a gente só quer (...) qualidade

de vida dentro das empresas para os trabalhadores. (...) Por exemplo, com um

calor deste olha a pressão que dá este calor e alguém trabalhando sem um

ventilador ou sem um ar condicionado e quantas doenças vão estar sendo

geradas, as vezes só por falta de uma boa ventilação. A gente poder fazer este

trabalho dentro das fábricas, eu vejo que dá para fazer.� Entrevistado 2.

Analisando as respostas podemos concluir que um grupo dos

entrevistados tem uma visão de que a implantação e posteriormente a

viabilização da política de saúde do trabalhador depende em grande parte do

Estado. Citam a questão político-partidária e a pressão dos movimentos

sindicais. Porém é ainda mais abrangente do que isto. É realmente uma posição

de Estado, porque se realmente a Saúde dos Trabalhadores fosse uma

prioridade ocorreria uma integração entre os órgãos governamentais que tem

responsabilidade quanto a esta área. Porque então quando se trata da saúde do

trabalhador não existe integração entre os órgãos, há falta de recursos

humanos, há falta de estrutura adequada, a informatização que tanto apressa

os processos na área econômica na área da saúde do trabalhador engatinha?

Um dos entrevistados aborda esta questão da dificuldade de articulação entre

os órgãos governamentais, �O Ministério do Trabalho nem está para nós. É até

um favor para eles porque eles estão sucateados, não tem pessoal, apesar da

rixa nacional que tem Ministério do Trabalho e Ministério da Saúde, onde o

Ministério do Trabalho diz que o Ministério da Saúde está entrando no campo

dele...� Entrevistado 7.

Page 137: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

137

Trata-se, portanto, de uma questão de prioridade de Estado, para ilustrar

podemos citar alguns exemplos bem simples que nos ajudam a compreender

que onde o Estado tem prioridade as coisas avançam e tem toda a estrutura

necessária. Um dos exemplos é o sistema de votação no país, nosso sistema é

informatizado, distribuído em todo o território nacional, a validação e contagem

dos votos é feita em poucas horas, e o Brasil exporta o modelo e a tecnologia

para vários outros países. Outro exemplo é o do Imposto de Renda, também

todo informatizado, com possibilidade crescente de cruzamento de dados entre

diversas fontes, possibilidade de identificação de falhas com rapidez e eficiência

(principalmente nas declarações da classe assalariada que não tem como omitir

ganhos e tem seu desconto efetuado diretamente da folha de pagamento).

Já as entrevistas que ressaltam a parceria com as empresas novamente

recaem na questão, de como diz o dito popular: de ser impossível servir a dois

senhores ao mesmo tempo. Inclusive uma das entrevistas que usa a expressão

� as empresas não estão para perder�, dá a impressão de que o CEREST teria

como foco de atenção as empresas. Este não deveria ser o foco de um serviço

de saúde do trabalhador, isto não quer dizer que como conseqüência de seu

trabalho o CEREST não possa favorecer a empresa, por exemplo, quando

presta um adequado atendimento ao trabalhador acidentado e fazendo com que

este retorne com maior rapidez e melhor recuperado ao ambiente de trabalho.

Porém, na maioria das vezes, a atuação do CEREST deveria vir de encontro a

uma atuação com foco no trabalhador, principalmente através das ações de

prevenção e de intervenção no processo de trabalho. Em questões anteriores já

destacamos que exemplos citados pelos nossos entrevistados de empresas que

são extremamente adoecedoras e que os investimentos para reduzir ou eliminar

estes riscos aos trabalhadores tem um alto custo e a responsabilidade pelo

trabalhador adoecido é repassada para o poder público, além disto, a facilidade

de substituição dos trabalhadores é alta justamente pela elevada taxa de

desemprego que se registra em todo o país.

Apesar da dificuldade de se implantar uma real política em saúde do

trabalhador, por se tratar de uma questão estrutural de Estado, é na minha

compreensão, positiva a visão dos entrevistados de que é possível implantar tal

política e avançar dentro dela. A dificuldade pode levar ao imobilismo e neste

caso bastante favorável aos interesses daqueles que não tem interesse de que

Page 138: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

138

a saúde do trabalhador avance (Estado, empresários, etc.). Por outro lado,

experiências como a do Sindicato da Construção Civil, que consegue agir

preventivamente e reduzir o número de acidentes num ramo produtivo onde

estes são, não apenas numerosos, mas também muito graves e com alta

incidência de óbitos, mantém viva a motivação e a esperança de que algo pela

vida dos trabalhadores pode ser feito.

Cabe citar um pequeno trecho de outra entrevista que também é muito

interessante neste aspecto motivacional: �talvez eu seja um pouco sonhadora

(quando se refere a possibilidade de implantação da política de saúde do

trabalhador). Eu sei que nunca vai atingir a todos mas [...] é aquela história do

incêndio na floresta, é nós fazermos a nossa parte. Nós talvez não vamos

conseguir atingir a todos os trabalhadores mas se a gente ver aquele

trabalhador que não vai mais passar por aquela dificuldade nós vamos ser

aquele pássaro que está lá tentando apagar aquele incêndio. Eu jamais vou

querer deixar de fazer a minha parte. É isto que eu penso.� Entrevistada 2.

4.4 Sugestões e Estratégias

Neste último bloco estão relacionadas às estratégias e sugestões que os

entrevistados consideram importantes para uma melhor implementação das

ações em saúde do trabalhador no município.

