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FAZENDA SANTA SOPHIA (MG) PREOCUPAÇÃO COM O ASPECTO SOCIAL DO ESCRAVO NO BRASIL DO SEGUNDO IMPÉRIO 1 DANNIEL DE MIRANDA GRAZINOLI MEMBRO DO CENTRO DE PESQUISAS ESTRATÉGICAS “PAULINO SOARES DE SOUSA”, DA UFJF. LICENCIADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS PELA FACULDADE DE FILOSOFIA CIÊNCIAS E LETRAS DE VALENÇA RJ. DANGRAZINOLI@GMAIL.COM INTRODUÇÃO Durante todo o tempo em que estudamos ou em conversas informais falamos sobre escravidão temos contato com uma única realidade, a de que os senhores de escravos sempre foram cruéis com seus cativos, veremos comentários contrários sobre o assunto. Sendo como nos diz o texto clássico: “Escravidão é uma instituição da lei das nações por força da qual, contrariamente à natureza, certos indivíduos são sujeitos ao domínio de outros indivíduos.” Todo o texto citado traz à tona o primordial no que era base para os tratos dos escravos em nossa sociedade do século XIX, com uso de força para manter todos os escravos sobre o controle direto e inquestionável do senhor. Segundo o dicionário organizado pelo ilustre professor Aurélio Buarque de Holanda Ferreira escravidão é “1. Condição de escravo; cativeiro, servidão. 2. regime social de sujeição do homem e utilização de sua força, explorada para fins lucrativos, como propriedade privada; escravatura.” Com tal definição podemos ver que não havia qualquer preocupação para com o escravo diante de suas necessidades ou desejos, sendo a ele permitido apenas comer, o necessário para não morrer, e continuar trabalhando para dar lucro ao senhor. Neste trabalho veremos algo bem diferente de tudo já estudado e noticiado em livros, pelo menos os de que temos conhecimento. Na fazenda Santa Sophia podia-se ver a diferença no tratamento de escravos. Onde os mesmos não eram só peças de trabalho e investimento financeiro. Lá eram mais que isso, antes eram seres humanos e tinham alguns de seus direitos mantidos, como a educação e saúde em hospital e escola mantidos pelo Conde de Prados, dono da fazenda. 1 Monografia apresentada, em novembro de 2004, à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Valença – RJ, para a obtenção do grau de Licenciado em Ciências Sociais. Foi orientadora da Monografia a Profa. Dra. Edna Maria dos Santos.

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FAZENDA SANTA SOPHIA (MG) – PREOCUPAÇÃO COM O

ASPECTO SOCIAL DO ESCRAVO NO BRASIL DO SEGUNDO

IMPÉRIO1

DANNIEL DE MIRANDA GRAZINOLI MEMBRO DO CENTRO DE PESQUISAS ESTRATÉGICAS “PAULINO SOARES DE SOUSA”, DA UFJF.

LICENCIADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS PELA FACULDADE DE FILOSOFIA CIÊNCIAS E LETRAS DE VALENÇA – RJ. [email protected]

INTRODUÇÃO

Durante todo o tempo em que estudamos ou em conversas informais falamos sobre escravidão temos contato com uma única realidade, a de que os senhores de escravos sempre foram cruéis com seus cativos, veremos comentários contrários sobre o assunto.

Sendo como nos diz o texto clássico: “Escravidão é uma instituição da lei das nações por força da qual, contrariamente à natureza, certos indivíduos são sujeitos ao domínio de outros indivíduos.” Todo o texto citado traz à tona o primordial no que era base para os tratos dos escravos em nossa sociedade do século XIX, com uso de força para manter todos os escravos sobre o controle direto e inquestionável do senhor.

Segundo o dicionário organizado pelo ilustre professor Aurélio Buarque de Holanda Ferreira escravidão é “1. Condição de escravo; cativeiro, servidão. 2. regime social de sujeição do homem e utilização de sua força, explorada para fins lucrativos, como propriedade privada; escravatura.” Com tal definição podemos ver que não havia qualquer preocupação para com o escravo diante de suas necessidades ou desejos, sendo a ele permitido apenas comer, o necessário para não morrer, e continuar trabalhando para dar lucro ao senhor.

Neste trabalho veremos algo bem diferente de tudo já estudado e noticiado em livros, pelo menos os de que temos conhecimento. Na fazenda Santa Sophia podia-se ver a diferença no tratamento de escravos. Onde os mesmos não eram só peças de trabalho e investimento financeiro. Lá eram mais que isso, antes eram seres humanos e tinham alguns de seus direitos mantidos, como a educação e saúde em hospital e escola mantidos pelo Conde de Prados, dono da fazenda.

1 Monografia apresentada, em novembro de 2004, à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Valença – RJ, para a obtenção do grau de Licenciado em Ciências Sociais. Foi orientadora da Monografia a Profa. Dra. Edna Maria dos Santos.

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Objetivos

- Mostrar que no Brasil não havia homogeneidade nos maus tratos do senhor para o escravo;

- Demonstrar que a fazenda Santa Sophia não mantinha seus escravos sobre o regime do medo.

Hipóteses

- A produção na Fazenda Santa Sophia era maior por não haver excessivos castigos e maus tratos.

- Tais tratamentos, mais respeitosos e humanos, criam uma comunidade de escravos mais fiel e menos propensa a revoltas.

Metodologia

Ao traçarmos um paralelo entre o que estava acontecendo na fazenda Santa Sophia e o que poderia estar acontecendo no resto do país, tendo em vista o que encontramos em livros e artigos sobre a escravidão no Brasil, leva-nos a crer que levantaremos uma hipótese nova.

Tal hipótese nascerá do resultado da comparação entre os acontecimentos na fazenda em foco com os acontecimentos que são de conhecimento geral de todos, ou seja, “maus tratos” versus “bons tratos”.

Isso facilmente se explica quando lemos a citação de Heinrich Mitteis que diz:

Até, que só por meio da comparação possam chegar a ser percebidos os traços peculiares e essenciais de uma dada sociedade, pois a análise comparativa permite distinguir os referidos traços dos que são comuns a outros casos observados, ou dos meramente incidentais.2

O estudo comparativo, neste trabalho, é muito providencial para podermos explicitar a densidade adquirida, quando situado em uma tipologia, demonstrando, ao mesmo tempo, quais são as singularidades irredutíveis.

O estudo de caso proposto neste projeto tem muito do que foi explicitado pelo autor, ainda que sutilmente, já que é pretensão nossa poder colocar, mostrar também documentos de época comprobatórios de tais acontecimentos e fatos.

Itens da Monografia

Serão desenvolvidos, ao longo da exposição, os seguintes itens: I – Nuances da Escravidão no Brasil. II - A Região. III - O Conde e a Fazenda. Considerações Finais. No final, serão colocados alguns Anexos considerados de importância na pesquisa feita.

