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    D C O N D IÇ Ã O C T U D O S E S C R

    ESPECIALMENTE APÓS A PROMULGAÇÃO

    LEI N. 3270 DE 28 DE SETEMBRO DE 188

    •DIL J- BAPTISTA PEREIRA5£ -

    'fèè ' ̂ Membro do Ins t i tu to dos Advogados

    RIO DE JANEIROI M P R E N S A NA.ClOJN r AC

    18873790—87

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    Em uma memória intitulada — das relações jurídicas

    dos sujeitos á condição de servir, especialmente após a

    promulgação dd lei n. S270 de 28 de Setembro de 188S

    — apresen tada ao Instituto dos Adv ogados, o S r. D r.

    Silva Costa sustentou, com aquella nitidez que recom-

    menda as producções do seu cultivado talento, certas

    idéas e dellas inferiu conseqüências que tenho por menos

    conformes com onoss o direito civil, em franco con

    traste com o systema da lei.

    T ão exageradas pa receram -m e essas conclusões, que

    cheguei a pe rsu ad ir-m e de que a distincta corporação

    as não approvaria.

    Engane i -me

    O Instituto as applaudiu sem restricções; e por

    acclamação, segundo se propoz, as teria votado, si por

    ventura não ousasse eu oppôr-lhes um modesto pro

    testo, que fosse a manifestação do meu vo to no grave

    assumpto .

    Não impediu isso que as resoluções do Instituto po-

    dessem ser publicadas em commemoração da data glo-

    riosa^das duas leis de eman cipação, como era empenho

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    que eu não quiz em baraçar, reparan do apen as, com -

    migo só, que o Instituto não tenha m ostr ado o mesmo

    enthusiasmo pela data immorredora d o g rande dia da

    pátria, que os E statu tos obrigam a solemnisar, mastem cahido em .olvido

    Não tendo sido possível desenvolver as razoes do

    meu voto, e constrangendo-me m uito, e por vários m o

    tivos, ser nota dissonante no coro unisono dos applausos

    com que foi acolhida a memória, assentei por melhor

    reunir os fundam entos de m inha hum ilde opinião e

    dal-os a lume em justificação da minha temeridade, ou,

    como se disse, da tarefa infeli-, a que me prop uz, em

    bora impellido por nobres desígnios.

    São estes os intuitos deste despretencioso trabalho,

    que entrego á critica dos doutos, sempre benevola.

    Rio, 3o de Setembro de 1887.

    Jk íciJi£iá.?ai J^PeAeúft.

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    D a c o n d i çã o a c l u a l d o s e s c r a v o s e s p e c ia lm e n te a p r o -m u t e o d a le i D 3 2 7 0 d e 2 8 d e S e te m b 1 8 8 5

    A l e i n . 3270 de 28 de Setembro de 1885, lixando aidade além da qua l cessa a prestação de serviços no presente e no futuro, e declarando livre o escravo queattingir a 60 annos, extinguiu a escravidão, transfor

    mando o escravo no statuliber da simples terminologiados romanos.

    Tal é a idéa capital que domina a memória, e da qua lemanaram os anômalos corollarios que o seu illustradoautor formulou em conclusões que foram adoptadaspelo Instituto dos Advogados.

    O que é o statuliber? Não podemos ir adian te semfixar esta noção de modo exacto.

    Na opinião do illustrado S r. D r. Silva Costa, o estadolivre no Brazil não guarda a immutavel identidade aoestado livre da legislação romana; não é o fóssil quefigura nos musêos de paleontologia ; é sim uma cousa

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    nova, com seu typo especial, que , si na es tru ctu ra ex terior obedece ao rythmo romano, conforma-se com oplano arterioso da integração brazileira.

    Exprimindo este pensamento em lingu agem menosempolada, ou em phrase singela, usada em litteratura, ostatuliber brazileiro tem a côr local; não traja as ro upagens do symbolismo romano.

    Para bem comprehendermos a idéa e conhecermosas analogias e diferenciações dos dois typos, imprescindível torna -se estudar cada um de per si nos attri»

    butos constituitivos do seu ser ju ríd ico.

    Abrindo oliv. 40. Tit . 7o do Dig . que se inscreveDe — statuliberis — logo no fr. I o se nos depara a seguinte definição do jurisconsulto Paulo : statuliber ' 'estqui statutam et destinatam in tempus vel conditonemlibertatem habet, o que, em linguagem ve rná cu la, quer

    dizer: estado livre é aquelle a quem è concedida aliberdade para certo tempo ou sob certa cond ição.A promessa de liberdade importava para o escravo

    apenas um direito eventual inherente á sua pessoa ; atélá, isto é, até o advento do term o, ou o preenchimentoda condição, o escravo continuava propriedade do senhor.

    Conseqüente com este principio, o direito romano, queprimava pelo rigor lógico, accentuou bem a quasinenhuma differença ent re o escravo e o statuliber,estatuindo que um e outro eram de igual condição;statulibe-H a cceteris servis nostris nihilo pene diffe-runt; ejusdem conditionis sunt statuliberi cujus cceteri(ff40, 7, fr. 29).

    Daqui defluiram os seguintes, corollarios, q u e ' ca-racterisam perfeitamente as relações jur ídic as en tre o

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    estado livre e o senhor, a cuja dominica potestas continuava sujeito :

    a) o filho do estado livre era escravo — statuliberaquidpeperiihoc servum hceredis est (& . ejustit. fr. 16);

    • b) o estado livre é processado e julgado como escravoe soffre as mesmas penas que este ; et ideo in publicisquoque judiciis easdem pcenas paliuntur, quas cmterlservi (ff. ejustit. fr. 29);

    c) o estado livre pôde ser vendido:— statuliberosvenundari posse leges X II tabularum putaverunt;(ff. ejus tit. fr. 25);

    d) o estado livre, emquanto pende a condição, é escravo do herdeiro: — statuliber quamdiú pendei conduto servushosredis est (ff. ejus tit. fr. 9o), e emplena propriedade, pleno jure (ff. 40, 9, fr. 29 § I o ) ;

    e) estado liv re é partilhado como os outros bens onerados de a lgu ma condição :— statuliber venit in fa-milioe erciscumdazjudicium (ff. 10, 2fr. 12 §2 °) .

