BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem...

74
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM DIAGNÓSTICO DO BRASIL PERANTE A QUINTA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO Eduardo Arenhardt Wontroba Santa Maria, RS, Brasil 2014

Transcript of BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem...

Page 1: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM DIAGNÓSTICO DO BRASIL

PERANTE A QUINTA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA

TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO

Eduardo Arenhardt Wontroba

Santa Maria, RS, Brasil

2014

Page 2: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM

DIAGNÓSTICO DO BRASIL PERANTE A QUINTA

REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA

Eduardo Arenhardt Wontroba

Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso de Relações Internacionais

Graduação em Relações Internacionais, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM,RS),

como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais

Orientador: Prof. Adriano José Pereira

Santa Maria, RS, Brasil

2014

Page 3: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências Sociais e Humanas Graduação em Relações Internacionais

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho Final de Graduação

BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM DIAGNÓSTICO DO BRASIL PERANTE A QUINTA REVOLUÇÃO

TECNOLÓGICA

elaborada por Eduardo Arenhardt Wontroba

como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais

COMISSÃO EXAMINADORA:

Adriano José Pereira, Dr. (Presidente/Orientador)

Uacauan Bonilha, Dr. (UFSM)

Elder Estevão de Mello, Ms. (UFSM)

Santa Maria, 17 de janeiro de 2014.

Page 4: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

The real source of wealth and capital in this new era is not material things;

it is the human mind, the human spirit, the human imagination,

and our faith in the future.

(Steve Forbes)

Learning and innovation go hand in hand.

The arrogance of success is to think that

what you did yesterday will be sufficient for tomorrow.

(C. William Pollard)

Page 5: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

RESUMO

Diante das novas oportunidades de desenvolvimento tecnológico criadas a

partir da ascensão do paradigma microeletrônico, este trabalho busca averiguar

acerca da condição brasileira dentro do paradigma tecnológico vigente. Baseado em

dados, o estudo avalia as repercussões decorrentes da trajetória de

desenvolvimento tecnológico adotada pelo País a partir da segunda metade do

século XX até os anos recentes. Também é brevemente abordada a situação do

conjunto de instituições que contribuem para o desenvolvimento e absorção de

novas combinações, conhecido como Sistema Nacional de Inovação. O ponto

central será descrever o posicionamento da estrutura produtiva brasileira em relação

à fronteira tecnológica, tanto em termos domésticos quanto internacionais. Com

base nos indicadores analisados, verificou-se que a trajetória de desenvolvimento

dos últimos 50 anos relegou o Brasil a uma condição de menor dinamismo e

crescente dependência tecnológica.

Palavras-chave: Desenvolvimento Econômico. Comércio Exterior. Industrialização

Brasileira. Estratégias de Catching Up.

Page 6: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

ABSTRACT

Before the new opportunities of technological development created by the

ascent of the microelectronic paradigm, the following essay pursues discussing about

the Brazilian condition within the current technological paradigm. Supported by data,

the study assesses the repercussions stemming from the technological development

trajectory adopted by the Country from the second half of the 20th century to the

recent years. It is also briefly addressed the situation of the set of institutions that

contribute to the development and absorption of new combinations, known as the

National Innovation System. The focus is to describe Brazil’s productive structure’s

positioning in relation to the technological frontier, both in domestic and international

terms. Based on the analyzed indicators, it was verified that the development

trajectory from the last 50 years relegated Brazil to a condition of lower dynamism

and growing technological dependence.

Keywords: Economic Development. Foreign Trade. Brazilian Industrialization.

Catching Up Strategies.

Page 7: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – O ciclo de vida de uma revolução tecnológica............................................... 21

Figura 2 – Variação dos componentes do custo de ingresso em relação às quatro

fases do ciclo de vida de uma tecnologia. ......................................................................... 26

Figura 3 – Período de mudança de paradigma como a melhor oportunidade para dar

um salto à frente. ................................................................................................................... 29

Gráfico 1 – Evolução da indústria de transformação como proporção percentual do

PIB no período (1970 – 2012), preços básicos................................................................. 40

Gráfico 2 – Participação setorial dos fluxos de investimentos estrangeiros diretos no

período 1995-2009 – em milhões de US$. ........................................................................ 41

Gráfico 3 – Participação percentual da indústria no valor adicionado total, 1996 –

2011. ........................................................................................................................................ 44

Gráfico 4 – Valor agregado pelos setores ao PIB (a preços básicos), 1947 – 2012. . 45

Gráfico 5 – Composição da estrutura industrial brasileira (VTI ) por intensidade

tecnológica a preços constantes de 2007 (milhões R$), 1996 – 2011. ........................ 46

Gráfico 6 – Evolução da densidade produtiva brasileira (VTI/VBPI) por intensidade

tecnológica a preços constantes de 2007 (milhões R$), 1996 – 2011. ........................ 48

Gráfico 7 – Participação percentual da indústria sobre o valor adicionado global

durante o período de 1996 – 2011: países selecionados. .............................................. 57

Gráfico 8 – Evolução da participação da indústria de transformação no PIB durante o

período de 1996 – 2011: países selecionados. ................................................................ 58

Gráfico 9 – Valor adicionado às manufaturas pelos setores de material eletrônico e

de aparelhos e equipamentos de comunicações nos anos de 2000 e 2011: países

selecionados. .......................................................................................................................... 59

Gráfico 10 – Saldo comercial brasileiro e contribuição da indústria de transformação

e demais produtos (bilhões de US$ FOB), 1996 – 2013 (1T). ....................................... 61

Gráfico 11 – Participação das exportações por intensidade tecnológica, 1996 – 2013

(%). ........................................................................................................................................... 62

Page 8: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

Gráfico 12 – Participação das importações por intensidade tecnológica, 1996 – 2013

(%). ........................................................................................................................................... 63

Gráfico 13 – Saldo comercial por intensidade tecnológica (milhões de US$ FOB),

1996 – 2013. ........................................................................................................................... 64

Quadro 1 – Cinco Revoluções Tecnológicas Sucessivas, 1770 a 2000. ..................... 18

Quadro 2 – Participação dos 10 principais setores no total dos estoques dos IDEs no

Brasil, em anos selecionados. ............................................................................................. 36

Page 9: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................. 10

2 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO SEGUNDO A ABORDAGEM

EVOLUCIONÁRIA ............................................................................... 12

2.1 Inovação e desenvolvimento para Schumpeter .................................................. 13

2.2 Paradigmas e trajetórias tecnológicas ................................................................ 15

2.3 Revoluções tecnológicas, paradigmas tecno-econômicos e ondas longas de

desenvolvimento ...................................................................................................... 17

2.4 Paradigmas tecno-econômicos, janelas de oportunidade e catching up ............ 23

2.4.1 Desenvolvimento como um ‘alvo móvel’ .......................................................... 28

2.5 O papel do Sistema Nacional de Inovação ........................................................ 30

3 A TRAJETÓRIA DE DESENVOLVIMENTO DO BRASIL DURANTE A

SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX ................................................ 33

3.1 A primeira fase de catching up brasileiro............................................................ 34

3.2 A abertura econômica e seus impactos sobre a indústria .................................. 38

3.3 Transformações recentes na estrutura produtiva brasileira................................ 42

3.4 Dependência tecnológica e o atraso do Sistema Nacional de Inovação ............ 49

4 A CONDIÇÃO BRASILEIRA DIANTE DA QUINTA REVOLUÇÃO

TECNOLÓGICA ................................................................................... 53

4.1 Características da quinta revolução tecnológica ................................................ 54

4.2 A estrutura produtiva brasileira sob perspectiva internacional ........................... 56

4.3 Análise do conteúdo tecnológico do comércio exterior ...................................... 60

5 CONCLUSÃO ................................................................................... 66

REFERÊNCIAS .................................................................................... 69

Apêndice A – Correspondência entre classificações por intensidade tecnológica da

PIA-PINTEC versus OCDE ...................................................................................... 73

Anexo A – Alocação de recursos para o esforço tecnológico, Brasil e Coréia do Sul.

................................................................................................................................. 74

Page 10: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

10

1 INTRODUÇÃO

O surgimento de novos produtos e processos decorrentes da ascensão do

paradigma microeletrônico provocou profundas transformações no cenário

internacional a partir da segunda metade do século XX. Esse fenômeno, além de

aumentar a interdependência econômica entre os países, revitalizou toda a estrutura

produtiva dos países avançados e proporcionou às economias emergentes novas

oportunidades de catching up (emparelhamento) tecnológico.

Contudo, em contraste às demais economias emergentes, como a Coreia do

Sul e China, o Brasil não tem se mostrado capaz de tomar o devido proveito dessas

oportunidades. Diferentemente do que acontecera durante o processo substitutivo

de importações, onde existiu uma estratégia clara de industrialização do país,

observa-se que a indústria nacional vem perdendo participação no valor adicionado

à economia. Ainda, dentro do setor industrial, o país aparentemente vem se

especializando na produção de bens intensivos em recursos naturais, que retiram o

dinamismo da economia e reforçam a dependência tecnológica brasileira.

Diante dessa constatação, surgem no cenário acadêmico debates acerca do

relativo atraso tecnológico e baixa competitividade da estrutura produtiva do país,

apontando a possibilidade de a indústria nacional estar passando por um processo

de desindustrialização precoce. O tema torna-se relevante ao ser levada em

consideração a importância geralmente atribuída ao setor industrial, considerado

dotado de capacidade de dinamizar a economia, difundir progresso técnico e reduzir

a vulnerabilidade externa.

Buscando sintetizar os argumentos sobre esse assunto, o presente trabalho

analisa a trajetória de desenvolvimento brasileiro com o intuito de averiguar qual

seria a condição atual do país no paradigma tecnológico vigente. Nesses termos,

buscam-se evidências empíricas na estrutura produtiva em variáveis relacionadas

tanto a termos domésticos quanto no âmbito internacional que possam caracterizar a

situação do país na dinâmica tecnológica mundial.

Antes de iniciar a análise propriamente dita, o segundo capítulo apresenta a

base teórica para o estudo da trajetória de desenvolvimento tecnológico do Brasil

Page 11: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

11

nos últimos anos. No capítulo, são apresentados os principais conceitos da

abordagem evolucionária visando uma melhor fundamentação dos capítulos

subsequentes.

O terceiro capítulo foi dividido em duas partes. Suas duas seções iniciais

relatam as estratégias de catching up adotadas pelo Brasil durante a segunda

metade do século XX. Em seguida, a terceira e quarta seções, respectivamente

utilizam-se da contextualização para realizar uma análise das transformações na

estrutura produtiva e institucional resultantes da trajetória adotada pelo país durante

o período exposto.

Com a finalidade de complementar a análise do final do capítulo dois, o

capítulo seguinte realiza comparações no âmbito internacional sob o contexto da

quinta revolução tecnológica, marcada pela predominância do paradigma

microeletrônico. No capítulo, são analisados tanto o desempenho da estrutura

produtiva brasileira diante das outras economias quanto em termos da participação

relativa dos setores industriais na balança comercial do país.

Page 12: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

12

2 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO SEGUNDO A ABORDAGEM

EVOLUCIONÁRIA

Diante de um mundo cada vez mais intensivo em conhecimento, a abordagem

evolucionária apresenta-se como forte ferramenta de análise das dinâmicas

econômicas de empresas, países e regiões. A ênfase dada ao empreendedorismo e

à inovação, identificada como a fonte propulsora do desenvolvimento econômico, é o

que torna a abordagem atrativa para intelectuais buscando maior compreensão

acerca da trajetória tecnológica dos seus objetos de estudo.

A importância da inovação no aumento da riqueza dos países é reconhecida

pela maioria das teorias econômicas, mas ela também permite às pessoas fazerem

coisas que nunca foram feitas antes, gerando profundas mudanças na qualidade de

vida da sociedade como um todo. Inovação é essencial não apenas para os que

buscam acelerar ou manter o crescimento econômico, mas também para os que

buscam mudar a direção do avanço tecnológico.

Feitas tais considerações, o capítulo tem por objetivo criar um embasamento

teórico para o estudo da trajetória brasileira dos últimos anos, que será o objetivo de

estudo do capítulo 3.

A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e

desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados os pressupostos

da abordagem evolucionária, também chamada de neo-Schumpeteriana.

A segunda seção trata das noções de trajetória e paradigma tecnológicos de

Giovanni Dosi, vitais para a compreensão de ambas as mudanças contínuas e

descontínuas das inovações tecnológicas.

A terceira seção apresenta o modelo histórico-analítico de Carlota Perez,

embasado no pressuposto de que o progresso econômico se dá através de

revoluções tecnológicas desencadeadas por mudanças descontínuas no ciclo

econômico. Ainda, cada grande surto de desenvolvimento pode ser dividido em

quatro fases, relacionadas à adoção e amadurecimento da revolução tecnológica e

seu respectivo paradigma.

Page 13: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

13

Como continuação, a próxima seção parte da premissa de que durante as

distintas fases de uma revolução tecnológica surgem janelas de oportunidade, as

quais se apresentam como possibilidades de inserção e emparelhamento

tecnológico. Ainda, a seção indica que os agentes perseguem um ‘alvo móvel’

devido ao fato de que enquanto uma revolução está atingindo a maturidade, outra já

está sendo gestada nos países avançados.

A seção final do capítulo trata do papel do Estado dentro de uma perspectiva

de emparelhamento. Esse papel está relacionado à condução dos esforços dos

agentes econômicos para uma estratégia comum, além de portar-se como um

intermediário entre o ambiente doméstico e supranacional.

2.1 Inovação e desenvolvimento para Schumpeter

Deve-se à Schumpeter a distinção básica entre inovações e invenções – esta

sendo uma ideia, desenho ou modelo para um novo produto, processo ou sistema

(que não necessariamente se transformará em uma inovação), enquanto aquela

somente seria alcançada com a primeira transação comercial envolvendo o novo

produto, processo ou sistema. Desse modo, para uma invenção tornar-se uma

inovação, ela teria de passar pelo teste de mercado.

Para o autor, a vida econômica caracteriza-se por uma tendência do sistema

econômico para uma posição de equilíbrio, onde cada bem encontra o seu mercado

na medida em que é produzido. Segundo ele, existem mudanças bruscas que

alteram o estado de equilíbrio de tal modo que não podem ser captadas por uma

análise estática do fluxo circular. A ocorrência dessas mudanças ‘revolucionárias’ é

justamente o problema central do processo de desenvolvimento econômico.

Assim, Schumpeter vê o fenômeno do desenvolvimento como um processo

endógeno, inteiramente estranho ao que pode ser observado no fluxo circular.

Processo que não se daria através do crescimento da população ou riqueza, e sim

através de perturbações descontínuas na vida econômica que deslocam para

sempre o estado de equilíbrio vigente.

Page 14: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

14

Juntamente das inovações e do crédito, que possibilita a realização das

primeiras, Schumpeter aponta um terceiro elemento como o fenômeno fundamental

do desenvolvimento econômico: o ‘empreendimento’ – que seria a realização de

novas combinações. Assim, o empresário teria a função de agente inovador, que

desapareceria após a nova combinação ter se consolidado na vida econômica,

sobrando apenas o caráter de administrador.

Na teoria do autor, as transformações econômicas partem do produtor (oferta)

através de novas combinações de meios produtivos e os consumidores (demanda)

se adaptam a elas – são educados a querer os novos produtos. Diante de uma

distinção entre inovações contínuas e descontínuas conforme sua realização,

Schumpeter afirma que apenas as últimas geram desenvolvimento por serem as

únicas capazes de deslocar o estado de equilíbrio da economia.

Esse caráter descontínuo das inovações é o que marca o desenvolvimento

econômico como um processo cíclico de períodos de prosperidade e crises. A

descontinuidade existe porque as inovações aparecem em grupos, de tal modo que

o fluxo circular é incapaz de absorvê-las sem que nenhuma perturbação no equilíbrio

aconteça1. O fenômeno acontece porque, diante do sucesso dos pioneiros e da

remoção de alguns obstáculos, imitadores os seguirão na busca de retornos

similares.

O aparecimento em grupo necessita de um processo de absorção especial e distinto, de incorporação de coisas novas e de adaptação a elas do sistema econômico. Esse processo é a essência das depressões periódicas, que, portanto, podem ser definidas, do nosso ponto de vista, como o combate do sistema econômico no sentido de uma nova posição de equilíbrio, sua adaptação aos dados alterados pela perturbação trazida pelo boom (SCHUMPETER, 1957, p. 153).