I – NUANCES DA ESCRAVIDÃO DO BRASIL

Trataremos a questão da escravidão na paisagem social de Santana do Deserto durante o Segundo império. Onde encontramos uma sociedade rural patriarcal e escravocrata, dispersada em grandes propriedades rurais. Neste tempo ainda estavam surgindo localidades como é o caso de Silveira Lobo, onde hoje se encontra a fazenda Santa Sophia, e a então localidade de Santana do Deserto, hoje sede do município onde a fazenda tem suas terras.

Quando falamos em escravidão no Brasil tendemos a imaginar logo uma grande quantidade de peças todas aglomeradas em navios negreiros, nos pontos de venda ou nas fazendas, sejam elas de café, ou primeiramente, nas de açúcar; o que não é de todo errado. Mas este não é o primeiro

2 CARDOSO, Ciro Flamarion e BRIGNOLI, Héctor Pérez. Os Métodos da História, Rio de Janeiro, Graal; pág. 413, 1990, 5ª edição.

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momento da escravidão no Brasil. Os índios foram os primeiros escravos utilizados pelos portugueses, uma vez que estavam em contato com os mesmos desde o “achamento” do Brasil. Quando num primeiro momento trocavam produtos tropicais por quinquilharias trazidas pelos portugueses e quando o desinteresse destas quinquilharias toma os povos indígenas é que os portugueses passam a escravizá-los e utilizá-los para todo tipo de serviço.

O elemento negro entrará em cena quando a coroa portuguesa percebe que o comércio ultramarino trará muito mais rentabilidade para a coroa e os comerciantes. Para tanto a coroa e os Jesuítas passam a recriminar a escravidão do índio em nome de Deus. Uma vez que a captura do índio era um negócio meramente colonial.

Mas o primeiro negro a entrar no Brasil deve ter chegado bem antes destes acontecimentos, e de certo nada sabia sobre o cultivo de cana e da produção do açúcar, uma vez que provavelmente era um escravo domestico que chega ao Brasil servindo um senhor fidalgo, figura até bastante comum a época, já que neste período o padrão era português, onde os escravos ficavam restritos ao trabalho domestico e ao artesanato, com inclusão da industria açucareira.

O elemento negro só entrará definitivamente na industria açucareira quando os senhores de engenho perceberem que são eles, os negros, mais preparados para o trabalho escravo, que pela sua adaptação ao mesmo ou por sua resistência física. Tal substituição começa a acontecer mais efetivamente só no final do século XVI. Quando os registros mostram que a partir de 1550 perde-se milhares de indígenas por conta de doenças trazidas por portugueses e a africanos, tais como varíola, rubéola e tifo. Já que os índios não detinham defesas imunológicas para tais doenças. Deste ponto em diante começa a nascer o primeiro e maior sistema escravista das Américas baseado no elemento negro, o sistema brasileiro.

Para tanto surge o tráfico negreiro, ao contrário do que entendemos hoje a palavra tráfico não traz nada de ilegal junto consigo e sim algo bom legalizado e fundamentado na cultura e nas instituições portuguesas. “A escravidão estava racionada nas leis portuguesas. Nas ordenações Afonsina, Manuelina e Filipina”.3

Outro ponto que podemos observar é que o tráfico negreiro evoluía durante os anos, como podemos confirmar na afirmação que segue:

Como qualquer outro comercio, o tráfico negreiro especializou-se ao longo do tempo. Era altamente internacionalizado. A mercadoria escrava era trocada nos entrepostos africanos por manufaturas européias, especialmente armas e utensílios domésticos, pelos muito apreciados panos de algodão produzidos na Índia e até por aguardente e rolos de fumo procedentes do Brasil. O desenho dos próprios navios negreiros evoluiu de acordo com suas funções especificas e, no caso, do tráfico para a América portuguesa, a construção cada vez mais se fazia em estaleiros da colônia. 4

E não só o tráfico em processo de evolução podemos notar no trecho supra citado, mas também a evolução do navio para o tráfico como ainda observamos que a moeda de comercio eram vários elementos aparentemente sem valor de troca em comercio tão lucrativo. Para ser então mais lucrativo os navios viajavam de tal forma lotados que era, para os negros transportados impossível a movimentação dentro dos navios, condição esta indispensável para a sobrevivência. De modo que muitos morriam na viajem e os que sobreviviam chegavam em estado deplorável, tal era a debilidade que antes de serem vendidos passavam por um período de recuperação.

A escravidão teve tanta importância na constituição da economia brasileira e por conseqüência na sociedade que nos parece importante ressaltar que:

Para termos uma idéia da dimensão do escravismo nas terras coloniais portuguesas na América, examinemos alguns dados sobre o gigantesco tráfico negreiro internacional, que durou três séculos e meio. Durante esse

3 RAMOS, Arthur, As Culturas negras no novo mundo, in SODRÉ, Nelson Werneck, Panorama do Segundo Império, 2ª edição. Rio de Janeiro, Graphia, pág. 73, 1998. 4 LIBBY, Douglas Cole e PAIVA, Eduardo França, A Escravidão no Brasil, 1ª edição. São Paulo, Moderna, 2000, pág. 15.

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tempo, 11 ou 12 milhões de negros foram embarcados nos portos africanos e transportados, como escravos, para as Américas. Desse total, cerca de 38%, isto é, um número próximo a quatro milhões e quinhentos mil, foram trazidos para o Brasil.5

Portanto podemos observar a total dependência da lavoura açucareira posteriormente da do café e entre elas a extração dou ouro e do diamante do braço escravo, uma vez que sem o mesmo tais “industrias” se inviabilizavam por completo já que

Uma das conseqüências morais mais nojentas, mas mais profundas da escravidão foi o horror que transmitiu ao homem branco de que o trabalho físico e o trabalho da terra eram aviltantes. Relegados tais misteres, por séculos, à camada mais baixa, na escala social, eles sempre se apresentavam, aos olhos dos filhos da terra, como coisa indigna e suja. Empregar os braços na lavoura, semear e colher, torna-se sábio em qualquer coisa que dissesse de perto o esforço físico e com o contato da terra era coisa em que não pensavam os brasileiros. E não pensavam porque séculos de uma tradição confusa e permanente haviam fixado nos seus subconscientes a idéia de que tal forma de atividade sendo praticada só por escravos, era digna apenas de escravos (grifo nosso). 6

Vinham os negros de Angola, do Congo, de Benguela, de Cabinda, de Mossamedes, na África Ocidental e de Moçambique e do Quelimane, na contra-costa. 7

A origem dos negros aprisionados e tornados cativos é das mais diversas como vemos e o jeito que eles eram feitos cativos também. Num primeiro momento eram prisioneiros de guerra, venda de membros da família por motivos de fome, nada disso consumia tal numero até a constituição do trafico mercantil. As mercadorias empregadas na troca como já vimos eram as mais variadas, mas as que mais interessavam eram as armas e munições o que permitia que os detentores das mesmas pudessem, além de não serem feitos cativos, aprisionar um maior número de “peças” para o comercio com os europeus. Isso é claro num primeiro momento já que como vemos na afirmativa que se segue o comercio, muito lucrativo, e quase todo Brasil-África.