De forma geral as respostas apontaram no sentido de ações e

estratégias direcionadas a estrutura e organização interna do CEREST (equipe;

estrutura física e material; e, execução das ações � dados epidemiológicos,

informatização, parceria com universidades) e, externamente se referindo a

atuação da esfera governamental e a uma maior participação dos sindicatos.

Quanto aos aspectos internos podemos citar inicialmente a equipe de

profissionais.

�Em primeiro lugar o servidor público, que trabalha nesta área tem que ter

consciência de classe. (...) ele precisa entender modos de produção, (...) qual é

a política de massa que as empresas adotam para cima deste trabalhador, e o

médico (...) precisa ter uma consciência de como é que este trabalhador fica

doente e porque que fica doente. E ser apaixonado por isto.� Entrevistado 1

Esta citação mostra o quanto à motivação pela área é necessária assim

Page 139: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

139

como o conhecimento sobre os processos e a organização do trabalho. A

motivação pode estar relacionada ao que foi apontado anteriormente, do

trabalho ter se transformado em valor de troca para muitos profissionais que

então venderão sua força de trabalho onde houver a melhor possibilidade de

lucratividade, além de adequarem suas práticas a uma forma de não se

defrontarem com os possíveis compradores deste objeto de troca, o trabalho.

Com relação ao conhecimento podemos considerar que na Saúde do

Trabalhador, [...] emerge um desafio ainda a enfrentar desde velhas situações praticamente intocadas, como o trabalho escravo e o trabalho infantil, às decorrentes de um modelo de produção seletivo e excludente que vem ampliando a dimensão da rua como espaço de trabalho, com todas as incertezas, vulnerabilidades e riscos que esse espaço significa, em relação tanto a acidentes e violências, como à produção da própria sobrevivência (MINAYO-GOMEZ; THEDIN COSTA, 1997, p. 23).

Enfim uma complexidade de fatores, conforme os apontados na citação

acima, que somente poderão ter uma intervenção efetiva se integrarem os

conhecimentos, como por exemplo, os da Medicina Social que incorpora o

caráter interdisciplinar e intersetorial e não deixa de considerar o acúmulo de

conhecimentos da Medicina do Trabalho e da Saúde Ocupacional. Outro fator

que dificulta a execução das ações em saúde do trabalhador são �...os valores

relacionados a origem de classe e à formação acadêmica conservadora da

maioria dos médicos...�. (MAENO; CARMO, 2005 p.44).

Ainda quanto aos aspectos internos, porém relacionados à estrutura

física e operacional podemos citar:

�Primeiramente tem que estruturar tem que dar condições para os profissionais

para atender os trabalhadores� (Entrevistado 4).

�os formulários lá são tão precários, para ele apresentar em qualquer órgão,

parece uma coisa que veio lá do pobrezinho. Tem que usar os mesmos

formulários como se estivesse lá no consultório particular. Aquilo que vem

escrito lá de qualquer jeito, com uma data e pronto, é uma folha sem um

timbre...� Entrevistado nº 2

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140

�... fazer uma análise dos campos onde realmente os trabalhadores estão sendo

atingidos, ficando doentes e daí juntamente com os órgãos sociais e sindicais

formar cartilhas, informando a comunidade e principalmente os empresários.�

Entrevistado nº 3

�Um outro ponto fazer um planejamento de políticas de ação, (...) fazer uma

pesquisa para ver o que mais está atingindo...� e cita o exemplo da Associação

dos Portadores de LER/DORT que surgiu a partir de um estágio do curso de

psicologia da FURB. �... estagiários de psicologia que iniciaram um grupo e hoje

o que nós temos? Uma associação com mais de 500 pessoas sindicalizadas e

não tem uma reunião ali que não tenha mais de 100 pessoas.� Entrevistado nº 2

�... nós temos que continuar a fazer fiscalização e as questões de trabalhar por

grupos também. Os grupos de LER/DORT, os grupos de amputados,... A

doença mental que tem que ter algum trabalho, o stress do trabalhador, então

tem muitas coisas que podem ser trabalhadas no CEREST e em conjunto com

sindicatos e outros órgãos...� Entrevistado nº 2

Estes dados são interessantes porque apontam uma diversidade de

ações que são de abrangência de um Centro de Referência em Saúde do

Trabalhador, destacando-se o planejamento das ações baseadas em dados

epidemiológicos e as parcerias que devem ser buscadas tanto com instituições

de ensino como com setor empresarial e sindical.

Quanto aos aspectos externos, serão citados inicialmente os referentes a

esfera governamental.

Um dos entrevistados faz uma sugestão, que para ser viabilizada

precisaria de uma definição governamental. �que o empresário ao criar uma

empresa teria que passar por um curso, um treinamento, uma formação

principalmente na área de saúde...�. Na verdade existem uma série de

legislações federais, estaduais e municipais que estabelecem normas que as

empresas precisam cumprir quanto à saúde do trabalhador, porém o que já

vimos na fundamentação teórica é que estas são na maioria das vezes

Page 141: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

141

descumpridas escancaradamente como é o caso dos PCMSOs e os PPRA na

maioria das vezes feitos de qualquer jeito, criando inclusive um grande comércio

na produção em escala destes instrumentos, e os órgãos públicos não

fiscalizam adequadamente, abrindo desta forma a possibilidade de fraudar a

legislação e prejudicar a saúde dos trabalhadores. Entrevistado nº 3.