Para o autor, o boom cria uma situação que ultimamente resulta em uma

depressão, a qual conduz para uma nova posição de equilíbrio, caracterizada por

relativa fixidez e ausência de desenvolvimento. Finalmente, o período de depressão

acaba cumprindo o que o boom prometeu: a corrente de bens é enriquecida, a

produção reorganizada, os custos de produção diminuídos e o que inicialmente era

1 Para Schumpeter (1957), as inovações aparecem em bandos porque o aparecimento de um ou de

poucos empresários acaba facilitando o aparecimento de outros, em um processo sempre crescente.

Page 15: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

15

lucro empresarial acaba incrementando as rendas reais das outras classes, gerando

uma melhor qualidade de vida.

Os pressupostos de Schumpeter foram uma fonte de ruptura à ortodoxia

dominante da sua época e tornaram-se inspiração para a construção de outros

paradigmas teóricos. Diante disso, surgem autores com ideias complementares,

também apontando pra inovação como força motora da dinâmica econômica,

chamados de neo-Schumpeterianos ou evolucionistas.

2.2 Paradigmas e trajetórias tecnológicas

Para Dosi (1982), tecnologia seria um conjunto de porções de conhecimento

utilizáveis para a resolução de problemas específicos.

Levando esse pressuposto em consideração, o autor parte de uma analogia à

noção de Thomas Kuhn (1962) sobre ‘paradigmas científicos’, definidos por Dosi

(1982, p. 152) como modelos para a resolução de problemas relevantes, para criar

sua própria noção de ‘paradigmas tecnológicos’: “[…] um ‘modelo’ ou um ‘padrão’

para solução de problemas tecnológicos específicos derivados das ciências naturais

e tecnologias naturais específicas”.

De maneira simplificada, o que o autor afirma é que a busca de soluções para

determinados problemas tecnológicos tenderia, normalmente, a concentrar-se nos

entornos das soluções já conhecidas e nos esforços para o aperfeiçoamento dos

conhecimentos necessários para tal fim.

O autor, então, define uma trajetória tecnológica2 como sendo “[...] um

padrão para a atividade ‘normal’ de solução de problemas no contexto de um

determinado paradigma tecnológico”.

2 Como características básicas das trajetórias tecnológicas, Dosi (1982) aponta que elas podem variar

conforme força e abrangência; são complementares entre si – explicando a adaptabilidade do progresso de uma área em outra correlata; têm a tendência de acumular ‘progresso’, no sentido de que o progresso futuro pode depender das decisões passadas; e que devido à essa cumulatividade do progresso, a mudança de trajetória pode se tornar difícil caso seja feita a partir de uma trajetória bastante internalizada.

Page 16: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

16

Outra importante contribuição do modelo do autor foi sua associação entre o

surgimento e difusão de novos paradigmas tecnológicos e suas repercussões na

estrutura das firmas. A mudança técnica seria dividida em duas fases: a fase do

processo de pesquisa e seleção de novos paradigmas tecnológicos, seguida pela

fase de progresso técnico dentro de uma trajetória definida. Para Dosi (1982, p.

157), “[…] a distinção entre [essas] duas fases tecnológicas provavelmente

corresponde historicamente a dois diferentes conjuntos de características de uma

indústria, relacionados à sua emergência e à sua maturação”.

Normalmente o primeiro período, de emergência de novas tecnologias, é

caracterizado por empresas novas. Em contrapartida, a segunda fase corresponde

ao que Dosi (1982) chamou de ‘maturidade oligopolista’, quando a distinção entre

produção, exploração e difusão comercial das inovações diminui e a mudança

técnica torna-se elemento de competição oligopolista.

Diante da constatação da natureza cumulativa do progresso tecnológico e da

existência de estruturas oligopolistas, o autor conclui que dificilmente o processo de

mudança técnica por si só trará a convergência entre países de diferentes níveis

tecnológicos. Para Dosi (1982, p. 161), “[…] políticas de imitação tecnológica podem

não ser suficientes e intervenção pública aspirando um catching up pode ter de

afetar fluxos de comércio, investimento direto, e a estrutura da indústria doméstica”.

As noções de paradigma tecnológico e trajetórias tecnológicas de Giovanni

Dosi (1982) apresentam-se como importantes ferramentas para a compreensão dos

mecanismos envolvidos nas interações entre o progresso técnico e a evolução dos

sistemas econômicos. As mesmas servirão como base para a exposição e

aprofundamento do tema acerca das possibilidades de catching up dentro dos

diferentes estágios de uma trajetória tecnológica específica.

Page 17: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

17

2.3 Revoluções tecnológicas, paradigmas tecno-econômicos e ondas longas

de desenvolvimento

Antes de abordar o tema de catching up, é necessário aprofundar o assunto

das trajetórias tecnológicas e o processo de mudança tecnológica. Para isso, utilizar-

se-á do modelo histórico-analítico de Perez (2002) sobre ondas longas de

desenvolvimento, no qual o progresso tecnológico é visto como um dos principais

elementos para a execução das estratégias de catching up.

O modelo de Perez (2002, p. 8) tem como base a ideia de que o progresso se

dá através de revoluções3 tecnológicas que ocorrem a cada meio século, definidas

como “[…] um poderoso e claramente visível cluster de novas e dinâmicas

tecnologias, produtos e indústrias, capazes de provocarem uma reviravolta em toda

a estrutura da economia e de impulsionarem um aumento de longo prazo no

desenvolvimento”.

Desse modo, cada revolução tecnológica seria uma explosão de novos

produtos, indústrias e infraestruturas inter-relacionadas em uma constelação de

inovações.

Enquanto isso, o desenvolvimento pode ser conceituado como uma trajetória

de acumulação tecnológica e capacidades sociais dependentes do aproveitamento

de sucessivas e diferentes janelas de oportunidade.

Através da conexão entre a emergência/declínio de diferentes paradigmas

tecnológicos com a sucessão de ondas longas de desenvolvimento, Perez (2002)

identifica que o crescimento econômico, desde fins do século XVIII, passou por cinco

revoluções tecnológicas sucessivas, conforme o Quadro 1.

Cada revolução tecnológica resultaria da interdependência de um grupo de

indústrias com uma ou mais redes de infraestrutura específicas. De acordo com o

que Dosi (1982) fala sobre a complementaridade das trajetórias tecnológicas, Perez

(2002) confirma que é comum o potencial revolucionário ser gerado pelo

encadeamento entre novos e antigos produtos. De fato, muitos dos produtos e

3 O termo ‘revolução’ é dado por estes avanços tecnológicos serem capazes de se espalharem para

os mais diversos ramos da sociedade, modificando de forma permanente as interações entre os agentes que a compõem.

Page 18: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

18

indústrias que aparecem na nova constelação já existiam por algum tempo, seja em

papel econômico relativamente menor, seja como complementos para indústrias

predominantes.

Quadro 1 – Cinco Revoluções Tecnológicas Sucessivas, 1770 a 2000.

Revolução

Tecnológica

Nome popular da

época4

País (ou países) núcleo Inovações que deram início à

revolução (Big-bang) Ano

Primeira A ‘Revolução Industrial’ Inglaterra Abertura da fábrica de algodão de

Arkwright em Cromford

1771

Segunda Era do Vapor e das

Ferrovias

Inglaterra (espalhando-se

para a Europa e EUA)

Teste do motor a vapor ‘Rocket’ para

a ferrovia Liverpool-Manchester

1829

Terceira Era do Aço, Eletricidade

e Engenharia Pesada

EUA e Alemanha

ultrapassando a Inglaterra

A abertura da fábrica de aço

Carnegie-Bessemer em Pittsburgh,

Pensilvânia

1875

Quarta Era do Petróleo, do

Automóvel e Produção

em Massa

EUA (com Alemanha em

primeiro lugar disputando a

liderança mundial), se

espalhando para Europa

O primeiro Modelo-T sai da fábrica da

Ford em Detroit, Michigan

1908

Quinta Era da Informação e

Telecomunicações

EUA (espalhando-se para

Europa e Ásia)

O microprocessador da Intel é

anunciado em Santa Clara, Califórnia

1971

Fonte: Perez (2002, p. 10-11).

O surgimento desse conjunto de novas indústrias, acompanhado por uma

infraestrutura facilitadora, possibilita profundas mudanças na estrutura industrial do

meio. Contudo, os antigos modelos organizacionais se apresentam incapazes de

tomar máximo proveito desse acontecimento porque as novas oportunidades geram

4 Perez (2002, p. 10) aponta que esses foram os nomes capturados pela ‘imaginação popular’ dos

períodos relevantes. A Revolução Industrial é marcada pela inauguração da Era Industrial; a Era do Vapor e das Ferrovias é como as pessoas da metade do século XIV se referiam ao período e o mesmo aconteceria na Era do Aço e Eletricidade, quando o aço substituiu o ferro e a ciência transformou toda indústria. No começo do século XX, era a Era do Automóvel e Produção em Massa, e o período recente vem recebendo alcunhas de Era da Informação e Sociedade do Conhecimento.

Page 19: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

19

profundas transformações no ‘modo de fazer as coisas’ ao longo de toda a

economia, apontada por Perez (2002) como uma mudança de paradigma.

Um paradigma tecno-econômico é, assim, um modelo de ‘prática-ótima’ criado a partir de um conjunto de princípios tecnológicos e organizacionais, universais e genéricos, os quais representam o modo mais eficaz de aplicar uma determinada revolução tecnológica e de utilizá-la para modernizar e rejuvenescer toda a economia. Quando amplamente adotados, esses princípios tornam-se a base do ‘senso comum’ para organizar qualquer atividade e estruturar qualquer instituição (PEREZ, 2002, p. 15).

É importante apontar que o paradigma tecno-econômico possui um caráter

dual, servindo tanto como força motora da difusão quanto como de retardamento. É

uma força motora por fornecer um modelo de práticas que pode ser seguido por

todos, contanto que seus princípios sejam socialmente aprendidos. Contudo, esse

aprendizado precisa superar as forças inerciais que advém do sucesso do

paradigma anterior.

Assim, cada revolução tecnológica leva a uma substituição maciça de um

conjunto de tecnologias por outro, quer por uma substituição definitiva, quer pela

modernização dos equipamentos, processos e formas de operação existentes. A

cada ciclo, o que pode ser considerada a ‘nova economia’ enraíza-se onde a antiga

economia tem encontrado problemas.

Retomando, cada surto de desenvolvimento5 acontece de forma gradual

através de grandes saltos de aproximadamente cinco ou seis décadas. Perez divide

esse período em duas fases distintas, cada uma com duração de aproximadamente

três décadas, e um intervalo de reacomodação entre as duas.

Os primeiros 20 ou 30 anos são historicamente caracterizados pela batalha

entre o antigo e o novo: o período de instalação é quando o novo paradigma é

aprendido e o antigo é gradualmente esquecido. Ainda, é quando são criadas as

novas infraestruturas correlacionadas ao novo paradigma, gerando as principais

externalidades para facilitar a aplicação das novas tecnologias.

5 Para Perez (2002), um grande surto de desenvolvimento pode ser definido como o processo pelo

qual a revolução tecnológica e o seu paradigma propagam-se pela economia.

Page 20: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

20

O período subsequente é o chamado de desprendimento, quando o pleno

potencial de geração de riqueza do paradigma pode ser alcançado. Enquanto que

no período de instalação o capital financeiro6 dita o rumo da economia, o período de

desprendimento é regido pelo capital produtivo, provendo maior estabilidade ao

crescimento do paradigma, que se espalha para parcelas cada vez maiores da

população e países.

Entre os dois períodos existe o que a autora chama de intervalo de

reacomodação (turning point), geralmente uma recessão, que envolve a

recomposição de todo o sistema visando passar o controle da economia do capital

financeiro para o capital produtivo. Nesse intervalo, a recessão cria as condições

necessárias para que as instituições sejam reestruturadas a partir do paradigma

tecno-econômico emergente, o que geralmente é atingido através da intervenção

governamental, com regulações limitando muitos dos abusos do capital financeiro

que vêm à tona com a crise.

Seguindo na análise de Perez, ambos os períodos – de instalação e de

desprendimento – são cada um divididos em outras duas fases distintas, conforme

apresentado na Figura 1.

O período de instalação de cada paradigma tecno-econômico passa por uma fase de irrupção, quando os novos produtos e tecnologias, endossados pelo capital financeiro, estão mostrando seu futuro potencial em um mundo ainda basicamente moldado sobre o paradigma anterior. A segunda metade é a fase de frenesi, quando o capital financeiro impulsiona a intensa construção de novas infraestruturas e novas tecnologias, para que, no final, o potencial do novo paradigma seja instalado de forma consistente na economia e preparado para o pleno desprendimento (PEREZ, 2002, p. 47).

Assim, a fase de irrupção caracteriza-se como o surgimento da revolução

tecnológica com o auxílio do capital financeiro. Embalada pelas boas perspectivas

de lucro advindas dos ganhos de produtividade do novo paradigma, a fase de

frenesi não é só marcada pela expansão da revolução, mas também por crescentes

6 Em relação aos termos ‘capital produtivo’ e ‘capital financeiro’, a autora está se referindo aos

agentes econômicos e suas disposições, e não ao capital por si só. Assim, o termo ‘capital financeiro’ refere-se ao comportamento dos agentes possuidores de riqueza na forma de dinheiro ou outros ativos. Em contraste, ‘capital produtivo’ incorpora o comportamento dos agentes que geram nova riqueza através da produção de bens ou prestação de serviços. Desse modo, os últimos podem utilizar-se do dinheiro dos primeiros para executarem suas tarefas e depois repartirem a riqueza adquirida.

Page 21: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

21

tensões estruturais causadas pelo domínio do capital financeiro sobre o sistema

econômico, que impossibilitam o acesso ao máximo potencial do paradigma.

Fonte: Traduzido pelo autor a partir de Perez (2002, p. 30).

É durante o período de frenesi que surgem as ‘inovações financeiras’ que

resultam na dissociação entre a riqueza real, do lado da produção, e a riqueza

virtual, beneficiada pela ascensão da bolsa de valores e dos novos instrumentos

financeiros. Como resultado das tensões estruturais causadas por essa dissociação,

geralmente surge uma bolha tecnológica-financeira, que ultimamente leva para uma

recessão.

O intervalo de reacomodação (turning point) é marcado pela reformulação

institucional, com o objetivo de criar as condições necessárias para a expansão dos

mercados e o retorno do capital produtivo ao comando da economia. Após a

Figura 1 – O ciclo de vida de uma revolução tecnológica

Page 22: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

22

reformulação, o papel do capital financeiro passa a ser o de fortalecimento do capital

produtivo e do apoio ao processo de crescimento real da economia. Basicamente, o

intervalo de reacomodação caracteriza-se como a reconciliação do capital produtivo

com o capital financeiro.

Somente quando as tensões são superadas e a economia está moldada

conforme o paradigma em vigor, o período de desprendimento começa. Sua primeira

fase, a fase de sinergia, é marcada por uma época em que o paradigma se torna

dominante e a plena prosperidade pode ser atingida.

O ciclo termina com a fase de maturidade, quando os mercados começam a

dar sinais de estagnação e as oportunidades de investimento nos produtos do

paradigma se restringem a inovações complementares de baixa lucratividade. No

final da fase de implantação, as indústrias tradicionais da revolução começam a

encontrar seus limites e passam a buscar estratégias alternativas para continuarem

lucrativas, como migrações geográficas e customizações.

Conforme os países-núcleo atingem a fase de maturidade e seus mercados

ficam gradualmente saturados, os países periféricos apresentam-se como

alternativas de ‘sobrevida’ aos produtos do paradigma. Por parte dos países

periféricos, esses podem se aproveitar da oportunidade para realizarem um catching

up tecnológico.

Para os países almejando um catch up, o desafio básico é aprender a dominar novas formas de fazer as coisas. (...) A inovação envolvida no catch up não é a que economistas estudando avanço tecnológico em países na fronteira [tecnológica] tendem a denotar com o termo. A inovação em catching up envolve trazer e aprender a dominar maneiras de fazer as coisas que já podem ter sido usadas por algum tempo nas economias avançadas do mundo, apesar de serem novas para o país ou região (NELSON, 2006, p. 10).