    Estes traços esboçam sufficientemente o que é o estadol iv re ; não obstante, porque alguns textos parecem divergentes, o que apenas exprimiria a diííiculdade de se definir uma situação intermediária en tre a pessoa e a coisa,ou mais perfeitamente, uma situação entre o indivíduopara quem a liberdade é uma aspiração vaga , e aquellepara quem é ella um direito em expectativa, sustentamalguns j urisconsultos que os tex tos do Digesto que accen-

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    tuaram com firmeza a condição servil do estado livre sãosenões inevitáveis de uma codificação elaborada ás pressas,sem fallar já nas interpollações que, muito antes do meuillustre contendor, Vissembak denominava — emblemataTriboniani.

    Objectam outros que esse» textos são do direito antigo ,e que a dou trina moderna do direito romano, mais e m 'harmonia com os princípios da civilisação, colloca oestado livre em uma esphera mais elevada.

    Nenhuma d'essas objecçõ3s procede, e, começando a refu-

    tação pela ultima, basta unicamente advertir que os escri-ptores modernos como Ortolan í, Majniz 2 e mais re cen temente Ihering 3 não expõem senão o direito novo, aquelleque é a expressão do estado actual do direito justin ianêo,expurgado já das ferocidades da legislação que conferiuao senhor, como conferira ao pai contra o filho, o direitovitoe et necis sobre o escravo . Isto reconheceu lealm ente

    o illus trado S r. senador Affonso Celso n'um inte ressan tetraba lho que publicou sobre o — statuliber — e a queterei de referir-me mais de uma vez.

    Indicando algumas regras que o jurisconsulto deveobservar para conhecer o valor legal das parte s integran tes do direito civil romano, o S r. D r. Silva Costa,inspirando-se em Valdek, lembra que o DigesLo é preferido á Instituía como fonte, e que a disposição posteriorderogando a anterior, neste caso a Instituía tem preferencia sobre o Digesto.

    1 Inslituts de Justinien.2 Cours de droit romain.3 Vesprit du droit romain.

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    O gu ia do meu il lustrado antagonista o conduziuá um erro , e á um anachron ismo; á um erro ,porque com relação á condição jur ídica do estado

    livre não se encontra nas Ins tituta s, como faz acred itar,nenhum a disposição que modifique o que foi legislado noDigesto ; á um anachronismo, porque sendo as Institu tasda mesma data que o Digesto não poderiam prevalecersobre aquellecomo disposição posterior.

    Em 530 Justin iano confiou a Triboniano, então questordo palácio, a compilação dos livros dos antigos juriscon-

    sultos, á qual se deu o nome de Digesto (Digesta), que indica a exposição methodica das matérias, ou àePandectas,que significa a reunião da universalidade das decisões dajurisprud ên cia. Os collaboradores do questor, professores e advogados escolhidos por elle em numero de 16,ataca ram com ta l actividade o ingente commettimento,que, ao cabo de 3 annos, o acabaram, quando para talfixou o prazo de 10, sendo publicado o Digesto em 16 deDezembro de 533, e posto em execução a 30 do mesmo mez.

    Emquanto ainda se trabalhava no Digesto, Justiniano,comprehendendo que tão volumosa codificação não podiaprestar-se ao ensino do dire ito, ordenou ao mesmo Triboniano a composição de um tra tado resumido dos pr incípios e disposições de dire ito, segundo os antigos j u ri s -consultos para uso das escolas. Esta obra, para a qua lcollaboraram Theophilo e Dorotheu, e que se chamaElementa, Instituía, e Instutiones, não recebeu forçade lei senão a datar da mesma epocha que o Digesto, postofosse acabada e publicada um mez mais cedo. i

    1 Giraud — Histoire du droit romain. Jacques Godefroy — His-toire du progrès du droit civil romain.

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    Examinemos agora quaes são os fundamentos da opiniãodos que sustentam que o estado livre não é escravo.

    Asseveram elles que, comquanto alguns textos do direito romano clara e explicitamente cream para o estadolivre uma posição tão parecida, si não idêntica, â doescravo, putros ha que para muito longe o afastam dessadesgraçada condição.

    E' este um dos argum entos do illu strad o S r. senadorAffbnso Celso.

    Segundo o seu conceito estabelecem differenças impor.-tantes, comparando o estado livre ao homem livre, osseguintes textos:

    a) o estado liv re colhido em delicto não é punido comoescravo e sim como homem livre ; statuliber in delictorepeHusnonut servus, sed ut liberpuniendus (íf. 48,18, fr. 14) ;

    b) o estado liv re que se deixou ao herdeiro com condiçãode servil-ro, si fôr por elle alienado, recupera immediata,^mente a liberdade — Item si hairedi servire ju,ssumstatuliberum hceres vendidit et tradidit statim ad liber-?talem pervenit (íf. 40, 7, fr 17) ;

    c) é permittido ao escravo a quem foi conferida a liberdade commissariamente dispu tar com o senhor o seu

    direito — De libertate fidei oommissarza prcestanda servus cum domino contendit (ff. 40, 5, fr 44 ).

    Nenhum destes textos abona as conclusões que Q i l lustrado S r. senador proclamou como inatacáveis, segundose demonstrará por uma rápida apreciação, na qualen tra por muito o auxilio dos glosadores que tão ver-

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    si o statuliber continua a ser objecto de co nt rato, comojá era estatuído pelo direito tab ula rio , onde está o pr eceito que consagra a prohibição ? Ainda nenhum nos deparou o vasto corpo do direito civil rom an o.