Este mesmo entrevistado cita ainda �[...] eu tenho observado que muitos

companheiros nossos, que foram de luta (...) e agora quando eles abrem uma

empresa, uma micro-empresa, eles esquecem de ver a questão da saúde.

Muitas vezes são pessoas que não conseguem mais emprego e abrem uma

empresa e aí mais para frente eles vão enfrentar o mesmo problema, que era a

questão da saúde. Porque se você começa (...) uma empresa nova e você

esquece que o seu empregado é também um ser humano e que ele vai adoecer

e que você não tem estrutura para que ele não adoeça, para que ele possa ser

tratado, para que ele não trabalhe num ambiente insalubre, você certamente vai

ter problemas com o seu empregado e aí então é que muitas empresas, muitos

trabalhadores que já se sentem fora do mercado procuram estas empresas

informais para poder ter um salário, um recurso financeiro e aí acabam se

submetendo ainda mais a este trabalho que vai adoecer, e aí, fica mais uma vez

o órgão que é o CEREST para resolver estes problemas,...� Entrevistado nº 3.

Esta entrevista aponta a difícil trama que circunda a saúde do

trabalhador, levantando vários itens para discussão. Um deles, o pequeno

empresário que abre seu negócio. Pela entrevista podemos ver que este muitas

vezes é feito na informalidade justamente para fugir dos elevados gastos fiscais

existentes no País. O pequeno empresário de vítima, passa num instante a

tirano, aquele que não dá as condições necessárias para que o trabalhador

tenha as condições necessárias para não adoecer ou morrer pelo trabalho. Não

se trata, portanto de uma falta de conhecimento, porque ninguém melhor para

conhecer um posto de trabalho e os fatores que nele adoecem do que quem já

vivenciou este processo. Este princípio, de considerar o conhecimento do

trabalhador, inclusive foi a base da teoria utilizada pelo movimento operário

italiano que influenciou o desenvolvimento das ações em saúde do trabalhador

no Brasil (CARMO e MAENO, 2005). Talvez falte conhecimento técnico para

estes micro empresários solucionarem os problemas de saúde que surgem em

seus estabelecimentos, mas não desconhecimento da existência deste.

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142

Podemos nos questionar o que leva aquele que já enfrentou toda esta situação

a submeter outros a mesma penúria? A resposta está no processo de

acumulação de capital que gera a necessidade de exploração da mais valia, o

que da forma como a sociedade ocidental está organizada justifica tudo. Então

para obter mais lucros, as empresas formais ou informais, ampliam a jornada de

trabalho; reduzem a utilização de equipamentos de segurança individuais ou

coletivos, seja pelos custos destes ou pelo fato de em alguns casos ampliarem

o tempo de execução do processo produtivo; entre outras medidas que ampliam

a lucratividade e reduzem a segurança dos trabalhadores.

Esta entrevista também é esclarecedora quanto a uma importante

parcela da população que procura estas empresas informais para a obtenção do

seu recurso financeiro que lhes possibilita a sobrevivência, justamente os

excluídos, seja por idade, por falta de qualificação ou outros. Enfim, em poucas

palavras este entrevistado apontou o círculo da informalidade, partindo dos

pequenos empresários, com escassos recursos financeiros muitas vezes

abrindo suas também pequenas empresas em algum cômodo da casa, com

equipamentos sucateados. E os trabalhadores que adentram a este mercado,

são justamente os excluídos do processo formal de trabalho. Na seqüência ele

completa o círculo citando a atuação dos órgãos públicos ao referir que os que

adoecem neste processo desprovido de qualquer regulamentação irão

engrossar as filas do CEREST, ou a subnotificação porque como não são

vinculados ao mercado formal, tanto os próprios trabalhadores quanto os

profissionais de saúde, muitas vezes não tem a compreensão de que mesmo

não havendo uma vinculação formal ao ocorrer um acidente, este será sim um

acidente de trabalho ou uma doença ocupacional e, portanto, necessitando da

devida notificação.

Temos ainda outro entrevistado que também ressalta a questão

governamental como decisiva na execução da Política de Saúde do

Trabalhador. �Decisão Política. Interesse de querer e ter a visão do que é

importante. Tem que dar prioridade. (...) Falta, portanto vontade política de se

fazer e se investir na prevenção que é o caminho principal, o outro (referindo-se

a assistência) é acessório.� Entrevistado nº 4

Os atores sociais têm razão em apontar a decisão política como um dos

fatores primordiais para a realização das ações na área de saúde do

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143

trabalhador, porém a redução do Estado que se acentuou a partir da década de

90 e a diversidade de fatores que tão bem foram abordados nas citações

anteriores que evidenciam a organização do trabalho informal dentro desta

estrutura de Estado, dificultam este processo. Essa foi uma década que, a despeito da instituição dos direitos sociais, entre os quais o da saúde, se caracterizou por perdas de salários, empregos e renda da classe trabalhadora. Daí a privatização da coisa e serviços públicos e a desqualificação das necessidades sociais transformadas em simples atos de assistencialismo e caridade (RIBEIRO, 2004).

Ou seja, o poder público ao reduzir a estrutura de Estado investe menos

nas políticas sociais, deixando grandes parcelas da população a mercê da

própria sorte e freqüentemente se eximindo de intervir em áreas que trazem a

tão enfronhada relação capital/trabalho como a saúde do trabalhador. O que há

de positivo é que a Constituição de 1988 estabelece uma série de direitos a

população que precisa muitas vezes ser buscar juridicamente, ou através de

estratégias como o exemplo do processo de Fiscalização realizado no Rio de

Janeiro � e citado anteriormente - onde se busca a confluência de vários atores

sociais e que garante a execução das ações. Outra possibilidade para que as

ações em saúde do trabalhador aconteçam é a pressão do movimento sindical,

que será analisado posteriormente.

