BARBA, Eugênio. O espaço interno.pdf

download BARBA, Eugênio. O espaço interno.pdf

of 2

Transcript of BARBA, Eugênio. O espaço interno.pdf

  • 7/30/2019 BARBA, Eugnio. O espao interno.pdf

    1/2

    C

    OOOOO espao in t e re spao in t e re spao in t e re spao in t e re spao in t e rn on on on on o

    EEEEE ugenio Barba

    Eugenio Barba encenador, diretor do Odin Teatret.

    ada um de ns que comece a fazer tea-tro se confronta com quatro questes, edeve resolv-las de maneira absolutamen-te individual.Como fazer teatro? Como alcanar tama-

    nha eficcia em sua relao com o espectador, oque ns podemos denominar de o artesanato, oaspecto tcnico, o savoir-faire? Como utilizar asua prpria presena psquica, mental e fsicapara suscitar no espectador algumas qualidadesde energia que restabelecem o dilogo do espec-

    tador com ele mesmo, com sua prpria histriapessoal e histrica?

    Por que fazer teatro? Por que ns passa-mos anos e anos aprendendo, nos impondouma autodisciplina? Que voz ntima essa quenos cochicha baixinho? essa a verdadeira es-sncia e sabemos que esse cochicho ns nopodemos formular em palavras sem que nos tor-nemos ridculos, sem que fiquemos profun-damente vulnerveis.

    Onde fazer teatro? Dentro da instituioteatro ou fora da instituio? Em um hospital,uma priso, na rua? Existe uma grande diferen-a no que diz respeito viso de mundo, a uma

    tomada de posio, e tambm do ponto de vis-ta tcnico.

    Por quevoc faz isto? Quem o seu es-pectador? Seu espectador, e no seus espectado-res. Na verdade, todo o trabalho comea sempensar no espectador. Ele comea sempre comuma dose de insegurana, deixando jorrar todasas associaes, as idias, as vises mais estranhas,mais chocantes. Depois chega um momento emque o encenador no mais o camarada, o par-ceiro leal de seus atores, em que o encenadormuda definitivamente de campo e em que elese torna leal para com seus espectadores. o

    momento em que todo o processo comea a serjulgado segundo a percepo do espectador.

    Mas qual espectador? Quem o especta-dor que me acompanha? Com quem eu dialo-go, com quem eu posso me medir, que possame dar retorno se um pequeno detalhe que meuator trabalhou durante horas e horas ser ou noeficaz? No incio, quando eu comecei a traba-lhar com os atores, eu no sabia muita coisa.Quando eu tinha problemas, comeava a andarpela sala, parava em um canto onde existia umespectador invisvel: Grotowski, com quem eutinha trabalhado trs anos. Eu lhe perguntava:Como eu vou resolver isto?. Ele me dava res-

    postas. Mas eu pensava que se eu fizesse o queele me dizia, todos me tomariam como um

    9

    R1-A1-EugenioBarba.PMD 15/04/2009, 08:249

  • 7/30/2019 BARBA, Eugnio. O espao interno.pdf

    2/2

    sssss a l a ppppp re ta

    10

    mero imitador. Ento eu mudava. Este momen-to, em que minha indeciso e minha inseguran-a puderam se confrontar com este espectadorto severo, mas que reagia, engajado, a todas asminhas idias, foi essencial. Com o tempo, esteespectador ficou no meu esprito, mas outrosespectadores se juntaram a ele. Atualmente,existem ao menos quatro.

    Existe uma criana. As crianas, quandoainda pequenas, no tm a capacidade de abs-trao. muito importante fazer um espetcu-lo que uma criana de trs anos possa compre-ender. Ento, eu trabalho de maneira a realizarum esqueleto dramatrgico essencial e simples.

    Existe tambm um espectador surdo.Atravs do visual, eu devo lhe contar aquilo queas palavras no lhe contam.

    O terceiro espectador cego. Tudo repou-sa ento sobre a maneira com que eu crio o si-lncio, com que eu crio o espao atravs da voz.A voz lhe d a sensao de que ele pode relaxarou prestar ateno porque alguma coisa est l.Tudo isto em relao ao texto, o que quer dizeruma montagem que, por um lado, utiliza aspossibilidades sonoras da lngua, e, por outro,

    todas as associaes semnticas que ele podenos fornecer.

    O quarto espectador Jorge Luis Borges,o homem que leu todos os livros. Ento, o espe-tculo vai estar repleto de detalhes, associaes,citaes que somente Borges vai compreender.

    Um dia, eu descobri que este espectadorfundamental, que de incio eu chamava deGrotowski, tinha se transformado. Ele virouuma espcie de olho que me v e me julga, eque me permite transcender a prpria situaodo teatro. E a eu me religo a uma tradio, auma histria, minoritria, mas bastante forte,de um teatro que sempre lutou para que o es-petculo perca a sua funo esttica de espe-tculo e adquira outro valor para cada especta-dor individual.

    Eu denominei a minha interveno OEspao Interno, porque tudo o que eu disse dosdiferentes espectadores no se enderea a umespectador real, isto se enderea a um especta-dor interno. Isso que eu tentei criar uma plan-ta que ns devemos proteger e, sobretudo, noforar, pois corremos o risco de desenraiz-la.Uma planta que possa pulsar nesse espao cen-tral que est em nosso interior, nessa parte dens que vive exilada, que gostaria de reaparecer

    e viver em sua prpria terra, visvel, mas quecontinua l, escondida.

    RESUMO: O autor aborda seu modo particular de conceber o ato do espectador, e como em suasencenaes se relaciona com o espectador imaginrio com quem dialoga durante o processo deconcepo da cena teatral.

    PALAVRAS-CHAVE: teatro, espectador, recepo, produo, processo teatral.

    R1-A1-EugenioBarba.PMD 15/04/2009, 08:2410