    Antes, no direito modernissimo, em um a constituiçãoimperial, não do primitivo código, e sim do conhecido peladenominação — repetitoeproelectionis, porque corrigiu oserro s e imperfeições daquelle, achamos firmado de modoexplicito que si o statuliber for alienado pelo herdeiro,leva comsigo a condição de liberdade — conditionem

    secum trahit; muda de senhor, é certo, mas a condição o acompanha ( C 7. 2, 13 ).

    Um distincto jurisconsulto que , com muita glor ia parao magistério, leu na difficil cadeira de direito romano daFaculdade do Recife, o Sr. D r. Coelho Ro drig ues , cr iticou com muita vantagem as conclusões que o illustrado

    senador reputou inatacáveis.Taxando-as de inexactas e insustentáveis em face dodireito rom ano, segundo o qual a única vantagem do statuliber era conservar, ainda que mudasse de senhor,a condição e levar comsigo a esperança de liberdade,abundou nestes conceitos:

    « A razão de todos estes erros encontra-se na actada sessão do Ins titu to dos Advogados de 15 de Outubrode 1857, publicada no opusculo — Questões de liberdade.Ahi dizia Perdigão Malheiro: por direito romano a liberdade podia ser dada de diversos modos; hav ia oescravo, o liberto, e o statuliber ; as obrigações nessesdifferentes estados divergiam.

    « Como se vê, elle ignorava o que eram modos dealforria em Direito Romano ; excluía o liberto da classe

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    dos livres e considerava a condição delle, a do escravo, ea do statuliber, como três estados differentes. En tre tan toé doutrina e lementar que os Romanos só conheciam trêsestados, o da liberdade, o de cidade, e o de família, quea reunião de todos constitue o caput a plenitude dacapacidade jur ídica , que podia ser diminuída ou perdidaconforme os casos previstos na lei.

    « Desta confusão o erro capital daquelle escrip tor, quedividindo a palav ra statul iber fazia delia duas e significava por ambas — estado livre, pouco mais ou menoso mesmo que estado de liberdade, e d'ahi nada maisnatural do que as conseqüências a que chegou . Mas averdade é que statuliber é a contracção de duas palavras — statula libertas e significa a esperança daquellea quem foi promettida, mas não dada a liberdade.» i

    Não é na apreciação isolada de um texto que resolve,em regra , um caso occurren te, e sim no systema geral

    da legislação que se deve procurar os elementos para asolução do problem a, tanto mais si é certo, como incessantemente apregoam os que equiparam o statuliberao homem livre, que o Digesto está inçado de infideli-dades, erros, incoherencias eantinomias.

    A esta opinião o S r. senador Aífonso Celso trouxe oprestigio da sua autoridade, e insistindo em aífirmarque,

    de par com os textos que equiparam o statuliber ao escravo , estabelecem outros importantes differenças, com-parando-o ao homem livre, formula esta interrogação:

    O que dev er-se-h a concluir ? Em favor da equiparaçãoodiosa ou da distincção ?

    1 Discurso proferido n a Câmara dos Dep utado s na sessão de 15 epublicado no Jornal do Commercio de 22 de Setembro de 1886.

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    E, repetindo Perdigão Malheiro (cujo precioso livro— A escravidão no Brazil — lhe forneceu farto su bsidio, ) o qual dizia : quasi não differençar, importadifferençar-se sempre em alguma coisa, accrescentou oSr. senador; si o statuliber representa um estado, umgráo intermediário entre o homem perfeitamente livre eo escravo ; si o statuliber participa de ambas as condições,uma de duas, ou ellas entram por igual na instituição,ou não, ou uma sobrepuja a ou tr a .

    Sem duvida a condição servil é sobrepujante ; isso

    está nas entranhas da instituição, porque é um elementoessencial da formação do direito civil, cuja base fundamental é — o direito das pessoas. Não ha que duvidar emface do texto implacável da Instituía — in servorum con-ditione nulla est differentia, in liberis, autem multce,aut enimsunt ingenui aut libertini, (Liv. I. Tit. 3 §5.)

    Concessões obtidas pelos escravos, já por motivos deordem política, já por sentimeníos de humanidade, quevinham adoçar a sorte dessa classe infeliz, não apagavama nodoa da incapacidade, que era geral , e por isso é inju -ridico comparar o statuliber ao menor e ao iníerd icío,como fazem alguns Jur isconsu líos, com os quaes o illus-írado Senador se mostra concordante.

    Todos os homens são sui júris ou alieni júris; estadefinição, segundo Savigny, se traduz por estas palavras— independência ou dependência.

    O poder exercido no seio da família engendrava muitasrelações de direito distinctas, uma das quaes era a domi-nica potestas, ou a dependência do escravo em relação aosenhor, dependência em que se collocava mesmo o escravo que não tinha senhor, e que constituía uma incapaci-

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    dade de direito positivo, a mais extensa possível, e no seioda qual desapparecia com pletamente a dependência pessoal.

    Esta incapacidade em nada se equipara á do filho-fami-lia, menor ou interdicto, porque, si não podem exercerimpério, poder, a sua incapacidade não vem de um defeitoinherente á pessoa. 1

    Os menores, os interdictos têm a capacidade de direito,o que não têm é a capacidade de ag ir , á cujo exercício £lei põe impedimento, que a a nn ul la , como acontece aosloucos, ou apenas a res trin ge , como succede aos menores.Assim, aquelle que tem a capacidade de direito pôde serou não incapaz, ao passo que aquelle que a não tem éabsolutamente incapaz.

    O menor sob tutela, que, segundo a definição de Servio,é o poder sobre um a cabeça livre — in capite libero, dadopelo direito civil para proteger aquelle, que pela sua idadenão pode defender-se, contra ta validamente no seu interesse pa ra to rn ar melhor a sua posição, independentede autorização do tu tor ; o escravo, porém, quando age,é, como diz Savigny, instrumento jurídico do senhor, aquem os seus actos são imputados, como se delle pessoalmente emanassem, vindo assim, na phrase imaginosa deIhering, a casca, isto é, a qualidade juríd ica da cousa aproteger o núcleo, que é a pessoa.