O negocio que se convenciona chamar de trafico negreiro Português tinha muito pouco de português. Ademais, com os navios negreiros zarpando diretamente de portos africanos e brasileiros fica difícil manter a afirmação de que o comercio triangular era ponto-chave do sistema colonial. 8

A desarticulação da comunicação da origem e da religião dos cativos era algo muito usado para manter sob controle todos os aprisionados uma vez que podendo se identificar com um número razoável de indivíduos enquanto estavam nos portos de embarque ou mesmo nos navios e pontos de venda no Brasil certamente incitavam rebeliões e brigavam e causavam um enorme prejuízo aos comerciantes.

Para tanto eram embarcados o quanto antes e mantidos a ferro até que os navios perdiam de vista a costa africana e logo que chegavam as fazendas eram batizados e ganhavam um nome cristão, pelo qual passavam a ser chamados de agora em diante e deveriam aprender o português e com isso perderem o vinculo com a terra natal e assim diminuir ainda mais os riscos de rebelião e organização.

Quando pensamos em número de escravos em terras brasileiras não podemos ser exatos nos números, uma vez que para termos um número real teríamos que contabilizar todos os registros de todos os proprietários de escravos do pais e isso tornar-se-ia impossível já que nem todos os proprietários faziam tais registros. Apenas os detentores de um número considerável de escravos precisavam e faziam o mesmo ficando os que mantinham números menores apenas em registros “particulares” e sem a devida preocupação de mantê-los em ordem e ainda, os mesmo resistem ao tempo para pesquisa.

5 LIBBY, Douglas Cole e PAIVA, Eduardo França, op. cit. Pág. 19 6 SODRÉ, Nelson Werneck, op. cit, pág. 57. 7 CARNEIRO, Edison, Negros Bandus. Rio, 1937, pág. 17 in SODRÉ, Nelson Werneck, op. cit. pág. 72. 8 LIBBY, Douglas Cole e PAIVA, Eduardo França, op. cit. Pág. 16.

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Se nos remetermos aos números de negros entrados no Brasil podemos supor que os números sejam exatos e sempre crescentes do século XVI até 1850 quando fica proibido o tráfico negreiro no Brasil.

No século XVI chega um total de 50.000 negros; no século XVII, número salta para 560.000; no século XVIII para 1.680.100 e durante apenas cinqüenta anos do século XIX, 1.732.200 negros são desembarcados nas costas brasileiras. 9

Vem dos negros trazidos diretamente da África com o surgimento da mineração nas Minas Gerais surgi o tráfico interno saindo das regiões produtoras de açúcar para as mineradoras. E com isso o escravo passa a ser transportado de um lugar para outro afim de que se consiga preço melhor por eles. Com isso são eles tangidos como gado, por distâncias cada vez maiores.

Num outro momento quando a produção aurífera começa sua decadência mesmo momento em que a produção cafeeira começa a aumentar temos novamente um deslocamento de escravos da região mineradora para o Vale do Paraíba e também nas regiões produtoras das Minas Gerais. Tal fato pode ser bem entendido quando lemos no trecho seguinte:

O espetacular desenvolvimento da cafeicultura no sudeste brasileiro, durante o século XIX, baseou-se na utilização da mão-de-obra escrava.10

O escravo como é de entendimento geral esta em todas as áreas de trabalho, ou seja, não só na propriedade rural, mas também nas cidades onde desempenha as funções das domesticas e as de vendedores ambulantes de todo tipo de coisas, e ainda como mercadoria que era alugado por seus proprietários para gerar renda.

Os escravos que iam para rua vender todo tipo de coisas, desde frutos até quitutes, não só traziam dinheiro para a casa do patrão como repartiam o lucro, uma vez que estes escravos conhecidos como “escravos de ganho” tinham como proprietários, normalmente, pessoas que não mais detinham tantas posses ou que nunca as tiveram e para sobreviverem usam este tipo de acordo com o escravo para sobreviverem sem trabalhar.

A liberdade na sociedade escravista é definida pela escravidão. Portanto, todos aspiravam a ter escravos e, uma vez tidos, não trabalhar. 11

O trabalho remunerado, seja ele, do escravo de ganho na cidade ou do escravo rural davam a eles a possibilidade de amealhar alguns réis e com este dinheiro tentar comprar sua alforria, isso com muita economia se houvesse, mas o que era mais comum, principalmente nos escravos das fazendas era a conversão deste dinheiro em uma roupa de domingo ou em cachaça e fumo.

E não pensemos que estas benesse vinham por pura bondade dos senhores, isso é claro quando nos referimos às fazendas que é o que nos interessa já que o dinheiro poderia vir de duas formas. Uma quando eram concedidos faixas de terras para que os escravos as cultivassem e com o resultado deste cultivo complementassem a alimentação e o excedente fosse comercializado nos mercados locais gerando assim a renda.

Mas não só do plantio poderia vir a renda, como também da produção e venda de roupas, bebidas e quinquilharias, tais vendas para chegarem a quantias que possibilitassem a compra da alforria só eram alcançadas quando famílias inteiras se dedicavam a produção, e isso eventualmente, e mesmo assim de um ou dois de seus membros. Muito raramente se conseguia a alforria de todos.

No meio rural, além das roças existiam outras oportunidades de trabalho que geravam renda para os escravos, com as quais eles ocupavam seus dias livres. A pesca e a caça, por exemplo, podiam gerar bons ganhos, assim como a criação de abelhas e a coleta de mel. A fiação, a tecelagem, a cestaria e a cerâmica eram, também, boas

9 PINSKY, Jaime. A Escravidão no Brasil, 15ª edição. São Paulo, Contexto, 1988, pág. 30. 15ª edição. 10 LIBBY, Douglas Cole e PAIVA, Eduardo França, op. cit. Pág. 36. 11 CARDOSO, Fernando Henrique, Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional, São Paulo, 1962. pág. 231 in Genovese, Eugene D., O mundo dos Senhores de escravos, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, pág. 20.

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opções. Já para o escravo que praticava algum ofício de ferreiro por exemplo, as chances de lucros aumentarem ainda mais. 12

Com tais inserções do escravo na vida das comunidades podemos vislumbrar porque muitos autores dizem que o escravo teve grande importância na consolidação das sociedades, ou melhor, dos costumes e hábitos da sociedade brasileira; no que estão certos em suas afirmativas.