Devido à existência de um estoque de capital ocioso7 no final de cada

revolução tecnológica, os países atrasados podem utilizar-se dessa disponibilidade

de financiamento externo como forma auxiliar para suas estratégias de catching up.

7 Para Perez, existe um potencial de acumulação de riqueza inercial no final da revolução tecnológica

resultante das posições de monopólio das grandes empresas estabelecidas, que facilita a inserção e expansão de novos mercados. Contudo, as inovações complementares características do final da fase de maturidade nos países núcleo possuem ciclos de vida curtos e são incapazes de propriamente absorver o capital financeiro disponível.

Page 23: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

23

Perez (2002, p. 85) complementa: “[…] se não com ajuda financeira, a maioria dos

casos de avanços reais significativos beneficiaram-se dos fluxos de conhecimento e

tecnologia, os quais de uma forma ou de outra vêm dos países líderes do momento”.

Desse modo, a fase final de uma revolução tecnológica pode ser vista como

uma janela de oportunidade para um possível emparelhamento dos países

atrasados. Contudo, uma estratégia fundamentada nessa ideia depende de bom

planejamento e execução: quando bem executada, pode levar a uma posição mais

avançada, como no caso dos Tigres Asiáticos; quando mal executada, pode acabar

aprofundando a dependência tecnológica do país, como no caso brasileiro.

2.4 Paradigmas tecno-econômicos, janelas de oportunidade e catching up

Conforme visto nas seções anteriores, as possibilidades de ingresso de uma

empresa, país ou região, em determinada altura de uma revolução tecnológica são

dependentes de capacidades previamente acumuladas pelos atores. Capital

previamente adquirido é necessário para que novo capital seja gerado, do mesmo

modo que a preexistência de conhecimento é necessária para que novo

conhecimento possa ser absorvido, e um determinado nível de desenvolvimento é

demandado para a criação das infraestruturas e instituições necessárias para que a

próxima fase de desenvolvimento tenha sucesso. Esse fenômeno é conhecido como

path dependence8.

Como consequência desse fenômeno, a trajetória tecnológica dos agentes

econômicos pode se ver ‘aprisionada’ (locked in) a um círculo vicioso de restrições

às suas possibilidades de desenvolvimento. O objetivo dessa seção é demonstrar

que a intensidade desse fenômeno varia conforme a revolução tecnológica progride,

criando janelas de oportunidade para a superação dessas restrições através de um

processo de catching up.

8 De acordo com Arend e Fonseca (2011), o fenômeno de path dependence está relacionado com o

fato da experiência previamente adquirida condicionar a tomada de decisões no presente. Assim, as trajetórias de desenvolvimento dos países seriam dependentes das formas de aprendizado tecnológico e políticas econômicas do passado.

Page 24: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

24

Já foi mencionado que diante da progressiva estagnação dos mercados e

perspectivas de lucros decrescentes ao atingir a fase de maturidade de um

paradigma tecnológico específico, os países-núcleo buscam dar uma ‘sobrevida’ ao

paradigma através da difusão de seus produtos para os países periféricos atrasados.

Contudo, como os produtos da fase de maturidade já exauriram seu dinamismo

tecnológico, essa trajetória provê ao segundo grupo de países apenas um curto

surto de progresso, com baixo dinamismo e dependente de ajuda externa.

Em contraste, Perez e Soete (1988, p. 459) afirmam que um verdadeiro

processo de catching up “[…] somente pode ser alcançado através da aquisição da

capacidade para participação na geração e aperfeiçoamento das tecnologias, em

oposição ao simples ‘uso’ dessas. Isso significa ser capaz de entrar ou como um

imitador inicial ou como inovadores de novos produtos e processos”.

Aponta-se a existência de algumas barreiras de entrada vitais para a

compreensão das dificuldades encontradas pelos países buscando ingresso em

determinada revolução tecnológica. Além dos custos de investimento fixo, as

empresas ainda precisam levar em consideração pelo menos três grupos de

elementos que contribuem na determinação do real custo de entrada:

1) O custo dos conhecimentos científico e técnico necessários para a

assimilação da inovação, que diminui conforme a quantidade de

conhecimento relevante a empresa já possui. Desse modo, o quão

mais perto da fronteira tecnológica9 em termos de conhecimento a

empresa estiver, menores serão os custos. Em comparação, um

imitador com o mesmo estoque de conhecimento que o inovador teria

menos gastos, já que o primeiro não precisaria arcar com custos das

‘falhas’ de desenvolvimento10.

2) O custo da aquisição de experiência para manejar a inovação e levá-

la com sucesso ao mercado. Nesse caso, experiência nos

pressupostos do paradigma passado pode apresentar-se como um

custo adicional. 9 Para Dosi (1982), a fronteira tecnológica seria o mais alto nível alcançado dentro de uma trajetória

tecnológica. 10

As falhas de desenvolvimento são geralmente relacionadas aos custos para o desenvolvimento do produto inicial, englobando a pesquisa e desenvolvimento, otimização dos insumos, buscas de fornecedores, teste de mercado, etc.

Page 25: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

25

3) E, finalmente, o custo para superação de quaisquer desvantagens

‘locais’ relacionadas à infraestrutura comum e outras condições

econômicas e institucionais que cercam a firma. Nesse grupo, se

enquadram tanto elementos de geografia econômica, como distância

dos fornecedores, adequação da infraestrutura de transporte,

disponibilidade de mão-de-obra qualificada, quanto do quadro

institucional do país, como burocracia, impostos, subsídios e tarifas,

sindicatos e até mesmo a aceitação da população local em relação ao

novo produto.

Assim, as barreiras de ingresso são uma combinação onde cada um dos

elementos mencionados acima impõem limites mínimos, abaixo dos quais o ingresso

torna-se praticamente inviável. Para Perez e Soete (1988, p. 469), “[…] em geral,

pode-se dizer que o que determina o nível de (des)vantagens relevantes para a

firma em determinada localidade é a história de desenvolvimento previamente

estabelecida”.

Feitas as observações necessárias, o próximo passo é utilizar-se dos

elementos descritos para fazer uma análise das barreiras de ingresso durante a

progressão de uma determinada tecnologia. Isso permitirá esboçar quais são os

períodos ótimos para o ingresso em um paradigma tecno-econômico específico.

Segundo Freeman e Soete (1997), quando um produto ou processo é

introduzido pela primeira vez, o mesmo se encontra em forma relativamente primitiva

e é submetido a sucessivas melhorias incrementais com a finalidade de torná-lo

mais eficiente, seja através da redução de custos de produção, seja através de

melhorias de qualidade e performance. Conforme o modelo do ciclo de vida de um

produto, a trajetória de inovações incrementais pode ser representada em ‘forma de

S’ – inicialmente com melhorias lentas, para depois acelerar e reduzir outra vez.

Isso implica que os custos de ingresso variam em relação à evolução da

inovação dentro de sua trajetória tecnológica. Consequentemente, os custos de

cada um dos componentes dos custos de ingresso também variam conforme as

tecnologias evoluem com a progressão das fases do ciclo de vida do produto.

A Figura 2 ilustra em cada diagrama as quatro fases do ciclo de vida do

produto e os diferentes tipos de requisitos de cada uma delas. A Fase I representa o

período de introdução da inovação, quando o foco está no produto por si só,

Page 26: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

26

enquanto que a Fase II é o período de rápido crescimento do mercado, onde o foco

passa a ser no processo de produção para a busca de aumentos de eficiência e

produtividade. Na Fase III, com as principais condições já estabelecidas, o foco

passa a ser a captura de market share e, finalmente, a Fase IV é caracterizada pela

padronização de ambos os produtos e processos juntamente de retornos

decrescentes nos investimentos em melhorias tecnológicas, típicas da fase de

maturidade, o que pode resultar na realocação das plantas produtivas ou na

concentração em outras inovações por parte das firmas estabelecidas (FREEMAN;

SOETE, 1997).

A primeira fase pode ser considerada a fase do empresário schumpeteriano –

marcada por inovações radicas e alto grau de utilização do conhecimento científico.

Nela, vantagens locais podem ser cruciais para a adoção bem sucedida da inovação

e os investimentos em capital fixo são relativamente baixos em comparação com o

montante necessário conforme a tecnologia progride.

Fonte: Traduzido pelo autor a partir de Perez & Soete (1988, p. 473).

Na segunda fase, conforme o paradigma tecno-econômico é gradualmente

incorporado no produto e na produção, os custos de conhecimento técnico e

científico caem para os imitadores enquanto que os custos de aquisição de

habilidades específicas crescem junto da experiência gradualmente adquirida pelas

Figura 2 – Variação dos componentes do custo de ingresso em relação às quatro fases do

ciclo de vida de uma tecnologia.

Page 27: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

27

firmas já estabelecidas. Os custos relacionados com aspectos locais também

diminuem conforme a economia se adapta às novas inovações enquanto que os

custos de capital fixo crescem devido à otimização da planta em ambos tamanho e

equipamento.

A terceira fase é o período em que os custos de experiência e know-how

atingem seu ápice devido à importância dada para processos gerenciais e ampliação

de mercados – captura de market share. Essa é a fase de ingresso menos viável.

Finalmente, a fase de maturidade apresenta queda na maioria dos custos de

ingresso: o conhecimento está quase completamente incorporado no processo

produtivo e as proficiências estão bem codificadas, podendo ser adquiridas por

países atrasados dispostos a pagar por elas.

Conclui-se que as Fases I e IV fornecem as condições de ingresso mais

acessíveis, porém com custos e requisitos distintos. Na Fase I, o ingresso durante

estágios iniciais da tecnologia pode ser feito com pouco capital e experiência, mas

com quantia relevante de conhecimentos técnico e científico juntamente de

vantagens comparativas locais. Em contraste, o ingresso na Fase IV requer

consideráveis quantias de investimento para a aquisição de tecnologia. Além dessas

distinções, Perez e Soete (1988) apontam que o ingresso na fase inicial não garante

a sobrevivência da empresa, já que isso requer investimentos e esforços para

geração e aprimoramento do produto de modo a mantê-lo competitivo. Enquanto

isso, o ingresso na fase de maturidade é muito mais seguro, contanto que o produto

não seja substituído por um novo.

(…) catching up supõe um processo de desenvolvimento dinâmico, alimentado pela inovação local e mercados crescentes. Isso requer um ingresso tão cedo quanto possível. Surpreendentemente, além da fase de maturidade das tecnologias, o outro momento em que jogadores mais frágeis confrontam barreiras superáveis não é nas fases dois e três, mas sim na fase um. Este passa a ser o ponto de ingresso mais promissor, porque os lucros potenciais são altos, há amplo espaço para crescimento do mercado e produtividade, além dos custos de investimento serem relativamente baixos (PEREZ, 2001, p. 113).

Um dos pontos fracos da abordagem teórica do ciclo de vida do produto é que

ela considera que os produtos são independentes entre si. Entretanto, Perez e Soete

(1988), da mesma forma que Freeman (1997), observam que os produtos são

complementares e interconectados em sistemas tecnológicos. Nesse sentido,

inovações sucessivas dentro de um sistema seriam equivalentes a sucessivos

Page 28: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

28

aperfeiçoamentos de uma inovação correlacionada. Isso significa que cada ‘novo’

produto beneficia-se do conhecimento e experiência de seus antecessores,

reforçando o fenômeno de path dependence do desenvolvimento econômico.

2.4.1 Desenvolvimento como um ‘alvo móvel’

Da mesma forma que as inovações possuem uma trajetória progressiva, os

sistemas tecnológicos também partem de uma fase inicial, passando por uma fase

de crescimento até a maturidade. Pode-se concluir que cada revolução tecnológica

nada mais seria que um conjunto de sistemas tecnológicos11.

Dentro dessa lógica, uma mudança de paradigma tecno-econômico acaba

afetando toda a gama de sistemas tecnológicos em vigor. Isso implica que em

períodos de mudança de paradigma, as firmas e países que acumularam grandes

vantagens na tecnologia antiga enfrentam custos crescentes para livrarem-se da

experiência e das externalidades ‘incompatíveis’ com o novo paradigma. Por outro

lado, recém-chegados podem apoderar-se dos novos conhecimentos e habilidades

de maneira mais fácil e rápida.

(…) o que isso significa para países atrasados é que durante os períodos de mudança de paradigma, existem dois tipos de condições favoráveis para o catching-up. Em primeiro lugar, há tempo para aprendizado enquanto todos estão fazendo o mesmo. Em segundo lugar, dado um nível razoável de capacidade produtiva, vantagens locais e suficiente dotação de recursos humanos nas novas tecnologias, uma janela de oportunidades é temporariamente aberta, com baixos requisitos de entrada (PEREZ; SOETE, 1988, p. 477).

Para Perez (2001), os países em desenvolvimento estão perseguindo um

‘alvo móvel’ que não apenas avança progressivamente, mas também muda de

direção aproximadamente a cada meio século. Isso ocorre porque enquanto os

países atrasados aproveitam-se da fase de maturidade de uma trajetória

tecnológica, os motores de crescimento do próximo paradigma já estão sendo

estabelecidos dentro dos países avançados. Contudo, a autora aponta que é

11

Ao caracterizar uma revolução tecnológica, Perez (2001) a define como um conjunto de sistemas tecnológicos que criam condições necessárias para o aparecimento de novos sistemas, cada um seguindo os mesmos princípios e obtendo benefícios das mesmas externalidades.

Page 29: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

29

justamente nessa época – durante o período de transição de paradigmas – que as

condições mais favoráveis para o avanço tecnológico ocorrem.

Durante o período de mudança de paradigmas, as tecnologias do paradigma

anterior coexistem com as do novo e duas janelas de oportunidades são abertas

simultaneamente: da Fase 1, de introdução das novas tecnologias, e da Fase 4, de

‘sobrevida’ das tecnologias maduras, conforme indicado na Figura 3.

Fonte: Traduzido pelo autor a partir de Perez (2001, p. 119).

Nesse cenário, existe uma perfeita oportunidade para dar um salto para frente

devido à possibilidade de utilizar-se das práticas do novo paradigma para

modernizar e rejuvenescer as tecnologias maduras. O maior desafio é continuar na

trajetória durante as fases II e III, o que requer crescente apoio do meio econômico,

inovações constantes e grande capacidade de manobra em relação aos mercados e

alianças, para fazer frente à crescente competição característica desses períodos.

Figura 3 – Período de mudança de paradigma como a melhor oportunidade para dar um salto à

frente.

Page 30: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

30

(…) durante a transição, (…) as fontes de crescimento se tornam acessíveis, pois na fase inicial do novo paradigma pode-se obter, durante um tempo limitado, acesso direto ao saber científico e à experiência gerencial, que normalmente se constituem em “barreiras de entrada” para os países retardatários (AREND, 2009, p. 50).

Perez (2001) ainda aponta a existência de uma terceira possibilidade de

catching up no contexto atual, de globalização. Segundo a autora, muitas indústrias

do quinto paradigma optaram por operar internacionalmente desde a fase de

irrupção, em contraste às indústrias do paradigma anterior, as quais se propagaram

nacionalmente antes de passarem para a internacionalização. A repercussão disso é

que surgem possibilidades para as indústrias participarem de redes globais com

arranjos variados e de produzirem localmente para exportação através de empresas

globais.

Finalmente, os processos de rápido crescimento e desenvolvimento

historicamente foram frutos de estratégias de desenvolvimento tecnológico bem

planejadas. Isso significa que é necessário às empresas, países ou regiões estarem

cientes e bem-informados da fase evolutiva que determinado paradigma se encontra

para que possam ser definidos tratados de cooperação mútua com seus

competidores avançados, além de estratégias de acordo com as capacidades locais

previamente acumuladas, com o intuito de amenizar as barreiras de ingresso

existentes. Dentro desse contexto, tudo indica que o Estado tem papel fundamental

no processo de emparelhamento.

2.5 O papel do Sistema Nacional de Inovação

Cabe aqui diferenciar o que Schumpeter havia chamado de desenvolvimento

no século XX, que foi abordado na primeira seção desse capítulo, e o que

desenvolvimento significa atualmente. Apesar do desenvolvimento de Schumpeter

estar relacionado ao processo de transformação econômica desencadeado pela

inovação, o conceito estava muito mais relacionado à noção geral do

desenvolvimento capitalista que do desenvolvimento das economias nacionais.