    Essa é a feição typica do direito romano ; não vale invocar para o caso razões de philosophia, de religião e dehumanidade, que entram por muito na tarefa do legislador, mas a que não obedece o interp rete , porque este nãocrêa o dire ito, explica-o . Sem duvida que nesses eleva-

    1 Savigny — Droit romain.

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    dissimos sentimentos inspirou-se o Imperador Justiniano,que soberbos monumentos levantou á g loria do seu nome,

    e â admiração da posteridade ; mas esse Imperador ph i-losopho, que tanto se assignalou pela sua política liberal,como se diz na linguagem de hoje, si por um lado acaboucom distincções odiosas e proclamou a igua ldade doshomens livres diante da lei, concedendo a todos os libertosindistinctamente o jus aureorum annullorum, que era asuprema distincção dos cavalleiros romanos, e contendoos direitos do senhor na sociedade heril em limites razoáveis, tornou mais suave a condição do escravo ; todavia,respeitando as tradições , conservou profundo o vallo quesepara o homem livre daquelle que o não é ; quem não élivre é escravo.

    A Instituía accenfuou bem esía feição do direito daspessoas; e Theophilo, na sua paraphrase, elucida o poníoa não res tar duv ida. A condição de iodos os escravos, dizo collaborador da Insíiíuía, é a mesma, não se pôde dizerque eníre elles haja quem seja mais ou menos escravo ;a servidão è indivisível. l

    Essa dualidade, homem livre e ao mesmo íempo escravo,essa — pessoa-coisa—com duas caras, como Janus, éumacreação hybrida que não se conforma com o plano funda-mental do direito romano, cuja idéa cap ital è esía — servipro nullis habentur, — e por isso não gozavam do jus ci-vile, exclusiva prerogativa de quem íinha o caput, queera a reunião dos ires esíados — liberd ade , familia ecidade ; e o escravo só começava a te r estado, quandoera libertado.

    ( F F. 5, 3, fr. 4 . Inst. 1 , 16,4 .

    1

    LEGAT—L ei InstittUes da Théophilc.

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    Agora que conhecemos o statuliber paleníeologico,vamos travar conhecimento com o statuliberinAigena, quesahiudo plano arterioso da integração brazileira.

    II

    A questão do statuliber, que reapparece agora, impressionando alguns espírito s, foi suscitada n'um parecer lido

    pelo Sr. senador Affonso Celso na conferência das secçõesreun idas de fazenda, justiça e império do Conselho deEstado em 25 de Junho de 1884.

    A his toria da lei é um dos mais valiosos subsídios parasua in terp retação , e por isso é bem cabido recordar aquialguns antecedentes.

    Tendo de apresentar ás câmaras um projecto para

    emancipação dos escravos, o illustre chefe do gabinete de6 de Junh o reuniu as três mencionadas secções do Conselho de Estado para consultarem com o seu parecer arespeito de algu ns pontos constantes de um questionárioque submetíeu ao esíudo da conspicua e douía corporação .

    Um dos pontos da consulta era o seguin te:« Declarada a liberdade dos escravos que tiverem

    attingido ou attingirem a idade de 60 annos, podemos ex-senhores ser obrigados a fornecer aos mesmoshabitação, alimento, vestuário e tratamento nas moléstias 1?»

    « Convirá antes fundar asylo para elles ? »Combatendo este alv itre , eníre ou íras razões, porque

    envolvia offensa direcía do direito dos senhores de es

    cravos, que eram assim sacrificados como vicíimas de

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    iniqua e dupla extorsão, o Sr. conselheiro Affonsô Celsoexprimiu-sé nestes termos:

    « Os sérios inconvenientes da medida, porem, encaradasob este aspecto, não são os únicos ; outros patentêa ella,estudada pela face jurídica.

    « Decretado que en tra rão no pleno gozo da liberdade,todos os escravos que completarem uma certa idade , qualé a situação dos mais moços,, segundo o direito ?

    « Já não são escravos, passam a statu-liberi, isto é,homens que adquiriram a liberdade, que já possuem essedireito inauferivel, cuja effectividade, eníreíanto, ficadependendo de uma Condição de tempo.

    « Referindo-se á capacidade jurídica do slatu-liberi\ dizPerdigão Malheiro:. . . « I o , é elleliberto, embora condicional e não mais rigorosamente escravo ; 2o, temadquirido desde logo a liberdade, isto é, o dire ito ; ou

    antes, tem desde logo sido restiíuido á sua natur al condição de homem e personalidade ; 3o , só fica retardado opleno gozo e exercício da liberdade, até que chegue otempo ou se verifique a condição, á sem elhança dosmenores que dependem de certos factos ou tempo paraen trarem, emancipados, no gozo de seus d ireitos e actosda vida civil; 4o, pôde fazer acquisições para si, como os

    menores ; 5o

    , não é passível de açoites nem de penas, sóexclusivas dos esc ravos; nem ser processado como escravo ; 6o, não pôde ser alienado, vendido , hypo thecado,adquirido por emancipação ; é mesmo crime de reduz irpessoa livre a escravidão ; 7o, responde pessoal e directa*mente pela satisfação do delicto, como pessoa liv re , etc...»

    « A' luz des tas conclusões inatacáveis, accrescentouo mesmo conselheiro, « é fácil medir o alcance da providencia lembrada. Eqüivale á abolição em massa, in*

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    — I nstantânea, a qual è, e nem podia deixar de ser contra ria á opinião do illustrado S r. Presiden te do Conselho, como S. E x . disse na sessão da Câmara de 20 docorrente.»

    Em 15 do Ju nh o , em nome do governo, apresentou-se naCâmara dos Deputados o projecto emancipador, que fo;submettido ao estudadas com missões reunidas de or ça -'mento e justiça civil.