O evoluir e a manha da civilização brasileira, civilização apoiada em grande parte sobre o elemento servil. E, quando escrevemos civilização, aqui, não queremos significar, apensa, o desenvolvimento comercial, expresso pelo custo da sua lavoura, pela penetração do homem, aproveitando as terras, pelo aumento do seu comercio. Mas em todos os sentidos, na amplitude da palavra e não numa significação restrita e vulgar. No evoluir do seu pensamento, nos mitos políticos e sociais, na fisionomia da gente brasileira, na sua psicologia coletiva e individual, em todas as faces em que o negro escravo influiu. Porque ele influiu em todas e, apoiando, com o trabalho dos braços o progresso material da terra, fundia-se em todas as manifestações da sua cultura, em todos os aspectos da existência brasileira. A sua contribuição generalizou-se a todos os planos e a todos os terrenos. 13

Há os que ainda conseguem ocupar cargos dentro das fazendas como encarregados, feitores e alguns até como administradores ficando assim encarregados de todo o funcionamento da fazenda. Desta forma os fazendeiros poderiam atribuir a eles uma certa responsabilidade e exemplificar aos outros que há uma possibilidade de alcançar tais postos. As escravas sempre estiveram presentes na vida das famílias que seja como ama de leite, mucamas, cozinheiras e ainda como responsáveis pela iniciação sexual dos filhos dos senhores e para satisfação dos senhores durante a vida. Já que a mulher branca, a senhora, destinava-se apenas para ser a genitora dos herdeiros e não para o prazer.

Com tudo quando está relatado demonstramos alguns pontos da escravidão no Brasil, poucos e bem verdade, mas que nos servem para termos a certeza que o maior sistema escravista das Américas foi com certeza o brasileiro, se não em números, mas em movimentações de escravos entre o país, a influência dos mesmos na formação de inúmeras sociedades, como a da cana-de-açúcar, a do ouro e a do café e também no volume de renda gerado pelos mesmos em nossa sociedade.

Não foi de nosso interesse relatar, todos os aspectos do sistema escravista brasileiro, uma vez ser isso impossível em apenas um capítulo. Sendo o assunto muito extenso não poderíamos ter tal pretensão e nem mesmo soberba de achar que poderíamos faze-lo.

II – A REGIÃO

A região situada a Leste do vale do Paraíbuna, no período colonial, quando a capitania das Minas Gerais vivia o auge do ciclo do ouro, denominada “das matas”, era considerada área proibida para povoamento e desbravamento. Não por preocupação ecológica ou coisa parecida mas porque os que nestas matas entravam não encontravam em seus rios e montanhas nem ouro nem pedras preciosas de que tanto almejavam, e com isso logo correu a novidade: os referidos sertões só tinham matas, quase impenetráveis, montanhas, índios, alguns rios e nenhuma riqueza mineral. Transformaram-se em áreas proibidas por determinação do governador da Capitania servindo assim de defesa contra aventureiros fluminenses e contra os que pretendessem entregar-se ao contrabando, fugindo deste modo do fisco. Assim a região ficou preservada e intocada por quase três séculos.

A proximidade de povoamentos da região deu-se quando Arthur de Sá em 1698, então governador da Capitania do Rio de Janeiro convida Garcia Rodrigues Paes, filho do bandeirante Fernão Dias Paes Leme.

Garcia Rodrigues Paes iniciou a abertura de uma picada que em pouco tempo permitia a passagem de pedestres. Era o início do Caminho Novo que das proximidades da Borda do Campo (Barbacena), descia pelo

12 LIBBY, Douglas Cole e PAIVA, Eduardo França, op. cit. Pág. 43. 13 SODRÉ, Nelson Werneck, op. cit, pág. 70.

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vale do Paraíbuna, passava por Paraíba do Sul, atravessava o Paraíba e a Serra do Couto, onde hoje vicejam as cidades de Paty dos Alferes e Miguel Pereira, para terminar em Cava, no rio Iguaçu. 14

Esta proximidade das Áreas Proibidas fica implícita com o surgimento de sítios e povoações ao longo do caminho novo, alguns ainda existentes, outros vivos apenas nas lembranças e na história da região. Citemos alguns como o Registro do Paraibuna, Simão Pereira, Matias Barbosa, Rocinha da Negra, Caeté, Engenho, Santo Antonio do Paraibuna (Juiz de Fora) e tantos outros.

As Áreas Proibidas quando observadas por alguém situado no Rio de Janeiro formando um triângulo geográfico, que partia dos sertões situados do lado direito do vale do Paraibuna o lado mineiro do Paraíba do Sul e a margem direita do rio Pomba. Esquecida por séculos até a decadência da mineração do ouro e das pedras preciosas torna-se uma região produtora do café que seria a principal riqueza agrícola das Minas Gerais por longos 120 anos.

Com exceção dos povoados de São Pedro do Pequeri, Santana do Deserto, São Sebastião de Chácara e Nossa Senhora do Livramento de Sarandi (Sarandira), toda a parte sul da Zona da Mata – o triângulo das matas proibidas – situada a leste do Paraibuna e do seu afluente Cágado, desenvolveu-se a partir do processo desbravador que teve, como núcleo pioneiro a Freguesia de São Manuel do Rio Pomba, criada em 1718. O rio Cágado ganhou importância histórica por ter servido de ponteiro entre duas das três frentes desbravadoras e povoadoras da região. 15

Visto desta forma podemos dizer que o Município de Santana do Deserto, onde se encontra a fazenda Santa Sophia teve seus primórdios de povoamento vindos, com quase toda certeza, do caminho novo do ouro que tinha na parte de Minas Gerais, na região o seguinte traçado:

Passava pelo Registro do Paraibuna, Simão Pereira, Matias Barbosa, Caeté e Retiro. Subia o morro da Boiada e chegava a Santo Antonio do Paraibuna (Juiz de Fora), um povoado ainda incipiente - (hoje município pólo da região da Zona da Mata Mineira) comentário nosso – O trecho entre Matias Barbosa e Paribuna, passando por Simão Pereira, foi aproveitado pela União Industria e o trecho entre Matias Barbosa e Retiro, passado por Caeté, ainda existe como caminho rural. De Retiro a Juiz de Fora, via moro da Boiada, foi construído, já nos tempos modernos, o atual acesso asfaltado à cidade e que beneficia os viajantes que chegam ou partem pela estrada de Bicas e Leopoldina. 16

Mesmo não estando na rota direta do Caminho Novo os municípios supra citados sofreram influência da referida rota, uma vez que não passavam por ela apenas carregamentos de ouro da região das Minas e suprimentos para a mesma, mas também pessoas que tinham os mais diferentes propósitos algumas, por certo, interessavam-se por entrar na região que ladeava boa parte do caminho. E estas pessoas de boa e má índole entravam na região e acabaram por descobrir como, por estes sertões, poderiam ludibriar o fisco e assim ter mais lucro em seus negócios, lícitos ou não.

Para evitar a evasão de divisas e também em pedir a entrada ou fuga de criminosos na província foram criados registros.