Quanto a necessidade de maior envolvimento da esfera sindical

podemos destacar as seguintes falas:

�Também os órgãos sociais, sindicais teriam de se reunir novamente para

pressionar e, juntamente com a população e os trabalhadores das empresas,

reivindicar ações mais concretas para que ele (CEREST) venha a funcionar.

Somente esperar que o governo venha a dar condições acho difícil.�

Entrevistado nº 3

� ... abrir espaço para que de fato outras pessoas das organizações e da

sociedade participarem ativamente e ter acolhida as reivindicações dos

sindicatos.� Entrevistado nº 4

�As instituições tem que estar se organizando, o cidadão tem que estar se

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144

organizando e este é um grande problema nosso. Tem muita dificuldade de se

organizar, (...) nós somos muito pacíficos. Aí eu digo para você porque que nós

somos assim? Nós somos filhos da ditadura, nós não podíamos nos organizar

em grupos porque nós íamos presos e isso passou para nós. (...) Nós temos

uma situação que está acontecendo hoje no Brasil, a situação dos deputados

com aumento de salário de 90%, isto é motivo de �fechar o tempo�. Isto é motivo

da gente ir para a rua, com faixas e invadir o palácio. Ah! Mas o presidente não

tem culpa,.... Mas os deputados, nós elegemos eles e aí... (...) como a gente tá

desorganizado realmente acontece tudo isso. (...) Se fosse outro país o �pau

tava quebrando� hoje. O país entrava em colapso...� Entrevistado nº 5

Analisando de forma conjunta as respostas podemos iniciar pela questão

política apontada na última citação, na qual o entrevistado identifica períodos

anteriores na história em que havia uma maior mobilização da população,

como por exemplo a da década de 80, quando ao término da ditadura houve a

grande influencia dos movimentos sindicais e a população organizada

reivindicando seus direitos. Porém na seqüência ocorre a crescente adoção no

país dos ideais neoliberais que precarizaram o emprego, reduziram salários,

diminuíram propositadamente o poder de mobilização dos sindicatos,

incentivaram o individualismo através do qual cada um é responsável por si

mesmo reduzindo o espírito coletivo, uma ausência bastante significativa do

Estado nas políticas sociais o que faz com que cada um tenha que buscar sua

própria sobrevivência em praticamente todos os momentos de sua vida, etc.

Todos estes fatores acabam gerando o imobilismo citado pelo entrevistado. Os

fatos causam indignação, mas na maioria das vezes não levam a ação.

(ROCHA; NUNES, 1994; ANTUNES, 2001).

A situação atual de imobilização da sociedade civil e a forma como isto

repercute na área da saúde está bem configurada na citação abaixo: A mobilização dos segmentos excluídos/despossuídos, sua afirmação como sujeitos sociais, potencialmente capazes de �assumir ações mais ousadas, uma vez que (...)não tem mais nada a perder no universo da sociabilidade do capital�(Antunes, 1995), impulsionaria, por certo, a procura de maior equidade no direcionamento das soluções. Mas, no contexto atual, extremamente desfavorável ao pólo trabalho e, em virtude da fragilidade na aglutinação efetiva desses segmentos, as propostas destinadas ao crescimento do nível de emprego

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145

voltam-se para alternativas como: incentivos à contratação, manutenção e capacitação da mão-de-obra; acordos mais flexíveis de tempo de trabalho, limitações de horas extras, redução da jornada de trabalho e até a reformulação do seguro-desemprego. A luta pela manutenção do emprego torna-se, portanto, prioritária e obriga a relegar as questões de saúde, que começava a tomar corpo, a um plano secundário nas agendas sindicais (MINAYO-GOMEZ; THEDIN COSTA, 1997, p. 30)

Apesar do contexto, um dos entrevistados aponta a importância de ter

ampliada a participação da organização sindical no CEREST. Esta participação

está garantida pelas normativas do SUS, através dos Conselhos de Saúde e

das Conferências como espaços deliberativos e de participação da sociedade

civil na estruturação e elaboração da política de saúde. Estes espaços

infelizmente em alguns casos acabam por não atender as necessidades pelas

quais são criados.

Mesmo a Saúde dos Trabalhadores não sendo prioridade para o

movimento sindical, pela precariedade na qual se encontra o trabalho

atualmente, a organização sindical de Blumenau, principalmente através do

CISAT conta com um grande número de trabalhadores vinculados o que lhes

garante um poder que pode vir a influenciar novamente as decisões políticas e

técnicas na área de saúde do trabalhador, como ocorreu por ocasião do

surgimento do Programa de Saúde do Trabalhador e posteriormente do

CEREST.

Page 146: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

146

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisar os avanços e as limitações de uma unidade de Saúde do

Trabalhador exige que o Trabalho e o Processo Saúde/Doença sejam

considerados como processos historicamente construídos. Desta forma, é

necessário considerar a estrutura societal na qual esta unidade de saúde está

inserida.