    O a r t . I o § I o do projecto era concebido assim :« O escravo de 60 annos, cumpridos antes ou depois

    d esta lei adquire ipso fado a liberdade.»Como era de espe rar, o incandescente assumpto, que

    ainda è a nossa veocata quceslio, alimentou animada polemica na imprensa, onde appareceram alguns paladinosa quebrar broquéis paio projecto, defendendo-o contraos golpes dos seus impugnadores. Um d'estes era o Sr.conselheiro Affonso Celso, que se íinha manifesíado noConselho d Eslado ; os sustentadores do projecto, com-prehendendo bem a influencia de tão auíorisado voto,começaram dando batalha ao temeroso adversário.

    Deixarei de parte a discussão na imprensa paraoccu-par-me somente, tanto quanto baste aos meus intuitos ,do parecer das commissões reunidas da Câmara dos

    Deputados, cujo rela tor foi o Sr . conselheiro Ruy Barbosa .

    N'esse luminoso parecer, que é iodo elle feitura sua,o disiincto parlamentar, passando em resenha as objecçõesformuladas contra o projecto, enfrentou com o S r. conselhe iro Affonso Celso, e acceitando o combate no terrenoem que fora offerecido, contestou o seu adversário n'estes

    termos :« O illu strado Sr . conselheiro Affonso Celso no seu pare-2

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    cer articulou contra o a r t . I o do projecto umaobjecção queconvém liquidar :

    « Decretado que en tra rão no pleno gozo da liberdadetodos os escravos que completarem uma certa idade, qualé a situação dos mais moços, segundo o direito ? Jánão são escravos, passam a statu-liberi, isto é, a homens que ad quir iram a liberdade, que já possuem essedireito inauferivel, cuja effectividade, en tre tanto, ficadependendo de uma condição de tempo.»

    «Não podemos concordar com S . E x . , nem quanto áqualificação de statu-liberi, applicada ao caso, nemquanto ás conseqüências que S. E x . lh e associa.

    « Statuliber è o servo que se acha destinado a serlivre em certo tempo, ou cumprida certa condição(1 . I o pr. D. de de statulib .) ; de onde se collige que essasituação tem um caracter ind ividual, resu ltante especialmente, em relação a cada beneficiado, de um actopar ticu lar da pessoa que o manu miííe, não de umaprovidencia geral, insiiíuida em lei, para uma geração inteira, sem nenhuma alteração expressa q uan toás relações habituaes entre ella e os senhores.»

    E, reproduzindo as conclusões de Perdigão Malheiro,continua o Sr. Ruy Barbosa :

    « O nobre senador classifica estas proposições — in -« atacaveis, no que absolutamente não convim os. Teixei-« ra de Freita s, estudando o assumpto com a sua recove nhecida proficiência, mosíra que, salvo cerías differen-« ças inherentos á acquisição condicionalmente fu tu ra« da liberdade, o statuliber aliena-se por venda, lib era-« lidade ou herança, pôde ser en treg ue em repa ração do« damno causado e está sujeito á mesma subordinação que« o escravo para com o senhor.

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    « Demos, porém, que no direito romano e no direito« civil pátrio á condição do statuliber se liguem os co -« rollarios juridicos que S. Ex . lh ea ttrib ue . Por que reg ra« superior de jurisprudência o Digesto, a Lei da Boa Ra-« zão, o Código da Lusiania hão de inhibir a autoridade« legislativa de crear uma condição nova, em que o escra-« vo, não obstan te a promessa legal da liberdade fuíun»,« não seja nem o statuliber das insíituições romanas nem« o da entidade figurada pelo Sr. Perdigão Malheiro ? Si

    « um a lei de hoje lhe afiança essa expectaíiva de liberda-« de eventua l ou condicional, que constitue o statuliber« mas ao mesmo tempo o declara escravo, não ó evidente« que a sua capacidade juridica ha de reg er-se por essa lei,« não pelas antigas, que ella implicitamente alterou ? »

    Façamos aqui uma pausa.

    Sabem todos que o gabinete de 6 de Junho não logrouos seus generosos intentos ; succedeu-lhe o ministériopresidido pelo venerando estadista o Sr . Saraiva, o qua lret irou-se do poder logo que passou na Câmara dosDeputados o projecto de emancipação por elle iniciado econvertido hoje na lei n. 3270 de 28 de Setembro de 1885.

    Ent re os dois projectos, ou melhor, en íre o projecto— Dantas — e a lei em execução, ha intimas analogias ;embora não se assemelhem, como os gêmeos da Eneida,a idéa capital de ambos era a libertação ou alforria dosescravos que atting irem a idade de 60 annos, e esta idéavingou no ar t. 3o §4 ° da lei, que é concebido nestaspalavras :

    « São libertos os escravos de 60 annos de idadecompletos antes e depois da data em que entrar emexecução esta lei, ficando, porém, obrigados a titulo

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    de indemnização pela sua alforria d prestar serviçosa seus ex-senhores pelo espaço de três annos. »

    Decreíando a alforria dos sexagenários, a lei alte rou acondição acíual dos escravos, emquan to não chegarem a60 annos, ou, ao envez disto, salientou bem que a condiçãodos escravos ha de re ge r-s e pelo regimen que e stabeleceu ?

    Ou porque, como opinou o S r. conselheiro RuyBarbosa, a situação do estado livre tem o carac ter de um

    beneficio individual, resu ltante de um acto pa ríicu lar enão de uma providencia ge ral em benefício de umageração, ou porque ( este argu mento é inexpugnável)nenhuma razão superior inhibe o legislador de crear umacondição nova para o escravo, não obsíante a promessalegal da liberdade futura, o que é certo,o que é inatacável, é que o legislador não cogitou de fazer do escravo

    de idade inferior a 60 annos um statuliber. .Comprehende-se, em these, a procedência da objecçãodo illu síre senador ; em hypothese não, um a vez quealei, alforriando os sexagenários, conservou os que ficam aesperar a sua vez no esiado servil an terio r. Os facíosvieram provar que S. E x . illudiu-se ; nem os escravosficaram estados livres, nem íão pouco foram abolidosem massa, como mostrou receiar.