A fim de proteger o território mineiro de perigosos invasores, o capitão-mor Pedro Galvão de São Martinho criou, ao tempo da primeira diligência, os registros* de Ericeira, Lourival e do Cunha, respectivamente, nas proximidades da foz do rio Cágado, no Córrego do Lourival (Córrego da Areia) e no lugar denominado Cunha. (...) Consolida-se, assim, em definitivo, a fronteira entre Minas Gerais e o estado do Rio de Janeiro ao longo dos rios Preto, Paraibuna e Paraíba do Sul. 17*

A ocupação destas terras teve início com as diligencia que iam abrindo e multiplicando caminhos, trilhas e picadões dentro das matas. Destas trilhas partia a primeira das três frentes de ocupação da região, tendo origem na Freguesia de São Manuel do Rio Pomba, provisionada pelo

14 VANNI, Julio Cezar, Sertões do Rio Cágado, Rio de Janeiro, Comunitá, 2002 pág. 22. 15 VANNI, Julio Cezar, op. cit. Pág. 23. 16 VANNI, Julio Cezar, op. cit. Pág. 22. 17 VANNI, Julio Cezar, op. cit. Pág. 25. * Registros eram portos de policiamento, fiscalização e cobrança de tributos. (nota do Autor)

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Padre Manoel de Jesus Maria, esta foi a única das três frentes que começou com o interesse por pedras preciosas e ouro.

A segunda frente de ocupação, sendo a que nos interessa, partiu de localidades ao longo do Caminho Novo. Localidades como Simão Pereira, Matias Barbosa, Caeté e Santo Antônio do Paraibuna (Juiz de Fora). Nela não estavam apenas aventureiros mas também fazendeiros já bem sucedidos desejosos de maiores riquezas. Os últimos já detentores de cartas de sesmarias, tornando-se prósperos produtores de café e senhores de grande número de escravos. Entre tantos destacamos alguns como os Cerqueira Leite, Cândido Ferreira, Barbosa Lage, Ferreira da Fonseca, Halfeld, Lima Bastos, Ayrosa entre tantos outros e também a nobreza veio para aproveitar a proximidade do Caminho Novo e da Corte, entre os nobres destacamos o Barão de Juiz de Fora, Barão de São João Nepomuceno, Visconde de Prados, Barão do Pontal e outros. Destas ocupações surgiram os povoados e posteriormente cidades como São Sebastião de Chácara, Santana do Deserto e Nossa Senhora do Livramento se Sarandi (Sarandira) e etc.

A terceira frente deu-se no vale do Paraíba, surgida no auge por mais terras para o cultivo do café, parte reunindo fluminenses e mineiros que viviam na região de Vassouras, Resende, Paraíba do Sul, Barra do Pirai, Valença etc. também com cartas se sesmarias, curiosamente algumas cartas de sesmarias estavam em nomes de filhos que ainda não haviam nascido.

O escoamento desta produção de café, e antes, ainda, para a chegada dos donatários das sesmarias com seus escravos foram feitos por picadas e trilhas que ao longo do tempo tornaram-se caminhos tortuosos que tinham de vencer toda sorte de obstáculos; como precipícios, grotões e também rios e riachos que eram atravessados a vau. Caminhos estes que cruzavam fronteiras de fazendas, que na época eram feitas por moitas de bambu enfileiradas e por valos escavados por escravos, onde as únicas coisas construídas eram porteiras ou tronqueiras para permitir a passagem das caravanas.

Por muito tempo os fazendeiros reivindicaram junto aos governos da província a abertura de estradas para o escoamento da produção, que antes era feito pelos caminhos citados e ainda pela parte navegável do rio Cágado em pequenas embarcações que saiam principalmente a jusante da cachoeira da Saudade, pras proximidades de Santana do Deserto e descendo o rio e posteriormente subiam o Paraibuna para chegar ao porto de Serraria e daí segirem pelo Caminho Novo que ligava Juiz de Fora a Corte e posteriormente pela União e Industria, que fazia o mesmo percurso aberto por Mariano Procópio.

A Rodovia União e Industria foi construído entre 1856 e 1862, sendo a primeira macadamizada do Brasil. Em 1865 para atender as suplicas dos fazendeiros destes sertões, Mariano Procópio decide construir um ramal da União e Industria ligando Serraria a Mar de Espanha. O estado das obras de preparação do terreno já estava bem adiantado quando a empresa faliu deixando assim, mais um vez, os fazendeiros desprovidos de uma melhor ligação com o Rio de Janeiro e conseqüentemente Juiz de Fora. Sobrando da obra apenas alguns bueiros de pedras, algumas pontes, entre elas a grande ponte metálica que liga Serraria, distrito de Santana do Deserto, a cidade vizinha de Levy Gasparian no estado do Rio de Janeiro.

Com a construção em 1873 do ramal da Estrada de Ferro D. Pedro II para Juiz de Fora a produção de café, hora tão difícil de escoar, ganhou a facilidade de embarcar nos trens desta rodovia a partir de 1874 com a construção da primeira estação em território mineiro, a de Serraria, por onde escoava-se a produção que vinha de parte de Mar de Espanha, São João Nepomuceno, Santana do Deserto, Guarará e Sarandira.

Em 20 de março de 1876 numa reunião histórica na estação de Serraria reuniram-se um grande número de fazendeiros e empresários do governo para a fundação da Companhia de Estrada de Ferro União Mineira, idéia esta que teve como principais articuladores os Senhores Pedro

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Alcântara de Cerqueira Leite e Pedro Betim Paes Leme. Os trilhos da União Mineira partiriam da estação de Serraria em bitola métrica, passando próximo a Mar de Espanha para chegar a São João Nepomuceno. O primeiro trecho começou a ser construído pela empreiteira Medeiros Pinto & Cia, com extensão de 48 quilômetros ligando Serraria à Espírito Santo do Mar de Espanha (Guarará).

O Café seria o grande suporte para as obras com 900 arrobas anuais, o que permitiria ainda o pagamento de dez por cento de dividendos sobre o montante do capital que era de dois mil e quatrocentos contos de réis. Para ilustrarmos melhor passamos a transcrição:

A exportação de café, na época medida em arrobas, estava assim distribuída: Região de Santana do Deserto – 150.000 Região de Mar de Espanha, Espírito Santo (Guarará) e Sarandi (Sarandira) – 250.000 Região de São João Nepomuceno – 200.000 Região de Pomba, Rio Novo, parte de Ubá e etc – 300.000. A empresa desprezou os cálculos sobre exportação de cereais, animais de corte, madeira e o movimento de passageiros. 18

No dia 13 de maio de 1879, foram inaugurados os primeiros 19 quilômetros e as estações de Silveira Lobo e Sossego. Trecho este terminado em precisos três anos com total ausência de braço escravo, uma vez tendo sido recomendação do Imperador D. Pedro II. Quando chegaram da Inglaterra os trilhos, pontes metálicas, vagões e duas locomotivas o leito da ferrovia já estava pronto inclusive com pilhas de dormentes espalhadas pelo trecho.