Analisando-se a estrutura da sociedade é possível concluir que o Brasil,

atualmente, caracteriza-se como um país periférico, dentro de uma conjuntura

capitalista, que adotou os pressupostos Neoliberais como forma de

organização do Estado. Este modelo de Estado não se modificou

substancialmente com o Governo Lula nos últimos anos. Alguns dos principais

pressupostos do neoliberalismo são: a redução do Estado, o que leva a

crescente redução dos direitos sociais conquistados em décadas anteriores; as

privatizações do aparelho estatal; a maior liberalização do mercado financeiro;

a criação do desemprego estrutural; a fragilização dos sindicatos, entre outros.

Dentro desta estrutura de Estado Neoliberal e no conjunto de medidas

estabelecidas por este, prevalece uma organização do trabalho baseada no

Toyotismo, que prevê entre outras coisas, a flexibilização da produção (que

tem como objetivo atender a demandas específicas) e a flexibilização do

trabalho. Esta última etapa se torna possível através da redução dos direitos

trabalhistas, tendo como pano de fundo o desemprego estrutural. O resultado é

um mercado de trabalho cada vez mais escasso, precarizado, flexibilizado e

terceirizado.

As conseqüências desta estrutura de Estado Neoliberal associado às

formas de produção extremamente maleáveis e a priorização do mercado

financeiro, causam um impacto sobre os trabalhadores. Como por exemplo, o

aumento de desempregados, a redução de trabalhadores no mercado formal e

uma modificação no perfil de morbi-mortalidade dos trabalhadores.

Quanto a Saúde dos Trabalhadores, a partir destas intensas

modificações ocorridas nas últimas décadas, podemos dizer que os

trabalhadores continuam expostos a acidentes de trabalho em índices

Page 147: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

147

extremamente altos e o país continua não adotando medidas eficazes para

reduzi-los; o mesmo ocorre com as sub-notificações que, também, continuam a

ser uma realidade. Novas formas de adoecimento foram inclusas às anteriores,

como o aumento das doenças mentais relacionadas ao trabalho, ocasionadas

pelo aumento do stress, pela intensificação do trabalho e pelo temor de perder

o emprego; os trabalhos repetitivos e fragmentados que continuam a

caracterizar vários ramos produtivos; a utilização de novas substâncias e

tecnologias, que causam efeitos não totalmente identificáveis; além das

questões ambientais e sociais como o aumento da violência, principalmente,

nos grandes centros urbanos. Todas estas questões que afetam a saúde dos

trabalhadores estão inseridas num contexto de crescente distanciamento do

Estado das políticas sociais.

O impacto desta estrutura de Estado sobre a Política Pública de Saúde,

também, é importante de ser citada. Na década de 80 houve uma série de

avanços com relação a esta política pública, vindo a atender uma demanda

interna (mobilização da classe média que almejava direitos somente garantidos

às classes mais abastadas; situação extremamente precária em termos de

saúde à grandes parcelas da população brasileira, entre eles, o elevado índice

de mortalidade materna e infantil e os acidentes de trabalho; havia ainda

mobilização de profissionais de saúde e alguns políticos) e a pressões

internacionais que ocorriam no sentido de garantir assistência básica de saúde

à toda população e redução do número de acidentes de trabalho. Estes fatores

favoreceram a inclusão na Constituição de 1988 do Direito a Saúde, inclusive a

Saúde do Trabalhador.

Infelizmente, na década seguinte este cenário sofre significativas

mudanças pela adesão ao modelo Neoliberal, ocasionando uma crescente

privatização e redução dos recursos para a política pública de saúde. Além do

descumprimento da legislação, tanto por parte do Estado quanto dos

empresários.

Todos estes aspectos que caracterizam a organização de Estado na

atualidade, também, estão presentes em Blumenau, apesar da imagem tão

amplamente divulgada de cidade que segue os moldes europeus e que,

portanto, não apresentaria os mesmos problemas do restante do país, o que é

uma falácia. Blumenau não conseguiu se eximir do panorama nacional de

Page 148: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

148

adesão ao Neoliberalismo e, na década de 90, teve sua economia fortemente

afetada. Desta forma, a indústria têxtil, base da economia no município, sofreu

intensamente as conseqüências desta estrutura de Estado e das políticas

econômicas adotadas. Assim, várias empresas tiveram dificuldades de se

adaptar a esta nova realidade, por terem seu parque fabril não condizente com

as últimas tendências tecnológicas e poucas possibilidades de comercializar

seus produtos em um mercado sem marcos regulatórios e globalizado. Estas

empresas adotaram várias das tendências do toyotismo, o que as levou a

demitir muitos trabalhadores e terceirizar grande parte do seu processo de

trabalho. As conseqüências destas intensas modificações foram o aumento das

condições de precarização e da informalidade no trabalho. Mesmo quando a

fase mais aguda da crise passou, as empresas continuaram com os métodos

de trabalho implantados anteriormente.

É dentro desta configuração de Estado, de Trabalho e de

Saúde/Doença, que se insere o CEREST e na qual foi realizada a análise dos

avanços e limitações.

Primeiramente, quanto a criação do CEREST constatou-se a confluência

de vários fatores e atores sociais, entre estes, a organização sindical do

município, partidos de oposição, atuação de alguns profissionais de saúde,

legislação do SUS e um elevado índice de acidentes de trabalho.