    O estudo da lei em todos os elementos de interpretação,na sua construcção textual, na decomposição analyticado seu pensamento, na sua histo ria, no seu systema,emfimna harmonia de suas disposições convence a quem empre-hendel-o sem enthusiasmo e de animo desprevenido, quepela mente do legislador nunca passou collocar o escravoem um regimen differeníe daquelle em que permaneceuanterio rmente, ou por ou tra , modificar a sua posição

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    dian te do senhor, tornando-o menos dependente e sujeitodo que dantes.

    E' porventura o statuliber uma creação nova dodireito ?

    A alforria condicional é tão antiga como a esc ravidão ; tem coexistido com ella por todo o tempo quetem durado a nefaria instituição; bem o attesta »aOrd. L. 4o Ti t . 63.

    Si, pois, no regimen do nosso direito anterior àlei de 1885, o statuliber, isto é, o escravo a quemse prometteu a liberdade para certo tempo, ou sobcerta condição, conservou-se escravo, sujeito á obediência e poder do senhor, e cousa de commercio, paraque, transformada agora a sua essência, passasse aoccupar outra posição, seria indispensável ou que alei tivesse definido essa posição em condições diversas

    das que preexistiam, ou que o novo regimen fosseincompativel com o anterior.

    A lei n. 3270 de 1885 não cuidou de innovar esseregim en, muito pelo contra rio accentuou, com mãofirme, a condição do escravo que, em que peze aosmeus antagonistas, affoutamente se pôde afíirmar, continua em uma posição inferior áquella que imagi

    naram para o estado livre romano.

    Qual é o eixo da controvérsia ? Qual o nó intr incado do litígio, que o Instituto dos Advogados cortoucom a espada usurpada ao legislador ?

    Outro não é sinão este, que eu ouvi emphatica-mente proclamar : no Brazil não ha mais escravos;todos elles, sendo estados livres, não podem mais serobjecto de contratos.

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    Este postulado, peçovenia para dizel-o, é um contra-senso ju ríd ico ; com igua l pyrrhonismo se poderia negarà luz quando o sol passa pelo meridiano

    Estudando-se a lei na sua economia resaltam deliaas seguintes idóas principaes:

    a) manda proceder em todo o Império á matriculados escravos;

    b) exclue da matricula os escravos maiores de 60 annos ;c) dispensa de prestação de serviços os escravos

    maiores de 60 annos, que não forem ar ro la dos;d) incumbe ao credor hypothecario ou pignoraticio

    dar á matricula os escravos constituídos em garantia;e) cobra pela inscripção e arro lam ento de cada es

    cravo 1$000;f) dota o fundo de emancipação com o producto dos

    impostos geraes devidos de todas as transacções sobre

    escravos ;g) permitte a liberalidade directa de terceiro para a a l

    forria do escravo, exhibido o preço deste;h) declara intransferível o domicilio do escravo, ex-

    cepto — I o , si a transferencia do escravo fôr de umpara outro estabelecimento do senhor; 2o , si o senhormudar de domicilio; 3o , si o escravo tiver sido adqui

    rido por herança ou adjudicação forçada em outraprovíncia ; 4o, si o escravo evadir-se ;i) prohibe que seja alforriado pelo fundo de eman

    cipação o escravo que fugir da casa do senhor.j) pune os que acoutarem escravos;k) decreta que o direito dos senhores dos escravos á

    prestação dos serviços dos ingênuos, ou á indemnização emtítulos de renda, cessará com a extincção da escravidão .

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    Não é sin gu lar , não é mesmo estupendo, que, em vistade disposições tão claras , sem dubiedade, impenetráveis

    ao sophisma, se proclame aos quatro ventos que no Brazilnão ha mais escravos, quando a nação inte ira espera comanciedade e inquietação o desfecho da trem enda ba talhaque, ha já alg un s annos, se está ferindo no campo da política, pa ra se reso lver definitivamente a questão servil ?

    Si não ha mais escravos, si a escravidão acabou, o queandam, então, a fazer os nossos legisladores e estadistas,

    tão azafamados em descobrir a incógnita, que é objecto dassuas graves preoccupaçoes, si o Institu to dos Advogados,tão feliz como Archimedes, bradou já — eureka ?

    Si não ha mais escravos, como então continuam ellesa ser objecto de contrato; como podem ser vendidos,permutados, adjudicados, hypothecados, penhorados, eaccrescentarei: engeitados por vicios redhibitorios, comopermitte a Ord . 1.4 ° T it . 17, que não foi revogadaainda, e continuará a ser applicada emquanto o escravofôr cousa de commercio e tiver extracção nos mercados ?

    E quem affirma tudo isto é a lei de 1885, que declaraainda vigente a escravidão

    Esta s considerações são graves , da maior ponderação ;entretanto na sua memória o Sr. Dr. Silva Costa pareceudesdenhar dellas, e dou trinando-nos com Em erignon,lembrou que — violar o espirito da lei, fingindo respeitar -lhe a le ttr a, é fraude mais criminosa do que a abertaviolação do seu preceito. De accôrdo.

    Si houve alguém que violou o espirito da lei, procuremos quem praticou tão feia acção.

    « Pouco importa, diz elle, que na lein. 3270 de 1885se empregue o vocábulo escravo para dar a conhecer

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    a sua superioridade , a opinião do S r. conselheiro RuyBarbosa, auto ridad e de duplo va lor, não só pelo seugrande talento e admirável erudição, como por ser detodo insuspeito, pois nin guém , como elle, trouxe aindaà causa abolicionista mais opulenta e esplendida contribuição .

    Depois de refutar os argum entos do S r. conselheiroAffonso Celso quanto ás conseqüências da decretação daalforria a term o, assim exprimiu-se o Sr. conselheiro

    Ruy Barbosa:«Mas, quando todas estas reflexões ( as que deixámos

    transcrip tas ac im a) não deixassem absolutamente desvanecida a duvida que S. E x . suscita, bastaria para lheresponder o texto do projecto.