Os trilhos da ferrovia chegaram até Bicas, mas a Companhia Estrada de Ferro União Mineira não resistiu por muito tempo sendo vendida para a Leopoldina Railway Company Limited em 1884. Por não ter conexão com outros trechos de bitola métrica corria dentro das linhas da Leopoldina no trecho entre Serraria e Três Rios, o que causava grandes e constantes atrasos, pois os trens de bitola larga eram prioritários. Problema este eliminado com a construção em 1894 do trecho que ligava Silveira Lobo a Três Rios passando por Santana do Deserto, Ericeira e Piracema que foi inaugurado em novembro de 1904 extinguindo assim o trecho Serraria a Silveira Lobo.

A ferrovia União Mineira nos parece um bom exemplo da tenacidade dos fazendeiros destes sertões. Uma vez que necessitando de escoar a produção e não obtendo apoio do governo decidem por conta própria construir tal ferrovia.

Ressaltando tais acontecimentos e passagens da história da região desejamos demonstrar que o que hoje e uma vasta área ocupada por pequenas cidades e muitas fazendas já foi um dia região de considerável importância e prestigio, quer pela grande produtora de café que era, quer pelas figuras ilustres que tinham na região seus refúgios e até e principalmente suas residências principais, deslocando-se daqui apenas para resolver eventuais problemas e cumprir compromissos.

Cap III – O Conde e a Fazenda

Figura das mais influentes e prestigiadas da região junto a corte de D. Pedro II, de família abastada e com grande prestigio também junto aos fazendeiros da região e fora dela mantendo bom relacionamento não só com fazendeiros mas com nomes proeminentes da época. Este era Camilo Ferreira Armmond , Visconde e depois Conde de Prados, grande produtor e comerciante de café com residência na corte, na própria fazenda Santa Sophia e ainda em Barbacena.

Nascido numa família abastada filho de Marcelino José Ferreira Armond, Barão de Pitangui e de D. Posidônia Eliodora da Silva na cidade de Barbacena Freguesia de Prados no dia 7 de agosto de 1815, iniciou seus estudos no Colégio do Santuário do Caraça em 1828 aos treze anos para na seqüência mudar-se para a França em 14 de maio de 1832 tornar-se médico diplomado pela Escola

18 VANNI, Julio Cezar, op. cit. Pág. 53.

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de Medicina da Sorbone em Paris em novembro de 1837 de onde retornara em seguida para o Brasil em 1838 para iniciar sua vida profissional na corte cuidando de nobres e afluentes, tornara-se medico da Família Imperial e principalmente do Imperador e com isso amigo e por vezes, não poucas, conselheiro.

Pessoa com bom relacionamento por toda a corte e de conhecimentos vastos, não só na área da medicina, mas também política e no comercio de café não são raras às vezes em que representa interesses de outros fazendeiros na comercialização do café. Como nos foi possível contar junto aos arquivos da fazenda, que ainda guardam algumas procurações dirigidas ao Conde, procurações estas vindas de pessoas não menos abastadas, mas de certo com outras preocupações mais prementes ou com o pouco de suas atenções, pelo menos no momento para outras coisas. Podemos ressaltar entre estes a figura do Sr. Cândido Ferreira da Fonseca, responsável pela construção da Igreja de Santa Ana e a criação do povoado de Santana do Deserto; a família Ferreira Lage, intimamente ligada a história de Juiz de Fora entre outras.

Quando dirigia-se a Barbacena, cidade há qual pertencia a região na época, para a comercialização de café manobrava grandes somas em dinheiro e mantinha grandes trilhas nesta cidade. E segundo histórias as grandes corujas brancas que ainda se podem ver em Barbacena são remanescentes das trazidas pelo Conde da Europa para combater os ratos que atacavam os armazéns de café.

Casou-se com Josefina Cândida Gomes de Souza tendo com ela quatro filhas as quais são Camila Maria, Sophia Maria, Cecília Maria e Julia Maria Ferreira Armond. Sua esposa também gozou das amizades com a família Imperial principalmente com a Imperatriz – Sua mulher tinha um temperamento forte e marcante, talvez mais forte que a do próprio Conde, à frente de em determinada época quando pega o Conde na cama com uma escrava manda transformar uma tulha de café mais próxima à casa-grande da Fazenda em sua residência, mudando-se para a mesma, onde vivia independente com seus próprios escravos. Indo a Casa-grande só quando o Conde estava na corte ou em viagem. A Casa-grande foi inaugurada no dia 20 de julho de 1855, com missa realizada na capela, com o ministério do sacramento da comunhão estando autorizado pelo Bispo da Diocese de Mariana.

Mesmo com esta separação de corpos era a Condessa que administrava a fazenda na ausência do Marido, ficando ela responsável pelos viveres a serem comprados não só para a residência como também para a escravaria e também remédios e coisas necessárias para o tratamento médico dos escravos, como remédios, bandagens, seringa, algodão, agulhas e etc. que vinham sempre da Casa Granado no Rio de Janeiro como foi possível observar em algumas notas e correspondências recuperadas na fazenda.

Como homem das ciências médicas o Conde levava muito a sério a saúde dos que serviam, quer seja de familiares e amigos, como também de seus escravos. Que tinham na fazenda um hospital onde eram tratados suas enfermidades, feito os partos das escravas e até eventuais cirurgias eram feitas pelo Conde, estas ultimas em um quarto dentro da própria casa-grande, sendo transferidos para o hospital tão logo estivessem em condições.

Outro ponto interessante que podemos observar na figura impar do Conde de prados e que além do hospital, ele mantinha na fazenda uma escola para escravos. Certamente para os filhos dos escravos onde era ensinado aos negros a ler e escrever e conhecimentos básicos de matemática. O catecismo também era parte do currículo, se é que podemos chamar assim, da escola para que todos soubessem para que Deus deviam rezar e em que acreditar.

Mas nem por isso o conde tinha a visão turvada pela cultura européia, pois nos foi possível observar que na decoração de hoje em dia na fazenda encontrarmos aspectos da congada e ao perguntarmos sobre os mesmos fomos informados por um dos descendentes do Conde que eram

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utilizados nas congadas realizadas na fazenda por seus escravos. Entre estes aspectos estão as coroas do Rei e da Rainha do congado.

Na área política além de representar os interesses dos fazendeiros da região na corte, pois seus relacionamentos com o Imperador foi nomeado Presidente da província do Rio de Janeiro. Por seus serviços prestados ao Império do Brasil foi agraciado com o titulo de Barão, Visconde e posteriormente de Conde e recebeu várias comendas do Império como Comendador da ordem de Cristo em 1855, Comendador da Ordem da Rosa em 1861(?) e em 1874 torna-se dignitário da Ordem da Rosa.