Segundo Cassiolato e Lastres (2008), podem-se distinguir três características

do processo de desenvolvimento: 1) é marcado por mudanças na estrutura

Page 31: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

31

econômica e social, ou seja, descontinuidades tecnológicas e/ou produtivas que são

ao mesmo tempo a causa e causadas pela estrutura produtiva, social, política,

institucional de cada nação; 2) é um processo sistêmico – capaz de gerar ‘retornos

crescentes’ devido aos ganhos que se obtém com as mudanças técnicas, de criação

e de aprendizado; 3) a percepção da especificidade do processo para cada país está

relacionada à ideia de que cada país possui a sua trajetória de desenvolvimento

particular – ou idiossincrática. Consequentemente, cada país possui um sistema de

inovação com características próprias e a utilização de estratégias de outros países

como modelo não necessariamente resultará em resultados iguais.

Pode-se dizer que a inovação é a mais importante componente da estratégia

de desenvolvimento; é a premissa principal para que se pense em desenvolvimento

a partir da montagem do sistema nacional de inovação.

Diante do que foi exposto até agora, o Sistema Nacional de Inovação (SNI)

apresenta-se como uma forma de abordagem complementar, adicionando uma

dimensão nacional à noção schumpeteriana de desenvolvimento (VIOTTI, 2002).

Sistemas de inovação são definidos como conjuntos de instituições distintas que contribuem para o desenvolvimento da capacidade de inovação e aprendizado de um país, região, setor econômico ou localidade, e constituem uma série de elementos e relações que interagem com a produção, assimilação, uso e difusão do conhecimento. (…) Capacidade inovativa deriva, portanto, da reunião de fatores específicos sociais, políticos, institucionais e culturais, e do meio em que os agentes econômicos operam (CASSIOLATO; LASTRES, 2008, p. 7).

De maneira simplificada, um sistema de inovação seria um conjunto de

instituições que contribuem para o desenvolvimento e difusão de novas tecnologias.

Nesse sentido, segundo Sbicca e Pelaez (2006), o sistema de inovação seria uma

ferramenta de intervenção governamental através da qual políticas de Estado podem

ser criadas e implementadas com a finalidade de influenciar o processo inovativo de

setores, regiões e nações.

Nessa designação, o Estado pode ser visto como um agente coordenador da

economia, estimulando a capacitação tecnológica através de políticas distintas –

como de definição de diretrizes para o sistema, geração de infraestrutura necessária

e de uma política de ciência e tecnologia adequada às aspirações de

desenvolvimento do país. A devida articulação desses atores acaba gerando um

Page 32: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

32

efeito sinérgico, visto que o progresso em determinada trajetória tecnológica é

marcado pela complementariedade entre os avanços dos atores envolvidos.

Conforme foi mencionado nas seções anteriores, a mudança de um

paradigma para outro cria janelas de oportunidade. Para que um país tenha êxito na

sua estratégia de catching up, é importante que se tenha construído um sistema de

inovação capaz de responder às necessidades específicas do paradigma vigente.

Nelson (2006) acredita que se tornará mais difícil definir e sustentar uma

indústria nacional devido à progressiva internacionalização do mundo. As diferenças

entre empresas tenderão a diminuir de importância porque o mundo está se

tornando mais unificado culturalmente. Por outro lado, as empresas dos países

avançados estão crescentemente forjando alianças com empresas de outros países,

a fim de partilhar custos e contornar barreiras criadas por políticas governamentais.

Diante desse cenário, governos terão de aprender a lidar com empresas

transnacionais para que possam definir estratégias de desenvolvimento efetivas.

Concordando com isso, Perez (2001) afirma que o sucesso em uma

estratégia de desenvolvimento para os países atrasados demandará alto nível de

cooperação entre empresas, e entre elas e o Estado. Nesse sentido, o Estado

poderia exercer sua liderança induzindo ações convergentes dos atores na direção

da mudança tecnológica; agindo como um ‘intermediário’ entre os diferentes níveis

domésticos e supranacionais.

Finalmente, dentro de uma análise do sistema nacional de inovação, é

observado que as políticas devem levar em consideração o lado sistêmico das

revoluções tecnológicas e a trajetória idiossincrática de cada país. Somente assim

será possível a criação de estruturas adequadas para um processo de

desenvolvimento de acordo com as especificidades de cada país. É justamente

devido a tal fato que a perspectiva histórica apresenta-se como importante elemento

de análise para os países buscando êxito em suas trajetórias de emparelhamento.

Page 33: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

33

3 A TRAJETÓRIA DE DESENVOLVIMENTO DO BRASIL DURANTE A

SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

A partir da Revolução Industrial na segunda metade do século XVIII

industrialização tornou-se sinônimo de progresso, crescimento e desenvolvimento.

Dentro da abordagem evolucionária, tal asserção torna-se ainda mais válida visto

que o setor industrial é o que geralmente possui maior capacidade inovativa dentro

da estrutura produtiva. Para Cano (2012, p. 2), “[…] não há, na história, nenhum país

que se desenvolveu prescindindo de uma generalizada industrialização e de um

forte e ativo papel de seu Estado Nacional”.

Seguindo essa concepção, ao longo do século XX, o Brasil assumiu uma

estratégia de desenvolvimento visando transformar sua economia

predominantemente agroexportadora para uma de base industrial. Depois da década

de 30 até pelo menos a década de 70, o país passou por um forte processo de

industrialização por meio de um modelo substitutivo de importações.

Barros de Castro (2003) divide essa trajetória em duas fases de catching up

distintas, que serão respectivamente tratadas na primeira e segunda seção do

capítulo.

A modernização da estrutura industrial brasileira, iniciada em torno de 1940 e

completa na década de 1980, é apontada pelo autor como resultante de um

processo inicial de catching up bem sucedido. Depois, a segunda fase de catching

up é caracterizada como a modernização da produção e absorção de melhorias

organizacionais e tecnológicas durante o período de abertura econômica, nos anos

1990.

De modo similar, Arend e Fonseca (2011) observam que o período de 1950-

1980 proporcionou o catching up brasileiro ao paradigma em maturação da quarta

revolução tecnológica através do recurso ao capital internacional. Contudo, ao

delegar às empresas multinacionais os setores-chave da dinâmica econômica

nacional durante esse período, o país tornou-se dependente tecnologicamente.

Assim, diante da irrupção da quinta revolução tecnológica nos países avançados e

das reformas liberais da década de 1990, o Brasil mostrou-se incapaz de competir

internacionalmente nos setores econômicos mais dinâmicos, ultimamente optando

Page 34: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

34

pela especialização em setores intensivos em recursos naturais, resultando em uma

queda na participação da indústria de transformação no PIB.

Feita a exposição da trajetória de desenvolvimento nas últimas décadas, a

terceira seção aborda o tema referente ao baixo dinamismo e dependência

tecnológica resultantes das estratégias adotadas pelo País. Isso é feito através de

uma análise das transformações passadas pela estrutura produtiva brasileira durante

o período recente.

Na quarta seção, diante da constatação da dependência tecnológica do

Brasil, é tratado do papel do Sistema Nacional de Inovações no que tange a

evolução tecnológica do país. É abordado o relativo atraso do conjunto de

instituições relacionadas à atividade inovativa com o intuito de complementar a

análise das repercussões da trajetória de desenvolvimento adotada.

O capítulo tem como objetivo fazer um breve relato acerca da trajetória de

desenvolvimento industrial do Brasil, além de analisar sua condição resultante.

Devido à importância dada para a análise histórica – e do fenômeno de path

dependence – pela abordagem evolucionária, tal exercício servirá como fundamento

para situar a condição do País em perspectiva internacional, sob o contexto da

quinta revolução tecnológica, no capítulo posterior.

3.1 A primeira fase de catching up brasileiro

De acordo com Versiani e Suzigan (1990), pode ser afirmado que somente a

partir da década de 1950 o Estado brasileiro passou a se empenhar na promoção do

desenvolvimento industrial do país. Contudo, é a partir de 1956/57 que pode ser

observada uma política deliberada e coordenada para a industrialização, com a

implementação do Plano de Metas.

O principal objetivo do Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek

(1957 – 1961) era o estabelecimento das bases de uma economia industrial madura

no país. Isso seria feito através de uma estratégia composta pelos seguintes

elementos:

Page 35: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

35

1) Uma articulação do papel do Estado ao capital privado,

estabelecendo metas para investimentos em infraestrutura e indústrias

consideradas estratégicas para o desenvolvimento do país, como dos

setores de insumos básicos, química, mecânica e elétrica pesadas,

materiais de transporte e bens de consumo duráveis;

2) Um sistema de proteção que resultou em elevação substancial do

protecionismo da indústria no mercado doméstico;

3) Financiamento ao investimento industrial;

4) E aumento da participação direta do Estado através de

investimentos nas indústrias de insumos básicos e infraestrutura.

Segundo Arend (2009), entre o segundo governo Vargas e o governo JK

ocorreu uma importante mudança na estratégia de desenvolvimento brasileiro.

Durante esse período – da década de 1950 – a estratégia deixa de ser nacional-

desenvolvimentista para fundamentar-se no desenvolvimentismo-internacionalista.

Diante dessa mudança, a estratégia de industrialização passa a basear-se em

políticas de incentivo e atração de recursos externos, principalmente de

investimentos estrangeiros diretos (IED).

A opção pela estratégia desenvolvimentista-internacionalista passou a condicionar fortemente a trajetória de crescimento econômico nacional, passando-se a depender, em maior magnitude, da presença do capital estrangeiro nos setores dinâmicos do processo de industrialização e da construção de arranjos financeiros alternativos atrelados ao movimento cíclico das finanças internacionais (AREND, 2009, p. 116).

Concomitante a esse período, a quarta revolução tecnológica transitava da

sua fase de sinergia (fase III) para maturidade (fase IV), na qual as indústrias-núcleo

começavam a apresentar retornos decrescentes em consequência da saturação dos

mercados de seus países de origem. Diante dessa situação, buscavam-se formas de

prolongar o ciclo de vida das indústrias características do paradigma – o que explica

a liquidez internacional que possibilitou a execução da estratégia brasileira.

A base tecnológica dinâmica da quarta revolução era caracterizada por uma

ênfase nos complexos metal-mecânico-químico. Consequentemente, os setores

mais dinâmicos desse paradigma seriam os relacionados a esses complexos, como

Page 36: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

36

a indústria automobilística e os setores de produtos químicos e petróleo. Conforme

pode ser observado no Quadro 2, foi justamente nesses setores que o Brasil mais

recebeu investimento externo direto.

Quadro 2 – Participação dos 10 principais setores no total dos estoques dos IEDs no Brasil,

em anos selecionados.

1950 1960

Energia elétrica: 27.1% Indústria automobilística: 11.4%

Petróleo: 12.9% Petróleo: 11%

Bancos: 6.9% Produtos químicos: 10.8%

Produtos químicos: 5.9% Metalurgia: 5.4%

Alimentos: 5.6% Alimentos: 5%

Aparelhos eletrônicos: 4.9% Farmacêuticos: 4.5%

Indústria automobilística: 3.2% Aparelhos eletrônicos: 4.3%

Metalurgia: 2.4% Siderurgia: 3.6%

Cimento: 2.3% Atividades comerciais: 3.3%

Farmacêuticos: 1.5% Autopeças: 2.8%

1970 1979

Indústria automobilística: 11.5% Produtos químicos básicos: 11.38%

Produtos químicos básicos: 10.9% Mecânica: 10.41%

Petróleo: 6% Material elétrico e comunicação: 8.79%

Aparelhos eletrônicos: 5.9% Metalurgia: 8.67%

Metalurgia: 5.5% Veículos automotores: 8.5%

Farmacêuticos: 4.8% Produtos medicinais, farmacêuticos e veterinários: 4.01%

Serviços liberais: 4.6% Autopeças: 3.1%

Energia elétrica: 4.4% Indústria extrativa mineral: 2.8%

Alimentos: 3.7% Siderurgia: 2.7%

Máquinas para a indústria: 3.4% Produtos alimentares: 2.6%

Fonte: Curado e Cruz (2008).

Conclui-se que o processo de industrialização pesada da economia brasileira

foi caracterizado pela concentração de investimentos em atividades industriais,

particularmente nas indústrias de transformação, de setores dinâmicos do paradigma

metal-mecânico-químico. Nesse sentido, percebe-se que a estratégia teve êxito no

sentido de proporcionar um emparelhamento ao paradigma em vigor já na década

de 1960.

Segundo Versiani e Suzigan (1990), no começo dos anos 1980 a estrutura

industrial brasileira já estava praticamente completa. Tal fenômeno foi alcançado sob

Page 37: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

37

uma estratégia de substituição de importações fortemente influenciada pelo Estado

através de políticas de proteção e promoção industrial. Contudo, a desvantagem do

modelo adotado é que a economia ficou extremamente fechada, mantendo as

indústrias nacionais longe da dinâmica do mercado internacional. O resultado desse

protecionismo exagerado e permanente foi o desenvolvimento de uma indústria com

elevado grau de ineficiência e, por isso, incapaz de competir interna e

internacionalmente, além de possuir pouca criatividade em termos tecnológicos.

Arend (2011) explica que conforme as trajetórias tecnológicas das indústrias-

núcleo do paradigma esgotam-se, a taxa de investimento tende a diminuir nos

países centrais. Devido a isso, o ‘dinheiro ocioso’ não para de crescer na fase de

maturidade. Nesse sentido, os períodos do ‘milagre brasileiro’ e do II PND foram

potencializados pela existência de liquidez internacional que compensou a

incapacidade do sistema financeiro nacional em ofertar financiamento de longo

prazo. Entretanto, essa dependência ao investimento estrangeiro diminuiria a

necessidade por esforços nacionais para a internalização de um núcleo endógeno

de desenvolvimento tecnológico, que viria a ser necessário para o ingresso

autônomo na revolução tecnológica seguinte.

A década de 1980 anuncia a chegada de um novo período de crescente divergência tecnológica mundial, anulando alguns avanços alcançados por muitos países periféricos no período anterior, em especial pelo Brasil. (…) Enquanto alguns países periféricos ainda estavam experimentando milagres tardios de sinergia com o paradigma vigente, outros já estavam avançando na fase de turbulências e tensões provocadas pela seguinte revolução tecnológica (AREND, 2011, p. 17).

Seguindo o paradigma da nova revolução, o eixo dinâmico da atividade

industrial nos países desenvolvidos deixou de ser o complexo metal-mecânico-

químico para ser o complexo eletrônico (relacionado ao paradigma microeletrônico).

Devido a tal acontecimento, além das novas indústrias do novo paradigma, as

indústrias-núcleo do paradigma anterior passaram por uma revitalização causada

pela implantação de práticas do novo paradigma, que reforçou as perspectivas de

lucro nos países-núcleo da nova revolução. Consequentemente, a capacidade das

indústrias desses países de absorverem o capital ocioso foi renovada, diminuindo as

perspectivas de financiamento externo para os países periféricos.

Page 38: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

38

Em contraposição aos países que conseguiram se adaptar ao paradigma

microeletrônico, houve um movimento de estagnação da participação dos setores

industriais mais dinâmicos da nova revolução na estrutura industrial brasileira. Isso

foi seguido por um aumento significativo da participação das indústrias

processadoras de recursos naturais, indicando uma tendência à especialização na

produção de commodities e queda na participação da indústria de transformação no

PIB, temas que serão tratados posteriormente no estudo.

Segundo Arend (2011), o Brasil levou ao extremo o recurso da poupança

externa. No momento em que cessou a liquidez internacional, foram evidenciadas as

debilidades internas da estratégia de delegação às empresas estrangeiras os

setores-chave da economia doméstica.

É diante da combinação do esgotamento da capacidade do Estado de

promoção do desenvolvimento industrial com a estagnação econômica no decorrer

da década de 1980 que novas propostas de política econômica passaram a ganhar

força no início dos anos 1990.