Dentre estes fatores podemos destacar a mobilização da organização

sindical, que aliada a vários integrantes de partidos de esquerda,

principalmente do PT, promoveram diversas discussões sobre a Saúde do

Trabalhador. O Partido dos Trabalhadores tinha um objetivo claro que era o de

assumir o poder na administração municipal, desta forma, a Saúde do

Trabalhador tornou-se uma �bandeira� para o mesmo. A organização sindical,

também, utilizou a Saúde do Trabalhador como instrumento de mobilização da

classe trabalhadora, já que não havia a possibilidade de buscarem melhores

salários para seus associados, num momento de altas taxas de desemprego e

estabilidade da moeda após um longo período de hiperinflação, que tinha por

objetivo facilitar a implantação dos ideais neoliberais.

É possível identificar, desta forma, que a motivação que levou estes

atores sociais a lutar pela implantação de um Centro de Referência em Saúde

do Trabalhador não foi, prioritariamente, o trabalhador em si, mas sim, um

Page 149: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

149

interesse de mobilização da classe trabalhadora para que seus objetivos

políticos partidários e de perpetuação das organizações sindicais fossem

alcançados. Esta compreensão é fundamental porque influencia no parcial

afastamento destes dois atores sociais, principalmente, por parte do poder

público municipal que alcançou seu objetivo ao assumir a Prefeitura durante

dois mandatos consecutivos (1996 � 2004).

Com relação ao afastamento do poder público municipal, cabe uma

reflexão, considerando a estrutura de Estado Neoliberal que preconiza,

conforme já foi abordado, a redução do Estado, o que significa o afastamento

deste das Políticas Sociais, entre elas, a da Saúde. Outro ponto fundamental é

a priorização do capital dentro desta estrutura de Estado, desta forma, mesmo

tendo assumido o governo municipal um partido de esquerda e que, teve em

sua base de apoio a classe trabalhadora, verificou-se o afastamento no que

tange a Política de Saúde do Trabalhador, levando-nos a considerar que,

independentemente da questão político-partidária, os ideais neoliberais

prevalecem. É mais confortável para o poder público manter-se afastado da

forma de organização do processo de trabalho que as empresas e indústrias

adotam, do que se confrontar com a classe empresarial, que detém uma

parcela do poder econômico, utilizada inclusive para o financiamento da política

partidária dentro da sociedade.

Os movimentos sindicais, apesar de terem uma participação decisiva

para o surgimento das ações em Saúde Trabalhador no município, também

tiveram um desempenho aquém do esperado nesta área, em parte porque não

desejavam fazer oposição a um governo do qual faziam parte. Outro fator foi a

fragilização do poder sindical, característica de um Estado Neoliberal. A

grande maioria dos sindicatos, atualmente, tem como objetivo principal a

manutenção do emprego dos trabalhadores. As condições nas quais este

ocorre, infelizmente, não consegue ser o foco da atuação sindical, visto a

fragilização que atinge os trabalhadores dentro da perspectiva neoliberal de

desemprego estrutural, redução dos salários, precarização e terceirização do

trabalho, isto faz com que assumam uma postura individualista (cada um

desejando manter o seu próprio emprego) em detrimento do senso de

solidariedade e de grupalidade, que caracterizava os trabalhadores de épocas

anteriores.

Page 150: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

150

Com relação as ações desenvolvidas pelo CEREST, pode-se concluir

que o projeto inicial para este Centro tinha um enfoque amplo, incluindo as

áreas de assistência, de vigilância e fiscalização, pesquisa e informação,

baseando-se nos pressupostos do SUS. Destas diversas funções foi a

Assistência a que mais atingiu seus objetivos ao garantir ao trabalhador a

continuidade do atendimento, que em anos anteriores não tinha um local

definido para ser realizado. Esta continuidade do atendimento aumentou a

resolutividade quanto aos acidentes de trabalho, possibilitando uma

recuperação mais rápida do trabalhador. Neste aspecto, favoreceu, também, as

empresas que reduziram o tempo de afastamento do trabalhador por acidentes.

Outro avanço quanto a assistência foi o estabelecimento de nexo causal para

as doenças ocupacionais, principalmente as LER/DORT. A média de nexos

positivos dentre as doenças ocupacionais é de 30%.

Esta ampliação na identificação de doenças ocupacionais é um avanço

importante porque as doenças ocupacionais necessitam de uma compreensão

por parte dos profissionais de saúde, principalmente, do médico, a quem cabe

a responsabilidade de estabelecer o nexo causal baseado numa perspectiva de

saúde/doença pautada pela multicausalidade e considerando o trabalho como

um dos fatores presentes no adoecimento.

Apesar do registro das doenças ocupacionais se tornar uma realidade no

município de Blumenau a partir do CEREST, esta é uma área que necessita de

estudos mais aprofundados. Como as doenças ocupacionais não são tão

facilmente identificáveis como os acidentes de trabalho (compreensão do

processo saúde/doença precisa ser multicausal e não unicausal), é provável

que haja uma subnotificação ainda maior do que no caso dos Acidentes de

Trabalho, que já são enormes. Muitos trabalhadores adoecidos devem estar

sendo assistidos na rede pública ou privada por suas patologias sem que o

trabalho tenha sido considerado como um importante fator neste adoecimento.

O pouco conhecimento de gestores e profissionais de saúde quanto a este

aspecto passam a ser um dos fatores que influenciam na subnotificação.