Uma curiosidade sobre o Conde que observamos ao manusear as correspondências do mesmo e que sua personalidade era de modo tão forte e de certo egocêntrica que observamos dois modos de assinar as cartas, quando se dirigia a família assinava quase sempre “O Camilo” e em correspondências outras era sempre, após os títulos honoríficos “O Prados”.

Faleceu aos 69 anos em 15 de agosto de 1882 na cidade do Rio de Janeiro e está sepultado no Cemitério do Catumbi na mesma cidade, ficando a fazenda e demais bens para a Condessa que só morrera 40anos depois com 97 anos de idade e esta sepultada no Cemitério Municipal de Santana do Deserto.

Quanto à fazenda podemos dizer que é um verdadeiro museu com peças de época conservadas com muito esmero e dedicação pelo Sr. José Henrique Moraes de Albuquerque Lins a quem cabe a administração da fazenda nos dias de hoje. Observa-se ainda hoje o seguinte e cuidado com que foi decorada a casa-grande. A opulência dos tempos de outrora ainda estão presentes desde o enorme portão de ferro que delimita a área murada que podemos dizer ser o quintal da casa, onde estão presentes as tulhas, uma aléia de mangueiras o hospital dos escravos, algumas casa para os escravos casados o terreiro de café hoje coberto mas facilmente identificado a casa dos tachos, a casa-grande e a casa da Condessa.

Por dentro observa-se ainda papeis de parede de fabricação francesa, livros e fotografias da época. Na biblioteca alem de muitos livros de literatura, como não poderia ser diferente, encontramos muitos livros de medicina, alguns cadernos de anotações, livros de partituras dos mais diferentes compositores, não raro em três exemplares iguais nos surpreende a coleção completa ou quase da edição francesa “Revista de dois Mundos” da qual o Conde era assinante.

Na sala dos pianos pinturas a óleo do Conde da Condessa e do Conde, e outras oito de demais familiares, duas fotografias históricas onde o Imperador e sua comitiva estão na inauguração da estrada União e Industria. A sala e chamada sala dos pianos porque há época do Império nela existiam três pianos de calda alemães da marca Hoffman onde a Condessa e as filhas, as “Senhoras da Casa” reuniam-se para tocar e conversar, sempre em francês, daí a existência dos livros de partituras em três vias, já que os consertos eram tocados a seis mãos em três pianos. Poltronas e outros móveis compõem a decoração.

Na sala de jantar com quatro janelas uma mesa com doze cadeiras uma cristaleira que abriga hoje algumas peças da prataria dos tempos de outrora, um grande serviço de jantar, também de madeira, onde eram apoiadas travessas para serem servidas. Tanto nesta sala quanto na dos pianos encontramos portas de quartos e ainda na sala de jantar duas portas que dão acesso a alcova que ao todo tem quatro portas e nenhuma janela, que tanto poderia servir como quarto de mulher solteira, como para as prevaricações do senhor com as escravas, o que era mas comum, já que com varias portas quando se batia em uma saia-se pela outra.

Saindo da sala de jantar um grande corredor, ligando esta a sala de almoço com cinco janelas que dão para o jardim interno de um lado e do outro portas para cinco quartos e ainda dois relógios carrilhões e armários onde eram guardadas as louças finas também encontramos fotografias

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que nos mostram serem os moradores da casa sempre bem relacionados, em todas as épocas, com pessoas importantes na vida do pais.

Na sala de almoço encontramos uma mesa também com doze cadeiras e dois armários de canto que ganham o formato dos mesmos, inclusive suas gavetas, onde eram guardadas as comida e ainda outras quatro portas que no sentido horário dão respectivamente para um quarto, um banheiro, outro quarto e a cozinha. E ainda dois armários fechados para outras utilidades e também usados no servir a mesa.

Na cozinha, como comum a toda casa de fazenda um enorme fogão à lenha de ferro, que ainda hoje funciona e brinda aos que visitam a fazenda com a deliciosa comida mineira. Um sistema de aquecimento de água por meio de serpentinas é ligado ao fogão levando á água quente ao banheiro e as torneiras da cozinha e ainda algumas pias em alguns quartos da casa. Armários de madeira são vistos em quase toda à volta da cozinha com portas com telinhas permitindo assim a ventilação.

No banheiro nos deparamos com um contraste interessante, diferentemente do luxo e do requintado resto da parte social e quartos da casa, o banheiro não tem ladrilhos ou coisa do gênero o piso e as paredes são simples com um desnível para o que seria o “box” de quatro degraus e o que foi acrescentado depois sem prejuízo para o mesmo, até pelo contrario, uma banheira de mármore branco esculpida em uma única peça.

Nos quartos é fácil identificarmos quais eram os de mulheres, mesmo ainda hoje, já que neste encontramos enormes penteadeiras com vidros de perfume e grandes espelhos, gavetas grandes e fundas para acomodar as roupas volumosas das mulheres e ainda, utensílios usados para coser, como ovos de madeira para meias, agulhas e outros. Os armários presentes em quase todos os quartos são sempre muito altos e largos com gavetas na parte de baixo, altos de tal modo que em todos encontramos uma haste de madeira com um grande gancho na ponta para retirar os cabides dos cabideiros, permitindo assim que os vestidos não se amarrotassem nas barras. Outro móvel interessante em um dos quartos e um gaveteiro com fechamento por meio do que seria uma pequena porta que se encaixa na lateral das gavetas não permitindo que sejam abertas quando a mesma está trancada.

Todos os cômodos da casa, principalmente da área onde estão os quartos principais, as salas e as biblioteca e mesmo a capela são interligados, permitindo assim ao senhor transitar por todos, e principalmente entre os quartos sem ter contato com a área social da casa e conseqüentemente com os escravos, quando era conveniente e necessário.

A capela consagrada a Santa Sophia, embora pequena, e ornada com um altar onde encontramos ao centro a imagem da santa trazida de Portugal no século XIX outras imagens, utensílios para se ministrar o sacramento da comunhão e algumas cadeiras de charão tão leves que se levanta com um único dedo.

Vista de fora a casa já se mostra imponente com seu formato em U e pé direito de cinco metros, construída num desnível do terreno permite na parte inferior vislumbrar um porão onde ficavam os escravos domésticos e de frente a esta porte delimitado, mas uma vez por um muro um jardim interno. Tendo de um lado a casa-grande e do seu lado esquerdo a casa da Condessa, hoje conservada apenas a edificação. Ambas as construções pintadas ainda como na época com paredes amarelas, pigmentação conseguida com a mistura de cal e terra e janelas brancas.

Produtora de café como de seu tempo a Santa Sophia ostenta enormes tulhas com uma produção de 25.000 arrobas de café anuais e uma população de escravos que oscilou entre oitocentos e mil e quinhentos no auge de sua produção devemos nos perguntar porque não houveram rebeliões nesta fazenda. Identificamos dois principais fatores que podem explicar tais acontecimentos. O primeiro era a preocupação com o bem estar dos escravos por parte do Conde,

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proporcionando-lhes alem de tratamento de saúde educação e ainda o exercício de seus costumes como e o caso da congada e também a possibilidade de construir família.