    « Affirma o Sr. senador Affonso Celso que a libertação estabelecida para todos os escravos que chegarem

    a 60 annos chama á condição juríd ica de statuliber todosos captivos existen tes no paiz, e conclue S . Ex. ,inhibe de ora em d iante a alienação, a venda, a hy-potheca de escravos . Mas será possível man ter-sepor um m omento essa proposição ante o contexto de umalei ( qual seria a planejada no projecto ) que os qu al ifica formalmente — escravos, que os manda m atricula rsob pena de extinguir-se o domínio do senhor, que estabelece uma tarifa de valores para as alforrias, queassocia á mudança de residência a acquisição da liberdade,que autoriza o penhor de escravos, que fixa tax as paraas alienações de escravos por troca, doação, pagamento, dote, arrematação, adjudicação, compra evenda ?»

    Aquillo que o Sr. conselheiro Ruy Barbosa deduziu do

    texto do projecto, deduzi eu da lei, que está em exe-

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    cução; e si a lei , como era também intuito do projecto,ao passo que qualifica formalmente o estado livre comoescravo, respeita o dominio do senhor, em quem reconhece explicitamente o direito de alienal-o por ti tulo gratui to ou oneroso, evidentemente só por um lapso omeu illustrado antagonista poderia affirmar que em pregando a palavra escravo a lei usou de uma expressão in-correcta ; repugna tanto conceber isso, como que, considerando o liberto condicional um homem liv re já , a lei

    permitte, não obstante, que seja vendidoE si a nossa organisação social e política não consente,

    como também se affirmou, em um estado de meialiberdade, o que devemos concluir? Que o escravo quenão attíngiu ainda os 60 annos e espera o adventoda idade, é inteiramente livre? Si livre, como pôde servendido ?

    Nada de tergiversações]e interpollações. Sendo termi-nan te o tex to da lei, que mantém o escravo comocousa da commercio e por isso permitte que seja hy-pothecado, penhorado, adjudicado, vend ido ; sendo, pordisposição não menos expressa, estatuído que o productodos impostos geraes (porque dos provinciaes não podiadispor) de transmissão da propriedade — escravo — sejaapplicado ao fundo de emancipação (leis n . 2040 a rt . 3o

    § I o , e 3270 a rt . 2o § Io), é uma heresia affirmarque o estado livre, como o concebeu a lei de 1885, éum estado intermediário entre a liberdade resolutivae a 'plena.

    Talvez que o erro seja meu, lendo na lei aquillo quenella não está escripto

    Si é assim, bom serviço prestaria á causa abolicionista quem, e ninguém mais competente do que o

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    Instituto dos Advogados, suggerisse o meio pratico de

    se pedir ao Estado e ás províncias a restituição deavultados cabedaes, que sob o nome de impostos detransm issão, conhecidos no antigo direito fiscal pelo de— meia sisa — , entram annualmente nas suas arcas,cobrados de criminosas transacções, cujo objecto temsido e continuará a ser o escravo.' Que pingue reforço para o fundo de emancipação

    III

    Tendo demonstrado que a situação jurídica do escravo,especialmente após a promulgação da l e ín . 3270 de 1885,não é a do estado livre, como tan to se esforçou por

    persuadir o illustrado au tor da memória, entra rei agoraem ou tra ordem de idéas, analysando o valor jurídicodas conclusões com que rematou o seu traba lho, e foramadop tadas pelo voto do Ins tituto dos Advogados.

    I . Perante a lei civil o estado livre tem o direito depropriedade, adquirindo bens que constituem o seupecúlio:

    Esse direito não é do estado livre; é de todo oescrav o; não o introduziu a lei de 18 85 ; é, sim, crea-ção da lei n . 2040 de 28 de Setembro de 1871 ar t. 4°,a qu al, sanccionando o costume, permittiu ao escravoa formação de pecúlio por doação, legado, ou por trabalho e economia, consentindo o senhor.

    Deste pecúlio o escravo não tem administração, nemdisposição; ou fica em poder do senhor a render, ou

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    é recolhido a caixas econômicas ou estações fiscaes.(Art. 48 e seguintes do Decr. n . 5135 de 13 de Novembro de 1872.)

    I I . Recebe e transmitte bens por herança :

    Não é direito do estado livre; é direito do escravo.(Lei n. 2040 art. 4o, Decr. 5135 art. 59.)

    A transmissão de taes bens não se opera por actode disposição inter-vivos ou causa mortis; opera-se,sim, ex potestale legis; esses bens passam ao herdeiropor direito civil, e, em falta delles, para o fundo deemancipação.

    I I I . Contrata com terceiro a prestação de serviçospara indemnizar aquelle a quem os deve :

    E' ainda um favor da lei n. 2040 art. 4o § 3o, mas

    com a cláusula de consentir o senhor; e só tem senhorquem é escravo. Hoje é permittida a liberalidade directade terceiro para a alforria do escravo, uma vez quese exhiba o seu preço (lei n . 3270 a r t . 3o § 3o), oque importa ainda respeito ao direito do senhorio, quea lei reconheceu e sanccionou.

    IV . Contrahe nupcias:

    Em todos os tempos permittiu-se o casamento'entreescravos, consentindo o senhor, sem que este facto importedireito para o escravo de fundar familia como quizer efora da casa do senhor. As leis da Igreja consentem nessaalliança, por ponderosas razões de moralidade e para evita ros escândalos do contubernio. E como nuptias consensusfacit suppre o senhor o consentimento do escravo . (Decr.

    n . 5604 de 1870, a r t. 63).

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    V . — Perante a lei criminal responde pelas acçõesou omissões voluntárias contrarias ás leis penies :

    Sim, como todo agente criminoso, sem distincção decondição, excepto si achar-se comprehendido em algumadas causas de escusa enum eradas no a r t . 10 do CódigoCrim inal ; com esta differença, porém, que os indivíduoscomprehendidos nesse artigo, comquanto não sejam punidos, todavia são os seus bens sujeitos á satisfação do malcausado , ao passo que é obrigado á satisfação, posto nãoseja delinqüente , o senhor pelo escravo até o valor deste(Art. 28 do Código Criminal).