Já na área da Vigilância, os avanços não ocorreram da mesma forma

que na Assistência. Houve uma transformação neste processo do seu período

inicial até o final do período analisado. No inicio do Programa de Saúde do

Trabalhador (1994 a 1996) houve uma atuação que realmente considerava

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151

intervir no processo e na organização do trabalho e, desta forma, impedir o

adoecimento dos trabalhadores. Neste período, a Vigilância era feita com a

participação de profissionais do Programa de Saúde do Trabalhador, inclusive

da área médica, e havia, ainda, a parceria com os Sindicatos. Este processo

identificou, por exemplo, empresas que tinham mais de 50% de seus

trabalhadores adoecidos. Posteriormente, os profissionais médicos se

afastaram deste processo, o que gerou um retrocesso na área. Este retrocesso

torna-se tão significativo tendo em vista a centralidade que caracteriza a

profissão médica dentre as demais profissões da saúde. Com relação à Saúde

do Trabalhador, esta centralidade pode ser constatada pelas CATs, que

possuem um campo restrito ao profissional médico e sem o devido

preenchimento deste a CAT não é aceita pelo INSS. O estabelecimento do

nexo causal é outro exemplo da supervalorização desta categoria numa área

em que a multidisciplinariedade deveria ser uma constante.

Outro fator que influenciou negativamente um maior avanço na área de

Saúde do Trabalhador, principalmente na Vigilância, foi a mercantilização do

trabalho dos profissionais de saúde, sobretudo o dos médicos. Este conflito

evidencia-se, principalmente, quando há o interesse de conciliar a atuação na

esfera pública e privada.

Conforme visto anteriormente, na medida em que a Assistência cumpre

com seu papel junto aos trabalhadores há uma maior resolutividade. Porém, se

considerarmos o princípio da Integralidade, veremos que as ações em Saúde

do Trabalhador não atingem seus objetivos plenamente, já que esta prevê que

sejam desenvolvidas ações de prevenção, de promoção e de assistência ou

recuperação. As ações de prevenção para serem colocadas em prática

necessitam de uma atuação eficaz na área de Vigilância, porque, desta forma,

haverá uma intervenção no processo produtivo no sentido de adequá-lo para

reduzir os riscos de acidentes de trabalho. A não priorização das ações de

Vigilância traz conseqüências negativas tanto para o poder público, gerando

custos mais elevados no tratamento e na recuperação dos trabalhadores,

quanto para os trabalhadores que ficam expostos a maiores riscos de

acidentes e doenças, sofrendo as conseqüências de um processo produtivo

organizado para a valorização do capital e do poder público que se ausenta de

sua responsabilidade.

Page 152: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

152

A promoção à saúde, outro dos aspectos da integralidade da atenção,

engloba uma atuação intersetorial. Esta atuação também é extremamente

precária no que diz respeito à Saúde do Trabalhador. Observa-se a existência

de vários órgãos públicos que tem interface direta com o trabalhador e sua

saúde, porém, a organização e os objetivos destas instâncias governamentais

não seguem um mesmo padrão. Mesmo a criação de um órgão específico para

esta função de articulação entre os diversos Ministérios - o Geisat - não

consegue solucionar as principais problemáticas da saúde do trabalhador. Uma

das principais áreas de conflito para o trabalhador é o INSS, que adota uma

postura de privilegiar a classe empresarial. Isto ocorre quando este órgão

público, preferencialmente, caracteriza o benefício do trabalhador como auxílio-

doença e não como auxílio acidente de trabalho. Isto lesa o trabalhador que

não terá a estabilidade no emprego e nem seu FGTS depositado durante o

período de afastamento. A relação com o Ministério do Trabalho e Emprego

também é superficial, dificilmente possibilitando o desenvolvimento de ações

conjuntas. A precária articulação destes diferentes Ministérios quanto à saúde

do Trabalhador serve como exemplo para identificar a redução do Estado

quanto às políticas sociais.

Quanto a Regionalização e Hierarquização, concluímos que Blumenau

foi um dos primeiros municípios do País a aderir ao modelo de Gestão Plena.

Nesta modalidade de gestão, o município torna-se responsável por uma maior

quantidade e complexidade de ações na área da saúde. Blumenau optou por

executar as ações em Saúde do Trabalhador num Centro de Referência

específico. Alguns teóricos apontam que esta não é a maneira ideal de prestar

o atendimento aos trabalhadores; outros reforçam que desta forma ocorrem

alguns avanços que quando a Saúde dos Trabalhadores está inserida nas

demais unidades não consegue alcançar. O ideal com certeza é a primeira, que

supõem que os profissionais de toda a rede de atenção tenham conhecimentos

necessários na área de Saúde do Trabalhador, o que não é fácil, visto a

complexidade do que caracteriza o mundo do trabalho na atualidade. Esta

dificuldade de identificação dos acidentes de trabalho, bem como das doenças

ocupacionais, pode ser identificado através dos dados do CEREST os quais

apontam que 90% dos encaminhamentos para esta unidade de saúde são

feitos pela rede hospitalar, ou seja, toda a rede básica de saúde composta por

Page 153: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

153

mais de 30 Unidades do Programa de Saúde da Família, além dos 07

Ambulatórios Gerais, não realiza nem 3% dos encaminhamentos para o

CEREST. A segunda posição apresentada parece, dentro deste contexto,

como mais coerente, pois, a criação de um Centro de Referência em Saúde do

Trabalhador no município possibilitou um avanço no atendimento dos

acidentados bem como na identificação de doenças ocupacionais. Maiores

avanços devem ser buscados por este Centro de Referência, quanto a

Vigilância e Fiscalização e as demais áreas de competência desta unidade de

saúde.