3.2 A abertura econômica e seus impactos sobre a indústria

Com o crescente agravamento do processo inflacionário e dos desequilíbrios

macroeconômicos, a década de 1990 coloca em pauta a ineficiência do Estado

como empresário. O protecionismo exagerado da economia brasileira, bem como as

dificuldades de gestão das contas públicas, abriu espaço para as reformas

neoliberais que resultariam na abertura comercial e financeira do país.

Com a crise fiscal dos anos 1980, o país abandona o regime de substituição de importações e entra na década de 1990 seguindo uma agenda de reformas liberalizantes na economia e com um programa de estabilização inflacionária bem-sucedido, o Plano Real. Em 1988, grande parte das barreiras não tarifárias foi abolida e algumas tarifas nominais foram reduzidas. Em 1990, o governo anunciou uma política comercial mais radical. Quase todas as barreiras não tarifárias foram abolidas, e a política comercial passou a basear-se somente nas tarifas de importação e na taxa de câmbio (MENEZES FILHO; KANNEBLEY JÚNIOR, 2013, p. 405).

Page 39: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

39

A abertura econômica pôs em evidência a fragilidade da estratégia de

desenvolvimento assumida pelo Brasil nas décadas anteriores. De acordo com

Versiani e Suzigan (1990), o mercado doméstico se manteve isolado durante muito

tempo da competição internacional e, embora tenha conseguido diversificar sua

economia e promover um emparelhamento à quarta revolução tecnológica, o país

não conseguiu alcançar nível satisfatório de competitividade internacional. Diante

desse cenário, as privatizações apresentaram-se como alternativas atrativas para

gerar eficiência e competitividade nos setores necessários da economia.

Segundo Arend (2009), a abertura comercial e financeira resultou em um

retorno para a estratégia de crescimento com poupança externa aos moldes do

ocorrido no Plano de Metas, conferindo ao capital internacional o papel de principal

agente transformador de uma estrutura industrial atrasada. Assim, o processo de

abertura econômica, como resultado de um movimento de empresas transnacionais

e capital estrangeiro, proporcionou ao Brasil uma segunda fase de catching up.

De acordo com Barros de Castro (2003), o princípio orientador dessa segunda

fase de catching up envolvia a ‘tropicalização’ dos produtos e processos que já

haviam sido dominados nas economias avançadas. O objetivo era induzir empresas

locais a produzirem imitações de bens importados a preços competitivos no mercado

doméstico, através da recombinação de recursos e aspectos já existentes na

economia.

Diferentemente do primeiro período de catching up, onde esforços foram

concentrados na criação de uma estrutura manufatureira, esse período pode ser

basicamente caracterizado como uma modernização da cesta de produtos

domésticos através da absorção de melhorias organizacionais e tecnológicas. Desse

modo, devido às dificuldades encontradas pelas empresas locais em competirem

internacionalmente, a estratégia adotada foi o foco no mercado doméstico.

Diante da ascensão do paradigma microeletrônico, o país mostrou-se incapaz

de ingressar de forma autônoma no novo paradigma. Dentro desse cenário, Arend e

Fonseca (2011) observam que junto da redução na participação dos setores mais

dinâmicos do novo paradigma houve uma redução na participação da indústria de

transformação no PIB, conforme exposto no Gráfico 1.

Page 40: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

40

0,00

10,00

20,00

30,00

40,00

50,00

VA - indústria VA - indústria de transformação

Fonte: Elaborado a partir de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2012).

Segundo os autores, essa queda de participação pode ser em parte explicada

pela re-especialização da economia em setores intensivos em recursos naturais, os

quais retiraram dinamismo da indústria e da totalidade da economia. Devido a essa

redução, a abertura econômica tornou o Brasil mais sensível aos choques externos,

sendo um forte aumento na taxa de juros a maneira utilizada para garantir

segurança à economia através da atração de capital estrangeiro.

Arend (2009) aponta que os fluxos estrangeiros recebidos pela economia

nacional durante esse período seriam característicos da fase de frenesi de uma

revolução tecnológica: possuíam caráter especulativo, não produzindo crescimento

nas taxas de investimento da economia. Ainda, apesar da crescente disponibilidade

de capital estrangeiro, grande parte concentrou-se no setor de serviços,

acompanhado por queda relativa no da indústria, vide Gráfico 2.

Gráfico 1 – Evolução da indústria de transformação como proporção percentual do PIB no

período (1970 – 2012), preços básicos.

Page 41: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

41

0,00

15.000,00

30.000,00

45.000,00

60.000,00

75.000,00

Indústria Serviços Agricultura, pecuária e extrativa mineral

Fonte: Elaboração a partir de dados do Banco Central do Brasil (2012).

Desse modo, o IED dos anos 1990 não foi capaz de substituir as importações,

nem promover um processo de catching up à quinta revolução tecnológica, já que se

concentrou no setor de serviços.

(…) acreditou-se que a atração de empresas transnacionais seria suficiente para integrar a economia brasileira no mundo globalizado e que elas trariam consigo a tecnologia necessária à modernização. Havia uma crença por parte dos formuladores de política de que, num mundo sem fronteiras, as informações, conhecimentos e tecnologias fluiriam livremente trazidos pelas empresas mais avançadas do mundo. Assim, o problema não se encontra tão somente na ideia de atrair o capital estrangeiro, mas nas formas como tal atração tem sido realizada (CASSIOLATO, 2001, p. 22).

Dentro desse cenário, em oposição à continuidade do processo de catching

up, um processo de falling behind12 marcou a trajetória da indústria brasileira nas

últimas décadas. Segundo Arend e Fonseca (2011), devido à estratégia de catching

12

No sentido de ficar pra trás na trajetória de desenvolvimento.

Gráfico 2 – Participação setorial dos fluxos de investimentos estrangeiros diretos no período

1995-2012 – em milhões de US$.

Page 42: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

42

up tecnológico sem a internalização dos motores de crescimento dos paradigmas

tecnológicos vigentes, o país ingressou em uma relativa estagnação de suas taxas

de crescimento, restrição externa, desindustrialização precoce e atraso tecnológico.

3.3 Transformações recentes na estrutura produtiva brasileira

Conforme foi exposto nas seções anteriores, diante da ascensão da quinta

revolução tecnológica, a indústria brasileira mostrou-se incapaz de ingressar de

forma madura no novo paradigma e competir com as empresas dos países-núcleo.

Isso foi resultado da estratégia de industrialização adotada pelo país – substitutiva

de importações – com alta recorrência às tecnologias importadas e sem criação de

um núcleo endógeno de desenvolvimento tecnológico.

Feita a exposição da trajetória de desenvolvimento do país nas últimas

décadas, o próximo passo é abordar o tema referente ao baixo dinamismo e

dependência tecnológica resultantes desse processo. Isso será feito através de uma

análise das transformações passadas pela estrutura produtiva brasileira nos últimos

anos.

Diante das relativas baixas taxas de crescimento e redução da participação

do setor industrial no valor agregado à economia, na década de 1990 começa a

surgir na literatura acadêmica forte discussão acerca do país estar passando por um

processo de desindustrialização.

Para Palma (2003), a desindustrialização brasileira pode ser caracterizada

como ‘precoce’, no sentido de que teria ocorrido antes do país atingir um nível de

renda per capita equivalente ao de quando os países desenvolvidos começaram

seus processos de desindustrialização – considerados naturais. Dessa forma, o

fenômeno não pode ser visto como uma consequência inteiramente positiva do

processo de desenvolvimento, e sim como algo possivelmente negativo.

De forma complementar, um estudo do IEDI (2007) aponta que o processo de

desindustrialização brasileiro pode ser caracterizado como relativo devido a três

aspectos: o primeiro seria que a taxa de crescimento da indústria tem se situado em

Page 43: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

43

níveis bem inferiores aos de outras economias emergentes; o segundo está

relacionado ao fato do crescimento do setor industrial ter sido menor que dos outros

setores; e o terceiro que dentro do setor industrial os setores tradicionais vêm

perdendo peso para setores intensivos em recursos naturais, de menor intensidade

tecnológica.

Conforme pode ser observado no Gráfico 3, a participação da indústria

brasileira no valor agregado total da economia pouco variou durante 1996 e 2011,

além de manter-se abaixo de 25% do PIB por grande parte do período. Em

contraste, tanto a China quanto a Coreia do Sul tiveram uma elevação na

participação das suas indústrias no PIB, que em 1996 já se encontrava em níveis

elevados – 45% e 35%, respectivamente. Comparando a trajetória do Brasil com a

dos demais países, percebe-se que a mesma apresenta comportamento muito mais

próximo dos países desenvolvidos, os quais vêm passando por um processo de

desindustrialização positiva13, do que das economias em desenvolvimento.

Finalmente, a constante queda de participação da indústria brasileira na última

década, enquanto que tanto a média de participação da indústria no mundo quanto

nos países em desenvolvimento vêm crescendo, acaba confirmando a primeira

asserção do estudo do IEDI de 2007.

13

A desindustrialização positiva é caracterizada pelo processo de amadurecimento da economia, em

que a maior produtividade da indústria reduziria custos e o valor da produção com respeito ao restante da economia. Dessa maneira, ao atingir elevados níveis no PIB per capita, uma maior participação do setor de serviços no PIB torna-se uma trajetória natural.

Page 44: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

44

Gráfico 3 – Participação percentual da indústria no valor adicionado total, 1996 – 2011.

15,00%

20,00%

25,00%

30,00%

35,00%

40,00%

45,00%

50,00%

Brasil Estados Unidos Desenvolvidos

Coréia do Sul China Em Desenvolvimento

Mundo

Fonte: Elaborado a partir de dados da UNCTADstat (2011).

Seguindo a argumentação do IEDI, o Gráfico 4 expõe a queda de peso da

indústria brasileira em relação aos demais setores da economia. Observa-se um

aumento significativo na participação do setor de serviços no valor adicionado ao

PIB. Além disso, o gráfico mostra que tal processo não é recente, e que vem

acontecendo desde meados dos anos 1980, quando o paradigma microeletrônico já

se espalhava dentro dos países-núcleo da quinta revolução tecnológica.

Segundo Cassiolato (2001), a indústria nacional passa a se defrontar com as

mudanças relacionadas à nova revolução tecnológica já no início dos anos 1980.

Enquanto que nos países-núcleo da revolução observa-se um aumento significativo

na participação dos setores do complexo eletrônico no valor adicionado ao PIB, no

Brasil, além de uma redução dessa participação, também ocorre um retrocesso na

participação dos setores industriais mais dinâmicos da estrutura industrial do país,

ou seja, dos setores mais intensivos em tecnologia.

Page 45: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

45

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Agropecuária Indústria Serviços

Fonte: Elaborado a partir de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2012).

Finalmente, dentro do setor industrial, os setores mais intensivos em

tecnologia vêm perdendo participação para as indústrias menos dinâmicas. Diante

do Gráfico 5, pode ser observado que menos de um terço da produção industrial

brasileira decorre de setores intensivos em alta e média-alta tecnologia. Ainda,

analisando a evolução durante o período, constata-se que as indústrias de baixa e

média-baixa tecnologia realmente vêm ganhando participação em detrimento das

mais avançadas. Dentro desse processo, a indústria de alta tecnologia mostra-se a

mais lesada, enquanto que a indústria extrativa vem ganhando participação,

justificando a preocupação dos estudiosos sobre o retorno à especialização do Brasil

em setores intensivos em recursos naturais.

Gráfico 4 – Valor agregado pelos setores ao PIB (a preços básicos), 1947 – 2012.

Page 46: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

46

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Indústria de alta tecnologia (AT) Indústria de média-alta tecnologia (MAT)

Indústria de média-baixa tecnologia (MBT) Indústria de baixa tecnologia (BT)

Indústria extrativa Não se enquadram na classificação

Fonte: Elaborado a partir de dados da Pesquisa Industrial Anual – IBGE (2011) com base na taxonomia da OCDE (2011)

14.

Diante dos gráficos anteriores, pode ser constatado que o país vem passando

por um processo de desindustrialização relativa. O IEDI (2008, p. 6) afirma que uma

primeira análise dos impactos da abertura econômica sobre as transformações na

estrutura produtiva aponta para um aumento na capacidade de competir e nas taxas

de crescimento da produtividade nacional. Contudo, esse processo tem ocorrido à

custa de descontinuidades em cadeias produtivas industriais, marcada pela perda de

peso da indústria no PIB.

Para Schymura e Canêdo Pinheiro (2013), o risco da desindustrialização é

preocupante devido a três aspectos considerados potencialmente danosos à

economia: queda de produtividade; diminuição do dinamismo econômico em virtude

de um menor encadeamento entre os setores; e redução das externalidades locais,

14

O ano de 2007 é repetido devido às mudanças na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) no ano de 2006. A categoria ‘não se enquadram na classificação’ engloba os setores que são classificados como industriais pela PIA, mas que não são considerados pela classificação OCDE.

Gráfico 5 – Composição da estrutura industrial brasileira (VTI ) por intensidade tecnológica a

preços constantes de 2007 (milhões R$), 1996 – 2011.

Page 47: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

47

associadas à atividade de pesquisa e desenvolvimento. Assim, além da perda de

peso relativo da indústria na economia gerar perda de produtividade, também acaba

diminuindo a integração entre os setores nos quesitos produção e conhecimento.

Consequentemente, o processo resulta em menor capacidade de adaptação às

novas práticas e tecnologias, aprofundando a situação de dependência tecnológica.

Feitas as comparações necessárias acerca da participação setorial da

indústria no valor agregado da economia, o passo seguinte consiste em investigar se

vêm ocorrendo perdas de elos nas cadeias produtivas, que resultaria em um

decréscimo na capacidade da indústria de dinamizar a economia. Para isso, será

analisado o comportamento da densidade produtiva brasileira utilizando-se da

variável VTI/VBPI15, onde uma queda na razão reflete aumento do conteúdo

importado na produção nacional, indicando que atividades antes realizadas em solo

nacional têm sido substituídas por importações.

Como pode ser observado no Gráfico 6, com exceção do grupo das indústrias

de média-baixa intensidade tecnológica (MBT), todos os outros grupos regrediram

em termos de densidade produtiva em relação ao ano de 1996. Além disso, o fato da

densidade produtiva da indústria de transformação como um todo ter sofrido um

decréscimo de 5% durante o período mostra que o setor de média-baixa tecnologia

não foi capaz de compensar a queda dos demais setores. Cabe ressaltar que a

maior redução – de 20% – se deu no setor capaz de gerar maior dinamismo: o de

alta intensidade tecnológica.

15

Enquanto o VBPI (Valor Bruto de Produção Industrial) indica o valor das vendas totais de determinado segmento ajustado pela variação de estoques, o VTI (Valor de Transformação Industrial) é uma proxy específica do valor adicionado, tendo em vista que ela é o resultado da diferença entre o VBPI e os custos das operações industrais, tais como gastos com matéria-prima, peças e combustíveis (IBGE, 2004). A variável VTI/VBPI, por sua vez, é normalmente utilizada como proxy da densidade do tecido industrial, de forma que, quanto maior a relação, mais a produção é intensiva em valor agregado gerado no próprio país.

Page 48: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

48

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 20072007

*2008 2009 2010 2011

AT 113% 113% 107% 101% 100% 101% 103% 97% 95% 96% 99% 101% 100% 96% 96% 93% 93%

MAT 95% 94% 93% 89% 86% 86% 87% 84% 83% 79% 81% 84% 84% 84% 85% 84% 84%

MBT 105% 103% 108% 116% 121% 119% 119% 122% 123% 123% 120% 118% 118% 117% 117% 113% 111%

BT 98% 99% 97% 95% 94% 96% 94% 95% 95% 96% 97% 96% 94% 93% 95% 94% 93%

TOTAL IT 100% 99% 99% 99% 99% 99% 99% 99% 99% 99% 99% 99% 99% 98% 98% 96% 95%

75%

80%

85%

90%

95%

100%

105%

110%

115%

120%

125%

Fonte: Elaborado a partir de dados da Pesquisa Industrial Anual – IBGE (2011) com base na taxonomia da OCDE (2011).

Assim, a análise dos dados da relação VTI/VBPI aponta uma trajetória

decrescente para o Brasil no tocante à capacidade industrial de incorporação de

valor agregado na economia. Isso indica uma redução na capacidade das indústrias

nacionais de dinamizarem a economia, que reflete perdas de elos nas cadeias

produtivas dos ramos industriais que sofreram regressão. Ainda, através da redução

na densidade produtiva, pode-se afirmar que as indústrias do País se aproximam

mais de uma caracterização de ‘maquiladoras’ – indústrias que montam

componentes importados, gerando pouco valor.