O fato da saúde dos escravos para o Conde era assunto serio, uma vez que ele era medico e com isso poderia ele mesmo cuidar dos escravos doentes. Construir um hospital onde tratava de enfermidades, ferimentos e ainda fazia o parto dos escravos. No hospital os escravos eram mantidos internados ate que pudessem voltar ao trabalho e havendo a necessidade de intervenção cirúrgica o escravo era levado para um quarto na casa-grande onde era operado e após estar sempre sob o olhar atento do Conde. As compras de medicamentos, como citamos anteriormente, eram feitas pela Condessa que também se incumbia de distribui-los aos escravos e diligentemente observava se estavam sendo tomados corretamente.

Com relação a educação outro ponto levado a serio na fazenda, observamos a existência de uma escola. Para todos os escravos da fazenda, já que nos foi informado que todos os escravos que eram de propriedade do Conde sabiam ler e escreve e detinham conhecimentos básicos em matemática. Também todo o material didático era controlado pela Condessa. Alguns poucos escravos ainda recebiam noções de francês, o que acreditamos serem eles escravos diretos da Condessa e por isso aprendiam a língua de Victor Hugo. Não nos é sabido entretanto qual será a necessidade dos mesmos falarem tal idioma. Nos levando a fazer conjecturas, será que serviriam para a pratica da oratória da Condessa e dos filhos? Ou para atender visitantes que por ventura passassem pela fazenda? De certo talvez nunca venhamos a saber.

Um aspecto curioso é a possibilidade de constituição de família dada aos escravos, pois não são poucas as correspondências que tratam deste tema. Uma delas nos mostra o pedido de autorização para casamento de um escravo.

É interessante observar que o Conde incentiva o casamento como forma de apaziguar a comunidade cativa e ainda propõe um dote para a festa. Observando que o casamento é melhor do que as formas utilizadas no vale do Paraíba, que são segundo ele de simples procriação.

Claramente hão verdades neste pensamento do Conde uma vez que constituindo uma família o escravo pensará muito antes de organizar qualquer tipo de levante contra o seu senhor. Pois levante mal sucedido acarretaria uma represália contra os negros e com isso os alvos seriam onde lhes causa mais dor e não só dor física, mas também emocional e afetiva. Certamente, não gostaria nenhum dos escravos que sua mulher e filhos e demais parentes deixassem de ter cuidados médicos e educação, ou ainda a família fosse desintegrada.

Os pensamentos humanitários do Conde, constituídos em seus estudos na Europa, particularmente Paris onde as idéias da Revolução Francesa são tão vivos, certamente ajudaram a formar uma personalidade, ainda que forte, mais humana e menos impregnada de preconceitos.

Considerações Finais

Houve na escravidão aspectos positivos para os escravos? O sistema de vidas foi justo com relação as condições de habitação e inter-relacionamentos pessoal? Estas e tantas outras perguntas se sucederiam num grande número de linhas sem nunca ou quase nunca encontrarmos para elas respostas positivas, ao menos para os escravos. O sistema de escravidão no Brasil foi sempre unilateral no que diz respeito às benesses e dividendos do trabalho, que ficavam sempre com o senhor de escravos, enquanto o trabalho, o desgastes físico e emocional, as perdas psicológicas quando deslocados de sua terra natal ou por nascerem em um ambiente totalmente privado de perspectivas.

Uma região poderá facilmente ter outro tipo de existência em nossos tempos se o tipo de atenção dada a ela fosse voltado para uma política de incentivo e as infraestruturas básicas, como estradas de rodagem e ferrovias para o escoamento da produção. A ausência de tais investimentos e

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de uma política de incentivo a agricultura e fixação do homem no campo leva a estagnação no crescimento de uma cidade e ate da região inteira.

O fim da escravidão, em alguns casos adiantou em muitos anos a estagnação de regiões em todo o Brasil. Algumas destas regiões nunca mais se recuperaram desta estagnação, outras tiveram surtos de desenvolvimento relacionado a um ou outro período econômico nacional um numero muito reduzido destas é que conseguiu manter um ritmo de crescimento levando pequenas vilas a tornarem-se cidades prosperas e muito mais raras foi onde ocorreu o crescimento de uma região com um todo.

Na fazenda Santa Sophia o tratamento mais humanizado com relação aos escravos levou a comunidade escrava a tornar-se muito mais pacata e ordeira fazendo o andamento da fazenda tomar rumos para o crescimento da produção e o desenvolvimento da lavoura de café, levando ao enriquecimento do senhor e melhorando conseqüentemente a vida do escravo.

A possibilidade da vida em família também gera um campo de harmonia e não agressão tanto entre a comunidade escrava como um todo, mas também dela com o senhor, o que se passava na fazenda Santa Sophia. O Conde de Prados, como homem de visão que era, obviamente percebeu o quão mais harmoniosos ficavam os escravos quando estavam com vínculos familiares. O que de certo não reprimiria acontecimentos menores, pois homens são sempre imprevisíveis e o relacionamento entre eles é sempre difícil. E por mais que os tratamentos fossem justos, a condição de escravo sempre prevaleceria no interior dos mesmos. Mesmo nestas condições em nossas pesquisa só observamos um único caso de castigo destinado a escravo.

Este único castigo deve ter acontecido por ter o escravo infringir lei ou instituição moral muito grave para os padrões da época, e principalmente para os padrões do seu senhor, levando assim a receber tão grande reprimenda, que mereça com isso até troca de correspondência para tratar quase que exclusivamente do assunto pelo conde e a Condessa. Nas referidas correspondências porem não há qualquer citação do crime cometido, mas o castigo foi dado com destinação do mesmo ao tronco, e posteriormente a colocação de uma argola no pescoço e trabalhar na roça com a mesma para servir de exemplo aos outros. Como poderá ser observado no anexo 07.

Quanto à produção da fazenda é certo que a grande quantidade de café produzida estava relacionada com o tratamento dado aos escravos. Já que escravo menos castigado era de certo escravo mais forte e mais propenso ao trabalho, rendendo cada dia mais, e estando disposto a trabalhar nos dias de folga, normalmente rigorosamente respeitados pelo Conde, quando solicitados para tal fim, e com isso devidamente remunerados.

Esta remuneração acontecia e não deveria ser em poucos períodos já que encontramos registros de um determinado escravo predispondo-se a comprar a alforria da filha por Rc. 800$000. O que nos mostra o quanto, os escravos do conde não estavam tão descontentes com a vida na fazenda, é o fato de não encontrarmos em nossas pesquisas, ainda que tenham sido superficiais, nenhuma outra menção a compra alforria por qualquer escravo.

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