    Chamava-se a isto em direito romano dar o escravo ánoxa; mas não só o escravo, como o estado livre, podiaser dado a noxa, sem prejuízo porém da condição, spemlibertatis non adimit (ff. 9, 4 fr. 14 § lOCod. 7, 2 13 ).

    V I . — Perante a jurisdicção civil litiga sob cura-tela ofjficial:

    Mas somente nas causas em que contende com o senhor,fora disso apenas tem a representação judicial que osenhor lhe em presta.

    VII . — Perante a jurisdicção criminal accusa por

    este o promotor público ou qualquer do povo, sendoesse um dever daquelle e um direito deste; e quandoaccusado, responde perante a jurisdicção ordinária, livre das leis odiosas estatuídas em relação aescravos:

    Como acontece no civil, assim também no criminal oescravo é representado em juizo pelo senhor, salvo si comelle contende ; só neste caso pôde o promotor publico ou

    qu alq ue r do povo promover a accusação criminal con tra

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    O senho*'» a quem pertence o direito de queixa a favor doescravo, art. 72 do Código do Processo.

    Não de hoje, mas de todos os tempos, o escravo foi ju lgado perante a jurisdicção ordinária e pela mesmafôrma de processo que o homem liv re , sendo-lhe appli-cada a pena de açoites em substituição de qualqu er ou traem que incorresse, excepto a de morte e galés, exviioart . 60 do Código Crim inal, revogado, hoje pela lein . 3310 de 15 de Ou tubro de 1886, que aboliu a pena deaçoites. Subsiste, porém, o direito do senhor para castigar

    moderadamente o escravo (a rt . 14, § 6o do Código Criminal), e pôde ser ainda julgado pelo modo excepcional dalei de 10 de Junho de 1835; nenhum a destas duas disposições está revogada e não se subentende a revogaçãovirtual das leis repressivas.

    VII I .— Na instrucção dos processos pode comparecer como testemunha, perito:

    Esta conclusão é uma das mais singu lares : por direitoexpresso o escravo foi sempre repellido como testemunha(Código do Processo ar t . 89 — Ord. Liv . 3o Tit. 56 § 3o .Decr. n. 737 de 1850, a rt . 177.)

    Si a condição serv il é uma causa de incapacidade queo inhibe de ser testem unha, como pôde o estado livre seradmittido a funccionar como perito, arbit rad or , quandoessas funcções somente podem ser exercidas por quemnão está collocado em relação de dependência ou sujeiçãoa ou trem , e são, como quaesquer funcções civis, incompatíveis com a prestação de serviços a que é obrigado ?

    Si porque o estado livre é obrigado a prestar serviçosestá incompatibilisado para o trafego da tabe rna, supp o-

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    nhamos, como, subsistindo essa obrigação.não estáMmpe-dido de ser perito, isto é, exercer uma funcção c ivi l? ' '

    Si o estado Uvre não tem , como ainda reconheceu umadas conclusões votadas pelo Instituto , a livre administraçãode sua pessoa e bens e por isso não pôde commerciar, comoentão pôde exe rcer funcções que são incompatíveis comhábitos cie subordinação e obediência passiva ?

    E si a obrigação de p resta r serviços não é a causa dincapacidade, como então, com manifesta incoherencia,se recusa a quem pôde ser arbi tra do r, perito o munuspublico da tutela e da curatela ?

    IV

    Ahi fica esboçado com todos os at tribu tos do seu serjurídico o estado livre, que sahiu do plano arterioso da

    integração brazileira, e que o meu distincto antago-nista vestiu com roupas da moda para desviar a nossaadoração pelo vazio ídolo.

    Pois bem ; comparae esse estado livre, que como coisade commercio pôde ser alienado, com o estado livre pa-leontologico dos romanos, que não podia sel-o, comoaffirmam os que não guard am superstição pelos ídolos, »•

    dizei em consciência : qual delles se acha em uma situaçãomais favorecida? Parece que este; mas em minha humildeopinião nenhum delles, porque reputo idêntica a condiçãode ambos, e accrescen tarei ainda : um estado livre aomesmo tempo coisa e pessoa, que não tem a livre administração de sua pessoa e bens ; sujeito e objecto de direitos,dependente e independente, não é homem nem pessoa, éaquillo que os romanos chamavam — monstrum.

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    A verdade à que chegamos sem atavios de rhetoçica e+ pompas de estylo é esta : *

    O escravo actua l, segundo o espirito da epooha, e o estadodo direito civil pátrio, não é pessoa no rigor da techno-logia scientifica, porque apenas frue a lguns direitos quenão lhe communicam capacidade ju ríd ica, e goza da efficazprotecção da lei, que o ampara con tra as injustiças eabusos do senhor; mas, não obstante essas concessões dalei,- conserva immutavel a condição prim itiva, a máculaoriginal, que o fere de incapacidade para a vida

    , civil.Diante da lei, do direito escripto, especialmente após a

    promulgação da lei de 23 de.Setembro de 1885, a soluçãonão pôde ser diversa ; o legislador, elle unicamente, tema competência constitucional para resolver radicalmenteo problema, extinguindo a instituição que entro u já naultim a phase da agonia. Muito modesto é o papel dointerprete da le i ; parte integrante da milícia togada, oadvogado explica a lei, como o juiz a applica ; nenhumdelles legisla.

    Por todas estas razões, em meu humillimo conceito, ovoto do Instituto dos Advogados foi exo rb itante; legislou,còm manifesta incompetência, e sob a impressão das paixões do dia, que podem emocionar uma assembléa política

    deliberante, nunca uma sociedade de jurisperitos que secongregam para d iscutir pontos de doutrina o resolvercontrovérsias jurídicas.

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