Feitas tais considerações, percebe-se que a participação dos setores mais

intensivos em tecnologia vem decaindo juntamente do setor industrial como um todo.

Acompanhando esse movimento, foi observado um crescimento no peso dos setores

industriais de menor intensidade tecnológica e dos setores de serviços,

caracterizando um processo de desindustrialização precoce da economia brasileira.

Gráfico 6 – Evolução da densidade produtiva brasileira (VTI/VBPI) por intensidade tecnológica a preços constantes de 2007 (milhões R$), 1996 – 2011.

Page 49: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

49

Dessa maneira, tanto o processo inicial de catching up, que estabeleceu a

estrutura produtiva nacional, quanto a modernização desencadeada durante o

período de abertura econômica tiveram relativo êxito na transformação da estrutura

produtiva brasileira. Contudo, essa transformação ultimamente diminuiu o dinamismo

produtivo e aprofundou a dependência tecnológica do país ao meio externo.

3.4 Dependência tecnológica e o atraso do Sistema Nacional de Inovação

Conforme foi abordado no segundo capítulo deste estudo, a inovação pode

ser apontada como força motora do desenvolvimento, tanto do sistema capitalista

quanto das economias nacionais. Ao buscar uma análise evolucionária do

desenvolvimento tecnológico, a perspectiva histórica apresenta-se como elemento

fundamental ao mesmo tempo em que a abordagem do Sistema Nacional de

Inovação (SNI) garante caráter doméstico ao estudo.

Da combinação desses dois elementos – da perspectiva história e do caráter

nacional da abordagem do SNI – obtém-se que a construção das interações entre as

instituições características de um sistema de inovação é resultado de um longo

processo. Nele, pelo menos cinco elementos podem ser citados: 1) a preparação de

instituições monetárias e financeiras que viabilizem a criação e funcionamento de

firmas e instituições geradoras de conhecimento; 2) a construção das instituições

relevantes (universidades, institutos de pesquisa, empresas e seus laboratórios de

P&D); 3) a construção de mecanismos de interação entre as instituições monetárias

e as gerados de conhecimento; 4) o desenvolvimento dessa interação; 5) e a

consolidação da própria (SUZIGAN; ALBUQUERQUE, 2007).

Ao analisar o desenvolvimento do SNI brasileiro, Suzigan e Albuquerque

(2007) afirmam que esse se encontra em estágio precário, fato que pôde ser

verificado observando o atraso tecnológico da estrutura produtiva na seção anterior.

Segundo os autores, o país ocupa uma posição intermediária em termos de

construção do SNI, caracterizada por um baixo envolvimento por parte das

empresas em atividades inovativas e pela existência de instituições de pesquisa e

Page 50: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

50

ensino, mas sem capacidade de mobilizar a mesma proporção de capital humano

que os países mais desenvolvidos.

As causas desse atraso relativo podem ser encontradas na análise da

trajetória tecnológica brasileira: a sua estratégia de industrialização demandou

pouco do contingente científico doméstico. Inicialmente isso se deu devido ao

atrelamento do sistema monetário e financeiro ao setor exportador16. Já durante o

período de industrialização pesada até o fim dos anos 1980, a causa se situa no

protecionismo exagerado e na delegação dos setores mais dinâmicos da economia

às empresas multinacionais. E, a partir da década de 1990, podem ser apontadas as

descontinuidades de políticas públicas e a prioridade à estabilização

macroeconômica como causas do caráter tardio da construção das instituições do

SNI brasileiro.

Em suma, tais características determinam um padrão tecnológico predominante que apresentava poucas demandas sobre o sistema científico e universitário. As universidades permaneceram como instituições de ensino. A combinação ensino-pesquisa só é sistematizada no Brasil a partir das décadas de 1960 e 1970, quando começam a ser estruturados programas de pós-graduação (SUZIGAN; ALBUQUERQUE, 2007).

Baseado na ideia de que a força motora da industrialização retardatária é o

aprendizado tecnológico, Viotti (2002) atualiza o conceito de SNI para de Sistema

Nacional de Aprendizado (SNA). Devido ao fato dos países atrasados não

possuírem capacidade de geração tecnológica na mesma proporção dos

desenvolvidos, o foco para os primeiros passa a ser a absorção e internalização das

inovações já produzidas em outros locais. Para o autor, isso seria uma situação

transitória que duraria até que fossem construídas as capacidades inovativas

necessárias para que o país desenvolva tecnologias por conta própria.

Em última análise, o sucesso ou malogro parecem depender das combinações de diferentes arranjos e políticas institucionais, na medida que estes, por um lado, afetam os processos de aprendizado dos indivíduos e das organizações, e influenciam os processos de seleção (inclusive,

16

O desenvolvimento do sistema monetário e financeiro está diretamente relacionado com o desenvolvimento das capacidades de geração de novas combinações de um país: quanto maiores as possibilidades de financiamento, maiores as chances de os agentes econômicos assumirem a função de empresário schumpeteriano.

Page 51: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

51

naturalmente, a concorrência no mercado), pelo outro (CIMOLI; DOSI; NELSON; STIGLITZ, 2007, p. 71).

Desse modo, o êxito em uma trajetória de catching up depende, em grande

medida da presença ativa do Estado como agente coordenador da estratégia de

aprendizado tecnológico.

A partir do estudo feito por Viotti (2002), comparando os SNA brasileiro e sul-

coreano, observa-se que o primeiro país possuiu uma postura passiva em relação ao

aprendizado tecnológico, relegando ao Estado o papel de agente inovador da

economia. O segundo foi mais ativo, alocando um volume de recursos como

proporção do PIB cinco vezes maiores que o sistema brasileiro, e apontando a

iniciativa privada como agente inovador da economia através de políticas industriais

de estímulo ao investimento em P&D17.

O autor aponta que a dependência brasileira ao financiamento externo parece

estar relacionada à estratégia de aprendizado passiva18 adotada pelo país. Segundo

Viotti, isso ocorre porque as empresas subsidiárias geralmente importam tecnologia

das suas matrizes sem que ocorra um processo de pesquisa e desenvolvimento

local. Ainda, dentro desse cenário, a tecnologia importada geralmente é apenas a

necessária para a produção do bem, resultando em uma estratégia de aprendizado

passivo para as empresas locais caso ocorra transferência de tecnologia no meio.

De modo complementar, Pereira (2010) afirma que a relação estabelecida

entre as empresas transnacionais e seus parceiros locais ultimamente limitou a

difusão do conhecimento, restringindo o processo de aprendizado nacional, devido

ao fato da mesma ter se concentrado no conhecimento codificado19. Para o autor, a

atuação das empresas transnacionais teve um efeito restritivo sobre as inovações

17

Ver Anexo A. 18

Para o autor, esse é o tipo de estratégia geralmente adotado pelos países em desenvolvimento. O aprendizado passivo caracteriza-se pela estratégia na qual o esforço tecnológico envolvido é voltado apenas para a absorção de capacidades produtivas. Em contraste, o aprendizado ativo é marcado por uma estratégia que busca o domínio da capacidade produtiva juntamente da capacidade de aperfeiçoamento tecnológico. Desse modo, a segunda estratégia apresenta-se como um possível caminho para a superação da dependência tecnológica de um país, já que internaliza a tecnologia absorvida, enquanto a segunda simplesmente utiliza-se da nova tecnologia como forma de atualização produtiva, mantendo o país dependente de sucessivas atualizações tecnológicas. 19

Conhecimento que pode ser armazenado e transmitido para outras fontes, geralmente está relacionado ao conhecimento da fase final (IV) do ciclo de vida de uma tecnologia.

Page 52: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

52

institucionais, reduzindo as ‘janelas de oportunidade’ de emparelhamento

tecnológico com o paradigma microeletrônico por parte das grandes empresas

nacionais, devido à condição de ‘seguidoras’ para qual foram relegadas.

Constata-se, nessa seção, que caso um país almeje se aproximar da fronteira

tecnológica, esse deve construir um conjunto de instituições fortes com a finalidade

de possibilitar a internalização das tecnologias adquiridas. Contudo, essa não é uma

tarefa simples visto que é necessário um planejamento longo prazo acompanhado

de uma continuidade na estratégia assumida, de modo a não ser prejudicada por

mudanças de governo e crises econômicas, por exemplo.

Um elemento fundamental dos países que conseguiram equiparar-se com sucesso aos países líderes durante os séculos XIX e XX residiu no ativo apoio governamental ao processo de emparelhamento, envolvendo várias formas de proteção e subsídios diretos ou indiretos. O argumento condutor dessas políticas foi a necessidade sentida pela indústria local, nos ramos então considerados críticos para o processo de desenvolvimento (CIMOLI; DOSI; NELSON; STIGLITZ, 2007, p. 66).

No caso brasileiro, pôde ser observado que a sua trajetória de

desenvolvimento tecnológico não teve apenas repercussões sobre a estrutura

produtiva nacional, mas também sobre o conjunto de instituições capazes de

fomentar a atividade inovativa. Essa pode ser apontada como uma das principais

razões para a existência de uma inclinação nacional à continuidade da dependência

tecnológica, dificultando o processo de catching up.

Page 53: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

53

4 A CONDIÇÃO BRASILEIRA DIANTE DA QUINTA REVOLUÇÃO

TECNOLÓGICA

Durante os últimos anos pôde ser observado um rápido crescimento da

interdependência econômica entre os países devido ao aumento no tráfico global de

mercadorias, serviços, tecnologia e capital. É indubitável assumir que um dos

principais catalisadores para a intensificação do atual processo de globalização está

relacionado com a ascensão do paradigma da informação e comunicações. De

acordo com Perez (2002), os produtos da nova revolução permitiram a flexibilização

da produção e as organizações em rede, além de revelarem novas oportunidades

para inovação e diversificação de todo o processo produtivo.

Os capítulos anteriores delinearam as características fundamentais da análise

evolucionária e a trajetória de desenvolvimento brasileira nas últimas décadas,

respectivamente. Tomando isso como base, esse capítulo busca compreender qual

a posição relativa do país no cenário internacional em termos de desenvolvimento

econômico e tecnológico.

Antes de começar a análise por si só, a primeira seção esboça as principais

características da quinta revolução tecnológica – a Era da Informação e

Comunicações, segundo Perez (2002). A compreensão dos aspectos mais

relevantes do paradigma tem como meta facilitar a análise comparativa feita nas

seções subsequentes.

A segunda seção do capítulo busca situar a condição da estrutura produtiva

brasileira no contexto internacional. Para isso, serão feitas comparações em termos

da produção industrial, englobando a valor agregado pela produção industrial

nacional mundialmente.

Complementarmente, diante de um mundo cada vez mais integrado em

termos de comércio internacional, será analisada a balança comercial brasileira,

seguindo os moldes analíticos da seção anterior. O exercício da terceira seção tem

como objetivo compreender em quais setores o país vem se especializando, de

modo a melhor situar o país na dinâmica internacional.

Page 54: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

54

4.1 Características da quinta revolução tecnológica

Praticamente meio século se passara desde o anúncio do microprocessador

da Intel, em Santa Clara nos Estados Unidos, em 1971, e é quase impossível

encontrar uma esfera da sociedade que não tenha sido permeada pelos novos

produtos e processos desencadeados pela Era da Informação e Comunicações.

Microeletrônica, computadores, softwares, telecomunicações digitais, novos insumos

e biotecnologia não apenas revitalizaram e modernizaram a estrutura produtiva dos

países, mas também possibilitaram transações comerciais quase instantâneas nas

mais diversas partes do globo.

Outro aspecto diretamente relacionado com o advento da quinta revolução é a

mudança de perspectiva em relação à importância da informação e conhecimento,

vistos como capital de valor intangível. A obtenção de know-how (ou saber fazer),

que no paradigma anterior era pouco valorizado, tornou-se prioritário para pessoas,

empresas e países permanecerem competitivos em um mundo cada vez mais

interconectado.

A partir de meados dos anos 1970 o mundo vem experimentando a Revolução Tecnológica da Informação e Comunicações, e a mudança de paradigma resultante tem mudado radicalmente as janelas de oportunidade para todos participantes. Possibilitou modos de produção e organizações em rede flexíveis; induziu e facilitou a globalização, a desagregação das cadeias de valor e a terceirização; tornou possível o catching-up (e até mesmo forging ahead) no mundo em desenvolvimento e abriu novas oportunidades para inovação e diversificação ao longo de todo escopo produtivo (PEREZ, 2012, p. 5).

Para Carlota Perez (2010), a flexibilidade adquirida através da informática

liberou as empresas da necessidade de buscarem produtos idênticos. Chamado de

hiper-segmentação dos mercados, esse fenômeno possibilitou a oferta de produtos

aos mais diferentes nichos de mercado. Dentro disso, tornou-se possível às

pequenas empresas o fornecimento de produtos e serviços para nichos específicos,

além de incentivar empresas globais a decomporem suas atividades e terceirizarem-

nas, tanto na forma tangível quanto intangível, através da Internet.

Page 55: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

55

Complementar à hiper-segmentação dos mercados, Perez (2010) aponta dois

outros processos. Por um lado, grandes volumes de insumos básicos agora podem

ser produzidos a taxas altíssimas de produtividade, resultando em uma queda no

preço dos mesmos a ponto de poderem ser considerados commodities.

Concomitante a isso, a ‘customização em massa’ permite a adaptação dessas

commodities industrializadas de acordo com a preferência dos clientes, gerando

infinitas possibilidades de mercados, em contraposição à tradicional produção

buscando a satisfação do maior número de consumidores possível e, assim,

reduzindo os custos de produção.

A hiper-segmentação dos mercados apresenta-se como uma das maiores

diferenças entre o paradigma em vigor e seu predecessor. Enquanto que o modelo

de produção em massa focou-se em economias de escala, marcadas por produtos

idênticos, o modelo de produção flexível concentra-se em economias de escopo,

escala e especialização, ao lidar com diversos produtos customizáveis atendendo às

distinções nacionais, religiosas, educacionais, culturais, etc.

No que diz respeito ao valor do conhecimento, como foi dito anteriormente, o

paradigma da quarta revolução tecnológica girava em torno da mão-de-obra

executando tarefas repetitivas com baixo valor intangível agregado. Em

contrapartida, no paradigma atual existe forte incentivo para a qualificação da mão-

de-obra, almejando atingir maior produtividade através da utilização da criatividade e

conhecimento de todos os funcionários.

Finalmente, resultante da valorização do conhecimento, a partir dos anos

1990 pode ser apontado um renascimento do interesse em políticas de ciência e

tecnologia. Dentro desse quadro, a noção do Sistema Nacional de Inovação

apresenta-se como importante ferramenta de ligação entre os interesses tanto do

Estado com o mercado quanto do meio nacional com o internacional.

Page 56: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

56

4.2 A estrutura produtiva brasileira sob perspectiva internacional

Na última seção do capítulo anterior o assunto sobre a posição da indústria

brasileira no cenário internacional foi brevemente tratado com o intuito de ilustrar os

aspectos característicos do processo de desindustrialização relativa pelo qual o país

vem passando. De modo complementar, a presente seção busca fazer uma

comparação internacional da estrutura produtiva nacional. Para isso, a condição do

Brasil será comparada com um seleto grupo de países considerados relevantes.

Devido ao fato da análise buscar uma reflexão da condição do país dentro do

paradigma tecno-econômico vigente, os Estados Unidos e Japão serão utilizados

como modelos de países na fronteira tecnológica. Ademais, China e Coreia do Sul

são inclusos devido ao fato de serem considerados países em desenvolvimento que

obtiveram grau satisfatório de sucesso em suas estratégias de catching up. Ainda,

as diferenças de tamanho de mercado e taxas de crescimento entre os países de

cada grupo auxiliam em um melhor posicionamento relativo da economia brasileira.

Conforme foi exposto no capítulo anterior, em termos de valor agregado pela

indústria, a comparação da trajetória nacional com a de outros países mostrou

comportamento muito mais próximo dos países desenvolvidos que dos em

desenvolvimento. O Gráfico 7 busca aprofundar essa comparação, colocando a

produção industrial nacional sobre o valor adicionado global, buscando distinguir a

participação e trajetória brasileira da dos países desenvolvidos.