Com relação a política de saúde do trabalhador, a maioria dos

entrevistados afirmou a possibilidade de implantação desta política, mas,

percebe-se que fizeram uma leitura muito restrita desta realidade,

considerando a necessidade de pressionar o poder público através da

organização sindical. Esta mobilização local pode surtir alguns efeitos positivos,

porém, a conjuntura de organização do Estado, no momento atual, não

possibilita avanços significativos com relação a política pública de saúde, nem

com relação a ampliação dos direitos dos trabalhadores. Considerando esta

concepção macro, torna-se possível compreender porque a proposta do

Ministério da Saúde de implantação da RENAST, que tem como objetivo a

ampliação das ações em Saúde do Trabalhador nos municípios brasileiros, não

alcança seus objetivos de forma ampla.

Blumenau foi um dos Centros habilitados dentro desta política e, de

acordo com os atores sociais entrevistados, não trouxe mudança significativa,

assim como a nível estadual, confirmam-se os mesmos índices a partir da

avaliação realizada pelo Sindicato dos Químicos Unificados. O próprio

Ministério da Saúde ressalta alguns fatores dificultadores para a efetivação da

RENAST, entre eles, a nova configuração de regionalização adotada. Esta não

segue a regionalização que os municípios adotam nas outras pactuações da

área da saúde configurando-se uma nova região específica para a saúde do

trabalhador, o que cria uma problemática com relação a difícil articulação entre

gestores de diferentes micro-regiões. O pouco conhecimento dos gestores

sobre o Trabalho como um importante fator de adoecimento, também, foi citado

pelo Ministério da Saúde como dificultador para a implementação da política.

Portanto, a RENAST traz alguns recursos e amplia a discussão sobre a

Page 154: AVAN˙OS E LIMITA˙ÕES DO CENTRO DE REFER˚NCIA EM SAÚDE …

154

temática de Saúde do Trabalhador, mas não garante a efetividade das ações

nesta difícil área da Saúde Pública.

Quanto a universalidade e a eqüidade da atenção, estes dois princípios

se deparam com dois problemas estruturais da área da Saúde do Trabalhador.

O primeiro refere-se a crescente ausência do Estado quanto as Políticas

Públicas Sociais, lançando cada vez mais a responsabilidade dos mínimos

sociais sobre o próprio indivíduo, eximindo-se o poder público de efetivar estas

ações. O segundo está relacionado a configuração do trabalho na sociedade

capitalista das últimas décadas, onde o trabalho se caracteriza por vínculos

precários ou pela informalidade, este último, muitas vezes, realizado dentro do

próprio domicílio. Portanto, a redução da estrutura de Estado para prestar o

atendimento à população quanto aos direitos fundamentais como a fragilidade

do mercado de trabalho para os trabalhadores são fatores que dificultam o

acesso e a identificação (notificação) dos trabalhadores vítimas de acidente de

trabalho ou doença ocupacional a rede SUS.

Apesar do contexto negativo que circunda os trabalhadores e seus

direitos, foi importante perceber a motivação de alguns dos entrevistados

quanto a saúde do trabalhador e, principalmente, a atuação de um dos

Sindicatos, que foi citado pelos atores sociais entrevistados, como exemplo, na

realização de ações de prevenção nesta área, reduzindo significativamente a

quantidade de acidentes de trabalho entre os trabalhadores a ele vinculados. O

avanço quanto a identificação das Doenças Ocupacionais e do atendimento

aos trabalhadores acidentados, também, não podem ser menosprezados, por

mais que se constate a necessidade urgente do avanço na área da prevenção

e da promoção.

A postura a ser adotada com relação à implantação de uma política

pública, que vem na contra-mão do modelo hegemônico, pode ser comparada

ao que foi citado por um dos entrevistados representando o controle social - A

Fábula do Pássaro e o Incêndio na Floresta.

Certo dia houve um grande incêndio na floresta e todas as áreas foram cercadas por um fogo denso. Os animais, atônitos, não sabiam o que fazer e nem para onde correr. De repente, todos pararam e viram que o beija-flor ia até a margem do rio, mergulhava, pegava em seu bico algumas gotas de água, voava até o fogo e deixava a gotinha cair sobre

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155

as labaredas. O elefante, vendo aquilo, disse-lhe: �Você está louco? Acredita que esta simples gota pode apagar um incêndio tão grande?�. Ao que o passarinho respondeu: �Eu estou fazendo a minha parte e se todo mundo ajudar, com certeza, conseguiremos alguma coisa�.

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156

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ANEXO 1

Questionário aplicado aos Atores Sociais entrevistados para a análise do

CEREST.

As perguntas realizadas foram:

1) Quais foram os principais fatores que influenciaram para a

criação do CEREST?

2) Os atores sociais que estavam envolvidos na criação do

CEREST foram suficientes? Porque o envolvimento de mais

organizações ou movimentos não foi maior?

3) Qual era a expectativa com relação a criação do CEREST?

4) Estas expectativas foram atendidas?

5) Quais os fatores ou aspectos que podem ser relacionados para

alcançar os objetivos propostos?

6) Quais foram as mudanças que ocorreram em relação a Saúde

do Trabalhador após a implantação do CEREST?

7) Em 2003 o CEREST foi habilitado como CRST pela RENAST.

Este credenciamento trouxe mudanças significativas para a

Política de Saúde do Trabalhador em Blumenau?

8) O Sr. (a) acha que a Política de Saúde do Trabalhador pode

realmente ser implantada? Comente sua resposta.

9) Quais são suas sugestões para uma melhor atuação da Saúde

do Trabalhador no município de Blumenau?