No gráfico pode ser observado um declínio relativo da participação industrial

dos Estados Unidos e Japão, enquanto que a potência emergente chinesa vem se

industrializando de modo acelerado, ocupando mais e mais espaço no valor

adicionado global. O gráfico também mostra a diferença nas estruturas produtivas

brasileira e dos países em desenvolvimento: enquanto o País vem se

desindustrializando sem possuir participação relevante no produto industrial global, o

Japão e Estados Unidos passam pelo processo em níveis muito mais elevados.

Page 57: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

57

0,00%

5,00%

10,00%

15,00%

20,00%

25,00%

30,00%

Brasil China Japão Coréia do Sul Estados Unidos

Fonte: Elaborado a partir de dados do UNCTADStat (2011).

Apesar da Coreia do Sul vir se industrializando nos últimos anos, o país

possui menor participação no valor agregado mundial que a economia brasileira.

Isso pode ser explicado pelo fato do Brasil possuir uma economia muito maior que a

coreana, sendo essa quase metade da brasileira. Ao comparar os países em termos

menos agregados – como o valor adicionado pela indústria de transformação dentro

de cada país específico (Gráfico 8) – percebe-se uma situação inteiramente

diferente: a participação do setor de transformação na economia brasileira vem se

reduzindo com o passar dos anos enquanto que o oposto ocorre na economia

coreana. Isso acaba enfatizando a diferença nas trajetórias de desenvolvimento

industrial adotadas pelos dois países: enquanto o Brasil obteve êxito em um

processo inicial de catching up, o mesmo estagnou devido à estratégia adotada –

sem a internalização dos motores de crescimento das revoluções tecnológicas

vigentes –, a Coréia do Sul industrializou-se de forma mais madura e,

consequentemente, foi capaz de se inserir de forma mais dinâmica na economia

mundial, conseguindo competir com países avançados ou com mercados maiores.

Gráfico 7 – Participação percentual da indústria sobre o valor adicionado global durante o

período de 1996 – 2011: países selecionados.

Page 58: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

58

0,00%

5,00%

10,00%

15,00%

20,00%

25,00%

30,00%

35,00%

Brasil Estados Unidos Japão Coréia do Sul China

Fonte: Elaborado a partir de dados do UNCTADStat (2011).

Buscando uma melhor avaliação da posição relativa da indústria brasileira em

termos da quinta revoluções tecnológica, o Gráfico 9 demonstra a participação dos

setores do complexo eletrônico20 no valor adicionado à indústria de transformação

dos países selecionados, nos anos de 2000 e 2011. Segundo os dados, é possível

ver a forte divergência existente entre o Brasil e os demais países – tanto com os em

desenvolvimento quanto com as economias da fronteira tecnológica. De acordo com

o gráfico, pode ser apontado que o processo de industrialização das economias

emergentes, China e Coreia do Sul, teve grande sucesso no emparelhamento à

fronteira tecnológica, vide os expressivos níveis de participação dos setores do

complexo eletrônico em suas economias.

20

No grupo estão inclusos os setores de fabricação de: máquinas para escritório e equipamentos de informática; produtos relacionados ao controle, distribuição e acumulação de energia elétrica; material eletrônico básico; aparelhos e equipamentos de telefonia e radiotelefonia e de transmissores de televisão e rádio; e aparelhos receptores de rádio e televisão e de reprodução, gravação ou amplificação de som e vídeo.

Gráfico 8 – Evolução da participação da indústria de transformação no PIB durante o período

de 1996 – 2011: países selecionados.

Page 59: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

59

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

Brasil China Coréia do Sul Japão EUA

2000

2011

Fonte: Elaborado a partir de dados da UNIDO (2011).

Analisando o gráfico, vê-se que a participação do complexo eletrônico na

estrutura industrial brasileira foi reduzida à praticamente dois terços do valor

referente ao início dos anos 2000. De forma complementar, houve uma elevação na

participação dos setores de menor intensidade tecnológica, como pôde ser

observado na análise da densidade produtiva brasileira no capítulo anterior,

indicando que o processo de desindustrialização do país vem ocorrendo à custa da

redução na participação do complexo eletrônico.

Portanto, de acordo com o que foi analisado na seção, podemos apontar

algumas conclusões. Primeiramente, percebe-se que apesar do Brasil ser

classificado como a sexta maior economia mundial, sua indústria apresenta

participação muito baixa, tanto em relação aos países representantes da fronteira

tecnológica, quanto aos países emergentes selecionados para o comparativo. Ainda,

é observada uma retração no valor adicionado à economia brasileira pela indústria

de transformação e, dentro dessa, pelos setores do complexo eletrônico, indicando

que o país não só continua tendo dificuldades em ingressar no paradigma em vigor,

mas que também não tem medido esforços para isso.

Gráfico 9 – Valor adicionado às manufaturas pelos setores de material eletrônico e de

aparelhos e equipamentos de comunicações nos anos de 2000 e 2011: países selecionados.

Page 60: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

60

De maneira complementar, é observado um ganho de participação da

indústria extrativa e do setor de média-baixa intensidade tecnológica, composto por

indústrias de baixa tecnologia do complexo metal-mecânico-químico. Levando em

consideração a queda na densidade produtiva dos produtos de maior intensidade

tecnológica, constata-se que a dependência na produção de bens de baixa

intensidade tecnológica teve como consequência direta a redução do dinamismo da

economia nacional, tornando o país menos competitivo internacionalmente.

4.3 Análise do conteúdo tecnológico do comércio exterior

Situada a estrutura produtiva brasileira tanto em relação ao cenário

internacional quanto ao paradigma tecno-econômico em vigor, essa seção apresenta

a dinâmica recente do comércio exterior do setor industrial do país. Essa análise,

apesar de complementar à seção anterior, torna-se relevante devido ao fenômeno

da hiper-segmentação dos mercados.

Diante da hiper-segmentação dos mercados, característica marcante do

paradigma em vigor, existe a possibilidade dos países utilizarem-se da abundância e

alta produtividade das commodities industrializadas como base para outras

atividades da estrutura produtiva. A partir do que foi apresentado até agora, sabe-se

que a posição do Brasil nessa dinâmica é a de exportação de matérias-primas

buscando importar bens de maior intensidade tecnológica. Tendo isso em mente, o

objetivo da seção é delinear os efeitos de tal posicionamento sobre a balança

comercial nacional.

Uma primeira análise da evolução da balança comercial brasileira aponta que,

apesar dos déficits crescentes da indústria de transformação a partir do ano de

2008, a mesma apresentou superávits por grande parte do período. Isso se deu

devido ao bom desempenho das exportações de bens provenientes da extração

mineral e da atividade agropecuária. Contudo, a partir de 2012 percebe-se uma

queda na balança comercial desses produtos que combinada aos elevados déficits

da indústria de transformação resultou em um déficit no montante de US$ 5,2

bilhões – o primeiro saldo negativo desde 2001, conforme o Gráfico 10.

Page 61: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

61

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Ind. Transf. -0,5 -1,5 -2,2 -1,5 -0,2 -1,4 0,4 2,7 4,1 6,9 6,4 5,5 -0,2 -2,7 -7,1 -10,0 -13,3 -16,3

Demais prod. 0,0 0,6 0,3 0,6 0,2 0,7 0,6 1,1 2,1 1,5 3,0 3,2 3,0 5,7 8,0 13,2 15,7 11,2

TOTAL -0,5 -0,8 -1,8 -0,8 0,0 -0,7 1,0 3,8 6,2 8,4 9,3 8,7 2,8 3,0 0,9 3,2 2,4 -5,1

-18,0

-15,0

-12,0

-9,0

-6,0

-3,0

0,0

3,0

6,0

9,0

12,0

15,0

18,0

Fonte: Elaborado a partir de SECEX/ALICE com base na taxonomia da OCDE (2011).

Desagregando a contribuição da indústria de transformação, é obtida a

participação da mesma nas importações e exportações, respectivamente

apresentadas nos Gráficos 11 e 12. Com a finalidade de construir uma análise mais

aprofundada, dividiram-se as importações e exportações brasileiras por intensidade

tecnológica de acordo com a taxonomia da OCDE.

No Gráfico 11 a dependência da estrutura produtiva em bens não industriais e

bens de menor intensidade tecnológica pode ser observada, constatando-se que os

setores de baixa e média-baixa tecnologia compõem grande parte da pauta

exportadora brasileira, iniciando 1996 com uma participação de 58% e chegando em

2013 com 42%. Apesar dessa redução durante o período analisado, verifica-se que

o fenômeno não foi acompanhado por elevação nas exportações de bens de maior

tecnologia, e sim por forte elevação dos setores não industriais – mais que dobrando

de participação. Desse modo, os setores de maior capacidade de dinamizar a

economia chegam em 2013 com uma participação de praticamente 20% da pauta

exportadora.

Gráfico 10 – Saldo comercial brasileiro e contribuição da indústria de transformação e demais

produtos (bilhões de US$ FOB), 1996 – 2013 (1T).

Page 62: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

62

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Demais prod. 15% 20% 19% 19% 16% 17% 17% 20% 22% 18% 22% 23% 23% 30% 33% 39% 40% 38%

Baixa 34% 32% 30% 33% 30% 31% 32% 32% 32% 30% 27% 28% 28% 29% 28% 25% 23% 26%

Média-baixa 24% 19% 18% 18% 19% 18% 16% 18% 17% 19% 19% 19% 19% 16% 15% 15% 16% 16%

Média-alta 23% 24% 27% 23% 23% 21% 21% 22% 23% 26% 25% 24% 23% 18% 19% 18% 18% 17%

Alta 4% 5% 5% 7% 12% 13% 14% 7% 7% 8% 7% 6% 6% 7% 5% 4% 4% 4%

Ind. Transf. 85% 80% 81% 81% 84% 83% 83% 80% 78% 82% 78% 77% 77% 70% 67% 61% 60% 62%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Para Cavalieri, Cario e Fernandes (2013), essa considerável elevação na

participação dos setores não industriais, em especial da indústria extrativa, pode ser

explicada pela forte expansão dos preços de commodities metálicas e energéticas

ocorrida ao longo dos anos 2000.

Gráfico 11 – Participação das exportações por intensidade tecnológica, 1996 – 2013 (%).

Fonte: Elaborado a partir de SECEX/ALICE com base na taxonomia da OCDE (2011).

Em contraste com a pauta exportadora, a pauta importadora apresenta um

comportamento praticamente oposto: os bens de maior intensidade tecnológica

ocupam grande parte da mesma. O Gráfico 12 mostra que essa participação se

manteve relativamente estável enquanto ocorreu uma queda de participação do

setor de baixa intensidade, que foi compensado por uma elevação na importação de

bens de média-baixa tecnologia.

Page 63: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

63

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Demais prod. 14% 13% 14% 12% 14% 12% 12% 17% 16% 17% 18% 18% 17% 13% 13% 14% 12% 14%

Baixa 17% 14% 12% 11% 10% 8% 9% 7% 7% 7% 7% 7% 7% 9% 8% 9% 9% 9%

Média-baixa 13% 14% 14% 13% 15% 16% 14% 14% 13% 14% 15% 16% 18% 15% 18% 18% 19% 19%

Média-alta 37% 41% 43% 43% 38% 39% 42% 41% 41% 40% 36% 37% 39% 41% 39% 42% 41% 41%

Alta 19% 18% 18% 22% 23% 25% 24% 21% 22% 21% 24% 21% 20% 21% 21% 18% 18% 17%

Ind. Transf. 86% 87% 86% 88% 86% 88% 88% 83% 84% 83% 82% 82% 83% 87% 87% 86% 88% 86%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Gráfico 12 – Participação das importações por intensidade tecnológica, 1996 – 2013 (%).

Fonte: Elaborado a partir de SECEX/ALICE com base na taxonomia da OCDE (2011).

Uma conclusão geral tomada a partir da análise dos gráficos anteriores é que

o Brasil tem se utilizado de suas vantagens competitivas em recursos naturais para

compensar a falta de competitividade da indústria nacional. Desse modo, o país está

exportando bens de baixo valor agregado para a importação de bens de maior

intensidade tecnológica, estratégia que pode prejudicar um país devido à chamada

deterioração dos termos de troca21.

Com o intuito de analisar se a especialização produtiva em produtos primários

e bens de baixa intensidade tecnológica tem afetado (ou pode afetar) negativamente

21

Raul Prebisch (1950), ao analisar a dependência de exportações de commodities dos países subdesenvolvidos, afirmava existir uma tendência à deterioração dos termos de troca dos produtos primários em relação aos industrializados, na qual seria necessário exportar quantidades cada vez maiores dos primeiros para importar quantidades fixas de manufaturas, aprofundando a dependência e subdesenvolvimento dos países afetados. As razões para isso residem no diferencial entre produtividade nos setores industrial e agrícola; na diferença de elasticidade dos bens provenientes destes e nas diferentes pautas comerciais dos países.

Page 64: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

64

-26.000

-22.000

-18.000

-14.000

-10.000

-6.000

-2.000

2.000

6.000

10.000

14.000

AT MAT MBT BT Ind. Transf. Ind. Transf. + Não Indust.

Gráfico 13 – Saldo comercial por intensidade tecnológica (milhões de US$ FOB), 1996 – 2013.

a economia brasileira, o Gráfico 13 mostra o saldo comercial de cada grupo por

intensidade tecnológica.

Fonte: Elaborado a partir de SECEX/ALICE com base na taxonomia da OCDE (2011).

No gráfico é possível verificar que mesmo com a presença dos setores não

industriais, a balança comercial chega negativa em 2013. A situação piora ao serem

retirados os setores não industriais: o país passa a arcar com sucessivos déficits já a

partir de 2008. Ainda, podem ser visualizadas ambas as tendências das pautas

importadoras e exportadoras brasileiras. Sendo essas, respectivamente, a

expressiva participação de produtos de alta intensidade tecnológica nas importações

e a recorrência a bens de baixa intensidade para exportação. Esse fenômeno de

financiamento da compra externa de produtos com maior tecnologia por meio da

venda de produtos primários, e com pouca tecnologia incorporada, é o que sugere

Page 65: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

65

um possível retorno do país à especialização em atividades que o Brasil apresente

vantagens comparativas relativas.

Portanto, a partir do que foi analisado parece ficar evidente que a estratégia

de voltar-se para a produção e exportação de bens primários e intensivos em

recursos naturais para a obtenção de superávits tem sido capaz de compensar os

sucessivos déficits na balança comercial dos produtos da indústria de

transformação, onde os únicos produtos que obtém superávits são os de baixa

intensidade tecnológica. Contudo, 2012 em diante mostra a fragilidade dessa

estratégia: devido aos crescentes déficits na balança manufatureira, um

desempenho reduzido dos setores intensivos em recursos naturais tem como

resultado direto a queda na balança comercial total.

Essas constatações indicam que a trajetória de industrialização do país não

apenas o tornou mais dependente tecnologicamente, mas também resultou em

maior vulnerabilidade a choques externos devido a sua dependência no bom

desempenho dos setores intensivos em recursos naturais.

Page 66: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

66

5 CONCLUSÃO

As transformações ocorridas na dinâmica mundial decorrentes da ascensão

do paradigma da quinta revolução tecnológica foram muitas e operaram nas mais

diversas esferas do cotidiano. Dentro desse contexto, a trajetória de

desenvolvimento econômico brasileira também acabou modificando sua estrutura

produtiva; tornando-a mais dependente dos setores intensivos em recursos naturais,

enquanto o setor industrial perdeu participação no valor agregado à economia.

Nesse sentido, a abordagem evolucionária tem sido uma importante

contribuição para o estudo do desenvolvimento econômico como processo histórico.

A ênfase dada à inovação, ao emparelhamento e ao desenvolvimento é identificada

como fundamental para a compreensão das trajetórias tecnológicas particulares de

cada país. Utilizando-se da análise, pôde ser dividido o processo de

emparelhamento tecnológico brasileiro em duas fases distintas.

A primeira fase, a partir da década de 1940, foi caracterizada pela

modernização da estrutura industrial brasileira, com concentração de investimentos

nos setores dinâmicos do paradigma metal-mecânico-químico. Já a segunda fase,

durante o período de abertura econômica, baseou-se na absorção de melhorias

organizacionais e tecnológicas, sem esforços para a criação de uma estrutura

manufatureira aos moldes da primeira fase. A similaridade entre as duas fases

encontra-se no fato de ambas terem recorrido ao capital estrangeiro: a primeira

delegando às empresas estrangeiras os setores-chave da economia; e a segunda

buscando uma modernização da produção doméstica visando o mercado interno. A

lógica dessa estratégia baseava-se na crença de que o atrelamento da economia ao

capital estrangeiro resultaria em transferências de conhecimento e aprendizado

automáticos. Contudo, não foi o que ocorreu e, ao deixar de assumir uma postura de

desenvolvimento tecnológico ativa, o país relegou-se a uma posição de

aprofundamento da sua dependência tecnológica.

Essa contextualização apresentou-se como base fundamental para o estudo

da estrutura produtiva brasileira recente. No sentido de criar um diagnóstico acerca

da condição em que a economia se encontra em relação ao paradigma

Page 67: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

67

microeletrônico, utilizou-se dessa análise inicial em consonância com ampla base

empírica. A partir desses elementos pôde ser estudado o comportamento da

participação da indústria no valor adicionado da economia, tanto em termos

nacionais quanto internacionais, com a finalidade de compreender o avanço (ou

retrocesso) tecnológico brasileiro, visto que o setor industrial geralmente é o mais

dinâmico e com maior capacidade inovativa.

Em termos nacionais, foi explorada a possibilidade de o país estar passando

por um processo de desindustrialização precoce, caracterizado assim por ocorrer em

um nível de renda per capita muito abaixo do ‘normal’. O fenômeno também foi

descrito como relativo devido a três aspectos: a taxa de crescimento do setor

industrial brasileiro está muito abaixo da taxa das demais economias emergentes;

internamente, essa taxa também é menor em comparação aos outros setores da

economia, fenômeno acompanhado por uma redução da participação industrial no

PIB; e, dentro do setor industrial, os setores mais intensivos em tecnologia vêm

perdendo peso para os setores intensivos em recursos naturais, realçando uma

tendência ao retorno do país à especialização em setores onde possui vantagens

comparativas naturais.

Ademais, analisando a evolução da densidade produtiva brasileira, é possível

constatar que, juntamente de uma redução no peso da indústria na economia, vêm

ocorrendo perdas de elos nas cadeias produtivas, reduzindo a capacidade do setor

de dinamizar a economia e aproximando-o de um caráter de ‘maquiladora’. Feitas

tais considerações, é possível afirmar que o país tem passado por um processo de

desindustrialização como consequência da trajetória de desenvolvimento tecnológico

adotada nas décadas anteriores.

Diante desses dados, conclui-se que há um padrão de baixo dinamismo e

uma crescente dependência tecnológica brasileira. Esse último fato foi

complementado pelo estudo evolutivo do Sistema Nacional de Inovação. Nesse

quesito, também, pôde ser observado um atraso relativo decorrente da estratégia de

delegar ao capital estrangeiro as atividades mais dinâmicas da economia, fato que

dificultou a internalização dos motores de crescimento dos paradigmas vigentes e

inclinou o país para uma trajetória de contínua dependência tecnológica.

Ao incluir no estudo a comparação da indústria brasileira com o meio

internacional, pode-se, de fato, compreender o quão atrasado em termos de

Page 68: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

68

capacitações tecnológicas o país se encontra. Ficou claro na comparação do Brasil,

tanto com as economias da fronteira tecnológica quanto com as economias

emergentes que obtiveram resultados satisfatórios em suas trajetórias de catching

up, que o país ainda não conseguiu plenamente ingressar no paradigma

microeletrônico. Pelo contrário, ao observar uma regressão no peso dos setores

desse paradigma, pode ser inferido que o país vem se distanciando da fronteira

tecnológica.

De modo complementar, a análise da balança comercial melhor posiciona o

Brasil dentro da dinâmica tecnológica internacional. Disso emergiu a fragilidade da

estratégia de especialização na produção de bens de baixo valor agregado e

intensivos em recursos naturais: ao depender, em grande medida, no contínuo bom

desempenho na exportação dos mesmos devido aos sucessivos e crescentes

déficits na balança comercial de bens de maior valor agregado, choques externos

apresentam uma capacidade de desestabilizar a economia muito maior.

Em síntese, a trajetória de desenvolvimento tecnológico brasileira não apenas

resultou em uma estrutura produtiva menos dinâmica, mas também em maior

dependência tecnológica e maior vulnerabilidade externa.

Page 69: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

69

REFERÊNCIAS

AREND, M. 50 anos de industrialização do Brasil (1955-2005): uma análise evolucionária. 2009. 251 f. Tese (Doutorado em Economia)–Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.

AREND, M.; FONSECA, P. C. D. Brasil (1955-2005): 25 anos de catching-up, 25 anos de falling behind. Texto para discussão Nº 04/2011. UFRGS, Porto Alegre, 2011.

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Séries Temporais de Economia e Finanças. Sistema gerenciador de séries temporais (SGS) - Módulo Público. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/?serietemp>. Acesso em: 19 dez. 2013.

BARROS DE CASTRO, A. Brazil's seconds catch-up: characteristics and constraint. In: CEPAL Review 80, p. 71-80, 2003.

CANO, W. A desindustrialização no Brasil. In: Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, Número Especial, p. 831-851, dez. 2012. Disponível em: <www.eco.unicamp.br/docprod/downarq.php?id=3235&tp=a>. Acesso em: 15 ago. 2013.

CASSIOLATO, J. E. Que futuro para a indústria brasileira? In: O futuro da indústria: oportunidades e desafios: a reflexão da Universidade. Brasília: MDIC/STI/IEL Nacional, 2001, cap. 1.

CASSIOLATO, J. E.; LASTRES, H. M. M. Discussing innovation and development: converging points between the Latin American school and the innovation Systems perspective? In: Globelics Working Paper Series, N. 08-02, 2008. Disponível em: <www.globelics.org>. Acesso em: 27 set. 2013.

CAVALIERI, H.; CARIO, S.; FERNANDES, R. Estrutura industrial brasileira e de Santa Catarina: alguns indícios de desindustrialização. In: Indicadores Econômicos FEE, Porto Alegre, v. 40, n. 3, p. 81-104, 2013.

CIMOLI, M. DOSI, G. NELSON, R. R. STIGLITZ, J. Instituições e Políticas Moldando o Desenvolvimento Industrial: uma nota introdutória. In: Revista Brasileira de Inovação, Rio de Janeiro, RJ, p. 55-85, 2007.

Page 70: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

70

CURADO, M.; CRUZ, J. V. da. Investimento direto externo e industrialização no Brasil. In: Revista de Econômica Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 12, n. 3, p. 399-431, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rec/v12n3/01>. Acesso em: 14 dez. 2013.

DOSI, G. Technological paradigms and technological trajectories: a suggested interpretation of the determinants and directions of technical change. In: Research Policy, v. 11, n. 3, p. 147-162, 1982.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Industrial Anual - Empresa (1996 - 2011). Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov>. Acesso em: 25 nov. 2013.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Industrial Anual - Empresa. Rio de Janeiro: IBGE, Série Relatórios Metodológicos, v. 26, 2004.

IEDI. Desindustrialização e os dilemas do crescimento recente. Trabalho preparado por Cermem Aparecida Feijó, 2007. Disponível em: <http://www.lpp-buenosaires.net/outrobrasil/docs/2452007161112__desindustrializacao%20MAIO%202007.pdf>. Acesso em: 18 jul. 2013.

______. A evolução da Estrutura Industrial. Trabalho preparado por Carmem Aparecida e Paulo Gonzaga M. de Carvalho, 2008. Disponível em: <http://www.iedi.org.br/admin_ori/pdf/20080930_estrutura_ind.pdf>. Acesso em: 18 jul. 2013.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Ipeadata macroeconômico. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.br>. Acesso em: 23 jul. 2013.

KUHN, T.S. The Structure of Scientific Revolutions. Chicago: University of Chicago Press, 1962.

MENEZES FILHO, N. A.; KANNEBLEY JÚNIOR, S. Abertura comercial, exportações e inovações no Brasil. In: Fernando Veloso, Pedro Cavalcanti Ferreira, Fábio Giambiagi, Samuel Pessôa. (Org.). Abertura comercial, exportações e inovações no Brasil. Ed. 1, Rio de Janeiro: Elsevier, p. 405-425, 2013.

Page 71: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

71

NELSON, R.R. Economic Development From the Perspective of Evolutionary Theory. In: Working Papers in Technology Governance and Economic Dynamics, n. 2, Tallinn University of Technology, Tallinn, 2006. Disponível em: < http://technologygovernance.eu/eng/the_core_faculty/working_papers/>. Acesso em: 14 abr. 2013.

______, R.R. As fontes do crescimento econômico. Campinas: Unicamp, 2006.

ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Directorate for Science, Technology and Industry - STAN indicators (edition 2005) – 1980-2003. 2005. Disponível em: <http://www.oecd.org/industryandglobalization/40230754.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2013.

PALMA, J.G. Three origins of the process of “de-industrialization” and a new concept of the “Dutch Disease”. UNCTAD, Mimeo, 2003.

PEREIRA, A. J. Inovação, aprendizado e desenvolvimento econômico: uma abordagem evolucionária sobre os impactos do comportamento inovativo das grandes empresas estrangeiras na indústria de transformação brasileira (1998-2005). 2010. 299 f. Tese (Doutorado em Economia)–Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.

PEREZ, C. Technological revolutions and financial capital: the dynamics of bubbles and Golden Ages. Edward Elgan Publishing, Cheltenham, Unite Kingdom, 2002.

______, C. Technological change and opportunities for development as a moving target. In: CEPAL Review 75, p. 109-130, 2001.

______, C. Innovation systems and policy: not only for the rich? In: Working Papers in Technology Governance and Economic Dynamics, n. 42, Tallinn University of Technology, Tallinn, 2012. Disponível em: <http://technologygovernance.eu/eng/the_core_faculty/working_papers/>. Acesso em: 14 abr. 2013.

______, C. The financial crises and the future of innovation: A view of technical change with the aid of history. In: Working Papers in Technology Governance and Economic Dynamics, n. 28, Tallinn University of Technology, Tallinn, 2010. Disponível em: <http://technologygovernance.eu/eng/the_core_faculty/working_papers/>. Acesso em: 14 abr. 2013.

Page 72: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

72

PEREZ, C.; SOETE, L. Catching up in technology: entry barriers and windows of opportunity. In: Technical Change and Economic Theory. G. Dosi, C. Freeman, R.R. Nelson, G. Silverberg and L. Soete (Eds.), London: Pinter, pp. 458-479, 1988.

SBICCA, Adriana; PELAEZ, Victor. Sistemas de Inovação. In: Economia da Inovação Tecnológica. PELAEZ, Victor; SZMRECSÁNYI, Tomás (Orgs.). São Paulo: HUCITEC, 2006, cap. 17. SCHUMPETER, J. A. The theory of economic development. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1957.

SCHYMURA, L.; CANÊDO PINHEIRO, M. Política Industrial Brasileira: motivações e diretrizes. In: O Futuro da Indústria no Brasil: Desindustrialização em debate, BACHA, E.; DE BOLLE, M. B. (Orgs.), Editora Civilização Brasileira, 2013, cap. 3.

SUZIGAN, W.; ALBUQUERQUE, E. M. A interação universidades e empresas em perspectiva histórica no Brasil. Versão revisada do trabalho apresentado no simpósio de Ciência, Tecnologia e História Econômica, pg. 17-43, 2007.

SUZIGAN, W.; VERSIAN, F. O Processo de Industrialização no Brasil: uma Visão Geral. In: Seminário sobre Industrialização da América Latina. Puebla, México, 1989

UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT (UNCTAD) Statistics. (2013). UNCTAD Database. Disponível em: <http://unctad.org/en/pages/Statistics.aspx>. Acesso em: 15 nov. 2013.

VIOTTI, E. B. National Learning Systems: a new approach on technical change in late industrializing economies and evidences from the cases of Brazil and South Korea. In: Technological Forecasting & Social Change, v. 69, n. 7, p. 653-680, sep. 2002. Disponível em: <http://www.cid.harvard.edu/archive/biotech/papers/discussion12_viotti.pdf>. Acesso em: 18 dez. 2013.

Page 73: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

73

Apêndice A – Correspondência entre classificações por intensidade

tecnológica da PIA-PINTEC versus OCDE

Setores por intensidade tecnológica segundo a PINTEC Classificação por

intensidade tecnológica segundo a OCDE

alta intensidade tecnológica

23.2 Fabricação de produtos derivados do petróleo MB

29 Fabricação de máquinas e equipamentos MA

30 Fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática A

31 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos MA

32.2 Fabricação de aparelhos e equipamentos de telefonia e radiotelefonia e de transmissores de televisão e rádio

A

32.3 Fabricação de aparelhos receptores de rádio e televisão e de reprodução, gravação ou amplificação de som e vídeo

A

33 Fabricação de equipamentos de instrumentação médico-hospitalares, instrumentos de precisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios

A

34.1 Fabricação de automóveis, caminhonetas e utilitários MA

34.2 Fabricação de caminhões e ônibus MA

34.3 Fabricação de cabines, carrocerias e reboques MA

34.5 Recondicionamento ou recuperação de motores para veículos automotores MA

35 Fabricação de outros equipamentos de transporte* A; MA; MB

média alta intensidade tecnológica

16.0 Fabricação de produtos do fumo B

21.1 Fabricação de celulose e outras pastas para a fabricação de papel B

24 Fabricação de produtos químicos** A; MA

32.1 Fabricação de material eletrônico básico A

34.4 Fabricação de peças e acessórios para veículos automotores MA

36.9 Fabricação de produtos diversos B

media baixa intensidade tecnológica

19 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados B

21.2 Fabricação de papel, papelão liso, cartolina e cartão B

21.3 Fabricação de embalagens de papel ou papelão B

21.4 Fabricação de artefatos diversos de papel, papelão, cartolina e cartão B

25 Fabricação de artigos de borracha e plástico MB

26 Fabricação de produtos de minerais não-metálicos MB

27 Metalurgia básica MB

28 Fabricação de produtos de metal - exceto máquinas e equipamentos MB

baixa intensidade tecnológica

C Indústrias extrativas NSA

15 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas B

17 Fabricação de produtos têxteis B

18 Confecção de aritgos do vestuário e acessórios B

20 Fabricação de produtos de madeira B

22 Edição, impressão e reprodução de gravações B

23.1 Coqueiras MB

23.4 Produção de álcool MB

36.1 Fabricação de artigos do mobiliário B

Fonte: IBGE: Pesquisa Industrial Anual. Legendas: A = Alta; MA = Média-Alta; MB = Média-Baixa; B = Baixa; NSA = Não se aplica (a classificação adotada pela OCDE só abrange a

indústria de transformação)

* Inclui a indústria aeronáutica e aeroespacial, de alta intensidade; de material ferroviário, de média-alta tecnologia, e outros de transporte, de média-baixa tecnologia ** Inclui a indústria farmacêutica, de alta intensidade; e de produtos químicos, exceto farmacêuticos, de média-alta.

Page 74: BAIXO DINAMISMO E DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA: UM … · A primeira seção descreve a abordagem schumpeteriana da inovação e desenvolvimento econômico para que depois sejam apresentados

74

Anexo A – Alocação de recursos para o esforço tecnológico, Brasil e Coréia do

Sul.

Indicador Brasil Coréia do Sul

Gastos em P&D como porcentagem do PIB [1994] [1992]

0,40% 2,10%

Gastos em P&D por origem dos fundos (%) [1994] [1992]

Governo 81,90% 17,20%

Iniciativa privada 18,10% 82,40%

Outro … 0,40%

Financiamento preferencial do governo para o P&D industrial [1973-1989] [1987]

US$ 810 milhões US$ 848 milhões

Cientistas e engenheiros engajados no P&D (por milhão de habitantes) [1993] [1992]

235 1.990

Pesquisadores de acordo com o lugar de atuação (%) [1986] [1987]

Instituições do Governo 26,16% 17,40%

Universidades 68,51% 33,15%

Setor privado 5,33% 49,46%

Fonte: Viotti (2002).